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VERBA TUA MANENT IN AETERNUM

Constantino, imperador denegrido

PAULO VI: Vossa visita de hoje a esta Basílica [Vaticana] coincide com a vigília da festa que comemora sua dedicação, isto é, sua consagração. Vós sabeis que o costume de celebrar por meio de uma solenidade a consagração de uma igreja é dos mais antigos na história do culto católico. Desde que a existência legal e com ela a liberdade foram reconhecidas à Igreja por Constantino (esse Imperador hoje tão denegrido por aqueles mesmos que se arvoram em defensores da liberdade religiosa por ele inaugurada), começou-se a construir edifícios públicos para o culto sagrado. E não mais segundo o tipo do santuário pagão, o fanum, edícula em honra de uma divindade e incapaz de conter uma comunidade em oração, a qual ficava de fora (lembrai-vos do que dizia Horácio: "odi pro-fanum vulgus et arceo...") , mas de tipo cristão, a domus ecclesiae, a casa para a assembleia dos fiéis. Esta Basílica foi das primeiras a surgir à luz do sol, e sempre graças a Constantino. Augustus Constantinus fecit Basilicam beato Petro, lê-se no famoso Liber Pontificalis do tempo do Papa Silvestre.

(Exortação aos participantes da audiência geral de 17 de novembro de 1965).

Voltem todos à Igreja — mas pela via que Jesus Cristo mostrou

LEÃO XIII: As opiniões novas de que falamos repousam, em suma, sobre este princípio: a fim de reconduzir mais facilmente à doutrina católica os que dela estão separados, a Igreja deve adaptar-se melhor à civilização de uma época adulta, e, atenuando seu antigo rigor, deve fazer algumas concessões às tendências e aos princípios recentemente introduzidos entre as nações. E isto se há de entender, segundo pensam vários, não só da regra de vida, mas também das doutrinas em que está contido o depósito da fé.

Com efeito, pretendem eles que é oportuno, para conquistar os corações dos dissidentes, passar sob silêncio certos elementos da doutrina, como sendo de menor importância, Ou atenuá-los de tal sorte que não conservem mais o sentido a que a Igreja sempre se ateve.

Não são necessários longos discursos, amado Filho Nosso, para mostrar como um tal sistema deve ser reprovado; basta lembrar qual é a natureza e a origem da doutrina que a Igreja ensina. Eis o que diz a este respeito o Concílio do Vaticano:

"A doutrina da fé, que Deus revelou, não é como um sistema filosófico susceptível de ser aperfeiçoado pelo espírito humano; mas como um depósito divino, confiado à Esposa de Cristo para que Ela o guarde fielmente e interprete infalivelmente [...]. O sentido que nossa Santa Madre Igreja declarou uma vez ser o dos dogmas sagrados, deve ser perpetuamente conservado, e jamais é permitido afastar-se dele sob pretexto ou aparência de melhor penetrá-lo em profundidade" (Const. de Fide cath., c. IV).

Não se deve crer tampouco que não haja nenhum pecado no fato desse silêncio pelo qual se omitem deliberadamente e se relegam ao esquecimento certos princípios da doutrina católica. Porque todas essas verdades, quaisquer que sejam, que formam o conjunto da doutrina cristã, têm um só e mesmo autor e doutor, "o Filho Unigênito que está no seio do Pai" (Jo. 1, 18). Que estas verdades estejam adaptadas a todas as épocas e a todas as nações, resulta manifestamente das palavras pelas quais o próprio Cristo Se dirigiu a seus Apóstolos: "Ide, ensinai a todas as nações [...], ensinando-as a guardar tudo o que vos mandei; e eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos" (Mat. 28, 19 s.). É por isto que o Concílio do Vaticano diz ainda : "É preciso crer de fé divina e católica tudo o que está contido na palavra de Deus escrita ou transmitida, e que a Igreja nos propõe — quer por suas definições solenes, quer por seu magistério ordinário e universal — como devendo ser acreditado qual revelação de Deus" (Const. de Fide cath., c. III) .

Abstenham-se todos, pois, de suprimir algo da doutrina que nos vem de Deus ou de algo omitir dela, por qualquer motivo que seja; porque quem ousasse fazê-lo tenderia antes a separar os católicos da Igreja, do que a reconduzir à Igreja os dissidentes. Que estes voltem, nada certamente temos Nós mais a peito, — que voltem todos aqueles que se acham fora do redil de Cristo, mas não por outra via que não aquela que o próprio Cristo mostrou.

