Toledo, 1936: sobre o altar-mor depredado da igreja de São Miguel, os despojos arrancados aos túmulos
NUNCA O MUNDO VIU ÓDIO TÃO APAIXONADO CONTRA A SANTA IGREJA
Orlando Fedeli
O ronco dos motores, naquela noite de agosto em Lérida, foi-se fazendo cada vez mais próximo. Desde o início da guerra aquilo se tornara comum na antes tranquila cidade catalã. Mas, logo o vento trouxe, de mistura com o ruído das máquinas, a harmonia de um canto religioso. Sobre os caminhões, 74 Padres e Religiosos iam para o martírio, amarrados uns aos outros como criminosos temíveis ou como animais. Iam para a morte cantando a sua fé. E o canto do Credo e o canto do Ave Maris Stella brotavam de seus lábios com amor e devoção.
Aqueles hinos tinham soado nas grandes abadias e catedrais da Espanha medieval, da Espanha sempre católica. Eles tinham estimulado as lutas contra os mouros. Tinham ressoado no interior humilde das capelas das aldeias. Haviam sido entoados pelos lábios dos santos de Espanha, pela forte voz dos cavaleiros valorosos da Reconquista, pela voz potente dos heróis que estenderam a cristandade a um novo mundo. Agora, eram cantados pelos mártires.
Era a Espanha que lutara oitocentos anos contra o Islã, era a Espanha da Contra-Reforma e dos Conquistadores, era a Espanha de alma católica e ardente que ia atada naqueles caminhões, cantando o seu Credo, seu único Credo, o Credo católico, apostólico, romano.
Os caminhões seguiam para Barcelona, mas duzentos milicianos comunistas os fizeram retroceder. Dirigiram-se então para o cemitério de Lérida.
Com murros e coronhadas os 74 mártires foram desembarcados e empurrados até junto das covas já abertas. Depois ressoaram os tiros e os milicianos aplaudiram e gritaram de entusiasmo. Era noite, na Espanha.
Era noite, na Espanha...
A noite da Espanha e da cristandade começara, na verdade, há muito tempo. Após a morte de Filipe II, a pátria de Santa Teresa e de Santo Inácio entrara em decadência. Dois séculos mais tarde a invasão napoleônica produzira uma reação heróica que expulsara o invasor, mas que não conseguira expulsar suas ideias.
O liberalismo, filho do protestantismo, penetrara na península. Todo o século XIX transcorreu em lutas entre católicos e liberais, entre os que permaneciam fiéis à tradição espanhola e os que queriam destruí-la. Infelizmente, para castigo da Espanha e da humanidade, a Contra-Revolução não foi vitoriosa nessas lutas e, pouco a pouco, os erros modernos foram-se propagando.
Já no século XX, em 1909, a Semana Trágica de Barcelona prenunciava os horrores de 1936: 48 igrejas foram queimadas, os insurrectos desenterraram cadáveres de Freiras e organizaram danças macabras nas ruas.
O laicismo, o liberalismo produziam seus frutos naturais.
As hostes socialistas, comunistas e anarquistas cresciam e com elas se multiplicavam os crimes, as violências e os incêndios de igrejas. Toda essa onda revolucionária acabou por romper os diques após 1931.
Nas eleições de 12 de abril daquele ano foram eleitos 22.150 conselheiros municipais (concejales) monarquistas e 5.875 republicanos de várias tendências. Estes últimos tinham obtido maioria nas grandes cidades, mas a massa do povo espanhol se lhes mostrara contrária na razão de 4 a 1, aproximadamente. Surpreendentemente, o Rei Afonso XIII lançou uma proclamação em que dizia: "As eleições do último domingo mostraram-me que deixei de gozar do amor de meu povo. Poderia muito facilmente dispor de meios para sustentar meu poder real contra todos os ádvenas, mas estou resolvido a nada fazer que coloque um dos meus compatriotas contra outro numa guerra civil fratricida. Assim, e até que a nação se pronuncie, suspenderei deliberadamente o uso de minhas reais prerrogativas" (apud "A Guerra Civil Espanhola", Hugh Thomas, Editora Civilização Brasileira, 1964, vol. I, p. 33) . Ninguém esperava tal resultado. Largo Caballero, o chefe do Partido Socialista, anunciava que as eleições iam ser "um jogo inútil e sem importância, que somente serviria para fortalecer o trono". E Azaria declarara: "É ingenuidade esperar algo das eleições" (apud "Historia de la Persecución Religiosa en España", Antonio Montero Moreno, BAC, 1961, p. 22, nota 2) .
