1717-1967

RAINHA E PADROEIRA DO BRASIL

Gustavo Antonio Solimeo

A Divina Maria, Rainha dos Anjos e dos homens, possui na terra uma coroa fulgurante, formada pelos templos a Ela dedicados nos cinco continentes. Esta coroa é composta por pedras de uma grandeza verdadeiramente régia, ao lado de outras menores, cujo brilho discreto realça e completa o efeito das primeiras, resultando um conjunto cheio de graça e harmonia. Das magníficas Basílicas às humildes capelas, dominando vales, coroando píncaros, presidindo cidades, atraindo bênçãos sobre as nações, a devoção mariana sobe ao Céu, do mundo inteiro, num cântico de glória, de alegria, de beleza e gratidão.

Não quis a Virgem Santíssima que a Terra de Santa Cruz conhecesse somente pequeninas pedras, mas sim que aqui se engastasse um dos maiores brilhantes de seu diadema. Pela importância que tem na vida religiosa da maior nação católica da atualidade, pelo movimento de peregrinos que para ali convergem, por sua história tão singela quanto irradiante de sobrenatural, Aparecida pode ser contada entre os mais ilustres santuários marianos de todo o orbe católico.

"Forão notificados pela Câmara os pescadores..."

Teve início a devoção a Nossa Senhora da Conceição Aparecida no século XVIII, quando sua Imagem foi miraculosamente retirada por três humildes pescadores, das águas do legendário Paraíba.

Deu-se o fato entre 17 e 30 de outubro de 1717 — não se guardou lembrança do dia exato — e foi registrado pelo Vigário de Guaratinguetá, Padre José Alves Vilela, a folhas 98 do livro do tombo de sua Paróquia, à qual pertencia então o local.

Apresenta esse relato singelo um grande valor histórico. Tendo tomado posse oito anos, apenas, depois dos acontecimentos, o bom do Vigário terá, sem dúvida, ouvido narrá-los por algum dos três pescadores. Sua crônica é de 1745, ano em que foi inaugurada a Capela do Morro dos Coqueiros, construída graças a seus esforços, para abrigar a Imagem. Escreve o Padre Vilela: "[...] passando por esta Villa p.a as Minas o Governador dellas e de S. Paulo, o Conde de Assumar Dom Pedro de Almeyda, forão notificados pela Camara os pescadores p.a apresentarem todo o peixe que pudessem haver para o dito Governador. Entre muitos forão a pescar Domingos Garcia, Joam Alves e Felipe Pedrozo em suas canoas; e principiando a lançar suas redes no porto de Jozé Correa Leite, continuarão athe o porto de Itaguassú, distancia bastante, sem tirar peixe algum, e lançando nesse porto Joam Alves a sua rede de rasto, tirou o corpo da Snr.a sem Cabeça; lançando mais a baixo outra ves a rede tirou a cabeça da mesma Sr.a, não se sabendo nunca quem ali a lançasse. Guardou o inventor esta Imagem em hum tal, ou qual pano, e continuando a pescaria, não tendo athe então tomado peixe algum, dali por diante foi tão copiosa a pescaria em poucos lanços, q. receozo, e os companheiros de naufragarem pello mto. peixe que tinhão nas canoas se retirarão a suas vivendas, admirados deste sucesso".

Já se vê quão singular é o fato de estar flutuando quase à flor d'água, a ponto de ser alcançada por uma "rede de rasto", uma imagem de terra-cota ou barro cozido, de 37 centímetros de altura, que, normalmente, por seu peso, deveria estar no fundo do rio. Igualmente notável é o achado da cabeça "mais a baixo", apanhada pela mesma rede que havia recolhido o corpo da Senhora. Uma pesca milagrosa, que lembra a de São Pedro no Mar da Galiléia (cf. Luc. 5, 3-11), veio acentuar o caráter sobrenatural do acontecimento.

A Imagem ficou em poder de um dos pescadores, Felipe Pedrozo, durante cerca de quinze anos, depois do que a deu ele a seu filho Athanazio Pedrozo, "o qual — reza a mesma crônica — lhe fes hum Oratorio tal e qual, e em hum altar de paos collocou a Snr.a, onde todos os sabados se ajuntava a vizinhança a cantar o terço e mais devoções".

Começou então a Virgem a manifestar por meio de prodígios o desejo de que sua Imagem fosse objeto de pública veneração. Eram as primícias dos incontáveis benefícios que Ela derramaria não só sobre aquela humilde gente, mas sobre toda a Pátria brasileira.

"Em huma destas occaziões — registra o Padre Vilela — se apagarão duas luzes de cera da terra repentinamente, q. alumiavão a Snr.a, estando a noite serena, e querendo logo Sylvana da Rocha acender as luzes apagadas, tãobem se virão logo de repente acezas, sem intervir deligencia alguma".