(Cara "Testem Benevolentiae", de 22 de janeiro de 1899, ao Cardeal Gilbbons).

Fidelidade à Igreja exige respeito a seu patrimônio tradicional

PAULO VI: Para esta disposição delicada e filial [para com a Igreja] é necessário professar a fidelidade ao pensamento e às normas da Igreja, evitando certas atitudes críticas e reformadoras no que se refere às doutrinas tradicionais, aos costumes veneráveis, às estruturas fundamentais e augustas do conjunto eclesiástico; evitando também certos pretensos retornos às fontes, como se diz, que querem justificar um espírito apaixonado pela independência, subverter o ensinamento da Igreja, autorizar certas orientações naturalistas que esvaziam do puro espírito de Cristo as almas e as instituições.

(Discurso, aos membros do Capitulo Geral da Ordem de Santo Agostinho, em 30 de agosto de 1965).


A PRECIOSA LIÇÃO DAS ELEIÇÕES DE SÃO DOMINGOS

Alberto Luiz Du Plessis

Com a posse do novo Presidente da República Dominicana, Joaquim Balaguer, e o anúncio da próxima retirada da Força Interamericana de Paz ali estacionada, encerra-se um episódio turbulento da vida daquele país, episódio que transcende a simples política interna dominicana, pois é um marco na luta ideológica que se trava no mundo.

O estopim que detonou a crise foi, como se sabe, uma revolta, chefiada pelo coronel Caamaño, contra a junta militar que governava São Domingos. A revolta caamanista, que certamente englobava numerosos elementos não propriamente comunistas, assumiu, no entanto, um caráter nitidamente vermelho. Seu chefe não se esquivou de fazer perante fotógrafos da imprensa a clássica saudação de punho fechado, e, na zona da capital sob o domínio dos rebeldes, o sinistro "paredón" começou a funcionar ativamente.

A situação militar logo se apresentou das mais fluidas, não se podendo afirmar para qual dos dois lados penderia a vitória. Diante da possibilidade de o país cair sob domínio comunista, forças norte-americanas, que lá haviam desembarcado para facilitar e proteger a retirada de cidadãos estrangeiros, assumiram o controle da situação, forçando uma trégua entre os litigantes. Posteriormente estas tropas "yankees" seriam reforçadas por contingentes brasileiros e de outras nações da América, constituindo a Força Interamericana de Paz.

A atitude norte-americana representava sem dúvida um fato insólito, pois tratava-se de intervenção numa luta interna de outro país. Seria ela justificável?

O clamor nos meios comunistas e esquerdistas foi, como era de esperar, imenso, — se bem que todos tivessem coberto de aplausos a intervenção soviética na Hungria. A essa esperada reação somaram-se os protestos dos ambientes chamados liberais e dos católicos ditos de esquerda.

Assunto espinhoso

O assunto é dos mais espinhosos, pois normalmente a soberania de uma nação deve ser respeitada, e reconhecer aos Estados Unidos o direito de intervir onde bem entenderem é extremamente perigoso, pois esse país não tem sido em absoluto um modelo de discernimento na utilização de seu poderio (haja vista o apoio que prestaram e prestam a movimentos e governos comunistóides espalhados pela África e Ásia). Parece-nos, todavia, que, sendo o comunismo uma doutrina contrária ao direito natural, não lhe é lícito instalar-se em lugar nenhum, e, da mesma maneira que a polícia pode invadir uma residência para impedir um homicídio, nada obsta que uma força de caráter internacional se oponha a um golpe bolchevista. No caso específico das Américas, um acordo entre as várias repúblicas visando a constituição prévia de uma tal força já desestimularia no berço as possíveis intentonas.

Em todo caso, as discussões em torno da Força Interamericana de Paz perderam em breve muito da sua intensidade. É que foram marcadas eleições na República Dominicana para a escolha de um governo que substituísse o regime provisório de Godoy, ali colocado para atalhar o caos que se seguira à revolta, e as correntes esquerdistas de todo o mundo contavam com a vitória de seu candidato, Juan Bosch. Assim, não cessando embora de protestar contra a FIP, aguardavam tranquilas o resultado das urnas com a consequente comunistização do país.

