(continuação)

QUEREM A LUTA DE CLASSES

socialistas e confiscatórias, desejadas pelo comunismo internacional. O Congresso é tão insistente a favor das reformas, que por um elementar dever de prudência deveria manifestar também seu repúdio ao reformismo socialista e confiscatório, condenado pela doutrina católica. Pois do contrário estará levando água para o moinho comunista. Entretanto o documento não deixa transparecer em momento algum a necessária oposição ao pior inimigo da Religião e da civilização cristã. Pelo contrário, deixa pairar em sua linguagem uma ambiguidade sistemática acerca de sua posição nesta delicada matéria.

O único inimigo combatido pelo Congresso é o mesmo inimigo a quem ataca também o comunismo, isto é, a assim chamada oligarquia latino-americana, acusada de ser serva da oligarquia norte-americana.

No que se refere à Hierarquia Eclesiástica, o documento evidencia também o desejo de uma reforma de estrutura. Aqui e acolá campeia a ideia de que tal reforma consiste em reduzir muito consideravelmente a autoridade que o Clero tem sobre o laicato.

Ante a gravidade dessas conclusões, perguntar-se-á se seria possível alegar alguma atenuante a favor do Congresso. Por exemplo: tratar-se-ia formalmente de um congresso? A reunião realizada em nossa cidade não terá sido antes um colóquio informal, cujas conclusões implicam, por isso mesmo, numa responsabilidade menor? Não encontramos fundamento algum para essa hipótese. Pelo contrário. A assembleia, no texto que temos em mãos, várias vezes se auto-intitula "Congresso", e as folhas em que foram impressas as "Conclusões" ostentam o seguinte cabeçalho: "I Congreso Latino Americano para el Apostolado de los Laicos". Nada faz pensar que os promotores dessa reunião hajam usado com tanta falta de responsabilidade um título de alcance bem definido, como é o de "Congresso", isto é, assembleia que delibera com base em estudos sérios, segundo um método clássico, e afirma conclusões inteiramente responsáveis.

Não obstante, ainda que admitíssemos a atenuante aludida, não poderia deixar de assombrar-nos o fato de que em uma reunião de tantas figuras do laicato, representativas de toda a América Latina, hajam prevalecido as referidas conclusões. E isto sem que o documento que comentamos evidencie — pelo menos não o faz de modo claro — qualquer oposição que tivesse havido contra elas.

Vistas em seu conjunto, as duas lutas — a do povo contra os oligarcas e a dos leigos para emancipar-se do Clero — fundem-se para constituir uma só e imensa luta de classes, temporal e espiritual.

Apontando estas graves implicações contidas nas conclusões deste desconcertante Congresso, cremos cumprir o nosso dever de jornalistas católicos, em um tempo de confusão como o que vivemos.

Cruzada


"ADMIRA QUE UM SACERDOTE OUSE ESCREVER UM TAL LIVRO"

Rio, janeiro (ABIM) — "Admira que um Sacerdote ouse escrever um livro tão berrantemente oposto a toda a tradição da Igreja e aos mais recentes ensinamentos pontifícios", declarou à imprensa carioca o Exmo. Revmo. Sr. D. ANTONIO DE CASTRO MAYER, Bispo de Campos, a propósito do livro "LIMITAÇÃO DOS NASCIMENTOS", de autoria do Revmo. Pe. PAUL-EUGÈNE CHARBONNEAU, C. S. C.

"Nessa obra — prosseguiu o ilustre Prelado — o autor contraria frontalmente as normas dadas por Pio XI, Pio XII e Paulo VI sobre a moral familiar. Abre totalmente as portas, de modo escandaloso, para o uso das pílulas anticoncepcionais, e chega ao absurdo de autorizar a ligadura de trompas com o objetivo de esterilização. Como Sacerdote, o Pe. Charbonneau deveria saber que em questões de fé e de moral, a decisão pertence ao Santo Padre, que para isso é assistido pelo Espírito Santo".

Artigo de grande repercussão

Como tem sido amplamente divulgado pela imprensa diária, o mensário "Catolicismo", editado em Campos, acaba de publicar um amplo estudo sobre o controle da natalidade, intitulado "EM DEFESA DA FAMÍLIA BRASILEIRA CONTRA AS INVESTIDAS DE UM SACERDOTE - A PROPÓSITO DE UM LIVRO DO REVMO. PE. PAUL-EUGÈNE CHARBONNEAU, C. S. C."

