Continuação

conservadores) de Frei preferiam não olhar de frente esses aspectos estranhos da plataforma política da Democracia-Cristã. Mas, hoje, instalados no governo, os membros desta deixaram extravasar tudo o que por prudência não diziam antes. Especialmente depois do que foi proclamado nos últimos congressos dos democratas-cristãos chilenos, realizados em agosto e setembro de 1966 (o congresso camponês, o estudantil e o geral), dúvidas não mais restam sobre a posição claramente filomarxista ou marxistizante do Partido.

Vejamos algumas das formulações de pedecistas nos referidos congressos, noticiadas amplamente na imprensa chilena, mas quase ignoradas pelos jornais estrangeiros.

A — Conclusões do 3.° Congresso da Juventude Democrata-Cristã

Entre outras resoluções do 3.° Congresso da Juventude Democrata-Cristã chilena, destacamos estas, em que o conclave:

1 — "Reafirma os princípios do Socialismo Comunitário como orientação final de sua ação histórica".

2 — "Expressa sua profunda preocupação porque os Bancos, os monopólios e as sociedades anônimas, depois de quase dois anos de Revolução, não foram ainda tocados de maneira determinante. E pelo papel subalterno e passivo que o Partido tomou até o momento em suas relações com o governo". —Ê fácil perceber que êste "tocar" nos Bancos, sociedades anônimas, etc., não importa apenas em legítimas e eventualmente necessárias restrições a uma ou outra de suas atividades, mas na mutilação ou supressão da indispensável autonomia dessas empresas, em benefício do Estado.

3 — "Propõe ao 2.° Congresso Nacional do Partido a definição imperativa de uma via não capitalista de desenvolvimento, caracterizada por uma reforma agrária rápida, drástica e maciça, que liquide o latifúndio [...] e crie novas formas de propriedade camponesa", sem deixar de lado "as experiências comunitárias que surjam no curso de sua aplicação".

4 — E considera necessário atuar "em um movimento unitário e combativo, que nutra a DC e seu governo na marcha para o socialismo comunitário" ("Diário Ilustrado", edição de 17 de agosto de 1966).

Um deputado demo-cristão, talvez não tão iniciado, ao conhecer o documento de que damos aqui apenas excertos, se limitou a dizer: "Estas conclusões parecem haver sido escritas por uma mente marxista. Eu enviaria esses dirigentes ao Tribunal de Disciplina do Partido" (jornal cit.).

B — O último Congresso Camponês da DC

O "Diário Ilustrado", em sua edição de 25 de agosto de 1966, comenta que senadores do Partido Comunista, desejosos de aperfeiçoar a reforma agrária (de influência marxista) de Chonchol, Moreno e Silva Solar, acharam conveniente apresentar uma contribuição para alterar o respectivo projeto.

Propuseram eles, entre outras coisas, expropriar, além das terras, o gado ovino e bovino. E comenta o jornal que o Congresso Camponês da DC aprovou conclusões idênticas às dos senadores comunistas. Mostra o "Diário Ilustrado" que, com isto, se quer destruir a agricultura chilena, e acrescenta: "O que se deixa ver, ademais, é uma luta entre duas forças igualmente destruidoras: os membros do Partido Comunista do Chile, e os comunistas introduzidos no Partido Democrata-Cristão [...]. Infelizmente, esse grupo marxista da Democracia-Cristã e os comunistas de partido estão tratando de superar-se reciprocamente em demagogia. Quanto às expropriações dos bens anexos à exploração agrária, os senadores comunistas ficaram um pouco para trás, pois no Congresso dos Camponeses Democratas-Cristãos, a que aludimos acima, decidiu-se pleitear que, além do gado de todo gênero, se expropriasse o maquinário, as ferramentas, os utensílios e outros bens de que normalmente se acham dotadas as propriedades".

Se restasse dúvida sobre a tendência marxista da DC chilena, as considerações que acabamos de citar seriam suficientes para desfazê-la.

C - O Congresso Nacional da DC

Um defensor à outrance da DC chilena poderia dizer que não se qualifica a orientação de um partido somente pelas suas forças juvenis e camponesas. Mais do que os jovens e os lavradores, cumpre auscultar os chefes amadurecidos e os políticos veteranos.

Inicialmente seria bom lembrar que os hereges ao Partido Conservador de 1935, a Juventude Conservadora, são hoje os ocupantes do Palácio de La Moneda. Os velhos que subestimaram os jovens de então viram-se derrubados por estes. Em segundo lugar, o mínimo que se poderia esperar é que um jovem ou um camponês que defendesse tais ideias fosse imediatamente desautorado pelo Partido ou desligado dele.