A... retirada de Afonso XIII levou à proclamação da II República e com ela ao triunfo da Revolução. O primeiro ministério do novo regime já prenunciava o que estava por vir.
Compunham-no anticlericais, maçons, socialistas, ateus, e dois católicos complacentes. Para aquilatar bem o que era esse governo, não é preciso tomar como amostra o socialista Largo Caballero, o Lenine espanhol, ministro do Trabalho. Basta citar o ministro Alejandro Lerroux, do Partido Radical. Conforme H Thomas (ob. cit., vol. I, p. 36) , Lerroux fora sacristão e "croupier", e na juventude se tornara conhecido como "o Imperador do Paralelo", o bairro mal frequentado de Barcelona. O mesmo autor (ibid.) cita um discurso de Lerroux em 1905: "Jovens bárbaros de hoje! Invadi e saqueai a decadente civilização desta nação infeliz! Destruí seus templos, liquidai-lhe os deuses, rasgai os véus de suas noviças e elevai-as à condição de mães! Lutai, matai, morrei!"
È verdade, porém, apressa-se a dizer o compreensivo historiador citado, que em 1931 a idade abrandara tais excessos. Lerroux era o ministro das Relações Exteriores da República.
Outra figura que convém citar, e a mais proeminente do governo, era Manoel Azaria. Também ele não era comunista, mas apenas republicano. Profundamente anticatólico, acusado de vício contra a natureza, foi quem afirmou, em 1931, que a Espanha deixara de ser católica. Em outra ocasião, declarou que preferia ver todas as igrejas do país incendiadas antes de se tocar na cabeça de um único republicano.
Se assim eram os radicais e republicanos, que seriam os socialistas? Em todo caso — e isso consolava os corações dos progressistas do tempo — não era esse um governo comunista. Não havia marxistas nem bolchevistas no ministério, graças a Deus. Pelo contrário, havia dois ministros católicos...
O novo regime não tinha completado um mês de existência e já uma primeira onda de perseguição varreu a Espanha: em maio de 1931, em três dias, mais de uma centena de igrejas e casas religiosas foram incendiadas, 41 das quais em Málaga, 21 em Valença e sua província, 13 em Alicante, 11 em Madri. Foi nesse ambiente que em junho se realizaram as eleições para as Cortes e, como era de supor, os esquerdistas venceram. Dessas Cortes nasceu a Constituição da II República espanhola.
A nova Carta Magna violentava gravemente as tradições católicas da Espanha. Ela declarava que o Estado não tinha religião oficial, e colocava em pé de igualdade a Igreja Católica e as seitas. Proibia qualquer auxilio estatal às igrejas, associações e instituições religiosas. Suprimia, no prazo de dois anos, o pagamento aos Sacerdotes, por parte do Estado. Dissolvia as Ordens que exigiam um voto especial de obediência a uma autoridade distinta do Estado, e nacionalizava seus bens. Submetia as demais Congregações a um regime vexatório, sujeitando-as a um estrito controle estatal, declarando-as incapazes de adquirir e conservar, por si ou por terceiros, bens que não se destinassem ao seu sustento ou ao cumprimento direto de seus fins, etc. A Carta ainda secularizava os cemitérios e permitia o divórcio. O art. 48 assim dispunha: "O serviço da cultura é atribuição essencial do Estado [...]. O ensino será leigo, fará do trabalho o eixo de sua atividade metodológica, e inspirar-se-á nos ideais da solidariedade humana. Reconhece-se à Igreja o direito, sujeito à inspeção do Estado, de ensinar suas respectivas doutrinas em seus próprios estabelecimentos".
Já em junho de 1931, os Metropolitas espanhóis, tendo à frente o então Primaz, Cardeal Segura, protestaram contra várias medidas anticatólicas do governo, entre as quais a secularização dos cemitérios, a extinção das Ordens Militares, a supressão das honras militares para o Santíssimo Sacramento ao passar pelas ruas, a eliminação da obrigatoriedade do ensino da Religião nos cursos primários e superiores, a proibição do crucifixo e outros emblemas religiosos nas escolas, a liberdade de culto, etc.