Povo ignaro

O triunfo de Bosch pressagiava-se esmagador, parecendo não haver a menor esperança para seus adversários Balaguer, centrista, e Bonelly, conservador. Comícios concorridíssimos, manifestações de rua tumultuosas, ataques e provocações diariamente repetidos nas ruas de São Domingos contra os soldados da FIP, apoio indisfarçado do Presidente interino Godoy — posto pelos norte-americanos, na sua já clássica "ingenuidade", como juiz do pleito, apesar de ter sido ministro no governo anterior de Bosch — tudo isso dava a entender que a posição do candidato esquerdista era invencível. As manifestações contrárias a ele eram apresentadas pelos jornais como o último sobressalto de uma burguesia que via os seus dias contados. Em seu exílio dourado de Roma, Caamaño já preparava um triunfal regresso à Pátria.

O resultado do pleito, pode-se dizer, deixou estupefato o mundo inteiro. Vitória absoluta, por larguíssima margem, de Joaquim Balaguer, embora o terceiro candidato, Bonelly, tenha contribuído para dividir o campo conservador. Passados os primeiros momentos de estupor, vieram as previsíveis reações tentativas de greve geral promovidas pelo desespero de sindicatos comunistas (e malogradas de início, aliás), onda de insultos, em amplos setores da imprensa mundial, contra o povo dominicano que, elevado às alturas quando parecia tender para o comunismo, foi prontamente rebaixado a massa de analfabetos despolitizados, quando repeliu o esquerdismo.

Saliente-se ainda que nos bairros da capital, dominados pelos seguidores de Caamaño durante a revolução, e onde os habitantes tinham podido sentir na própria carne todo o horror da violência comunista, Balaguer obteve praticamente a totalidade dos votos.

Engano ou má fé

Destes fatos auspiciosos, algumas lições devem ser tiradas. Em primeiro lugar, mesmo nos países onde sua influência é inegável, como na República Dominicana, as forças de esquerda têm muito menos poderio do que aparentam, e as suas manifestações ruidosas não nos devem falsear a perspectiva. Em segundo lugar, a eleição dominicana veio corroborar que a seita comunista não consegue subir ao poder pela vontade do povo, fazendo-o sempre por meio da violência, em geral apoiada do Exterior.

Assim sendo, a vitória de Balaguer demonstra que os que se manifestaram contra a ação da Força Interamericana de Paz, em nome do direito dos povos de disporem de seus destinos, estavam ou redondamente enganados ou de má fé, pois caso o coronel Caamaño tivesse triunfado, ter-se-ia permitido, a uma minoria comunista bem armada e bem organizada, impor uma ditadura contrária aos sentimentos cristãos da maioria do povo dominicano.


A RESPEITO DO CANTO POPULAR LITÚRGICO

A revista "Psallite", que se edita em La Plata, na Argentina, publicou em seu n.° 55, de julho-setembro de 1965, o artigo intitulado "Sobre o canto popular litúrgico", de autoria de Mariano A. Guerra Brito. Pela oportunidade de suas considerações, traduzimo-lo para conhecimento dos leitores de "Catolicismo":

Ninguém ignora que a Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia pede aos Pastores de almas que promovam, diligentemente "a participação ativa de toda a comunidade dos fiéis em todas as ações sagradas com canto" (cap. VI, art. 114). Ninguém ignora, tampouco, como a mesma Constituição recomenda que se incentive "com empenho o canto popular, de modo que nos exercícios piedosos e sagrados, e mesmo nos atos litúrgicos [...], ressoem as vozes dos fiéis" (ibid., art. 118). O que não quer dizer, nem de longe, que se deva desterrar o canto gregoriano, ou o polifônico, como se tivessem passado de moda, já que do primeiro se diz que, "em igualdade de circunstâncias, deve-se-lhe DAR A PRIMAZIA", por ser "o próprio da Liturgia Romana"; e do segundo, que, "em particular, a polifonia DE NENHUMA MANEIRA deve ser excluída da celebração dos ofícios divinos" (ibid., art. 116)".

Postos estes esclarecimentos, prossegue o artigo, não há dúvida de que o canto popular em língua vernácula é conveniente, e — dada a escassa cultura de certos ambientes — até necessário, às vezes.

"O perigo está em que se queira substituir de repente, e de qualquer modo, um "tesouro de valor inestimável" — como é "a tradição musical da Igreja Universal" (ibid., art. 112) — pelo novo, apenas por ser novo, sem levar em conta a autenticidade, nem a qualidade da música, características ambas que considero indispensáveis.