O que se passa, na realidade, é que os políticos maduros da DC pensam da mesma maneira. Talvez nas nuances sejam um pouco mais moderados. Vejamos algumas conclusões do Congresso Nacional, que reuniu toda a nata do Partido, inclusive o Chefe de Estado (o qual, segundo se comenta em manchetes nos jornais, foi o grande vitorioso do Congresso):

1 — "A Revolução na liberdade é a passagem da sociedade capitalista para a sociedade comunitária. A DC proclama que sua finalidade histórica é realizar a sociedade comunitária".

2 — "A nova sociedade não será uma sociedade classista, e sim solidária [...]".

3 — "A nova sociedade será pluralista, democrática e fundada em relações comunitárias de produção e trabalho: A) — Pluralista no ideológico, político, religioso e cultural.
B) — Democrática [...].
C) COMUNITÁRIA NO SENTIDO DE QUE SE TRATA DE UMA SOCIEDADE DE TRABALHADORES, ONDE OS MEIOS DE PRODUÇÃO QUE REQUEREM DO TRABALHO COLETIVO PERTENCEM À COMUNIDADE NACIONAL OU ÀS COMUNIDADES DE TRABALHADORES".

4 — "A via de desenvolvimento não capitalista se caracteriza pelo seguinte: — Planificação democrática da vida econômica [...]. — Reforma agrária rápida, drástica, maciça, que termine com o latifúndio e ESTABELEÇA FORMAS DE PROPRIEDADE RURAL NÃO PATRONAIS [...]" ("La Nación", edição de 28 de agosto de 1966 — os grifos são nossos).

Estas citações falam por si.

D - No Chile é público e notório que o PDC é comunizante

Ninguém desconhece no Chile que a linha da DC é claramente comunizante. Os democratas-cristãos aceitam para si a qualificação de esquerdistas. Dizem-se defensores de uma sociedade comunitária. Chamam-se de "camaradas" (!).

O tratamento de "camarada" não é usado apenas uma ou outra vez. É empregado sistematicamente em discursos, em conversas, nas notícias de jornais, em artigos, em livros. É usual.

O órgão do Partido Comunista, "El Siglo", embora muitas vezes ataque o governo, o faz acusando Frei de moderado na Revolução. Em matéria de reforma agrária, esse jornal e outras publicações do Partido Comunista fazem constantes elogios à linha do PDC e do governo. Os comunistas se dão muito bem com os democratas-cristãos. Estes sentem-se mais à vontade com aqueles do que com os conservadores, liberais ou radicais. São frequentes os acordos PDC-PC, e raros entre o PDC e os parlamentares oposicionistas hoje reunidos no Partido Nacional.

Quando um democrata-cristão regressa de uma viagem a algum país comunista, é com evidente prazer que anuncia que o país visitado vê com bons olhos a política pedecista chilena. Característico é o exemplo já citado do deputado que, voltando de Cuba, fez questão de dizer que Fidel elogiara a reforma agrária andina.

Frisante, também, foi o que se passou com o Sr. Fernando Otayza Carrazola, conselheiro nacional do PDC. Ao chegar da China Popular, declarou à imprensa que lá se tem grande admiração pelo Presidente Frei, especialmente "por suas realizações e pela linha de sua política internacional", ressaltando que "a reforma agrária e, em geral, as reformas estruturais interessam grandemente" aos chineses ("La Nación", número de 4 de dezembro de 1965).

Só um espírito muito escrupuloso pode pôr em dúvida que já não é grande, e tende a ser cada vez menor, a diferença que existe entre o Partido Comunista e o Partido Democrata-Cristão chilenos...

VIII — QUE FUTURO AGUARDA O CHILE

Depois de termos examinado a origem da Revolução Chilena, a queda dos partidos tradicionais e a ascensão da Democracia-Cristã, depois de termos analisado pormenorizadamente o processo de comunistização que lá se desenvolve, poderíamos perguntar: qual o futuro do Chile?

Eis uma pergunta de difícil resposta. É com funda apreensão que um observador, por mais otimista que seja, a considera.

A velocidade hodierna da Revolução na nação irmã é tão avassaladora que, dir-se-ia, tudo está perdido: o marxismo virá, irreversivelmente, mais cedo ou mais tarde.