O autor do trabalho é o médico endocrinologista de Belo Horizonte, Dr. ANTONIO RODRIGUES FERREIRA, que é Presidente da Secção de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

Referindo-se a esse artigo, assim se pronunciou o Bispo de Campos: "É um trabalho esplêndido. O Dr. Antonio Rodrigues Ferreira prestou inestimável serviço aos meus diocesanos publicando, em jornal de minha Diocese, um estudo tão claro e de argumentação tão sólida, à vista do qual só uma pessoa de má fé pode pôr em dúvida quais são as determinações da Santa Sé sobre o controle da natalidade".

A Igreja não está em dúvida

Acentuou S. Excia. Revma. que "o Pe. Charbonneau interpreta tendenciosamente um texto de Pio XII, insinuando que aquele imortal Pontífice autorizou a limitação dos nascimentos de modo indiscriminado. Depois finge ignorar as normas dadas por Paulo VI. E no seu mais recente livro, "MORAL CONJUGAL NO SÉCULO XX", Continua surdo ao que tem dito o Papa gloriosamente reinante. Pretender que o assunto, porque está em estudos, se tornou duvidoso, é contrariar as declarações pontifícias de 1964 até hoje, como bem demonstra o Dr. Antonio Rodrigues Ferreira".

O Pe. Charbonneau sustenta que a limitação da natalidade é "um dever para a maioria de nossos contemporâneos". A esse respeito observa D. Antonio de Castro Mayer:

"Generalizar a necessidade do controle dos nascimentos é concluir apressadamente, sem tomar em conta os desígnios da Providência, que impõe os filhos como finalidade primária do casamento. Sem razões proporcionalmente graves, a Igreja não justifica o controle da natalidade, nem mesmo pelo meio em si lícito da continência periódica. Generalizar a ocorrência de tais razões graves é lançar uma suspeita de imprevidência sobre a Providência Divina".

Aplausos à TFP

E o insigne Prelado concluiu:

"Aliás, era de se esperar da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade uma atitude como a que acaba de tomar o Presidente de sua Secção de Minas Gerais.

"Pois a TFP já se destacou por relevantes serviços prestados à família brasileira, como sua recente campanha contra o divórcio, que foi decisiva para obter a retirada do projeto de Código Civil que se achava em tramitação no Congresso. E ao Presidente do Conselho Nacional dessa Sociedade cívica, o benemérito pensador católico Plinio Corrêa de Oliveira, o Brasil deve os magníficos estudos de repercussão internacional: "Revolução e Contra-Revolução", "A Liberdade da Igreja no Estado Comunista" e "Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo". São obras básicas para a defesa da família e das demais instituições cristãs contra as investidas do progressismo".


VALIOSO DEPOIMENTO

No dia 1.° de janeiro p.p. foi publicado no jornal "O Estado de São Paulo", da capital paulista, um manifesto sobre aspectos da presente realidade religiosa brasileira.

O documento, subscrito por elevado número de magistrados, professores universitários, jornalistas e pessoas que se dedicam a profissões liberais, alerta a opinião pública a respeito de perigosas tendências, e até mesmo erros manifestos, que se introduziram nos meios católicos, com grave dano para a Fé e para a estabilidade da civilização cristã. O texto cita em abono de suas afirmações vários fatos significativos, entre os quais o depoimento — a seu modo histórico — que noviços dominicanos estamparam na revista "Realidade". De passagem, contém uma alusão elogiosa à campanha antidivorcista levada a efeito pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.

De um grande comedimento de pensamento e de linguagem, os redatores do manifesto quiseram evitar alusões pessoais de qualquer natureza. Eles conclamam os católicos brasileiros a atuar contra a expansão de tais erros, segundo o pensamento e as diretrizes da Hierarquia Sagrada, isto é, do Santo Padre Paulo VI, do Emmo. Cardeal Agnelo Rossi, Arcebispo de São Paulo, e, em cada Diocese, do Ordinário do lugar.

O documento constitui expressivo sintoma com referência à assustadora extensão que alcançou presentemente a penetração insidiosa, em nosso ambiente, de erros contra os quais há 25 anos vêm alertando o Brasil, em sucessivos pronunciamentos, personalidades do vulto do ínclito Bispo desta Diocese, D. Antonio de Castro Mayer, do Arcebispo de Diamantina, D. Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., e do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Pois em 1943 veio a lume o livro "Em Defesa da Ação Católica", de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que foi um verdadeiro brado de alarme a este respeito. Publicada essa obra, o prestigioso jornal "Legionário", de São Paulo, iniciou uma atuação de envergadura contra esses erros, no que foi depois sucedido por esta folha. E pari passu se vieram publicando no mesmo sentido as Pastorais e livros que o Brasil todo conhece.