Entendo que uma melodia é autêntica quando corresponde ao tema para o qual foi composta, por conseguinte, quando a letra se adapta à música, e não ao contrário. Lamentavelmente, porém, andam hoje por aí certas seleções de cantos religiosos tomados, uns, de corais de Bach (aos quais se mutilou, reduzindo-os a uma só voz), e outros de diversos autores — aos quais foi aplicada "a posteriori" uma letra referente ao sacrifício da Missa ou a outro ato do culto. Recentemente ainda, um senhor muito piedoso que acabava de me ajudar a Missa, ao entrar na sacristia e ouvir o difundido canto "Em meio dos povos / coluna da verdade...", fazia-me esta observação, que transcrevo para os leitores: "este canto, há quarenta anos, entoavam-no os evangélicos em suas reuniões da Praça da Liberdade".

Embora nem toda coincidência musical me exaspere (e ainda menos nestes tempos, em que sopram auras de ecumenismo), não está direito que nos queiram dar "gato por lebre", como vulgarmente se diz.

Idêntica observação poderíamos fazer sobre a tão comentada "Missa crioula", a qual como alguém muito judiciosamente observou — não corresponde à música nativa religiosa, mas à profana. A falta de autenticidade, aqui, é maior, porque, pelo menos, as adaptações de letra religiosa a uma música que foi composta para um tema diferente, porém afinal de contas sacro, têm em todo caso um certo ar de família.

Coisa muito diversa é o que ocorre com a Missa cantada em espanhol, adaptação da Missa XV Gregoriana, harmonizada e retocada pelo maestro Alberto González, S. D. B., da qual damos notícia em outra secção desta revista. Aqui os temas são os mesmos para música e letra, seja esta em latim ou em espanhol. Poder-se-á discutir neste caso, se se quiser, a felicidade ou infelicidade da adaptação; nunca, porém, sua autenticidade, porque música e letra se acham compenetradas de uma mesma ideia e de um mesmo sentimento.

E que dizer da qualidade artística do canto popular religioso? Um conceituado compositor de música sacra, conversando comigo sobre este tema, lamentava-se da harmonização pobre e da deficiente adaptação — do francês para o espanhol — de certos cantos publicados na coleção "Glória ao Senhor"; e eu mesmo, sem ser como ele um profissional, posso dizer que em mais de uma ocasião ouvi alguns cânticos vulgares e tediosos, os quais, mais do que ao louvor de Deus, convidavam à distração ou ao sono. O número anterior de "Psallite" reproduziu um ponderado artigo do Pe. José Pino Sabio, extraído do "Tesouro Sacro Musical", no qual se recordava a advertência do Episcopado Francês de que não se deve confundir o "pastoral" com o "medíocre". E é fácil cair na mediocridade quando, no afã de incentivar o canto popular religioso, mete-se alguém, sem uma real competência, a compositor de músicas e letras, ou a "importar" de outros idiomas ou autores, melodias para nosso repertório espanhol.

Estou de acordo em que as melodias populares devam ser fáceis e simples; e por isso creio que não é conveniente utilizar as que têm certas cadências de meios tons, que o povo não capta bem, e que se prestam à desafinação. Mas não se deve confundir simplicidade com pobreza, vulgaridade ou monotonia.

Em resumo: o canto popular sagrado deve ser simples, porém dotado de valor artístico; e deve ser autêntico, isto é, traduzir sua ideia e seu sentimento com melodias, não emprestadas, mas genuínas, de modo que música e letra se compenetrem. Porque uma coisa é o canto popular, e outra o populacheiro".


VERDADES ESQUECIDAS

NÃO TEM A DEUS POR PAI QUEM NÃO TEM MARIA POR MÃE

SÃO LUÍS MARIA GRIGNION DE MONTFORT

Do Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem (n.° 30):

Assim como na geração natural e corporal há um pai e uma mãe, do mesmo modo há, na geração sobrenatural e espiritual, um Pai que é Deus e uma Mãe, Maria Santíssima. Todos os verdadeiros filhos de Deus e predestinados têm Deus por Pai e Maria por Mãe; e quem não tem Maria por Mãe não tem Deus por Pai. É por isso que os réprobos, como os hereges, cismáticos, etc., que odeiam ou olham com desprezo ou indiferença a Santíssima Virgem, não têm Deus por Pai, ainda que disto se gloriem, pois não têm Maria por Mãe. Com efeito, se eles a tivessem por Mãe, haviam de amá-la e honrá-la como um bom e verdadeiro filho ama naturalmente e honra sua mãe que lhe deu a vida.

