A contenda sino-russa será uma farsa em que cabe à China o papel de dragão terrífico — como este que operários de Shangai conduzem num desfile comunista — próprio para impelir largos setores do Ocidente para o comunismo da linha soviética?
DO VELHO PACTO RIBBENTROP-MOLOTOV
À CISÃO ENTRE RÚSSIA E CHINA
Alberto Luiz Du Plessis
Se é verdade que a revolução comunista russa trouxe extermínio e desgraça para uma infinidade de pessoas, propiciou, no entanto, o aparecimento de uma numerosa e próspera coletividade: a dos especialistas em assuntos soviéticos. Mergulhados no mar burocrático em que se compraz a hierarquia vermelha, vemo-los manobrar habilidosamente por entre os Komintern, Kominform, NKVD, Secretarias, Comissões, Presidiuns, Soviets supremos e regionais, e toda uma variedade de denominações e de siglas, capaz de fazer as delicias de um charadista. É verdade que de tais especialistas se quereria muito mais que previssem do que explicassem a posteriori; e esta capacidade de previsão, infelizmente, lhes tem faltado de maneira completa. Toda vez que um deles assegura, graças a informações altamente credenciadas, recebidas diretamente da Europa Central, que o grupo revisionista está mais firme no Kremlin do que nunca, vemos uma reviravolta que ameaça colocar no poder a ala stalinista; toda vez que eles nos afirmam que os bens de consumo terão prioridade na produção soviética, em detrimento da indústria pesada, lemos, pouco depois, a notícia da construção de uma siderúrgica gigante. Enfim, ninguém é perfeito.
De algum tempo para cá, um novo e ponderável elemento vem servindo de tema de discussão para os nossos técnicos: a cisão sino-soviética. Multiplicam eles as análises profundas de tal cisão, examinando as causas do fenômeno e as suas consequências para a política mundial e para a vida interna dos vários partidos comunistas, tudo apoiado em discursos dos líderes vermelhos e atas dos congressos comunistas, sem faltar a artilharia pesada das citações de Marx e Lenine. Parece-nos, todavia, que uma questão fundamental tem sido perfeitamente esquecida nos artigos destes comentaristas: a de saber-se se esta desavença é completa, como aparenta, ou se se trata apenas de divergências de pormenor, ou, ainda, se tudo não passa de uma manobra para favorecer a disseminação universal do comunismo.
Bizantinice?
De tal maneira se tornou usual apresentar como líquida e certa a cisão entre Rússia e China, que compreendemos que a terceira hipótese pareça uma bizantinice fora de propósito. No entanto, em várias ocasiões, e em meios que pela sua própria posição são dos mais bem informados, tem-se posto em dúvida o alegado antagonismo. Apenas para exemplificar, na reunião do gabinete francês em que se discutiu o reconhecimento da China vermelha, um dos argumentos empregados pelos adeptos da medida era a possibilidade de manobras baseadas na contenda sino-russa, objetando, porém, outros ministros que esta última poderia perfeitamente ser fictícia, não passando de uma comédia. E na última convenção do Partido Republicano dos EUA ficou estabelecido, no programa partidário então votado, que se deveria proceder como se esta cisão fosse inexistente.
É, portanto, lícito, sem negar in limine a realidade da contenda, pois ainda não há elementos suficientes para tal, fazer uma análise das vantagens que uma simulação desta ordem poderia trazer para o comunismo internacional.
Para todo gosto
Entre as pessoas que sentem atração pelo marxismo existem dois tipos de mentalidade. Para aqueles que desejam uma mudança do regime social e econômico, mas a quem um radicalismo agressivo infunde temor, a Rússia, que desde Kruchev procura apresentar-se com ares sempre mais ocidentais, oferece um aspecto simpático, enquanto que a China, com seus extremismos, sua vida organizada à maneira de formigueiro, assusta bastante. Se só existisse a forma chinesa de comunismo é provável que esta espécie de gente escapasse à influência marxista. Inversamente, o revolucionário extremado, cheio de ódio façanhudo, despreza a via russa e aprecia a chinesa. A divisão sino-soviética propiciaria, portanto, um comunismo de muitas faces, capaz de atrair maior número de indivíduos.
O que se passa com as pessoas pode ser generalizado para as nações. Os países do chamado terceiro-mundo, cujos ressentimentos e "complexos" são habilmente incentivados pela propaganda vermelha, simpatizam com a truculência e o anti-ocidentalismo chinês, enquanto as nações da Europa Ocidental e os EUA sentem mais facilidade em fazer acordos comerciais e políticos com o comunismo soviético.
