VERBA TUA MANENT IN AETERNUM

Os modernistas querem tudo reformar na Igreja de acordo com seus erros

São Pio X: Resta-Nos finalmente acrescentar algo sobre o modernista enquanto reformador. Já o que até aqui dissemos põe em evidência de quão grande e vivo afã inovador estão animados estes homens. E êste afã se estende absolutamente a todas as coisas que há entre os católicos.

Querem que se inove a filosofia, sobretudo nos sagrados Seminários, de modo que, relegada a escolástica à história da filosofia entre os demais sistemas que já envelheceram, se ensine aos jovens a filosofia moderna, única verdadeira e que corresponde à nossa época. Para inovar a teologia, querem que a que chamamos teologia racional tenha por fundamento a filosofia moderna, e a teologia positiva pedem que se funde sobretudo na história dos dogmas. Reclamam também que a História se escreva conforme seu método e segundo as prescrições modernas. Decretam que os dogmas e sua evolução se conciliem com a ciência e a História. Quanto ao que se refere à catequese, exigem que nos livros catequéticos só se consignem os dogmas inovados e que estejam ao alcance do vulgo. Acerca do culto dizem que devem ser diminuídas as devoções exteriores e proíbem que sejam aumentadas, se bem que outros, mais partidários do simbolismo, se mostrem aqui mais indulgentes.

Bradam que deve ser reformado o regime da Igreja, em todos os seus aspectos, sobretudo no disciplinar e dogmático; e, portanto, que se deve conciliar interna e externamente esse regime com a consciência moderna, toda ela tendente para a democracia: por isso, é preciso dar ao Clero inferior e aos próprios leigos sua parte no regime, e distribuir uma autoridade que está por demais recolhida e centralizada. Querem igualmente que se transformem as Congregações Romanas, e antes de tudo as que têm por nome Santo Ofício e Índice. Pretendem, do mesmo modo, que se modifique a ação do regime eclesiástico em assuntos políticos e sociais, para que ele juntamente seja desterrado das ordenações civis e se adapte, não obstante, a elas para imbuí-las de seu espírito.

Em matéria moral, aceitam o princípio dos americanistas de que as virtudes ativas devem ser antepostas às passivas, e de que se deve promover preferencialmente seu exercício.

Pedem que o Clero seja reformado de modo a mostrar sua antiga humildade e pobreza, e adaptar-se por pensamento e obras aos preceitos ou ensinamentos do modernismo.

Há finalmente os que, dando de muito boa vontade ouvidos aos mestres protestantes, desejam que se suprima no sacerdócio o próprio sagrado celibato.

Que deixam pois intacto na Igreja, que não deva ser reformado por eles e de acordo com suas proposições?

(Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", de 8 de setembro de 1907 — Denz. 2104).

A vida cristã, hoje como sempre, afirma a necessidade de um conflito moral implacável

PAULO VI: A palavra vitória ["Haec est victoria quae vincit mundum fides nostra" (1 Jo. 5, 4)] faz pensar em um combate... Mas esta é uma idéia que não agrada ao homem moderno.

[...] Hoje fala-se de moral sem pecado, procura-se justificar qualquer ação por considerações de ordem psicológica e sociológica. Não se quer saber de combate nem contra o demônio, de quem se nega a existência, nem contra o mundo, do qual se celebram os valores fascinantes, nem contra a carne, tornada o ídolo de prazer e da livre experimentação.

Não é isso a vida cristã.

A vida cristã continua a afirmar a necessidade de um conflito moral implacável.

(Alocução na audiência de 5 de abril de 1967).

É falso que a confissão dos pecados em espécie seja de instituição eclesiástica

Sixto IV condenou esta proposição de Pedro de Osma: Está verificado que a confissão dos pecados em espécie é realmente de estatuto da Igreja Universal e não de direito divino,

(Bula "Licet Ea", de 9 de agosto de 1479 —Denz. 724).