O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um verdadeiro herege, um homem de má doutrina, um réprobo, de um predestinado, é que o herege e o réprobo não têm senão desprezo ou indiferença pela Santíssima Virgem e buscam, por suas palavras e exemplos, abertamente ou às escondidas, às vezes sob belos pretextos, diminuir e amesquinhar o culto e o amor a Maria. — ("Traité de la Vraie Dévotion à la Sainte Vierge", Les Traditions Françaises, Tourcoing, 1947, p. 15


CALICEM DOMINI BIBERUNT

DIESSBACH FUNDA A AMICIZIA CONTRA A REVOLUÇÃO NAS IDEIAS

Fernando Furquim de Almeida

Para combater os males causados pelo progresso da impiedade ao longo do século XVIII, o Padre Diessbach se empenhava em difundir a prática dos Exercícios de Santo Inácio e a doutrina espiritual e moral de Santo Afonso de Ligório, tão oportuna como antídoto dos erros jansenistas. Por outro lado, reconhecendo a necessidade de uma ação especialmente destinada a deter essa ofensiva de impiedade, procurava lançar as bases de um apostolado organizado, com métodos próprios e adequados às novas exigências dos tempos. A aceleração do processo revolucionário facilitava para muitas almas a compreensão de um movimento como ele planejava.

* * *

Obrigado a renunciar à vida religiosa, com o fechamento da Companhia de Jesus em 1773, Diessbach se entregou completamente a essa tarefa. Para melhor levá la a cabo, intensificou os seus estudos sobre a Revolução, procurando apreender lhe a essência, os objetivos imediatos e os métodos usados para atingi los. As conclusões a que chegava, ele as expunha numa série de livros publicados a partir de 1771, nos quais, à medida que estudava o fenômeno revolucionário, ia dando corpo a um grandioso plano de apostolado.

O Pe. Candido Bona, no excelente trabalho que dedicou às associações dirigidas por Diessbach e seus discípulos ("Le Amicizie Società segrete e rinascita religiosa", Turim, 1962), fez uma análise completa desses livros, a qual nos permite ter uma noção precisa do conceito de Revolução no pensamento do antigo jesuíta. Esse conceito era, sem dúvida, incompleto, e muito influenciado pelos acontecimentos da época, mas tornou possível conceber o aludido plano de apostolado, que muito justamente é considerado o ponto de partida de todo o movimento católico do século XIX, principalmente na Itália.

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, em seu magistral ensaio "Revolução e Contra Revolução", ensina que a Revolução é una, e consegue seus objetivos exacerbando as inclinações desregradas do homem e os erros que estas inspiram. Ela age nas tendências, nas ideias e nos fatos, mas, de acordo com as circunstâncias e com as possibilidades de uma determinada época, pode operar mais especialmente numa dessas três profundidades, a ponto mesmo de parecer aos contemporâneos que essa é a sua única preocupação. Trata se, no entanto, de um recurso tático apenas, pois sua ação se desenvolve sempre nessas três profundidades.

Ora, no século XVIII a Revolução procurava tirar o máximo partido do ambiente por ela criado nos séculos anteriores e acentuava a propaganda de suas ideias. O mundo ocidental foi inundado por maus livros, maus jornais, toda uma vigorosa ofensiva revolucionária intelectual, enfim. Preparava-se a Revolução Francesa, que logo se abateria sobre o mundo com todos os seus horrores. Espírito ativo e preocupado com os males de seu tempo, o Padre Diessbach estudou a Revolução nas ideias, e nela concentrou todas as suas pesquisas e toda a sua atenção. Daí a concepção parcial de que falávamos, e a elaboração de um plano de apostolado visando de modo particular o combate aos erros revolucionários. Mais tarde estudaremos detalhadamente a organização das suas associações. Basta nos, no momento, expor as diretrizes gerais que presidiram à sua formação.