Os observadores chilenos, que veem na recente derrota eleitoral de Frei uma rejeição implícita mas iniludível do agro-reformismo demo-cristão, sentem a necessidade de explicar um aspecto paradoxal do acontecimento. De um modo geral, as personalidades, associações ou grupos naturalmente interessados em defender a propriedade privada contra a espoliação socialista se mostraram de uma passividade notória. Praticamente, os projetos de reforma agrária e de reforma constitucional não sofreram, desse lado, oposições de monta que atacassem no cerne o problema. Durante muito tempo a opinião direitista pareceu participar inteiramente da atonia de seus líderes. Como explicar, então, que, inesperadamente, o agro-reformismo tenha sofrido um revés eleitoral tão importante?

A esta pergunta, respondem muitos que, obviamente, esta feliz surpresa se deve lançar a crédito da única organização que, em meio à defecção geral, levantou o estandarte da luta antiagro-reformista. Trata-se de algumas dezenas de jovens universitários, reunidos em torno da revista católica "Fiducia". Já me referi à atuação, perspicaz e organizada, desse grupo, e à extensão do âmbito em que ela se desenvolve. Parece-me inteiramente verossímil que, à custa de esforços realmente extraordinários, esses jovens tenham conseguido comunicar sua vibração às fibras adormecidas do direitismo chileno. Se este novo vibrar de fibras não veio dos líderes naturais do direitismo, e se coincidiu com a entrada de "Fiducia" em liça, não vemos como contestar que a "Fiducia" se deve o fenômeno.

Aliás, uma contraprova desta asserção pode ser encontrada no empenho com que a propaganda emanada do Ministério do Interior ataca a revista. Não parece possível que um grupo que não tem as dimensões de um partido fosse atacado tão a fundo pelo órgão político do governo, se sua atuação não resultasse profundamente nociva ao desenrolar dos planos governamentais.

Os moços de "Fiducia" constituíram recentemente uma entidade cívica, com caráter ideológico não partidário, a Sociedad Chilena de Defensa de Ia Tradiçión, Familia y Propiedad. Compreende-se que um crescente número de chilenos veja num possível desenvolvimento dessa entidade um caminho para a contenção da maré agro-reformista e, portanto, do comunismo, cujas vias ela prepara.

A não haver meio de conter o reformismo pedecista, para onde caminhará o Chile? Se o povo aceitar como verdadeiros os ensinamentos falsos propagados pelo governo, para onde caminhará o país? É a isso que desejamos responder no término deste trabalho.

A — Um Fidel Castro ou um Kerensky para o Chile?

O chileno, profundamente católico, não aceitaria, ao menos por enquanto, ser dominado por um tirano do tipo Fidel Castro. A triste experiência cubana tornou difícil a aplicação de receita igual em outro país latino-americano.

O mais hábil seria suscitar no Chile um Kerensky, um líder revolucionário, socialista, mas tido por muitos como moderado. Esse homem levaria facilmente a opinião pública nacional a aceitar uma fórmula esquerdista. Uma vez aceita essa fórmula, e através de uma revolução cruenta ou incruenta, mais ou menos drástica, o poder seria entregue a um Fidel Castro.

B — Frei seria o Kerensky chileno?

Entendemos que o papel de Kerensky chileno cabe ao Sr. Frei.

Eduardo Frei é o homem que se apregoa honesto, trabalhador, moderado. Os que se chocaram com os excessos esquerdistas de Tomic, repelindo em 1964 sua candidatura à Presidência, voltaram esperançosos as vistas para Frei. Os que receavam o marxista Allende votaram no atual Presidente como sendo a salvação do momento.

Hábil, maneiroso, político sagaz, Frei subiu apoiado no prestígio e nas esperanças das direitas, e está fazendo exatamente aquilo que levou as direitas a repelir seu opositor, Allende: o socialismo.

E o homem tido ontem por moderado pelas direitas é agora acusado de moderado pelos esquerdistas. Estes o acoimam de tímido, de pouco arrojado. Querem um Presidente mais socialista, mais avançado.

A Revolução Chilena recebeu um grande impulso ao longo do processo que se iniciou com a queda do Partido Conservador, com o crescimento do PDC e, por fim, com a vitória deste. Esse processo histórico, pela sua própria natureza processiva, pede agora que venha, como sucessor de Frei, um político ainda mais francamente socialista. Quem pode ter a certeza de que o processo será contido? E se não for contido, aonde se chegará?

Chegar-se-á a um regime marxista total, introduzido direta ou indiretamente pela Democracia-Cristã. E, neste desenrolar de fatos, a História dirá que o Sr. Eduardo Frei serviu eximiamente de Kerensky, ou seja, de chefe do governo de transição entre o regime anterior e o regime marxista que então estará formado no Chile.

C — E quem será o Fidel Castro chileno?