O governo republicano não se limitou a atacar diretamente a Igreja. Resolveu fazer reformas de estrutura que estabelecessem a famosa justiça social, entendida à maneira da Revolução. A Lei Agrária, aprovada em 1932, desapropriava todas as terras incultas e de área superior a 56 acres. As indenizações seriam fixadas de acordo com o valor declarado, pelos proprietários para efeito de lançamento de impostos. O Estado passava a ser o dono dessas terras, que seriam divididas entre os camponeses ou confiadas a cooperativas. Era uma lei ultra socialista, para não dizer comunista. Contudo, o líder socialista Largo Caballero considerou-a "uma aspirina para curar uma apendicite".
Entre 1931 e 1936 o governo foi multiplicando as leis anticatólicas, enquanto assistia impassível as violências e os crimes praticados pelos anarquistas, comunistas e socialistas. O surto de atentados redobrou quando do levante proletário de 1934 nas Astúrias. Nessa ocasião houve incêndios de estabelecimentos católicos, fuzilamentos de Padres, etc. "Essas atrocidades, apressa-se a esclarecer Hugh Thomas, seriam, sem dúvida, consequência da confusão, mais do que de desígnio, mas inevitavelmente contribuíram para agravar a crise" (ob. cit., vol. I, p. 105).
Nos quatro meses que precederam a eclosão da guerra civil, em 1936, houve 160 igrejas incendiadas, 270 assassinatos, 115 greves gerais, 230 greves parciais, 10 jornais empastelados. Estes dados, se não são precisos, podem ser aceitos como mais ou menos certos, segundo Hugh Thomas.
Foi contra essa onda anarco-comuno-socialista que se levantou a Espanha católica em julho de 1936, — há precisamente trinta anos. Bem disse Paul Claudel .num poema célebre:
"Quand tons les lâches trahissaient, mais toi une fois de plus tu n'as pas accepté! Comme au temps de Pélage et du Cid, une fais de plus tu as tiré l'épée".
Tal como, no tempo de Pelágio e do Cid, o Islã que ameaçava a cristandade foi detido pelo valor espanhol, agora, de novo, no século XX, a Espanha se erguia contra os novos bárbaros marxistas.
A guerra civil de 1936 a 1939 teve o caráter de uma verdadeira cruzada que, salvando a Espanha, salvou o Ocidente. Foram três anos de lutas e vitórias. Mas na zona não ocupada pelas tropas nacionalistas, na qual se estabeleceu uma ditadura comunista — ao lado e com a conivência do regime legal republicano — o sangue dos mártires correu novamente como "no tempo de Henrique VIII, de Nero e Diocleciano" (Paul Claudel, ob. cit.).
Segundo a já citada "História de la Persecución Religiosa en España", de Antonio Montero Moreno (p. 762), houve 6832 Padres, seminaristas, Religiosos e Religiosas assassinados durante a perseguição (quase todos no segundo semestre de 1936) , e isto numa área geográfica correspondente à metade da Espanha. Entre os mortos destacam-se doze Bispos e um Administrador Apostólico.
Hugh Thomas (ob. cit., vol. I, pp. 210-211) diz que o número dessas vítimas chegou a 7937. Esse autor dá como provável o total de 75 mil pessoas assassinadas na Espanha comunista somente entre 18 de julho e 1° de setembro de 1936.
Descreveremos alguns desses martírios, porque mais ainda que o heroísmo dos que lutaram de armas na mão, foi talvez o sangue derramado pela fé que salvou a Espanha e o Ocidente do domínio marxista há trinta anos atrás.
A hora do Iscariotes e de Caim
"L'heure du Prince de ce monde, la voici qui est revenue à la fin!
L'heure de l'interrogation finale, l'heure de l'Iscariote et de Cain!"
Estes versos de Claudel indicam qual foi o ódio que produziu tantas vítimas. Foi o ódio do que apostatou da fé, do que traiu a Cristo. Foi o ódio do irmão criminoso contra o irmão inocente.