Eram elas pequenos núcleos disseminados em várias cidades, compostos de poucas pessoas, mas bem formadas, com intensa vida espiritual, conhecendo bem a doutrina católica e de ortodoxia a toda prova. Esses núcleos deviam ter relações frequentes entre si e comunicar se os resultados de seus trabalhos. Tinham por principal finalidade reunir os bons livros de que tivessem conhecimento, promover a sua difusão, reimprimi los e editar novas obras úteis para o combate à má influência revolucionária. Onde fosse possível, instalar se ia uma casa de escritores católicos, exclusivamente ocupados em redigir livros sadios e artigos de combate. Naturalmente, casas editoras e tipografias completariam a ação que os núcleos deviam desenvolver. Desse modo se formaria, pouco a pouco, um verdadeiro arsenal de cultura, capaz de se opor à ampla difusão de erros promovida pela Revolução.

Em 1776, o Padre Diessbach deu início a esse apostolado fundando em Turim a “Pia Associação para a Imprensa”, que tinha por finalidade a impressão de uma série de bons livros a serem vendidos a preços módicos. De início, contava a sociedade com a colaboração do Conde Benvenuto Robbio de San Raffaele, conhecido literato piemontês, e do Cônego João Domingos Giulio, que também pertencera à Companhia de Jesus. O Cônego Giulio se encarregava da parte tipográfica, e transferiu-se para Friburgo, onde a impressão de livros era menos dispendiosa do que em Turim.

A Pia Associação teve vida curta, embora houvesse alcançado uma boa difusão na Itália, Suíça a Áustria. Algumas das obras que editou tiveram êxito apreciável, como, por exemplo, "Le notti di S. Maria Maddalena", do Cônego Giulio, que teve várias edições na Itália e foi traduzida para o alemão, espanhol, francês e polonês (C. Bona, op. cit., p. 43).

* * *

Por volta de 1780, como vimos, Pio Brunone Lanteri e Luigi Virginio começaram a colaborar com Diessbach. A união de pensamento que logo se manifestou entre os três levou o antigo oficial suíço a fundar com os cooperadores de escol que a Providência lhe enviava o primeiro dos núcleos que idealizara, ao qual deu o nome de "Amicizia Cristiana". Não se sabe a data da fundação. O primeiro documento que sobre ela se conhece é do Padre Lanteri, e foi publicado por Mons. Frutaz na "Positio super Introduct. causae" do Servo de Deus. Trata se de um voto de trabalhar pela Amicizia, que Pio Brunone escreveu no verso da fórmula de sua consagração como escravo de Nossa Senhora (que publicamos no artigo anterior). Vamos reproduzi lo, completando entre colchetes os nomes que deles constam apenas com as iniciais:

“Eu, B[runone], faço voto a Deus de me empenhar pela Sociedade da Amitié chrétienne, pelo espaço de dois anos a começar do dia de hoje, sempre que seja considerado necessário pelos meus dois companheiros, e que nenhum dos meus deveres a isso se oponha. Em 10 de julho de 1780. Pe. D[iesbach] Em 9 de junho de 1780. J. M. Pe. L[uigi] V[irginio] 2 de julho de 1780".

O Pe. Bona, no livro já citado, interpreta as datas colocadas depois dos nomes dos Padres Diessbach e Virginio como indicando os dias em que eles fizeram idêntico voto. Essa interpretação, que nos parece correta, revela os vínculos existentes entre os três fundadores da Amicizia e a sólida base sobre a qual esta começava.

* * *

Em 1782, o Papa Pio VI anunciou que faria uma visita a Viena. Maria Teresa tinha morrido dois anos antes, e o novo Imperador, José II, entrara pelos caminhos do regalismo e do jansenismo, sustentado pelos erros de Van Espen e Febronio. O Pontífice, com sua viagem, desejava afastá lo desse mau caminho. Tendo boas relações em Viena, inclusive na corte imperial, pareceu a Diessbach que poderia mover essas amizades a influir na preparação do ambiente que receberia Pio VI. Levando Pio Brunone como companheiro de viagem, ele partiu para Viena, onde contribuiu para que o Papa fosse acolhido entusiasticamente pelo povo.

Diessbach conheceu ali o Barão Joseph von Penckler, relação nova que abria perspectivas promissoras para o seu apostolado. Tratava se de um alto funcionário cuja família fora enobrecida em recompensa do êxito de uma missão diplomática de que seu pai se desincumbira junto à Porta Otomana. Quando conheceu o Padre Diessbach, o Barão vivia no Castelo de Liechtenstein, nos arredores de Viena, era senhor da paróquia de Maria Evzensdorf, que dependia do castelo, e administrador da Minoritenkirche, igreja que servia à colônia italiana de Viena. Conquistado pelas idéias do Padre Diessbach, von Penckler se entregou completamente ao apostolado por ele dirigido e pôs à sua disposição tudo o que possuía. A perfeita confiança que mereciam Pio Brunone Lanteri e o Padre Luigi Virginio, e essa possibilidade de desenvolvimento da Amicizia na Áustria, levaram o Padre Diessbach a ficar em Viena, deixando a Amicizia de Turim aos cuidados de seus dois jovens companheiros.