É falso que Constantino tenha errado ao dotar a Igreja de bens temporais

Martinho V condenou estas proposições de Wicleff: - Enriquecer o Clero é contra a regra de Cristo. — O Papa Silvestre e Constantino erraram ao dotar a Igreja. — O Papa, com todos os seus clérigos que possuem bens, são hereges pelo fato de possuí-los, bem como aqueles que consentem nisso, a saber, todos os senhores seculares e demais leigos. — O Imperador e os senhores seculares foram seduzidos pelo demônio para que dotassem a Igreja de Cristo com bens temporais,

(Bulas "Inter Cunctas" e "In Eminentis", de 22 de fevereiro de 1418 — Denz. 612, 613, 616 e 619).

Explicações sobre o pecado original a partir do poligenismo são inconciliáveis com a doutrina católica

PAULO VI: É portanto evidente que vos parecerão inconciliáveis com a genuína doutrina católica as explicações que dão ao pecado original certos autores modernos, que, partindo de um pressuposto jamais provado, o poligenismo, negam mais ou menos claramente que o pecado, que acarreta tantos males para a humanidade, tenha sido antes de tudo [anzitutto] a desobediência de Adão, "primeiro homem", figura do homem vindouro (II Conc. Vat., Const. Gaudium et Spes, n.° 13; cf. também n.° 22), cometida nos albores da História. Por conseguinte, tais explicações estão em desacordo com o ensinamento da Sagrada Escritura, da Sagrada Tradição e do Magistério da Igreja, segundo o qual o pecado do primeiro homem é transmitido a todos os seus descendentes, não por via de imitação, mas de propagação, "inest unicuique proprium", e é "Mors animae", a saber, uma privação e não uma simples ausência de santidade e de justiça, mesmo nos recém-nascidos (cf, Conc. Trid., ses. V, can. 2-3).

(Alocução aos participantes do Simpósio sobre o pecado original, em 11 de julho de 1966).

Para os medievais o universo apresentava uma unidade arquitetônica, com origem e modelo em Deus

PAULO VI: Este ardente desejo [de Dante] de unidade, em todos os domínios da vida, refletia maravilhosamente a mentalidade medieval — a ponto de Dante ter-se tornado como que o mais nobre e completo representante dela — essa mentalidade que jamais será conhecida suficientemente: a mentalidade da unidade arquitetônica do mundo cósmico, da sociedade civil e eclesiástica, da História, da língua, da escola, da cultura; unidade, sinfonia, harmonia, equilíbrio das faculdades e das energias da pessoa humana, chamadas a conspirar nesta síntese que se chama beleza; isto é, unidade que tira sua origem e seu modelo de Deus, ponto focal de todo o universo, fonte de vida e de luz e de unidade: "vi um ponto que irradiava uma luz tão viva, que os olhos que ela atinge devem fechar-se por causa de sua força penetrante" (Par. XXVIII, 16-18), E ainda: "Desse ponto dependem o céu e toda a natureza" (ib. 41-42).

(Alocução aos membros da Sociedade Dante Alighieri, em 31 de janeiro de 1966).

É falso que para difundir o Evangelho se devam assumir os hábitos e a mentalidade do mundo

PAULO VI: Talvez, ainda, alguns tenham tido a ilusão de que para difundir o Evangelho de Cristo seria necessário assumir os hábitos do mundo, sua mentalidade, seu caráter profano, compartilhar os julgamentos naturalistas formulados sobre o mundo moderno, esquecendo aqui também que, se o arauto de Cristo tem o dever apostólico de se aproximar dos homens aos quais quer levar a mensagem de Cristo, não se pode tratar de uma assimilação que faça perder ao sal seu mordente, ao apóstolo sua virtude original.

(Discurso à 31a Congregação Geral dos Superiores da Companhia de Jesus, em 16 de novembro de 1966).


MODERNISMO, COMUNISMO E FÁTIMA

D. A. C.

Ocorrem neste ano três efemérides que têm entre si relações profundas: o cinqüentenário das aparições de Nossa Senhora em Fátima, o sexagésimo aniversário da Encíclica "Pascendi Dominici Gregis", e o trigésimo da "Divini Redemptoris".