Rapidamente "se foi dilatando a fama, athe q. patenteandose mtos. prodigios, q. a Sr.a fazia, foi crescendo a fé, e dilatandose a notícia, chegando ao R. Vigr.° Joze Alves Vilela, este, e outros devotos lhe edificarão huma Capelinha", a qual logo se tornou insuficiente para o número cada vez maior de fiéis.

"É a Egreja de taipa de pilão, e tem huma torre"

Cuidou o Vigário de Guaratinguetá de edificar uma capela mais digna de acolher a Senhora da Conceição, já então chamada de Aparecida. Dirigiu ao Bispo do Rio de Janeiro, de quem dependia ainda a Paróquia, a seguinte petição: "Diz o Padre Jozé Alves Vilela, Vigario da Egreja de Sto. Antonio de Guaratinguetá e os mais devotos de Nossa Senhora da Conceição Apparecida, que pellos muitos milagres que tem feito a dita Senhora a todos aquelles moradores, desejam erigir huma capela com o titulo da mesma Senhora da Conceição Apparecida, no districto da dita freguezia, em lugar decente e publico, por concorrerem muitos romeiros a visitar a dita Senhora que se acha athe agora em lugar pouco decente".

A 5 de maio do mesmo ano, o Bispo Dom Frei João da Cruz dava despacho favorável, de terminando que a capela fosse erguida "em logar assignalado pello Paroco, e que não seja de pao a pique, mas sim de material duravel".

Procurou o Padre Vilela um sítio adequado à construção, que não estivesse sujeito às cheias do Rio Paraíba. Nenhum pareceu mais indicado do que o Morro dos Coqueiros, que domina toda a várzea. Margarida Nunes Rangel, Lourenço de Sá e sua mulher, e Domingos da Costa Paiva e sua mulher doaram à Virgem Aparecida as terras necessárias.

No dia 26 de julho de 1745, festa de Sant' Ana, inaugurava-se a capela, que "edificarão no lugar em q. hoje está com grandeza e fervor dos devotos, com cujas esmolas tem chegado ao estado em q. de presente está". O Padre Vilela a descreve com evidente comprazimento: "Está situada a huma legoa, mais ou menos, da Matriz, em logar alto, aprazível e naturalmente alegre. É a Egreja de taipa de pilão; tem o Altar mor com tribuna, em que está a Imagem da Senhora, com dois Altares colaterais, todos pintados, e o teto da Capela-mor. É toda forrada a Egreja, e por baixo assoalhada de madeira com campas; tem coro, dois pulpitos, sacristia com duas vias sacras, corredores assoalhados de ambas as partes, com cazas por baixo; tem huma torre, a sacristia pintada e ornamentos de todas as cores, os quaes, e os mais moveis, constam do Inventario". Posteriormente seria construída outra tôrre.

Para administrar a capela, autorizou o Bispo de São Paulo, Dom Frei António da Madre de Deus, em 1752, a constituição de uma associação de leigos, sob a dependência do Vigário de Guaratinguetá, a Irmandade de Nossa Senhora Aparecida, cujos estatutos foram aprovados quatro anos mais tarde.

A ação do tempo e a enorme afluência de peregrinos vieram a danificar consideravelmente essa capela, tornando necessário proceder-se à sua parcial reconstrução. Tiveram início as obras em 1834 (empregando-se, desta vez, pedra em lugar de taipa), mas por falta de recursos só em 1846 é que se pôde concluir uma das torres, e dois anos depois a outra. Foram comprados dois grandes sinos em São Paulo, sendo outro trazido do Rio de Janeiro; durante quase um século alegraram eles as festividades com suas notas vibrantes. Em 1935 foram substituídos por um carrilhão adquirido na Itália.

Obras levaram dez anos custaram Rs. 195:000$000

Em meados do século XIX chegava a Aparecida um Sacerdote baiano, a cujos esforços ficaria o Brasil a dever a construção da atual Basílica, chamada hoje de “igreja velha”, em contraposição ao imenso Santuário Nacional que se está erguendo, a “igreja nova”. Era o Cônego Joaquim do Monte Carmelo, antigo monge beneditino, homem culto e empreendedor (um sermão seu, infectado de jansenismo, foi posto no Index).

Iniciou ele em 1877 a reforma, ampliação e decoração do templo, aproveitando a fachada e as torres erguidas anteriormente. Dotou a igreja de pinturas internas, com painéis representando o encontro da Imagem e os mais famosos milagres operados pela Virgem Aparecida.