O documento dos intelectuais paulistas representa uma contribuição positiva e oportuna para o esclarecimento da opinião nacional. Seu valor intrínseco é realçado pelo prestígio e pela projeção cultural de seus signatários, e constitui um depoimento a mais, sobre a nossa triste situação religiosa. A ninguém, nas fileiras progressistas, é lícito, em sã lógica, negar o incontestável alcance do testemunho que contém.


HOJE EM DIA NÃO SE PODE CONFIAR EM NINGUÉM...

Gustavo Antonio Solimeo

Sr. Eduardo Frei Montalva, Presidente democrata-cristão do Chile, tem boas razões para se sentir logrado com as conclusões a que chegou o presidente do Instituto de Investigações Rurais de Paris, Sr. Bertrand Larrocque, a respeito do programa de reforma agrária chileno. Tanto mais que esse perito em problemas agrários lhe fora recomendado pelo filósofo e mentor da Democracia-Cristã internacional, Jacques Maritain, a quem o Sr. Frei havia confidenciado a necessidade que tinha da opinião de um técnico "não comprometido", que lhe permitisse enfrentar as críticas enérgicas da direita, bem como o apoio entusiástico, porém inoportuno, da esquerda. . .

Disposto a safar o discípulo andino da difícil situação em que se encontrava, comunicou-se Maritain com de Gaulle e conseguiu que o General financiasse a viagem de Larrocque e sua estadia no Chile.

Acontece que, depois de passar duas temporadas "là bas", o perito francês — que é amigo pessoal de Jacques Maritain — declarou a Frei que sua reforma agrária era política, e não econômica...

Essas revelações são do jornalista Raúl Gonzáles Alfaro, em programa na Rádio Portales, de Santiago, transmitido no dia 30 de novembro do ano passado, e reproduzido pelo "Diario ilustrado", daquela Capital, na 1ª página de sua edição de 2 de dezembro. Segundo o jornalista, no dia 14 de novembro Larrocque mostrou ao Presidente Frei "que sua reforma agrária era política e não econômica. Que a prevalência do aspecto político distorcia os objetivos sociais e econômicos, que a ele pareciam essenciais nas mudanças de estrutura do campo... Que o empenho em alcançar metas políticas estava convertendo a reforma agrária em um processo ruinosamente antieconômico" e que na atividade agrária, como em toda função econômica, "importa muito o valor da exploração, e pouco os valores publicitários".

Acrescenta Raúl Gonzáles Alfaro que o incômodo perito, "manejando com habilidade os cálculos e os fundamentos de toda planificação agrária moderna, desautorizou com dois ou três argumentos de extraordinário peso e alcance a quase totalidade das realizações do INDAP (Instituto de Desenvolvimento Agro-Pecuário) e da CORA (Corporação de Reforma Agrária), que pretendem constituir a vanguarda revolucionária no programa de reformas oferecido pelo regime democrata-cristão".

Não é de se estranhar, depois disso, a reação encolerizada dos responsáveis por aqueles órgãos. Os assessores de Frei para questões agrárias fizeram declarações contra o técnico francês, negando-lhe competência na matéria e procurando ocultar a existência de seu inoportuno pronunciamento. Nessa campanha foram, segundo informa o "Diario Ilustrado", apoiados por dois jornais, um governista, e outro "marxista-leninista-semipequinista".

Mas não vá o leitor pensar que seja um reacionário, êste Sr. Bertrand Larrocque. Não. Tem ele prestado colaboração a vários governos de nações subdesenvolvidas, empenhados em programas agro-reformistas, inclusive o regime revolucionário argelino de Ben Bella. De resto, sua amizade com Maritain e o fato de ter sido recomendado por ele já são por si uma forte garantia do contrário...

Seu depoimento é, pois, perfeitamente insuspeito, e constitui uma curiosa confirmação do que "Fiducia" proclamara oito meses antes: ao denunciar à nação chilena, em lúcido manifesto (cf. "Catolicismo", n.° 184, de abril de 1966), a índole socialista e confiscatória da reforma agrária do Presidente Frei, escreveram nossos jovens confrades que ela não se inspirava "em razões técnicas, mas era de caráter ideológico e doutrinário".

Depois de tudo isso, o Sr. Eduardo Frei terá certamente formulado aquela famosa súplica: "Livrai-me, Senhor, de meus amigos, que de meus inimigos me livro eu!”.