A 8 de setembro de 1907, São Pio X profligava o câncer do modernismo, que insidiosamente ia corroendo o organismo vivo da Igreja de Cristo. Em 19 de março de 1937, Pio XI fulminava mais uma vez os erros do comunismo, intrinsecamente mau, advertindo que os fiéis não podem colaborar com os comunistas em campo algum, pois estes, ainda quando propugnem medidas na aparência cristãs, só o fazem para mais facilmente iludir os incautos. Entre esses dois grandiosos monumentos do Magistério supremo, as Encíclicas sobre o modernismo e sobre o comunismo, situam-se as aparições de Maria Santíssima aos três felizes pastorinhos portugueses na Cova da Iria, convidando os homens à oração e à penitência, como meios de afastar do mundo a catástrofe da tirania comunista.

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Os modernistas, ocultando-se no próprio seio da Igreja, envenenavam a seiva que mantém vivo o organismo instituído por Jesus Cristo para a salvação das almas. São Pio X os chamava de piores inimigos da Igreja, pois, mantendo todas as aparências cristãs, esvaziavam o conteúdo dogmático da Revelação, reduziam a Fé a um mero sentimento, e proclamavam a impossibilidade de um conhecimento objetivo das verdades transcendentes.

A intenção destes sectários era convencer de erro Pio IX, que afirmara no "Syllabus" a incompatibilidade entre a Igreja e a civilização moderna (cf. prop. 80). De fato, propugnavam eles uma aliança entre a Igreja e o mundo moderno; entre os ensinamentos revelados e as "conquistas" da ciência e da liberdade humana; entre o Catolicismo, de um lado, e o relativismo e o evolucionismo de outro; entre o espírito de Cristo, enfim, e as máximas mundanas. Aliança que já São Paulo declarara impossível, porquanto, tal como a luz e as trevas são incompatíveis, assim o são Cristo e Belial (cf. 2 Cor. 6, 14). O triunfo do modernismo teria como conseqüência necessária a deificação do homem. Não a deificação inefável, que Jesus Cristo trouxe à terra, por meio da graça, misteriosa participação da natureza divina; mas a que se obteria pela eliminação de toda idéia de um Deus pessoal, e pela proclamação da autonomia do homem, da razão, da ciência, em face do sobrenatural.

Não é outro o ideal do chamado humanismo marxista. A diferença está em que os modernistas velavam seu ateísmo sob véus de agnósticos, ao passo que o comunismo é brutal e ativamente ateu. Concretamente, no entanto, êste último prega também o endeusamento do homem, da matéria que evolui continuamente, impulsionada pela dialética dos contrários imanente à sua substância. A Deus substitui o homem, não, porém o indivíduo, mas a espécie, porquanto o indivíduo entra no fatalismo da evolução: nem é livre, nem goza de direitos.

Há, portanto, um nexo entre a "Pascendi" e a "Divini Redemptoris". Os modernistas esvaziavam o conteúdo da Revelação; os comunistas lançaram a barra mais além: abriram luta direta contra tudo o que é divino. A angústia de São Pio X ao verificar que os modernistas "coisa alguma poupavam da verdade católica", antes usavam os mais pérfidos ardis para lograrem seu intento, é semelhante à amargura com que Pio XI via desenvolver-se "pela primeira vez na História uma luta friamente voluntária e cuidadosamente preparada pelo homem contra tudo o que é divino".

Partindo embora de campos opostos — Marx, materialista, e os modernistas, homens da Igreja — os dois movimentos ideologicamente são afins, de maneira que podemos bem dizer que o modernismo ao florescer termina no comunismo.

Não admira, pois, que haja uma osmose entre o neomodernismo, representado pelo progressismo, e todos os movimentos que ensejam uma infiltração marxista nos meios católicos. Eis como um autor sintetiza com precisão e clareza os pontos fundamentais do progressismo, fazendo ressaltar neles a revivescência dos postulados modernistas, e a amorosa simpatia por uma ordem de coisas segundo o figurino modernista:

Desprezo pela filosofia e teologia de São Tomás e sua substituição por correntes modernas, como o idealismo, o historicismo, o hegelianismo, o evolucionismo e o existencialismo. Repúdio de toda teologia especulativa e adoção de teologias positivas. Interpretação racionalista dos Livros Sagrados, levantando o problema do caráter histórico das narrações do Antigo e, por vezes, também do Novo Testamento, particularmente os fatos da Infância de Jesus Cristo. "Revisão" dos dogmas do pecado original e, em conseqüência, da Redenção. Redimensionamento errado ou cheio de perigosas ambigüidades, da presença eucarística, dos privilégios de Nossa Senhora, e da autoridade pontifícia.