Dez anos duraram os trabalhos, atingindo as despesas a elevada quantia de 195 contos de réis. No dia 8 de dezembro de 1888, festa da Imaculada Conceição, quando se celebrava também a Senhora Aparecida, o Bispo de São Paulo, Dom Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, procedia à bênção e inauguração da nova igreja. Em 1893, o mesmo Prelado criava o Curato de Aparecida, desmembrado da Paróquia de Guaratinguetá, com o título de Episcopal Santuário de Nossa Senhora Aparecida. Foi nomeado seu Reitor e Vigário o Padre Claro Monteiro do Amaral, que veio a perecer em 1901, trucidado pelos índios Caingangues, durante uma missão no Rio Feio.

Logo verificou Dom Lino que para atender ao número sempre crescente de romeiros seriam necessários vários Sacerdotes. Não dispondo de elementos suficientes no Clero diocesano, decidiu recorrer a uma Família Religiosa. Seus olhos se voltaram para a Congregação do Santíssimo Redentor, fundada por Santo Afonso Maria de Ligório, o grande apóstolo da devoção mariana, e dedicada às missões populares. Os Padres Redentoristas vêm respondendo desde 1895 pela direção do Santuário e pela assistência espiritual aos romeiros.

Em 29 de abril de 1908, o Papa São Pio X conferiu ao Santuário a alta dignidade de Basílica Menor. No ano seguinte, no dia 5 de setembro, teve lugar o solene rito da sua sagração litúrgica. Em 1910 o santo Pontífice fez dom a Aparecida dos ossos do Mártir São Vicente.

"Acodem Romeiros de partes muito distantes"

Assim como o Filho de Deus levantado no patíbulo da Cruz atraiu todos a Si (cf. Jo. 12, 32), também a Imagem de sua Mãe Imaculada, mal erguida das águas do Paraíba, arrebatou a multidão dos fiéis. Cedo começaram as romarias, como testemunha o Padre Vilela, que encerra com estas palavras suas notas no livro do tombo da Matriz de Guaratinguetá: "e continua a Sr.a com Seos prodigios, acudindo a Sua Sta. Caza Romeiros de partes muito distantes a gratificar os benefícios recebidos desta Snr.a".

Alguns abusos que começaram a se introduzir com o afluxo de peregrinos foram energicamente combatidos pelo Cônego Luiz Teixeira Leitão, que esteve na capela em visita pastoral no ano de 1761. No termo de visita registrou ele o que havia a corrigir: "Fui informado que algumas pessoas a quem se tem encarregado o cuidado e o zelo da Imagem de Nossa Senhora Apparecida, preocupadas pella sua cegueira, permitem que os Romeiros durmão e habitem nos corredores da mesma capela, de que resulta muitas vezes entrarem no camarim em que está a Senhora, e do throno a tirão e trazem nas mãos com algumas irreverencias".

Algum tempo depois, outro Visitador, o Cura da Sé Catedral de São Paulo, Gaspar de Souza Leal, ordena ao juiz e mais membros da Mesa da Irmandade que pintem o teto do corpo da igreja e retoquem o da capela-mor; “e porque o throno do camarim está improporcionado e sem regra alguma, mandarão fazer risco por pessoa intelligente e lançar fora o throno velho e fazelo novo”.

Von Martius e von Spix, os naturalistas alemães que chefiaram uma expedição científica ao Brasil, patrocinada pelo Rei Maximiliano I da Baviera, dão em 1817 o seguinte depoimento: "A imagem miraculosa de Nossa Senhora atrai muitas romarias de toda a província e da de Minas. Quando na véspera do Natal continuamos a nossa viagem, encontramo-nos com muitas dessas romarias. Tanto homens como mulheres viajam aqui a cavalo ou em mula; freqüentemente também o marido conduz a mulher montada na garupa do mesmo animal" ("Viagem ao Brasil", in "Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de S. Paulo", vol. XV, 1910, p. 341).

No dia 22 de agosto de 1822 prostrava-se aos pés da Senhora da Conceição Aparecida o Príncipe Regente, que prometia à Virgem consagrar-Lhe o Brasil caso Ela lhe resolvesse em São Paulo um grave problema político que ali o aguardava. Quinze dias depois, às margens do riacho Ipiranga, Dom Pedro proclamava a Independência do Brasil. Mas o trono caiu sem que a consagração prometida chegasse a ser feita.