"Em toda a Espanha republicana as igrejas e conventos eram indiscriminadamente incendiados e saqueados. Praticamente em parte alguma havia a Igreja participado do levante [nacionalista]. Eram falsas quase todas as histórias de rebeldes que disparavam suas armas das torres das igrejas. Apesar disso, estas eram atacadas, como postos avançados da moralidade e dos hábitos das classes média e alta. O objetivo era antes a destruição que o saque" (Hugh Thomas, ob. cit., vol. I, p. 209) . Este autor, que não consegue esconder sua simpatia pela facção socialista, confessa que as violências contra a Igreja não tinham como causa nem a participação do Clero no "alzamiento", nem a cobiça que leva ao saque. A causa estava em que a Igreja era vista como um posto avançado da moralidade. Em outras palavras, as violências foram produzidas por ódio à virtude e à fé. Mais adiante, o historiador citado é conduzido a nova confissão: "Em tempo algum no curso da história da Europa, talvez mesmo de todo o mundo, viu-se um ódio tão apaixonado à religião suas obras" (ob. cit., vol. I, p. 213)
Dizia Joseph de Maistre, a respeito da Revolução Francesa, que ela era satânica. O mesmo se pode dizer da Revolução em geral e da revolução espanhola em particular. O martírio do Pároco de Navalmorales ilustra bem esta última afirmação.
"O Padre da paróquia de Navalmorales, por exemplo, declarou aos milicianos que o prenderam: — "Quero sofrer por Cristo". — "Ah, sim? — responderam-lhe — então morrerás como Ele". Despiram-no e açoitaram-no impiedosamente. Feito o que, amarraram-lhe às costas uma viga de madeira, deram-lhe a beber vinagre, e puseram-lhe uma coroa de espinhos. — "Blasfema e serás perdoado", disse-lhe o chefe da milícia. — "Sou eu quem vos perdoa e abençoa", respondeu o Padre. Os milicianos debateram a questão de como iriam matá-lo. Alguns queriam pregá-lo a uma cruz, mas terminaram por fuzilá-lo simplesmente. O último pedido do Padre foi que o fuzilassem de frente para os seus carrascos, para que ele os abençoasse ao morrer" (Hugh Thomas, ob: cit., vol. I, p. 211) .
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Barbastro foi a Diocese que apresentou maior porcentagem de vítimas eclesiásticas. De 140 Sacerdotes incardinados foram mortos 123, o que significa a eliminação de 87,8% do Clero diocesano.
Iniciada a guerra civil, a cidade ficou em poder dos marxistas e grande número de Padres e noviços claretianos, beneditinos, esculápios, além do Bispo, foram presos num colégio. Na noite de 1° para 2 de agosto, alguns, milicianos apresentaram-se na prisão trazendo um papel no qual se lia: "Vale 20 homens". Uma hora depois, as vinte primeiras vítimas de Barbastro eram fuziladas no cemitério da cidade. Os demais permaneceram presos, ouvindo as ameaças e os gritos ferozes que vinham da rua.
No dia 8, o Bispo, Monsenhor Fiorentino Asensio y Barroso, foi levado ao tribunal popular, e no dia imediato, depois de ser torturado, tombou sob as balas do pelotão de fuzilamento.
Na madrugada de 11 de agosto, voltaram os milicianos e exigiram que os seis eclesiásticos mais velhos se apresentassem. Levaram-nos amarrados com fortes cordas. Na noite seguinte os assassinos retornaram, trazendo as mesmas cordas, ensanguentadas. Novo contingente de vinte mártires partiu nos caminhões, entoando a Salve Rainha. Antes da execução, propuseram-lhes que se engajassem no exército vermelho. Nenhum aceitou. Na manhã da festa da Assunção de Nossa Senhora, os vinte últimos cordimarianos foram fuzilados. Talvez fosse isto que os socialistas chamavam de justiça social ou de solidariedade humana...
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Ao Padre capuchinho José Oriol de Barcelona os comunistas proporcionaram morte tão cruel quanto gloriosa. Depois de o despojarem de suas vestes, amarraram-no a uma árvore e submeteram-no a brutal flagelação. A seguir, ofereceram-lhe a liberdade, se ele renegasse a Deus. O Frade respondeu que nunca o faria, e se pôs a recitar o Te Deum. A cada palavra pronunciada, recebia uma chibatada. O heroico mártir perdeu os sentidos várias vezes, mas, sempre que voltava a si, continuava o Te Deum. Por fim o fuzilaram.
A 28 de outubro de 1936, durante a noite, foram fuzilados junto ao cemitério de Gilet vários leigos, Freiras e Sacerdotes, entre os quais D. José Ruiz Bruixola, Padre octogenário, de Valença, e duas Filhas da Caridade, da Beneficência da mesma capital, Sóror Joaquina Rey e Sóror Victoria Arregul.