Adoção de uma nova moral, de acordo com o que chamam de maturidade do homem de hoje. Nessa moral dá-se lugar a uma concepção freudiana da responsabilidade e da culpa, e consideram-se isentas de malícia a masturbação, as relações extramatrimoniais entre jovens, as práticas anticoncepcionais.

Introdução de uma nova liturgia, na qual predomina o caráter de Igreja-assembléia, que nos faz esquecer que, na Igreja, tudo procede de Jesus Cristo, nosso Redentor e Salvador, e nos sugere em troca que tudo surge da comunidade dos fiéis, como se o "comunitarismo" e o que vem de baixo, "do povo", tivessem não sei que virtude vivificante e de salvação.

Censura da Igreja na história de suas relações com judeus, hereges e maçons, com a tendência sistemática a dar razão a estes nos diversos conflitos que possam ter tido com a Igreja no decurso dos séculos.

Repúdio e condenação da civilização cristã, como um afã desmedido de poder e de triunfo, e, em troca, augúrios de conciliação da Igreja com os erros do mundo moderno, especialmente com o liberalismo, o socialismo e o comunismo. Afirmação da "cristificação" necessária e progressiva do mundo e da História. Enfim, debilitação do significado sobrenatural da vida.

Como se vê, o neomodernismo consegue uma aliança íntima entre os postulados de seus predecessores e as aspirações marxistas. O combate à escolástica, especialmente ao tomismo, a redução da Sagrada Escritura a mitos, negando-lhe a verdade histórica, a deturpação do sentido dos dogmas, a prática de extenuar ou mesmo negar a autoridade pontifícia, são marcas do modernismo; a "democratização" que tudo faz surgir do povo, o naturalismo evolucionista que identifica a evolução histórica com a divindade, já pertencem ao marxismo. O progressismo é, pois, a síntese do modernismo e do comunismo.

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Como remédio para males tão grandes, tão profundos e tão extensos, temos a mensagem de Nossa Senhora em Fátima: oração e penitência, posto que tanto ao comunismo como ao progressismo se aplica o que declarou o Senhor de certo gênero de demônios: que só se expulsam com o jejum e a penitência (cf. Mat. 17, 20), Que a consagração ao Imaculado Coração de Maria nos alcance a graça de conhecer o perigo em que nos achamos e nos dê a energia de enfrentá-lo com a oração e a penitência.


CALICEM DOMINI BIBERUNT

UMA VIDA POSTA DESDE CEDO SOBRE FUNDAMENTOS SÓLIDOS

Fernando Furquim de Almeida

Entre os papéis deixados pelo Padre Lanteri se encontra um Diretório Espiritual, por ele composto em 1782, nos cinco meses que precederam a sua ordenação sacerdotal. Alguns excertos, suficientes para conhecermos o essencial desse programa de vida, foram publicados por Mons. Frutaz na "Positio" para introdução em Roma da causa de beatificação do Servo de Deus ("Positio super introductione causae et super virtutibus ex officio compilata", p. 525).

Além de resoluções práticas, contém o documento uma exposição sucinta dos princípios básicos pelos quais o autor se propunha orientar sua vida. É interessante conhecer esses princípios, embora estejam apenas esboçados, pois, tendo Pio Brunone se mantido fiel a esse ideal de juventude, a formação de sua alma foi um contínuo aprofundar dessas verdades, e o seu apostolado fecundo o fruto do amor com que as servia.

Há um parágrafo do Diretório que revela como o jovem levita compreendia que as verdades católicas são a rocha inabalável sobre a qual se há de construir todo edifício espiritual: "As verdades que me persuadiram são as que persuadiram os santos; são e serão sempre as mesmas, nem o tempo nem a inconsequência podem tirar lhes a força; portanto, assim como me moveram uma vez, com o auxílio de Deus sempre me moverão".