CALICEM DOMINI BIBERUNT

ORDENADO PADRE, O VENERÁVEL LANTERI CONSAGRA-SE DE CORPO E ALMA À AMICIZIA

Fernando Furquim de Almeida

Ao partir para a Áustria com Pio Brunone Lanteri, o Padre Diessbach deixara a Amicizia de Turim dando os primeiros passos. Em Viena, encontrando boas perspectivas para o apostolado, resolveu lá ficar e dirigir da capital do Império todo o seu gigantesco plano de combate à impiedade. O Venerável Lanteri voltou sozinho para o Piemonte. A sua preparação para o sacerdócio estava quase completa, de modo que, chegando a Turim, apressou se a terminá la, para poder se dedicar de corpo e alma à Amicizia. A 25 de maio de 1782, na igreja da Imaculada, recebeu a ordenação sacerdotal, que lhe foi conferida pelo Arcebispo, Monsenhor Costa di Arignano. Dois meses depois, com excelentes notas, concluiu o curso universitário de Teologia.

*

A personalidade do novo sacerdote, sua inteligência e cultura já eram conhecidas em Turim, e não lhe faltaram ofertas tentadoras que, se aceitas, teriam posto em risco a existência da Amicizia. Entre elas destacava se a do Duque de Modena, que queria confiar lhe a educação de seu filho ou a direção da biblioteca ducal. Não é difícil imaginar os sofismas que o demônio deve ter sugerido ao Servo de Deus para desviá lo de sua missão. Educar o filho do Duque não lhe daria acesso e prestígio junto a um senhor poderoso, capaz de ajudar a sua obra? Não entraria nos planos da Providência a utilização de uma biblioteca como a do Príncipe, para começar a formar essa seleção de bons livros que era o objetivo prático da Amicizia? Por outro lado, o apostolado que Deus parecia ter lhe confiado estava em início, e tudo precisava ser feito, exigindo dele uma dedicação total. É verdade que os planos eram magníficos, mas eram planos, e não tinham o atrativo das obras já consolidadas e em franco progresso. Para executar tais planos era necessário renunciar a uma carreira brilhante e ingressar na via do sacrifício. O Padre Lanteri resistiu a essas tentações e não aceitou as ofertas que lhe eram feitas. Era a Amicizia a sua missão, à qual se entregaria integralmente.

É pouco conhecida a história dos primeiros tempos da Amicizia de Turim. Ela vinha substituir a Pia Associação para a Imprensa, sociedade que o Padre Diessbach fundara para promover a difusão de boa literatura. Embora tivessem o mesmo objetivo prático imediato, era profunda a diferença entre ambas. A Pia Associação reunia católicos para executarem uma obra em comum, enquanto a Amicizia era uma escola de formação, sendo o apostolado fruto da vida espiritual que seus membros aprendiam a cultivar. É mais provável que a transição entre uma e outra se tenha dado pouco a pouco, aproveitando o Padre Diessbach os colaboradores da Pia Associação que demonstravam maiores aptidões para a nova vida toda dedicada à Igreja, que ele inculcava aos amigos cristãos.

Ao que parece, o Cônego G. D. Giulio e o Conde Robbio di San Raffaele foram dos primeiros a passar para a nova sociedade. Quando o Padre Diessbach decidiu permanecer em Viena, a sua ausência não prejudicou a consolidação da obra, pois Luigi Virginio e Lanteri estavam suficientemente preparados para dirigi la de acordo com as diretrizes que ele enviasse. O Padre Virginio tomou a direção do sodalício, e ao Padre Lanteri foi confiada a secretaria, com a guarda da cifra que permitia o uso da linguagem convencionada na correspondência.

*

A falta de documentos, que impede um conhecimento preciso da fase inicial da Amicizia, pode ser devida ao segredo que a protegia. No entanto, é mais provável que "Les Lois de l’Amitié Chrétienne", que servem de guia para a compreensão do movimento, não tenham sido escritas senão depois do aparecimento orgânico do primeiro grupo de amigos cristãos, tendo o Padre Diessbach concebido o funcionamento da associação à medida que ela tomava corpo. Isto explicaria a existência nesse período, como entidade distinta, das Amiche Cristiane, das quais o Pe. Candido Bona, em seu excelente livro já tantas vezes citado, estuda dois documentos que encontrou em suas pesquisas ("Le Amicizie" p. 85). Um deles, a que posteriormente foi dado o título de "Memorie dell'Amicizia C[ristiana] F[eminina] di Milano" — com evidente engano, pois se trata de um grupo de amigas cristãs de Turim — relata as atividades desenvolvidas pela associação desde o seu aparecimento até 1783. O outro, intitulado "Aux Amies Chrétiennes unies dans le Sacré Coeur de Jésus", é um repositório de conselhos espirituais às senhoras que constituíam o grupo.