D. José, o velho Sacerdote, foi quem estimulou a todos para o martírio. "Chegou a hora, dizia-lhes. É vontade de Deus que sejamos mártires. Que maior glória podemos receber? Avante. Não vacilemos. Ponhamo-nos bem com Deus, façamos uma boa confissão, e vamos sem temor para o martírio".
Os condenados foram transportados em caminhões até o cemitério de Gilet. Durante o percurso, D. José puxou o terço, que foi respondido em voz alta por seus companheiros.
Na hora do fuzilamento, porém, houve um incidente dramático.
Sóror Joaquina Rey, que sempre se distinguira por seu ânimo varonil, lançou-se sobre um dos assassinos e o estrangulava quando o Padre José a deteve com um brado: "Por Deus, Sóror Joaquina, que perderemos o Céu. Olhe: já descem os Anjos com a palma do martírio. Mais um instante e seremos felizes para sempre".
Sóror Joaquina triunfou uma última vez sobre si mesma, e, chorando, de joelhos, pediu perdão ao miliciano pelo que fizera. Voltou ao paredão e foi fuzilada com os demais.
D. José Ruiz Bruixola foi o último a ser morto, e até o fim rezou em alta voz suas Ave-Marias. Anos mais tarde, quando seu cadáver foi exumado, entre seus dedos estava ainda um pedaço de terço.
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Sóror Martina Vazquez, Filha da Caridade de São Vicente, de Segorbe, distinguiu-se quer por sua vida inteiramente devotada aos pobres, quer por sua morte serena. Depois de doar toda a herança paterna para obras de caridade, sua dedicação aos feridos da guerra da África valeu-lhe ser condecorada por Afonso XIII.
A 27 de julho de 1936, juntamente com suas irmãs de hábito, Sóror Martina foi expulsa do Hospital de Segorbe. Todas se refugiaram então numa casa próxima, que os milicianos logo transformaram em verdadeira prisão.
No dia 4 de outubro, as Religiosas puderam receber a absolvição, dada à distância por um Sacerdote escondido numa casa em frente daquela em que estavam presas.
Nessa mesma noite, um piquete se apresentou para levar Sóror Martina, que estava doente. Ela sabia muito bem que fim a esperava. Despediu-se calmamente de suas irmãs e, tal era a sua fraqueza, que um miliciano teve que ajudá-la a descer as escadas e entrar no veículo que devia levá-la.
Quando o carro ia a meio caminho, Sóror Martina perguntou aos guardas: —"Vão matar-me?" e, ao ouvir que sim, continuou: — "Pois matem-me aqui mesmo".
Os carrascos fizeram-na descer e já apontavam seus fuzis quando ela os deteve, gritando-lhes: — "Esperem um pouco". Tomou então do bolso um vidrinho de água benta, tirou-lhe calmamente a tampa, molhou o polegar e tranquilamente fez o sinal da cruz: — "Em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Agora, podem atirar". E soou a descarga.
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Também muitos leigos tiveram a feliz ocasião de derramar seu sangue por Nosso Senhor Jesus Cristo. Quando iam fuzilar a Nemésio Garcia Arévalo Hinojosa, os milicianos perceberam que ele trazia um crucifixo ao peito e quiseram arrancá-lo. Garcia Arévalo resistiu e recebeu uma coronhada no rosto que lhe arrancou parte da mandíbula, mas não entregou sua cruz. Enquanto a beijava e gritava "Viva Cristo Rei", recebeu as balas que o levaram ao Céu. Isto foi em 27 de agosto de 1936.
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Era comum aplicarem-se torturas aos mártires antes de matá-los: espancamentos brutais, vazamento dos olhos, mutilações, queimaduras com cigarros, choques elétricos, e mil outras formas de tormento que o ódio diabólico dos marxistas inventava. Aos Frades de Cernera arrebentaram-lhes os tímpanos enfiando-lhes nos ouvidos contas de rosário. Muitos Padres foram queimados vivos, outros foram enterrados com vida depois de terem sido obrigados a cavar suas sepulturas. A uma senhora, mãe de dois Jesuítas, enfiaram pela boca um crucifixo. Não foram poucos os casos de pessoas atadas a um veículo e arrastadas por ele até morrer.
Ódio à virtude angélica
Se a muitíssimos se intimava a dar vivas ao comunismo, na hora da morte, com a promessa de perdão, a outros se prometia a vida caso pecassem. Os marxistas não suportavam, sobretudo, a virtude angélica e enfureciam-se contra ela. Inúmeros foram os eclesiásticos e leigos católicos mortos por não quererem pecar. Nesses casos a crueldade dos assassinos era ainda maior.
