Já se fez notório que a ONU

em sua atual estrutura

constitui uma farsa ruidosa

Alberto Luiz Du Plessis

A ONU nasceu aureolada das mesmas esperanças generalizadas e utópicas que marcaram a fundação de sua antecessora, a malograda Liga das Nações. Brotada esta última dos famosos Quatorze Pontos do Presidente Wilson, destinava-se a congregar os Estados num cenáculo onde, sob a inspiração de ideais de justiça e igualdade, viveriam todos num ambiente de concórdia.

Aqueles que sabem que a verdadeira paz é impossível sem a prática da moral cristã, e portanto da Religião Católica, não poderiam deixar de olhar com ceticismo essa entidade agnóstica. De fato, logo de começo, os Estados Unidos, pátria de quem a idealizara, Woodrow Wilson, recusaram-se a aderir a ela. Desde êste golpe inicial, a Liga das Nações levou uma vida melancólica, mostrando-se incapaz de tomar qualquer medida prática, incapaz de impor qualquer sanção efetiva aos atos de agressão internacional, sem contar o desprestígio que lhe adveio de desordens como as assuadas promovidas pelos italianos, quando o Negus discursava pedindo apoio para seu país, invadido por Mussolini.

Um fenômeno curioso

Sob os mesmos signos nasceu a Organização das Nações Unidas. Apresentada como o meio eficaz de resolver todos os conflitos entre os povos e, mais discretamente, como o embrião de um futuro governo mundial, foi saudada com euforia pelo mesmo tipo de pessoas que se tinham encantado com a Liga.

As deficiências da estrutura dada à ONU, só não as viam aqueles que não as desejavam ver, e estes, infelizmente, eram legião. Combinando um igualitarismo ridículo na Assembléia Geral (o voto das ilhas Maldivas tem tanto peso no plenário quanto o dos Estados Unidos) com um autoritarismo leonino no Conselho de Segurança (neste, cada um dos cinco grandes tem direito de veto absoluto), não se podia esperar muito dela. Concessões desarrazoadas foram feitas desde o início, e assim é que a Rússia conseguiu, para ter mais votos, encaixar como Estados independentes a Rússia Branca, a Ucrânia e a Bielo Rússia, que têm tanta soberania quanto o nosso Território do Amapá.

Ocorre aqui, todavia, um fenômeno curioso. Ao longo de sua existência já bastante dilatada, pontilhada de grandes malogros e pequenos êxitos, atulhada de torneios de loquacidade desanimadoramente demorados e vazios, degradada por episódios como o das sapatadas de Kruchev, muito poucas pessoas ergueram a voz para apontar a imensa fraude que a estrutura das Nações Unidas traz no bojo. Foi preciso esperar a recente crise árabe-israelita para que essa fraude adquirisse o brilho da evidência, a ponto de já se dizer que a grande derrotada nesta guerra foi a ONU.

No Oriente Médio, desde sua fundação, mostrou-se ela impotente para impor suas decisões. Nunca obteve a internacionalização de Jerusalém e a volta dos judeus aos limites a princípio fixados para o seu Estado, embora estas duas medidas tenham sido determinadas pela Assembléia Geral. Depois do conflito de 1956, da mesma maneira, não conseguiu que Israel aceitasse em seu território os capacetes-azuis, e estes não puderam estacionar no lado egípcio da fronteira senão por uma concessão precária de Nasser. Revogada esta concessão, a ONU teve que retirar seus soldados, deixando o governo do Cairo livre para fechar o golfo da Akaba e o estreito de Tiran, desencadeando o mecanismo da crise.

Para que serve então?

Viu-se então U Thant, perdida a sua impassibilidade búdica, correr de um lado para outro, perfeitamente em vão. Pedidos, ameaças e ultimatos da Assembléia Geral foram inteiramente ignorados, e os judeus só cessaram o fogo depois de atingidos seus objetivos máximos: o canal de Suez, Jerusalém, a margem direita do Jordão, e as alturas sírias que dominavam os seus kibutz.

