O SYLLABUS DO PAPA PIO IX
(continuação)
condenada pelo "Syllabus" sob n° 56 e extraída da Alocução "Maxima Quidem").
E apesar desse poder arbitrário posto nas mãos do Estado e de seus corpos legislativos para espoliar indivíduos e famílias, ainda há progressistas com bastante coragem para afirmar que os povos, nos tempos modernos, atingiram a idade adulta, conseguindo plena autonomia em sua esfera própria, o que em linguagem clara quer dizer que os governos e todas as instituições públicas não mais têm necessidade dos conselhos e da orientação da Igreja, pois "a ciência moral e a ciência filosófica, bem como as leis civis, podem e devem separar-se da autoridade divina e eclesiástica" (proposição condenada pelo "Syllabus" sob n° 57 e extraída da citada Alocução "Maxima Quidem").
O FALSO E ÚTIL PRINCÍPIO DA NÃO-INTERVENÇÃO
Vivemos em uma época de impostura, em que povos inteiros jazem sob o guante de ditaduras socialistas com a cumplicidade de potencias chamadas democráticas. Aceita-se sem mais exame o fato consumado, sempre que ele favorece a bolchevização, — o que equivale a dizer que "a injustiça de um fato coroada de êxito não prejudica em nada a santidade do direito" (proposição condenada pelo "Syllabus" sob n° 61 e extraída da Alocução "Iamdudum Cernimus", de 18 de março de 1861).
A autonomia dos povos, segundo os cânones revolucionários, há de ser entendida preferentemente no sentido de mantê-los sob a servidão socialista. Os casos da Europa Oriental, de Cuba e da Argélia se tornaram clássicos nesse aspecto. Para impedir a ajuda exterior aos que sofrem as injustiças de um regime totalitário dentro desses países, é alegada a autodeterminação dos povos. Assim é que esta é confundida na prática com o falso princípio de não-intervenção, tão injusto e contrário ao direito das gentes hoje como nos dias em que o Rei da Sardenha e Garibaldi começavam suas criminosas incursões pelos territórios pontifícios, sem que as potencias católicas esboçassem um gesto eficaz em favor dos direitos da Igreja cruamente espezinhados. Já se sabia então, como em nossos dias, que para a promoção da causa revolucionaria é sumamente útil "proclamar e observar o princípio chamado da não-intervenção" (proposição condenada pelo "Syllabus" sob n° 62, extraída da Alocução "Novos et Ante", de 28 de setembro de 1860).
QUEM SABE SE AO MENOS EM MATÉRIA DE CASAMENTO...
Já se vê como é absurdo dizer que a Encíclica "Quanta Cura" e o "Syllabus" de Pio IX são documentos superados e sem aplicação nos dias que correm. Os fatos que se vêm desenrolando aos olhos de todo o mundo, após sua publicação, mostram que a não observância dessas diretrizes da Santa Sé pode e deve ser responsabilizada por clamorosas injustiças e atrozes sofrimentos infligidos a povos inteiros que se veem oprimidos cada vez mais pelo jugo totalitário.
Estará o "Syllabus" superado pelo menos no que diz respeito à condenação de erros sobre o matrimonio cristão? Jornais e convites hoje frequentemente aludem ao casamento perante o Sacerdote como mera benção nupcial, o que corresponde à ideia cada vez mais generalizada de que seria verdadeiro casamento o ato realizado diante da autoridade civil. Continua pois tão atual como o era ao tempo de Pio IX a proposição condenada pelo "Syllabus" sob n° 66 e extraída da mencionada Carta Apostólica "Ad Apostolicae": "O Sacramento do Matrimonio não é mais do que um elemento acessório do contrato e separável deste, e o próprio Sacramento não é outra coisa que a benção nupcial". Do mesmo modo, a legislação de vários países católicos admite o divórcio e onde esse flagelo social ainda não foi transformado em lei, inúmeras têm sido as tentativas feitas nesse sentido com o apoio de muita gente que se diz católica. Nem por isso deixa de ser condenável hoje, como há cem anos atrás, a asserção de que "o vínculo do matrimonio não é indissolúvel por direito natural, e em certos e determinados casos é permitido ao poder civil sancionar o divórcio propriamente dito" (proposição n° 67 do "Syllabus", extraída da Carta citada e da Alocução "Acerbissimum", de 27 de setembro de 1852).