Carlos Bosch Massó de Riudarenas foi aprisionado na noite 22 para 23 de setembro de 1936 juntamente com suas irmãs, uma delas Religiosa dominicana e a outra solteira. Tais foram os horrores praticados com as jovens, que Carlos Bosch pediu para ser morto a fim de não ver o que ocorria. Um bolchevista aproximou-se dele e arrancou-lhe os olhos com um punhal, gracejando: — "Agora, olharás e não verás".
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O que ocorreu com o irmão coadjutor claretiano Fernando Saperas é digno dos primeiros mártires cristãos. Ele foi preso a 18 de agosto de 1936 por uma patrulha de milicianos de Cervera. Ao exigirem que blasfemasse, confessou ser Religioso. Os algozes pararam o carro em que o conduziam, fizeram-no descer, decididos a fuzilá-lo, mas logo mudaram de tática: resolveram primeiro forçá-lo a pecar. No próprio carro, despiram-no e começaram a pressioná-lo para que consentisse em cometer ações infames. O Religioso resistiu heroicamente durante todo o trajeto até Cervera. Lá chegados, os milicianos tentaram primeiro embriagá-lo e, não logrando seu intento, conduziram-no a casas de pecado, onde procuraram coagi-lo física e moralmente. As próprias decaídas revoltaram-se com a atitude dos marxistas e os expulsaram. Daí se dirigiram eles para antros semelhantes em Tárrega, onde redobraram esforços para que Fernando violasse seus votos. Escárnios e violências de numerosos indivíduos que assistiam à cena nada conseguiram. O Irmão Saperas dizia que o matassem mas que jamais pecaria. Mais uma vez as mulheres expulsaram os milicianos, enojadas com sua baixeza.
Essa tortura atroz durou 15 horas. Consta, mas sem comprovação, que o impertérrito claretiano sofreu mutilações humilhantes antes de ser morto. Fernando Saperas finalmente foi conduzido ao cemitério de Tárrega e lá fuzilado, dando vivas a Cristo Rei.
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O irmão lassalista Francisco Magin teve que suportar tentação semelhante. Na hora, da execução, a 27 de julho de 1936, no cemitério de Balserany, quando o pelotão de fuzilamento já preparava a descarga mortal, uma jovem tentou seduzi-lo com carícias e propostas de pecado. O Religioso repeliu a miserável com um soco, lançando-a à distância. Morreu a seguir, e de frente para o pelotão.
Destruição e profanações
Em seus paroxismos a Revolução revela os intentos que normalmente procura ocultar. No Terror, durante a Revolução Francesa, a fúria anti-religiosa voltou-se contra todos os símbolos do Cristianismo. Entretanto, a revolução comunista na Espanha ultrapassou todos os outros exemplos históricos deste fenômeno.
Já no século XIX, e por ocasião da Semana Trágica de Barcelona, em 1909, tinha-se registrado a destruição de igrejas e profanações atrozes. Sob a II República houve um número muito grande de templos incendiados, como já referimos. Deflagrada, a guerra civil, o ódio destruidor dos marxistas viu-se sem freio algum. Praticamente todas as igrejas da zona vermelha sofreram danos, e perto de duas mil foram arrasadas. Não se fazia isto no fragor da batalha nem, muitas vezes, por desejo de saque, mas por puro ódio a tudo o que lembrasse a Deus. Quando não se deitava fogo às igrejas, destruíam-se seus altares, mutilavam-se ou despedaçavam-se as imagens e — supremo horror profanavam-se as sagradas espécies. As igrejas que não eram entregues às chamas passavam a ser usadas para fins profanos e quase sempre ultrajantes. Tranformavam-nas em armazéns, celeiros, cinemas e teatros. Na igreja dos Dominicanos em Valença houve representações teatrais, e nessa ocasião uma mulher ocupou o nicho onde antes estava a imagem de Nossa Senhora. Faziam-se paródias sacrílegas da Missa, do Batismo, do Matrimônio, das cerimônias fúnebres. Outras vezes, realizavam-se bailes nos templos...