Pio Brunone voltou sozinho para a Itália. Logo ao chegar, consagrou se ativamente a completar os estudos e a preparar se para receber o sacerdócio. A 25 de maio de 1782 foi ordenado, e dois meses depois conquistava o grau de doutor em Teologia na Universidade de Turim. Disposto a se dedicar completamente à Amicizia Cristiana, recusou vários cargos que lhe foram oferecidos, para poder se ocupar da difusão dessa obra que tanto bem faria ao movimento católico italiano.


NOVA ET VETERA

NÃO SERÁ, A IGREJA, MILITANTE SENÃO CONTRA A FOME E A DOENÇA?

J. de Azeredo Santos

Sob o título de "Uma “conversão” da Igreja” a “Folha de São Paulo” de 30 de maio p.p. publicou um artigo do Revmo. Pe. Caetano Vasconcelos Jr., que excede de muito o que de surpreendente costumamos ver em letra de fôrma nos conturbados dias que correm.

Diz S. Revma.: "Antes de mais nada, apresso-me em explicar. Em latim, "converter-se" significa apenas: voltar-se para, mudar de direção, trocar de atitudes, abandonar os modos de ontem pelos de hoje. Direita, volver! Esquerda, volver! São expressões militares de "conversão" à direita, à esquerda. Até a DST já fala em proibir (claro!) "conversões" à esquerda. Mas, vamos ao caso. Faz quase dois mil anos, que, na linguagem oficiosa da Igreja, "mundo" era coisa ruim, terra danada, realidade fatal, excomungada por Deus, condenada por Cristo, da qual a Igreja só queria distância. Mundo era mundanismo, pecado oficializado, mortes morais, ambientes empestados, sei lá que mais desastres, no tempo; na eternidade, o que é bem mais grave. Mas, veio o século vinte, veio com ele o Concílio Vaticano II. Veio tarde já, mas veio. Mudou-se tudo. Anos e mais anos de pensamento e de sofrimento trocaram a mentalidade da Igreja. Hoje, ela se volta, se converte à terra, lembrada de que não se vai ao céu, sem passar por ela; sem "merecê-la", isto é: sem ter dado, em seus prazos e arenas, a batalha da fé e especialmente a batalha do amor, que espera sempre".

Ter-se-ia a Santa Igreja, ao longo dos séculos, afastado da verdadeira rota traçada pelo Filho de Deus, pois acrescenta o articulista: "Quem diria, que tudo já estava, nas páginas do Evangelho e a gente se vai afastando, como carro, deixado livre, na estrada, demandando extremos. De fato: Deus amou o mundo, a ponto de lhe mandar seu Filho, seu Bem Amado. Mandou-O, para amar e não para condenar". E termina com a seguinte exortação: "Imitemos a Cristo, cujo amor impressionou o primeiro concílio, a ponto de não condenar ninguém".

Uma distinção elementar

Como veem os leitores, afirma o Revmo. Pe. Caetano Vasconcelos que foram necessários dois mil anos Para a Igreja mudar de atitude com relação ao mundo. Todos os Concílios, com exceção do primeiro e do último, se teriam afastado do exemplo de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois seus decretos contiveram uma parte anti-evangélica de condenações e anátemas. De modo que, segundo tal exegese teológico-histórica, a Santa Igreja seria militante apenas contra a doença ou contra o subdesenvolvimento. Nada de combater o pecado e as heresias, e muito menos os maus e os heresiarcas.