Conhecer, amar a servir a Deus é o seu ardente desejo, e será o objetivo de todos os seus estudos, meditações e trabalhos: “Estou solenemente consagrado a Deus e totalmente dedicado a seu serviço. Ad majorem Dei gloriam. Portanto, não devo comer ou dormir senão tanto quanto for necessário para viver. Não vivo senão para a glória de Deus, e portanto devo empregar nela todas as faculdades da alma e do corpo, pensar, falar, trabalhar, poder dar a própria vida, fazer tudo enfim que for preciso, aconteça o que acontecer; fora de Deus, não dar nenhum passo, não mover nenhuma palha”.

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Lanteri sabe que essa completa dedicação ao serviço de Deus não é possível sem uma devoção especial a Nossa Senhora, a Medianeira de todas as graças, aquela que forma os membros do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Maria ele se consagrara como escravo, pondo se à sua inteira disposição. Embora não tendo conhecido o Tratado da Verdadeira Devoção, estas linhas que escreveu no Diretório não estão em dissonância com a doutrina de São Luís Maria Grignion de Montfort:

“Quero ter um amor terno por Maria Virgem e uma confiança de filho para com sua mãe, em tal grau que me pareça impossível ser vencido e perecer nessa batalha; recorrerei, portanto, a Ela como um pintainho se abriga imediatamente sob as asas de sua mãe ao ouvir o grito do milhafre voraz, e depois do ato de amor de Deus direi: ‘Monstra te esse Matrem, etc...’. E isto farei com aquela confiança com que uma criança recorre à sua mãe, pedindo tudo de que precisa, com grande segurança, como se ela fosse obrigada a conceder lhe, e a ela recorrendo em todos os seus trabalhos, com o que fica a mãe como que obrigada, e encontra nisso motivos para querer mais bem ao filho. E se a mãe terrena, embora algumas vezes má, nada sabe negar, o que dizer da grande Mãe de Deus?

“Aproveitar me ei de todos os méritos, graças e privilégios desta minha Senhora, como quem sabe ter sobre eles aquele direito que têm os filhos; e quando celebrar, suplicarei que Ela me empreste as suas vestes, joias e todos os adornos da casa para uma tal função, podendo então oferecer todos os seus méritos a seu bendito Filho para recobrir a indecência de uma tão sórdida hospedaria, o que, estou persuadido, Ela fará com grande gosto, como disse a Santa Gertrudes.

“Unirei os meus atos de fé, esperança e caridade aos méritos de minha Mãe, e assim inseridos em um tão grande e rico comércio, crescerá desmedidamente o meu pobre capital”.

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Desde que fora preservado dos erros jansenistas pelo Padre Nicolau José de Diessbach, Pio Brunone lhe entregara a direção de sua alma. Ao se constituir a Amicizia Cristiana, se comprometera a obedecer ao fundador. No Diretório o Servo de Deus vai mais longe. Querendo entregar se completamente ao serviço de seu Senhor, e dar Lhe alguma coisa mais antes de receber o sacerdócio, escreve: "[...] como já Lhe consagrei o meu corpo com voto de perpétua castidade, renovo agora tal voto e, ainda mais, dedico a seu serviço as faculdades que me deu, desejando e pedindo a graça de me consagrar ainda mais com o voto de pobreza; enquanto não o fizer, peço Lhe que me faça conhecer a vaidade de todas as coisas, que me conceda o espírito de pobreza e me dê aquele desprezo que Ele mesmo tinha por todas as coisas mundanas. Enquanto espero, não disporei de coisa nenhuma sem a prévia participação e aprovação do Padre Diessbach.

"Além disso, depois de me ter recomendado ao Senhor e pensado seriamente, resolvo diante de Deus e de toda a corte celeste aproveitar me do estado de liberdade em que o Senhor me colocou, para dar me todo a Ele, sem capitulação nem reserva, para ser do número daqueles que "tradiderunt animas suas propter nomen Domini Nostri Jesu Christi".

"E para pôr em prática e confirmar esta minha resolução: [segue se uma fórmula de voto, em latim, da qual traduzimos a parte essencial, pondo por extenso o que está indicado por iniciais] Na presença da Santíssima Virgem Maria e de toda a vossa corte celeste, prometo a vossa Divina Majestade (castidade perpétua e) obediência a meu Pai, o Padre Nicolau Diessbach, deixando porém a este a faculdade de, a seu critério, interpretar e mesmo anular este meu voto".