Se o processo não parar, o Fidel Castro chileno será tirado do Partido Socialista ou do Partido Comunista, ou então escolhido entre os elementos mais avançados da Democracia-Cristã.

Aqueles homens do PDC que hoje elogiam Fidel, que falam em sociedade e em propriedade comunitárias, que promovem a luta de classes e querem uma sociedade sem classes, estarão dispostos a escolher em suas fileiras quem desempenhe o papel redentor do tiranete cubano.

Os estudantes e camponeses da DC que hoje acusam o governo de tímido, de moderado, que ameaçam uma cisão no Partido, muito possivelmente quererão amanhã, como salvador da pátria, um Allende, um Jerez, um Silva Solar ou um Chonchol. Qualquer destes servirá de Fidel. Já hoje, pouca diferença existe no Chile entre um comunista ou socialista e um democrata-cristão da linha avançada.

CONCLUSÃO

O que importa é termos presente que aqueles que dirigem os destinos do Chile precisam hoje de um Kerensky, e amanhã estarão à procura de um Fidel Castro.

Já encontraram o Kerensky? Supomos ter deixado claro que sim.

As pessoas que ainda se iludem com o Sr. Eduardo Frei dizem: A solução ainda está no próprio Presidente. Ele poderia fazer um expurgo na DC e continuar com os elementos bons que lá existem, auxiliados pelo que ainda resta de sadio nos outros partidos.

Esta fórmula, os astutos certamente procurarão empregá-la junto aos ingênuos, caso a reação contra a atual situação política se faça notar mais intensamente.

Esta fórmula traduziria apenas uma manobra tática, com a qual se reteria o avanço do marxismo por algum tempo para que ele depois recomeçasse na mesma velocidade atual. Assim se anestesiaria a verdadeira reação, que parece estar nascendo com possibilidades de vitória.

Dado o resultado, negativo para o PDC, das eleições municipais de abril, os líderes democratas-cristãos poderiam recorrer a esta fórmula. Não é isto, entretanto, que está na índole do PDC no Chile como no mundo inteiro. Ademais, segundo as últimas notícias publicadas pela imprensa, estão esses líderes preferindo, em vez de dar um passo tático para trás, avançar ainda mais para a esquerda, fazendo uma apertura a sinistra.

Frei já caminhou tanto, já deu tantas esperanças de revolução e de subversão às suas bases políticas, que parece não estar mais em condições de voltar atrás sem se desgastar junto a elas.

Os democratas-cristãos de vanguarda, imbuídos do ódio de classe e de um espírito reformista fanático, ansiosos por liquidar com tudo o que existe e formar algo inteiramente novo, partindo do zero, não deixarão Frei parar, nem mesmo por pouco tempo. Eles estão hipnotizados, estão desvairados, estão cegos, como o estavam os jacobinos da Revolução Francesa. Eles estão dispostos a montar guilhotinas e destruir todos os que se queiram opor ao processo revolucionário. Eles necessitam hoje, absolutamente, de um Kerensky, como necessitarão amanhã de um Fidel Castro.

Resta-nos esperar que Nossa Senhora do Carmo, Padroeira do Chile, intervenha, estimulando todas as forças vivas que existem no bravo e pujante povo chileno, para que, dentro das vias da legalidade, oponham uma reação inquebrantável aos que pretendem fazer do Chile, através de etapas sabiamente calculadas, uma segunda Cuba. Mesmo porque, se o detestável desígnio destes últimos se fizer realidade, o perigo comunista nesta parte do mundo terá crescido singularmente de vulto, pois terá à sua disposição, tristemente escravizado, um povo que goza de merecida e incontestável influência junto às nações irmãs da América Latina.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Um princípio que a Revolução vai cada vez mais repudiando

Plinio Corrêa de Oliveira

Uma sala comum, de paredes desnudas, que tanto poderia servir para um ambulatório, quanto para a administração de uma cooperativa, ou uma aula de grupo escolar. Pela presença de cadeiras adaptadas para se tomarem notas e apontamentos, pela disposição dos móveis e pelo fato de que algumas pessoas na primeira fila têm em mãos livros e cadernos, percebe-se que o clichê nos mostra uma sala de aula.

Mas, no momento em que a foto foi colhida, é uma aula que está sendo dada, ou o folgazão em mangas de camisa, com os pés sobre a cadeira, é algum aluno que aproveitou um intervalo para fazer brincadeiras? A segunda hipótese parece mais provável. A atitude cômica do personagem, o riso dos que o ouvem, convida a esta conclusão.