Ora, é inconcebível que um Sacerdote católico apostólico romano se permita afirmações tão opostas à clara lição das Sagradas Escrituras. A palavra "mundo" tem vários significados nas páginas da Revelação escrita. No Novo Testamento ela aparece em dois sentidos principais. No primeiro, indica a obra de Deus criador, ou a humanidade. Não é novidade para nenhum católico que o Verbo veio salvar esse mundo: "[O Verbo] era a luz verdadeira, que ilumina todo homem que vem a este mundo. Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele, e o mundo não O conheceu. Veio para o que era seu, e os seus não O receberam. Mas a todos os que O receberam, deu poder de se tornarem filhos de Deus, àqueles que creem no seu nome [...]" (Jo. 1, 9-12). Neste trecho do Evangelho de São João ressalta claramente a primeira acepção da palavra "mundo". Mas já entrevemos também o outro sentido com que o vocábulo frequentemente aparece no Novo Testamento, a indicar o conjunto daqueles que recusam a doutrina e a lei de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O "príncipe deste mundo"

Penetremos no âmago do mistério de iniquidade. "É essencial que nos convençamos de que as pessoas que formam o mundo, nesse sentido, não são mera congérie desorganizada de seres humanos. Formam um todo ordenado, uma sociedade. O mundo é chamado "reino", e o demônio é chamado "o príncipe deste mundo". O mundo, por conseguinte, é o reino do demônio que luta, em maligna oposição, contra o Reino de Deus. E exatamente como este último tem por finalidade unir os homens a Cristo, para santificá-los e para conduzi-los ao Céu, aquele existe para atá-los ao demônio, para corrompê-los, para lançá-los no inferno" ("The Mystery of Iniquity", pelo Pe. Paul Hanly Furfey, The Bruce Publishing Co., Milwaukee, 1944, p. 22). É a luta entre a cidade de Deus e a cidade do demônio, a que se referia Santo Agostinho.

Estaríamos em face da linguagem "oficiosa" da chamada Igreja constantiniana, fruto de uma degenerescência doutrinária, e estranha à mensagem do Filho de Deus? Que nos diz o Apóstolo da Caridade como lição recebida diretamente do Divino Mestre? "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Se alguém ama o mundo, não há nele o amor do Pai; porque tudo o que há no mundo é concupiscência da carne, e concupiscência dos olhos, e soberba da vida; e isto não vem do Pai, mas do mundo" (1 Jo. 2, 15-16).

Esse mundo inimigo de Deus é também chamado "século" em algumas passagens da Escritura. Com ele não nos podemos conformar, como ordena São Paulo: "E não vos conformeis com este século, mas reformai-vos com a renovação de vosso espírito, para que reconheçais qual é a vontade de Deus, boa, agradável perfeita" (Rom. 12, 2). Não é outra a linguagem de São Tiago: "Adúlteros, não sabeis que a amizade deste mundo é inimiga de Deus? Portanto, todo aquele que quiser ser amigo deste século constitui-se inimigo de Deus" (Tiag. 4, 4).

Mas onde mais claramente surge a oposição entre a Igreja fundada por Jesus Cristo e o mundo, nesse sentido de reino do demônio ou de perdição das almas, é nas palavras que o Divino Salvador proferiu na última Ceia. Ao prometer a vinda do Espírito Santo, chama-O de "Espírito de verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não O vê, nem O conhece" (Jo. 14, 17). Roga Nosso Senhor ao Pai pelos homens que aceitaram sua palavra. Mas não roga pelo mundo: "É por eles que Eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que Me deste, porque são teus, [ ...] e neles fui glorificado" (Jo. 17, 9-10). E assim como o Filho de Deus foi odiado pelo mundo sem motivo (cf. Jo. 15, 25), também seus discípulos o foram: "Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, porque não são do mundo, como também Eu não sou do mundo. Não peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. eles não são do mundo, como Eu também não sou do mundo. Santifica-os na verdade" (Jo. 17, 14-17). E no futuro a aceitação e observância das palavras do Filho de Deus seriam a condição para que recebêssemos a graça das súplicas por ele então dirigidas ao Eterno Padre: "Eu não rogo somente por eles, mas também por aqueles que hão de crer em Mim por meio da sua palavra; para que sejam todos um [...], a fim de que o mundo creia que Tu Me enviaste" (Jo. 17, 20-21).

Jesus Cristo não muda

Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo "é o mesmo ontem e hoje; ele o será também por todos os séculos" (Heb. 13, 8). De modo que a oposição entre ele e o mundo é o de todos os tempos e vigora também após o II Concilio Vaticano, em que pese a opinião em contrário do Revmo. Pe. Vasconcelos. E a Igreja segue o ensinamento e o exemplo de seu Esposo. Ou será que não foi cumprida a promessa de assistência do Espírito Santo nestes dois mil anos?