É preciso lembrar que "Les Lois de l’Amitié Chrétienne" prescrevem doze membros para cada Amicizia, seis dos quais deveriam ser mulheres. Ora, a participação ativa de senhoras em um apostolado organizado, sobretudo em sodalícios que também tinham membros do outro sexo, era uma novidade. Daí a conveniência de formá las separadamente antes de constituir a Amicizia de acordo com o pensamento do Padre Diessbach. O Padre Luigi Virginio e o Padre Lanteri se encarregaram de dar formação a essas piedosas senhoras, incutindo lhes o espírito que deveria reinar na Amicizia.

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Infelizmente não se conhecem os nomes das participantes desse núcleo. O Pe. Bona procurou nos papéis deixados pelo Venerável Lanteri quais eram as senhoras que mais colaboraram com o seu apostolado, pois muito provavelmente elas pertenciam ao grupo inicial. Não vamos relatar aqui suas pesquisas. Queremos apenas registrar, entre as almas propulsoras desse período, os nomes de Delfina Piossasco di Rivalba, Condessa della Margarita, e Gabriella Galleani d’Agliano, respectivamente avó e mãe do Conde Solaro della Margarita, célebre político piemontês. Gabriella Galleani d’Agliano era por sua vez irmã de Cesare Renato d’Agliano, um dos futuros membros da Amicizia, o qual, como veremos, teve um papel destacado na reação que o sodalício desenvolveu contra a perseguição religiosa desencadeada por Napoleão.


NOVA ET VETERA

CONGRESSO PARA APOSTOLADO PROCURA ANTES DE TUDO PROMESSAS DA REVOLUÇÃO

J. de Azeredo Santos

Guardiã da Revelação e da lei natural, não é estranha a Santa Igreja ao bem-estar material da espécie humana. Sociedade sobrenatural fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo para distribuir os frutos da Redenção, combate Ela o preconceito laicista que a quer completamente isolada da cidade terrena, restringindo-lhe a ação ao campo exclusivamente espiritual. Ensinando, contra os maniqueus de todos os tempos, que a alma humana se acha substancialmente unida a um corpo material, interessa-se a Esposa de Cristo pela boa ordenação da vida social, econômica e política, pois esta, conforme seja estruturada, pode facilitar ou dificultar, como meio instrumental, a consecução do fim último do homem, que é a salvação eterna.

No extremo oposto ao do laicismo, se encontra a concepção romântica de um Chateaubriand, por exemplo, segundo a qual o Cristianismo é bom porque sob ele florescem a filosofia, as artes e até a atividade econômica em seus variados aspectos. A verdade, porém, é que a prosperidade material e o aprimoramento cultural dos povos cristãos são meras decorrências da ação santificadora da Igreja de Deus, conforme a clara advertência do Sermão da Montanha: «Não vos aflijais, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque os gentios é que procuram todas essas coisas. Vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas elas. Buscai, pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas de acréscimo» (Mat. 6, 31-33).

Não é outra a lição do Velho Testamento: o que mais importa é a fidelidade ao Senhor e às suas Leis. O que é feito com desprezo da soberana vontade de Deus não pode ter senão as aparências de prosperidade, constituindo a ilusória prosperidade dos iníquos. Não somente não escaparão os maus ao castigo eterno, sujeitos como estão à lei da morte, mas é também lição da História que a apostasia dos povos mais cedo ou mais tarde os leva inexoravelmente à ruína material. Mesmo porque o demônio, como pai da mentira, nunca se atém às promessas com que seduz os homens.

O Livro de Jó nos mostra claramente o caráter instrumental das riquezas perecíveis. Segundo a visão carnal da vida, não seriam felizes senão os que dispõem de fartura de bens materiais. Nosso Senhor, pelo contrário, proclama bem-aventurados os pobres de espírito (cf. Mat. 5, 3), que são não somente os que levam com paciência suas dificuldades materiais, utilizando-as como meio para a conquista do Reino dos Céus, mas também aqueles que, possuindo riquezas, têm o coração desprendido delas, aceitando-as como dádivas de Deus, e dando-lhes destinação adequada à consecução da finalidade última de todos os mortais.