Esta dicotomia Rússia-China possibilita também curiosas manobras. Quando do incidente russo-norte-americano a propósito da instalação de foguetes em Cuba, comprometeram-se afinal os soviéticos a retirar suas tropas, mas, em breve, chegaram notícias de que, à medida que os soldados russos abandonavam a ilha, eram substituídos por chineses, sem que Moscou pudesse ser inculpado, pois oficialmente estava em desavença com Pequim.
Espantalho
Não pretendendo esgotar o assunto, limitar-nos-emos a apontar mais uma, e talvez a maior, das vantagens que a contenda entre a Rússia e a China, real ou fictícia, traz ao comunismo. Os meios esquerdistas ocidentais, com muita frequência, propõem que seus respectivos países façam concessões à URSS ou aos seus satélites, no campo econômico, político ou social. A ideia de tais concessões provoca normalmente uma justa reação de todos os que não se acham comprometidos com as esquerdas. Ora, esta reação pode ser facilmente atenuada e até neutralizada pela alegação de que uma atitude de dureza do Ocidente em relação ao comunismo russo fortaleceria dentro da URSS a ala pró-chinesa, partidária das piores violências. Assim, o espantalho chinês favorece o progresso do comunismo da linha soviética.
Parece-nos, portanto, que, pelo menos como hipótese de trabalho, não deve ser deixada de lado a possibilidade de a cisão sino-russa não passar de hábil estratagema. Num mundo totalitário como é o do comunismo, as manobras mais complexas e contraditórias sucedem-se rapidamente e sem oposições. Bem recente é ainda o pacto de amizade Ribbentrop-Molotov, que, passando por cima de uma oposição aparentemente irredutível, permitiu aos exércitos nazistas atacar tranquilamente a França e a Inglaterra e, mais tarde, bombardear Londres com gasolina fornecida pela URSS. De qualquer maneira, acautelemo-nos, pois, real ou fingido o antagonismo entre Moscou e Pequim, a sabedoria popular nos adverte que quando os comunistas brigam são sempre os "burgueses" que terminam por pagar os estragos.
O JUBILEU EXTRAORDINARIO E OS FRUTOS QUE PROPICIA
D. A. C.
Com o fim de perpetuar na memória dos homens o evento extraordinário que constituiu na História o II Concílio Ecumênico do Vaticano, e para estimular os espíritos a pôr em execução os decretos daquela magna Assembleia, o Santo Padre gloriosamente reinante, Paulo VI, com o Motu proprio "Mirificus Eventus", promulgou para toda a Cristandade um jubileu extraordinário que, iniciando-se em 1° de janeiro deste ano, terminará na festa de Pentecostes, a 29 de maio.
Nada mais oportuno, declara o Papa, que um jubileu para dar graças ao Senhor pelos benefícios recebidos durante a preparação e a realização do Concílio Ecumênico, como nada mais eficaz para carrear aos homens os frutos que esperam desse memorável acontecimento. O jubileu, de fato, oferece aos fiéis uma singular oportunidade para uma renovação espiritual na prática da virtude, que influa não só na vida individual, como na doméstica e social. Ora, nada mais se pedia do Concílio ora encerrado.
Aliás, os jubileus aparecem na história da Igreja como tempo, justamente, de renovação espiritual. Há neste sentido centenares de testemunhos, dos quais o mais recente é o do Papa Pio XII, ao anunciar o Ano Santo de 1950: "Se os homens —assim aquele Papa — ouvirem a voz da Igreja, se se converterem do apego às coisas caducas desta terra para se orientarem para o que é eterno, então, sem a menor dúvida, haverá aquela tão desejada renovação das almas, da qual surge a conformidade dos costumes privados e públicos com os preceitos cristãos" (AAS, 1949, p. 257).
Quanto ao jubileu extraordinário decretado em comemoração do II Concílio Ecumênico Vaticano, importantes são os fins que o Santo Padre Paulo VI tem em vista.