Os filhos da Revolução, e principalmente os comunistas, sempre souberam aquilatar o valor dos símbolos. Diante da Igreja de São José, em Madri, os bolchevistas colocaram uma imagem do Menino Jesus vestida com o macacão-uniforme dos milicianos vermelhos e com duas pistolas nas mãos. Na Catalunha fizeram o mesmo com outra imagem do Menino-Deus, com a única diferença de que desta vez colocaram uma bandeira vermelha em uma de suas mãos. Talvez esses sacrílegos quisessem dar a entender, antecipando-se a certos católicos de hoje em dia, que Jesus foi socialista, ou que não há oposição entre Ele e Marx, entre a Igreja e a Revolução.
Em Yunquera de Toledo levou-se a estátua muito venerada de Nossa Senhora de Granada para a Casa do Povo, e quem quisesse inscrever-se na Frente Popular era obrigado, no ato de admissão, a golpear a Virgem.
A uma imagem do Imaculado Coração de Maria deram uma punhalada no coração, e em Tivisa houve quem ousasse dançar com outra imagem da Virgem. Simulou-se o casamento de Nossa Senhora do Prado, Padroeira de Madri, com um miliciano, e depois despedaçaram a estátua.
Em La Parra, corporais e sanguinhos foram usados para limpeza.
Cerca de mil sacrários foram profanados. Em Minorca, uma mulher tomou uma hóstia consagrada, colou-a na testa com saliva, e desse modo percorreu a cidade num carro de milicianos. Meses depois, a miserável veio a falecer de uma meningite tuberculosa que lhe produzia fortíssimas dores de cabeça.
Um miliciano usou um cálice para fazer a barba. Outras profanações de vasos sagrados nem podem ser descritas.
Há uma fotografia das mais simbólicas do espírito revolucionário que presidia a todos esses sacrilégios. Ela mostra um grupo de vermelhos fuzilando a estátua do Sagrado Coração de Jesus no Cerro de Los Angeles.
Uma nota típica da revolução comunista espanhola foi a profanação de cadáveres de Religiosas. Não contentes de torturar e massacrar os vivos, os revolucionários desenterravam os mortos para neles cevar seu ódio a tudo o que era de Deus. Entre outros casos, podemos lembrar que em Barcelona, a 20 de julho de 1936, os sequazes de Lenine, depois de invadirem diversos conventos femininos, abriram os sepulcros e expuseram os cadáveres das Religiosas à curiosidade pública, nas portas de suas igrejas. Não se perdoava a virtude nem após a morte.
Faltava ainda um crime
Trinta anos se passaram e com eles muita coisa se esqueceu. Novos crimes, novos ultrajes, novos martírios e sacrilégios praticaram os comunistas em muitas outras terras. Faltava um crime: o da dissimulação. É o seu crime de hoje. E muitos, enganados pelas novas táticas marxistas, afirmam que é preciso dialogar com os que negam toda verdade, todo direito e toda justiça. Hoje os assassinos se apresentam como interlocutores pacíficos, honestos, bem intencionados. Propõem diálogos e acordos. Renunciam, dizem, às violências, a profanar nossas igrejas, nossas imagens, e tudo o que é sagrado para nós. Até nos deixarão viver. Dizem... Em troca pedem apenas que nós mesmos violemos a doutrina católica, que nós mesmos reneguemos a justiça, desistindo da defesa do direito de propriedade e da família.
Eles renunciam ao sacrilégio. Contanto que nós o cometamos. Eles não mais farão bailes dentro das igrejas. Contanto que nós mesmos cantemos lá o ié-ié-ié durante as Missas. Eles nos deixarão as imagens de Jesus Cristo. Contanto que as vistamos, nós mesmos, com as roupagens socialistas. Eles nos deixarão as imagens do Coração de Maria. Contanto que vibremos contra elas nosso punhal de novos iconoclastas.
É a hora do Iscariotes e do Príncipe deste mundo...
Em 1931, o cínico Azaña declarou que a Espanha havia deixado de ser católica. Entretanto, todos os mártires que ela produziu provaram que Azaña mentira. Ainda havia inumeráveis corações espanhóis apegados à Igreja até a efusão de sangue. Na Espanha ainda havia Covadonga. Para que a Espanha deixasse de ser católica seria preciso que ela deixasse de ser a Espanha. E, para que o mundo se torne todo ele revolucionário, seria preciso que a Igreja deixasse de ser a Igreja, que Ela perecesse. Isto não acontecerá jamais, porque as portas do inferno nunca prevalecerão contra Ela, e porque — foi-nos prometido — por fim o Imaculado Coração de Maria triunfará.