OS QUE NUNCA CHEGAM AO CONHECIMENTO DA VERDADE
Desejaríamos que cada um destes tópicos fosse analisado e discutido pelos modernistas e progressistas à luz da doutrina promulgada pelos últimos Papas — inclusive a que nos chega do Vaticano pelo último avião — para que nos dissessem em que ponto há uma discrepância, por mínima que seja, entre o que foi disposto há um século pela Santa Sé e o que agora é reconhecido, sem sombra de dúvida, como a legítima doutrina da Igreja.
Mas, poderão retrucar, por que tanta preocupação com documentos publicados há tanto tempo, quando temos um sem número de pronunciamentos dos últimos Papas que, sendo mais recentes, por certo hão de tratar de temas mais oportunos, de modo mais atual? Este é um argumento frequentemente repetido por aqueles que, no dizer de São Paulo, "aprendem sempre e nunca chegam ao conhecimento da verdade" (2 Tim. 3, 7). Em primeiro lugar devemos observar que os ensinamentos pontifícios não caducam com o decorrer dos anos, de modo a precisarem ser substituídos por outros mais novos. Antes, são eles interpretados e completados uns pelos outros. Assim, por exemplo, quando João XXIII mostra a grande conveniência de se promover a cogestão e a participação nos lucros das empresas, não derroga o que Pio XII ensinou quanto ao fato de não se tratar de um direito natural do trabalhador. Em segundo lugar, na passagem deste primeiro centenário da Encíclica "Quanta Cura" e do "Syllabus" de Pio IX, estamos relembrando temas concretos que manifestamente continuam palpitantes e vivos como há cem anos atrás. Aceitemos com docilidade e pleno acatamento não somente as diretrizes doutrinarias dos últimos Papas, mas também as de todos os seus Predecessores, não vendo contradição ou antagonismo entre elas — do mesmo modo que não vemos antagonismo ou contradição nas páginas dos Evangelhos — mas uma longa e concatenada serie de explicitações e de aplicações práticas dos princípios contidos na Revelação e na lei natural.
INVOQUEMOS AQUELA QUE DESTRUIU TODAS AS HERESIAS
A verdade é que "a Igreja não tem modas. Nosso Senhor é sempre o mesmo". E o totalitarismo do Estado tanto era condenável ao tempo de Decio e de Diocleciano, como nos dias de Chu En-lai e dos sucessores de Kruchev. Bendigamos portanto o grande Papa da Imaculada Conceição por essa imensa dádiva de ensinamentos doutrinários que poderiam ter desviado a humanidade das ciladas que lhe estavam preparadas, mas que infelizmente, em sua quase totalidade, foram repudiados por aqueles que, servos dóceis da Revolução, vêm conduzindo os povos, disfarçada ou abertamente, para a mais atroz servidão totalitária.
Como escapar dessa ameaça de um novo cativeiro de Babilônia? Israel teve esse castigo porque voltou as costas ao verdadeiro Deus. A humanidade, qual novo filho pródigo, deve reencontrar o caminho da casa paterna. "Peçamos e receberemos; e se o atendimento de nossas petições se faz esperar, porque pecamos gravemente, batamos, porque a porta se abrirá a quem bate, contanto que quem bata sejam as orações, os gemidos e as lágrimas, nos quais devemos insistir e perseverar, e contanto que a oração seja unânime (...), que todos orem a Deus, não somente por si próprios, mas por todos os seus irmãos, como o Senhor nos ensinou a orar" (São Cipriano, Carta 7, 2, 7 — PL 4, 241 e 244). E para que Deus atenda mais facilmente a nossas orações e votos, (...) ponhamos confiadamente como advogada diante dEle a Santíssima e Imaculada Mãe de Deus, a Virgem Maria, que destruiu todas as heresias no mundo inteiro; e que, Mãe amantíssima de todos nós, "é suavíssima (...) e cheia de misericórdia (...), se mostre propícia a todos, com todos clementíssima, e com imenso afeto socorra as necessidades de todos" (São Bernardo, Serm. sobre as 12 prerrog. de Maria, 2 — PL 183, 430)" (Encíclica "Quanta Cura").