A guerra mundial só não eclodiu nessa ocasião porque Estados Unidos e URSS se puseram de acordo em evitá-la, — e este é um dos pontos mais importantes a considerar no problema que nos ocupa. Quando os dois super-grandes estão concordes, tudo vai bem; quando isto não se dá, a ONU nada consegue fazer, ficando assim perfeitamente à vista que o papel que lhe deixam é o de homologar acertos feitos nos bastidores.

Incapaz de evitar a guerra, a ONU se mostrou também incapaz de fazer a paz. Depois da habitual pletora de discursos, e de uma série enorme de reuniões, que se arrastaram madrugada a dentro, foi necessário dissolver a Assembléia sem nada ter-se obtido além de um armistício precário, com a constatação — supremo vexame para um organismo feito para resolver todos os problemas internacionais — de que só negociações diretas entre as partes interessadas poderiam adiantar a solução do litígio. Como a respeito das condições de paz não há concordância entre Rússia e Estados Unidos, desta vez nada foi possível fazer-se.

Onde cumpre distinguir

A verdade é que a ONU, em seu estado atual, é uma ruidosa e dispendiosa fraude, e que uma fraude se torne patente é coisa que só pode ser benéfica.

As presentes críticas não atingem porém — é óbvio — o próprio princípio de que é desejável a existência de um organismo internacional, que ao mesmo tempo sirva para dirimir questões entre as nações, e promover a cooperação destas para o bem comum. Deixando claro que, enquanto realização concreta desse organismo admissível em princípio, a ONU apresenta falhas estruturais consideráveis, e sobretudo padece dos graves defeitos decorrentes de seu caráter agnóstico, e portanto da moral inconsistente em que se baseia, cumpre não perder de vista que em alguma emergência pode ela prestar serviços à causa da paz. E que em tais casos sua atuação merece o aplauso e a cooperação, mesmo daqueles que não têm os olhos fechados para os defeitos da organização do Sr. U Thant.


VERDADES ESQUECIDAS

A INDIGNAÇÃO CONTRA A DANÇA NÃO É EXAGERADA MESMO QUE PRODUZA UM MILAGRE

Do depoimento de Soeur Geneviève de Sainte-Thérèse (Celina Martin) no Processo de Beatificação de Santa Teresinha:

Um dia em que, por ocasião de um casamento, eu deveria estar presente a um baile familiar, a Serva de Deus alarmou-se de tal modo que chorou, disse-me ela, como jamais havia chorado, e fez-me chamar ao locutório para dar-me suas instruções. Como me parecia que ela exagerava um pouco, pois não se podia "cair no ridículo", mostrou-se indignada e me disse com força: "Oh Celina! considera a conduta dos três jovens Hebreus, que preferiram ser lançados a uma fornalha ardente, a dobrar os joelhos diante do ídolo de ouro; e tu, esposa de Jesus (eu havia feito voto de castidade), tu queres pactuar com o século, adorar o ídolo de ouro do mundo entregando-te a prazeres perigosos! Lembra-te do que te digo da parte de Deus! E vendo como Ele recompensou a fidelidade de seus servidores, trata de imitá-los".

Eu não tinha nenhuma vontade de adorar o ídolo de ouro do mundo, porque detestava naturalmente esse gênero de divertimentos. Assim, mantive durante muito tempo a resolução indicada, à custa de não poucos dissabores, melindrando mesmo muitas pessoas; até que, já no fim da reunião, fui literalmente arrastada por um jovem. Mas, oh surpresa! não nos foi possível executar um só passo de dança. Em vão tentávamos acompanhar a música, pois eu fazia o possível para não o humilhar; enfim, cansados das nossas tentativas, tivemos que nos contentar com andar pelo salão num "passo muito religioso", e o pobre moço, tendo-me reconduzido ao meu lugar, afastou-se vermelho de vergonha, e não mais apareceu. Nenhum de meus conhecidos havia jamais visto coisa semelhante, nem eu tampouco, e atribuo às orações da Serva de Deus essa estranha impossibilidade. — (P. A.: Bayeux, tom. II, fol. 471 r.° e v.°, 472 r.° — apud Manuscrits autobiographiques de Sainte Thérèse de l'Enfant-Jésus, tome II, Notes et Tables — Carmel de Lisieux, 1956, pp, 56-57).

Santa Teresinha aos 8 anos de idade, tendo nas mãos uma corda de pular (clichê Office Central de Lisieux)