Por todas estas razões é que os Soberanos Pontífices têm proclamado ser a questão social, antes de tudo, uma questão religiosa, não havendo solução para ela se as nações porfiarem na apostasia fomentada pela Revolução.

*

Não pensam assim os mentores da chamada esquerda católica. Para eles a Santa Igreja há de ser antes de tudo desenvolvimentista. Como quem afirmasse que devemos procurar em primeiro lugar o bem-estar material dos povos subdesenvolvidos e que o Reino dos Céus e a sua justiça nos serão dados como acréscimo.

Só assim se explica, que nas conclusões do I Congresso Latino-Americano para o Apostolado dos Leigos, reunido em Buenos Aires de 7 a 9 de outubro último, esteja declarado com todas as letras o seguinte, sob o título de «A Igreja no mundo de hoje»: «É evidente que o problema fundamental de nossa América é um problema de desenvolvimento das riquezas naturais. É necessário que como militantes e instituições nos agrupemos com organizações católicas e não católicas, com organizações estatais e internacionais, para alcançar maior eficiência nas tarefas de promoção humana. A fome, a miséria e os problemas de moradia são problemas que se fizeram carne na sociedade cristã; mas ainda não se projetaram em uma ação concreta na medida esperada e com a urgência que estes problemas exigem» (apud «Cruzada», n.° 66, de dezembro de 1966).

Comenta muito bem «Cruzada» que a primeira afirmação desse tópico «só é concebível na pena de um marxista, para o qual a economia e os problemas de infra-estrutura dominam absolutamente, e a vida do homem se encerra com a morte». Depois de um século e meio de laicismo dos Estados, promovido pelos responsáveis pela vida política e social do continente, vêm esses militantes leigos coroar a obra de destruição afirmando ser evidente que o problema fundamental da América se cifra no desenvolvimento de seus recursos naturais!

Mais ainda. Já estamos acostumados a ouvir a distinção entre «Igreja jurídica» e «Igreja da caridade», condenada por Pio XII, na Encíclica «Mystici Corporis», com estas enérgicas palavras: «Lamentamos também e reprovamos o erro funesto dos que sonham uma Igreja fantástica, uma sociedade formada e alimentada pela caridade, à qual, com certo desprezo, opõem outra que chamam jurídica. Enganam-se grandemente os que introduzem tal distinção».

Ora, esse erro assumiu hoje nova roupagem, havendo católicos que desprezam a Igreja como instituição, contrapondo-lhe a que chamam de «Igreja do profetismo». E colocam-se no papel de juízes da Mãe e Mestra do povo de Deus, criticando sua atuação no mundo moderno: «A Igreja tem uma missão profética. Isto faz com que, embora a missão de construir o mundo deva ser realizada pelos homens, conserve a Igreja essa missão. Até agora, na conformidade desta missão manifestou somente um profetismo teórico, mas ainda não o fez denunciando como autêntico profeta as injustiças sociais» (conclusões citadas, apud «Cruzada» — a deplorável redação é do original castelhano).

Por outras palavras, derramou Nosso Senhor Jesus Cristo seu preciosíssimo Sangue para remir a humanidade; fundou a Santa Igreja e confiou-lhe a distribuição dos frutos da Redenção, assegurando-lhe a assistência do Espírito Santo e a indefectibilidade diante das portas do inferno, — mas até hoje, apesar de tudo, até hoje a Esposa de Cristo teria falhado lamentavelmente em sua missão, pois se manteve em um «profetismo teórico», não denunciando «como autêntico profeta as injustiças sociais»!

A missão profética da Igreja não seria aquela a que aludia Isaías quando se dirigiu ao povo de Israel com palavras impressionantes: «Se quiserdes e me ouvirdes, comereis os bens da terra. Mas, se não quiserdes e me provocardes à ira, devorar-vos-á a espada, porque foi a boca do Senhor que falou» (Is. 1, 19-20). Consistiria essa missão, antes de tudo, e quiçá exclusivamente, em combater o que os progressistas apontarem como injustiças sociais.

Esse I Congresso Latino-Americano para o Apostolado dos Leigos procurou em primeiro lugar as falsas promessas da Revolução, em vez do Reino de Deus e sua justiça, como nos ordena o Divino Salvador (cf. Mat. 6, 33). Eis porque nossos confrades de «Cruzada» têm toda razão ao classificarem esse certame como «a reunião mais desconcertante da história religiosa da América Latina».