O MÉDICO, O DOENTE E OS SACRAMENTOS
E. M.
Sob o título o médico, o doente, o moribundo o Dr. Joaquim Moreira da Fonseca, professor emérito da Universidade do Brasil, vem de apresentar uma comunicação à Sociedade Médica de São Lucas, do Rio de Janeiro.
Após analisar de modo rápido as virtudes que devem ornar quem se dedica ao exercício da medicina — tais como a paciência, a bondade, a dedicação, a seriedade profissional, coroadas pela caridade, virtude bem distinta do altruísmo vazio e da vã filantropia — o Autor se detém diante do problema da morte. Mostra que o médico, mesmo que não seja religioso, tem o grave dever de usar da sua influência para lembrar, aconselhar e facilitar que o paciente receba os Sacramentos da Igreja, na hora terrível em que se decide a sua sorte eterna.
Contra o argumento tão comum de que essa atitude pode assustar o doente, lembra o ilustre professor a frase, repassada de bom senso, de um médico que dizia ser preferível entrar no Céu assustado do que no inferno sossegado.
Elogia a iniciativa do Prof. Genival Londres, que fez colocar em todos os quartos do sanatório que dirige no Rio de Janeiro, um impresso intitulado "A Santa Unção, Sacramento dos Enfermos", cujo objetivo é esclarecer o doente e sua família sobre os benefícios desse Sacramento, que são a absolvição dos pecados, a coragem em face da morte e, quando conveniente, a recuperação da saúde.
Lembra ainda o Prof. Moreira da Fonseca que o médico e as pessoas que cercam o moribundo devem, com a necessária prudência, e enquanto se aguarda o Sacerdote, estimular o doente a se arrepender sinceramente dos seus pecados, confiando na misericórdia divina e na intercessão de Nossa Senhora.
O estudo do Prof. Joaquim Moreira da Fonseca constitui para os médicos, e para os católicos em geral, uma belíssima lição, cujo conteúdo contrasta de modo contundente com tudo o que ensina a esse respeito o neopaganismo hodierno, voltado tão somente para a matéria e para a felicidade neste mundo que passa.
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Mão e contramão em matéria de sentimentalismo
Plinio Corrêa de Oliveira
Vendo as fotos desta página, certas pessoas talvez se perguntem desde logo: "Catolicismo" tomará posição aqui, pelos negros ou pelos brancos?
Respondemos que do ponto de vista racista, nem por uns nem por outros. É ridículo, máxime neste século em que pretos e brancos têm praticado tão terríveis crueldades, perguntar se estas são atribuíveis a fatores inerentes a uma raça, e dos quais a outra estaria isenta.
Deixe-se pois de lado toda e qualquer "arriére-pensée" racista, para tratar com mais seriedade dos trucidamentos praticados no Congo de Leopoldville pelos rebeldes de Christophe Gbenye e de Gaston Soumialot.
E, como pede a objetividade, antes de emitir juízos lembremos muito sumariamente os fatos.
Perto de Bukavu, capital da província congolesa de igual nome, rebeldes apresentam armas - arcos e lanças - ao líder lumumbista Gaston Soumialot ( à direita ). Um sentimentalismo humanitário tolo e vazio favoreceu no Congo ex-belga o renascimento de uma barbárie que assume os mais variados aspectos: desde os chapéus caricatos destes guerrilheiros, até as piores crueldades e o canibalismo ritual. Quem lucra com isso, senão o comunismo?
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A imprensa diária deu notícia, especialmente, de dois grandes morticínios. Um deles ocorreu na Praça Lumumba, em Stanleyville. Elevado número de reféns europeus - inclusive mulheres e crianças - foi para lá conduzido, e sobre eles foram disparadas rajadas de metralhadoras. Houve muitos mortos e feridos. A chacina só cessou quando penetraram na praça os paraquedistas belgas.
Habitantes da cidade de Boende informaram haverem sido chacinados ali 4 mil trabalhadores congoleses de uma propriedade agrícola.
Morticínios feitos a pauladas, por decapitação, por meio de gasolina vertida na boca das vítimas e posteriormente incendiada, por combustão total, e métodos congêneres, enchem de horror os noticiários.