Tendo entrado na "Aa", o Servo de Deus se propõe seguir sua escola de espiritualidade, que em nada contradizia a da Amicizia, antes a completava. É o que se pode ver pelas seguintes resoluções práticas contidas no Diretório (é conveniente notar, antes de citá las, que os membros da Aa se chamavam entre si de "confrades"):

"Proponho me, durante um mês de prova, praticar todos os dias seis atos de generosidade e anotá los, procurando sempre pensar, falar, agir como santo, tal como requer o espírito de verdadeiro ministro de Deus, verdadeiro amigo, confrade.

"Proponho me fazer cada quinze dias a meditação sobre o espírito do verdadeiro sacerdote, amigo, confrade, direi nesse dia o Veni Creator, e muitas vezes o Emitte Spiritum, etc., e examinarei como as minhas ações a ele se conformaram desde a última vez em que me examinei".

Tanto a Aa como a Amicizia Cristiana consideravam os Exercícios Espirituais de Santo Inácio como fundamentais para o progresso espiritual de seus membros. Além de praticá los, o Venerável Lanteri procurava estudar o melhor meio de dá los, para que eles pudessem produzir todo o seu fruto. Um dos seus primeiros biógrafos, o Pe. Pietro Gastaldi, conta que "em um velho caderno, em que anotava os livros e as obras com que enriquecia a sua biblioteca, vejo que nos primeiros dez anos do seu sacerdócio ele se tinha provido de 36 autores diferentes, que ex professo estudam, explicam ou comentam o pequeno livro dos Exercícios" (Pe. Pietro Gastaldi, "Della vita del servo di Dio Pio Brunone Lanteri", p. 81).

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A doutrina de Santo Afonso de Ligório se opunha à detestável moral do jansenismo e constituía eficacíssimo antídoto contra a propagação da seita. Graças ao Padre Diessbach, Pio Brunone Lanteri estudou com todo o cuidado os ensinamentos do grande Doutor, que foram também um dos pilares da sua formação. Toda a Amicizia se bateu por eles e os difundiu na Suíça, na França e na Baviera. Os redentoristas são unânimes em reconhecer que se deve ao Venerável Lanteri a introdução desses ensinamentos na Itália, não tendo eles tido mesmo maior propugnador.

A devoção a Nossa Senhora, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio e a doutrina de Santo Afonso de Ligório foram os esteios da sólida formação do Padre Lanteri. Na sua vida, toda dedicada ao serviço de Deus, a todo momento se nota a influência deles.


NOVA ET VETERA

VIGOROSA OPOSIÇÃO

A INTENTO PROGRESSISTA

CONTRA URBE HISTÓRICA

J. de Azeredo Santos

“Somente uma técnica defeituosa e mal entendida é capaz de apresentar conflitos insolúveis entre a forma antiga de uma Urbe e suas necessidades contemporâneas" (Torres Balbás, Cervera, Chueca e Bidagor, em "Resumen Histórico dei Urbanismo en España"). Com estas corajosas e oportunas palavras um grupo de intelectuais hispano-americanos — tendo à frente o ilustre arquiteto José Luis Ezquerra de la Colina, Secretário da "Asociación de Promoción de la Cultura", de Cidade do México — se dirigiu ao Ministro da Educação Pública do Peru, somando esforços com importantes setores das elites do país andino, no sentido de preservar da destruição os monumentos arquitetônicos do período colonial existentes no coração de Lima.

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Expressam os signatários dessa representação sua "profunda preocupação diante dos dias aziagos que, lamentavelmente, se aproximam dessa encantadora Cidade dos Reis". E lançam à opinião pública do mundo inteiro um libelo contra os atentados que vem sofrendo a nobre cidade. "Atentados que extinguirão a vida já enfermiça da "Antigua Plaza Limeña", deixando uma indelével mancha na heróica história desse país, pois não há dúvida de que as gerações futuras não saberão fazer distinções ponderadas entre os culpados e a responsabilidade coletiva dos peruanos".