Digamos, entretanto, que se trate de uma aula. Do que será ela? Curso secundário para adultos? Auto-Escola? Curso universitário no qual o professor guia os alunos pelas mais altas paragens do pensamento?

É difícil responder com base na foto. Pode ser qualquer coisa dessas, ou qualquer outra inteiramente diferente. Da análise resulta que a ambientação, inexpressiva e insignificante, em nada ajuda a mentalidade dos que ali se acham, para realizar com toda a riqueza de alma o trabalho específico a que são chamados. O que é contrário às naturais solicitações do espírito humano, e portanto é inumano.

Observações não muito diversas poderiam ser feitas no tocante ao segundo clichê. Os personagens são menos jovens. Não há hilaridade na sala. A atitude da pessoa que está falando nada tem de cômico. A sala e os móveis correspondem a um standing um tanto mais elevado. Mas uma não pequena indefinição paira no ambiente. Trata-se de um curso de férias num hotel de praia ou de estação de águas? Ou de um sermão em alguma seita protestante ultra modernizada? O móvel sobre o qual se apoia o expositor tem algo de púlpito... Nada se opõe, entretanto, a que nesta sala estejam sendo dadas algumas explicações teóricas dentro de um pequeno curso de xadrez ou de bridge.

Em outros termos, nota-se no ambiente o mesmo erro apontado na gravura anterior: inteira carência de relação específica e definida entre a natureza das atividades realizadas no local e as cogitações dos que nele se encontram, e a sala, o mobiliário, e a indumentária dos personagens.

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Na realidade, os dois clichês mostram, respectivamente, uma sala de aulas — com professor e alunos — na Universidade Estadual de Waine e no Springfield College nos Estados Unidos.

O princípio subjacente ao grave erro psicológico que torna estas salas — em certo sentido da palavra — inumanas é o igualitarismo.

Dizemos "inumanas", não porque tenham qualquer coisa de oposto às conveniências do corpo, mas porque, destinadas a atividades superiores do espírito, recusam a este qualquer sustento, qualquer alento, qualquer inspiração no trabalho cheio de subtilezas e imponderáveis que o intelecto e a sensibilidade ai devem realizar.

E com isto se compraz o igualitarismo, adversário irredutível da diferenciação e hierarquização entre espírito e matéria, atividade intelectual e trabalho manual; o igualitarismo que, odiando as desigualdades mais justas e harmônicas, se opõe a tudo quanto é peculiar, característico, orgânico. E que anseia por um mundo trivial, sem nada de típico nem de expressivo, no qual se liquefaçam e desapareçam todos os matizes de classe, de função, de lugar ou de idade.

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A sabedoria de todas as gerações que precederam ao surgir deste espantoso erro preconizava o contrário.

Aqui está, por exemplo, uma sala de estudos da Universidade de Paris, na Idade Média. Os alunos realizam uma discussão escolástica sob a direção do mestre. Toda a seriedade e a nobreza da atividade intelectual aí se encontram afirmadas com admirável riqueza de expressão. Tudo ajuda mestre e alunos a se concentrarem, a se compenetrarem de sua elevada missão, a alçar o espírito para as mais nobres regiões do pensamento.

A luz entra fartamente, mas os vitrais isolam o ambiente das distrações do mundo externo. Os alunos, colocados face a face, têm toda a facilidade para se verem e para discutirem entre si. Os bancos em que se assentam têm a dignidade e a solenidade das estalas de um Cabido. O traje característico da Universidade lhes torna mais fácil tomar uma atitude interior digna e compenetrada. A nobreza da função de ensinar está esplendidamente expressa na cátedra, que é um verdadeiro trono. Os bedéis estão a serviço do mestre e dos alunos, e concorrem para manter a disciplina. Seu traje e sua atitude fazem deles, não simples vigilantes, mas funcionários quase tão solenes quanto se fossem magistrados. As considerações de caráter religioso estão fortemente presentes. No púlpito em que se acha o livro consultado pelo mestre, há um grupo esculpido em madeira, representando a Anunciação. Nas maças carregadas pelos bedéis encontram-se, como era frequente, relíquias. O ensino e a disciplina se voltam para o que há de mais estimulante nas atividades intelectuais, isto é, a fé. A este título, a sala contrasta com o ambiente glacialmente laico dos dois clichês anteriores.

A sala medieval da Universidade de Paris contrasta com suas congêneres modernas porque está toda baseada no princípio de que o ambiente de um local deve condizer com as finalidades deste, atendendo assim ao que pede naturalmente o espírito humano. Nobre princípio das sociedades orgânicas, harmoniosamente hierárquicas, e sacrais, que a Revolução vai cada vez mais repudiando.