Espancamentos, violação de mulheres, atos de selvageria e canibalismo com significado religioso e ritual ( quais sejam desmembrar e destripar vítimas, comer-lhes o coração ou usar este como fetiche ), nada do gênero faltou à interminável sequência de monstruosidades que os jornais divulgaram nos dias macabros da grande hecatombe congolesa.
As fontes dessas narrações horríficas? Os refugiados chegados à Bélgica, os repórteres das grandes agências telegráficas.
São suspeitos enquanto brancos? Temos então o relatório oficial dado a público por Moisés Tshombe, que é negro.
Tshombe é suspeito por ser adversário do lumumbismo? Temos então as narrações precisas e insuspeitas de Sacerdotes e Religiosas que exerciam desinteressadamente suas atividades no Congo, e que contam as atrocidades que presenciaram, que sofreram, e em resultado das quais viram morrer outros Sacerdotes, outras Religiosas. Nem falta o relato horrível de freiras violadas...
Há mais na ordem das provas. É uma prova negativa, mas esmagadora. Se, por absurdo, todas estas acusações não passassem de uma imensa calúnia, as nações da África - que em tão grande número se mostraram hostis à intervenção belgo-norte-americana - poderiam, ato contínuo, ter requerido um grande inquérito por parte da Santa Sé ou da ONU para apurar os fatos. Ora, nada disto elas pediram...
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Como explicar que se tenha chegado ao extremo de tais cenas no Congo ex-belga?
Um sentimentalismo humanitário tolo e vazio, difuso em certos ambientes do Ocidente, é a explicação. Tal sentimentalismo, desde o início do movimento emancipador africano, tomando por argumento abusos incontestáveis do colonialismo, se transformou em um ódio ao Ocidente e em uma xenofobia exacerbada.
À causa da emancipação africana, defensável em si mesma, associou-se assim um elemento extrínseco, que procurou explorá-la ao máximo, e que acaba de mostrar no Congo seus mais extremos e característicos efeitos.
O próprio desse sentimentalismo é que ele é altamente discriminatório. Para o nativo, reputado sempre bom, ele só tem ternura. Para o colono branco, sempre tido por mau, ele só tem dureza. Isto é quanto à África como a qualquer parte da terra.
Que esse romantismo tolo existisse antes dos trucidamentos, já é de si censurável. Mas que ele se tenha manifestado em um sentido e não no outro, mesmo depois das chacinas, como explicá-lo?
Qualquer bonzo, por exemplo, que a si próprio criminosamente se queime no Vietnã, desperta muito mais compaixão em certos ambientes, do que o morticínio de missionários que agora ocorreu no Congo. Qual a causa de haver em matéria de sentimentalismo mão para os bonzos, e contra-mão para os missionários católicos?
Qualquer excesso racista ocorrido nos Estados Unidos desperta prantos universais, às vezes merecidos, e às vezes exagerados. Como explicar que prantos indizivelmente maiores não se tenham feito ouvir a propósito do Congo?
Se um governo anticomunista tivesse empregado, na repressão de um levante vermelho, métodos de longe comparáveis aos dos lumumbistas congoleses, que bramidos de protestos! E agora, por que em certos arraiais tanto silêncio?
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Demagogia sentimental esquerdista, que fazes a pior das discriminações, isto é, em matéria de justiça e de bondade, o que és com teus ares blandiciosos, senão um artifício de guerra psicológica, a serviço de Moscou e Pequim?
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Pena dos torcionários congoleses... há maior embuste do que essa pena? É ter pena deles, o ter permitido condições em que pudessem praticar os atos que tiveram o infortúnio de praticar?
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Claro, bem claro esteja que estes comentários não constituem uma aprovação do mal que a par do bem o colonialismo fez no Congo belga. E nem a expressão do desejo de que esse colonialismo continue indefinidamente.
São o protesto contra o fato de ter sido conduzida neste espírito a luta em favor de uma causa simpática em si mesma, como seja a da independência das nações africanas.
São, mais do que tudo, o protesto contra o sentimentalismo oco sistematicamente explorado nos países do Ocidente pelo comunismo, como um dos melhores artifícios para sujeitar a seu domínio toda a terra.