Em primeiro lugar, como em todos os jubileus, o que se espera deste é a renovação interior, que é impossível obter sem exercitar a virtude da penitência, juntamente com a recepção do Sacramento da Confissão — banho da alma no Preciosíssimo Sangue de Cristo — sem nos unirmos intimamente com Jesus Cristo, com o auxílio da graça de Deus, que nos leva à participação da natureza divina. O jubileu, portanto, deverá servir para que os ótimos se empenhem em subir mais ainda na santidade; os bons se dediquem com maior generosidade ao cumprimento quotidiano dos próprios deveres, segundo os preceitos do Divino Mestre. E praza a Deus que este tempo salutar marque o retorno daqueles que abandonaram o caminho da verdade e do bem: utilizem-se eles das graças e dos favores especiais do jubileu para reconquistarem a paz com o Senhor.
Deseja pois ardentemente o Papa que os fiéis não se limitem a buscar uma existência sem pecado, mas que se animem a aspirar a uma santidade mais alta, pela prática das virtudes cristãs, especialmente da caridade, pelo zelo ardente no sentido de dilatar o reino de Deus na terra, pela imitação de Jesus Cristo Crucificado. Dessa maneira a Igreja apresentará mais vivo e mais refulgente o esplendor próprio à casta Esposa de Jesus Cristo, e o jubileu terá contribuído para a gloria de Deus, ao mesmo tempo que será um meio eficaz de salvação para todos os homens.
Como fruto peculiar deste jubileu espera o Sumo Pontífice que cresça, quer na Hierarquia sagrada, quer entre os fiéis, o "sensus Ecclesiae". Não há dúvida de que o mistério da Igreja ocupou o ponto central deste Concílio Ecumênico. É justo, pois, que o jubileu, instaurado para comemorar o Sínodo universal agora terminado, se concentre na meditação do que é a Igreja. Seja Ela melhor conhecida, em sua origem, sua missão, sua razão de ser. É a Igreja um desses mistérios sagrados de fecundidade inesgotável, de maneira que meditar sobre Ela é haurir sempre novos e eficazes frutos de santificação.
É vontade do Papa que a realização deste jubileu tenha como sua sede e centro a Igreja catedral, sinal visível da Igreja que cada um deve edificar em sua alma. Como a Catedral é a igreja do Bispo, e este o centro propulsor da vida cristã na Diocese, deseja o Papa que o jubileu se realize especialmente na Catedral e em torno do Bispo Diocesano. É, o Bispo, pai e pastor das almas que lhe foram confiadas; ao Bispo pertence santificar sua Igreja de maneira que nela resplandeça o fulgor de toda a Igreja de Cristo. Deve ele ser como que o fundamento deste jubileu.
Recomenda o Papa como meios de se obterem os fins por ele intencionados, que os Bispos providenciem na Catedral conferencias em que se explanem os documentos conciliares, além de missões e especiais exercícios de piedade durante a Santa Quaresma que preparem os fiéis para uma condigna celebração da Santa Páscoa.
Para facilitar aos transviados o retorno à casa paterna concede Sua Santidade uma serie de faculdades extraordinárias aos confessores, a serem usadas apenas durante o jubileu, e de acordo com as normas prescritas no Motu proprio "Mirificus Eventus".
Por fim, para incitar os fiéis não só aos exercícios jubilares, como também à renovação interior, tão desejada como fruto do Concílio Ecumênico, concede o Santo Padre algumas indulgencias plenárias a serem lucradas nas condições que o mesmo documento estabelece,
VERDADES ESQUECIDAS
O ignorante perecerá em sua ignorância
SÃO VICENTE DE PAULO
Do esquema de um estudo sobre a graça, elaborado quando surgiu a questão jansenista:
1. É muito conveniente estar bem instruído a respeito do debate que há atualmente na Igreja, o qual diz respeito ao tema da graça. (...)
I. MOTIVOS — Quais são os motivos que temos para nos instruirmos na matéria proposta?
1. Que estamos em perigo de ser enganados quando se apresentam opiniões novas, e de seguir o erro em lugar da verdade; e nesse sentido diz o Espírito Santo que o ignorante será ignorado e perecerá em sua ignorância. Foi o que aconteceu com muitos que, por não terem estudado a fundo desde o início as opiniões de Lutero e Calvino, caíram no erro.
2. Que está comprometida neste assunto a nossa salvação, a qual exige que creiamos tudo o que ensina a Igreja; e que, em certo sentido, os que não querem instruir-se nas coisas atinentes à sua salvação se encontram a caminho da condenação.
3. Que, em caso de divisão no seio da Religião, é prudente instruir-se bem, e muito perigoso agir de outro modo. — ("San Vicente de Paúl — Biografia y selección de escritos" — edição preparada pelos Padres José Herrera, C.M., e Veremundo Pardo, C.M. — Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1950 p. . . 821).