"Receamos — prossegue o documento — que sejam muitos e muito grandes os delitos contra essa cidade: tantos, que destruam para sempre sua fisionomia histórica. Como não sentir-se atemorizado ante o bárbaro e pretensioso projeto de arrasar quatro quarteirões inteiros, compreendidos entre a Avenida Tacna e a "Plaza de Armas" [...]?" Como não sentir verdadeira angústia ao ver desfigurar praças encantadoras como a de São Marcos, mercê do "desordenado crescimento vertical e anárquico de toda espécie de edifícios"?

Os autores não fecham os olhos aos problemas urbanísticos: "O desejo de conservar o patrimônio da cultura universal não nos coloca em posição de alheamento e irresponsabilidade em face das necessidades e problemas de tipo econômico-social que aguilhoam essas "cidades-jóias". Não! não fugimos a eles. Mas, a solução mais inteligente e adequada não é, indubitavelmente, destruir o antigo para construir de novo, nem seremos nós que a indicaremos, posto que não faltam no Peru técnicos capazes, aos quais se deve consultar, ouvir e atender. Queremos, simplesmente, fazer um angustioso apelo, como universitários, representantes das profissões liberais, professores, historiadores, e como hispano-americanos, que amamos o patrimônio artístico de nossa cultura, a todos os que podem deter o suicídio artístico de sua pátria".

Em sua parte final pondera a representação "que os monumentos histórico-estéticos de Lima não são tipicamente patrimônio do Peru, mas do mundo inteiro, e como tais sua destruição é vista por todo o mundo com horror".

Esse documento teve ampla repercussão nos ambientes intelectuais peruanos. São do jornal "El Comercio", de Lima, os seguintes comentários: "Se são vãs e inúteis, contraproducentes e imprestáveis para a finalidade que as determinou, essas obras de demolição de imóveis, etc., resultam em mudanças catastróficas para a autenticidade de Lima. Atentam contra o caráter da cidade, desfiguram seus perfis, destroem sua própria e personalíssima arquitetura, que é também testemunho vivo do passado e que nenhuma cidade, em nenhum lugar do mundo, ousou jamais descuidar e muito menos demolir".

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"Desde o momento em que essas obras funestas foram projetadas, continua o editorial de "El Comercio", alçaram-se vozes de protesto, que continuam principalmente com o objetivo prático de deter o bárbaro trabalho de destruição que esta "picareta do progresso" está realizando. Destruição de uma cidade, porque para destruir Lima não é necessário bombardeá-la [...] mas apenas feri-la no coração, que é o formoso quadrilátero encerrado entre a Plaza de Armas e a Plaza San Martín, onde há mais de quatrocentos anos de História. [...]

As coisas chegaram ao extremo de despertar alarma em instituições do estrangeiro. A "Asociación de Promoción de la Cultura", cujos membros visitaram Lima há algum tempo como participantes do Seminário de Fomento e Crédito Educacional, se dirigiram em carta a nosso Ministro da Educação, expondo razões contrárias às que determinaram as demolições de imóveis no coração de Lima, e justificando sua intervenção neste assunto em nome dos interesses espirituais da humanidade e para manter o patrimônio da cultura universal".

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"Catolicismo" se solidariza inteiramente com aqueles que, como o arquiteto mexicano José Luis Ezquerra de La Colina, se levantam em favor da conservação de esplêndidas relíquias do glorioso passado da América Latina, lutando contra mais esse atentado progressista.

O paradoxal do caso é que o pretexto para tal atentado é o de formar uma praça que realce a nova igreja a ser construída em louvor de Santa Rosa de Lima. Como se a excelsa Padroeira da América Latina abençoasse a destruição de um conjunto arquitetônico nascido do mesmo espírito que formou o ambiente dentro do qual ela viveu e se santificou!

Melhor homenagem não se poderia prestar, do ponto de vista arquitetônico e monumental, a Santa Rosa de Lima, do que deixar intactas, na própria cidade que lhe deu o nome, as relíquias que são as nobres edificações do tempo dos Vice-Reis, e construir o templo em sua honra em local que as não prejudique.

Quem pensaria em mutilar com análogo objetivo a cidade de Assis, que ainda guarda o perfume do ambiente em que viveu São Francisco? Em um mundo que vai sendo talado pelo progressismo, façamos uma frente única para manter o pouco que ainda nos resta de um passado de glória.