O escritor português Augusto Emílio Zaluar, que fez uma "Peregrinação pela Província de São Paulo" nos anos de 1860 e 1861, assim se expressa: “Entre todos os santuários que visitamos no interior do país, nenhum encontramos tão bem situado como a solitária capelinha da milagrosa Senhora Aparecida". E mais adiante: "A fama da milagrosa Virgem propagou-se de tal maneira e estendeu-se a tão longínquas regiões, que até dos territórios de Minas, dos confins de Cuiabá e dos extremos recantos do Rio Grande vêm todos os anos piedosas romarias de peregrinos para cumprir as sagradas promessas que, em suas enfermidades ou desgraças, fizeram a Nossa Senhora a fim de que lhes salvasse a vida ou lhes desse conforto nas tribulações deste mundo. As paredes da Capela quase não têm mais espaço livre para figuras em cera de troncos, cabeças, braços, pés e mãos de todo tamanho e forma, que se vêem juntamente pendurados ao lado de numerosos quadros pintados, nos quais estão representados [. . .] os martírios e dores que cruciam a vida humana". Refere a seguir os bandos de leprosos que viu perambulando pelas ruas da Vila, em meio aos romeiros, a pedir esmolas ("Peregrinação pela Província de São Paulo — 1860-1861", Livraria Martins Editora, São Paulo, 1953, pp. 85-90).

A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil, com a criação da estação de Aparecida em 1877, facilitou grandemente a visita ao Santuário. Só em 1900, entretanto, é que o Bispo de São Paulo, Dom António Alvarenga, inaugurou a era das peregrinações diocesanas e paroquiais, promovendo naquele ano a primeira romaria a Aparecida de iniciativa da autoridade eclesiástica.

Atualmente, nos fins de semana chegam ao Santuário Nacional de quinhentos a mil ônibus, além de cerca de dois mil carros particulares, com chapas de todos os Estados. Calcula-se em quatro milhões por ano o número de romeiros que visitam Aparecida, o que faz dela um dos maiores centros de peregrinação da Cristandade.

"Dona Isabel veio a cavallo com uma grande comitiva"

Uma notícia inesperada alvoroçou a sessão de 3 de novembro de 1868 da pacata Câmara de Vereadores de Guaratinguetá. O Visconde de Guaratinguetá, Francisco de Assis de Oliveira Borges, anunciava a visita à Capela de Aparecida, em princípios de dezembro, de Sua Alteza Imperial a Princesa Dona Isabel e seu Augusto Esposo, o Príncipe Gastão de Orleans, Conde d'Eu! Reclamava o edil a seus colegas as providências necessárias para se proporcionar uma condigna acolhida à herdeira do trono. Entre outras coisas, pedia que a Câmara houvesse por bem "officiar ao Reverendíssimo Vigário e o Mestre da Capella, para celebrar um "Te Deum Laudamus" no dia da chegada e afixar o edital, convidando o povo"; sugeria, ainda, que se pedisse "orçamento provincial para a feitura da ponte e estrada até a Capella".

A noticia foi recebida com grande júbilo, iniciando-se logo os preparativos; uma das primeiras providências foi comprar veludos e sedas para os camarins de Suas Altezas na Capela.

Uma testemunha ocular, o Alferes António José dos Santos, conta que "Dona Isabel e o Conde d'Eu chegaram à Capella às 6 horas da tarde do dia 7 de dezembro para assistirem à novena da festa de Nossa Senhora. Vieram a cavallo com uma grande comitiva. Dizem que Dona Isabel deu naquella ocasião a Nossa Senhora um riquíssimo manto com vinte e um brilhantes". A Princesa Imperial e o Conde d'Eu participaram do último dia da novena, e da festa de Nossa Senhora Aparecida, a 8 de dezembro.

A Mesa Administrativa da Capela reuniu-se nesse mesmo dia e resolveu, por unanimidade, nomear festeiros para o ano seguinte Dona Isabel e seu Esposo. Foi oficiado ao secretário da Princesa para que levasse ao seu conhecimento a deliberação tomada. De bom grado aceitou Sua Alteza Imperial a nomeação, vindo ela e o Conde d'Eu a ser os últimos festeiros nomeados pela Irmandade, pois daí por diante a própria Mesa encarregou-se de promover a festa.

Uma segunda vez esteve a Princesa em Aparecida, acompanhada de seu Esposo e dos três filhos, quando de uma viagem da Corte a São Paulo por via férrea. Quis a Princesa deter-se em Guaratinguetá, "para subir à Capella de Nossa Senhora da Apparecida, fazer oração", como anotou ela em seu diário no dia 6 de novembro de 1884.

Conta-se que nessa ocasião um escravo foragido e apresado pelo feitor implorou que êste o levasse a rezar à Senhora Aparecida. Ao sair da Capela, encontrou o cortêjo da Princesa, que subia a ladeira. , O negro se lhe prostrou aos pés, pedindo a bênção. Isabel condoeu-se da sorte que o aguardava, e em sua homenagem o cativo foi libertado.

"Padroeira principal, de todo o Brasil, diante de Deus"

Em 1903 os Bispos da Província Eclesiástica Meridional do Brasil rogaram ao Santo Padre que mandasse coroar a Imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, na oportunidade do cinqüentenário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, a transcorrer no ano seguinte. Com a aprovação de São Pio X, o Cabido da Basílica Vaticana decretou a coroação desejada.

No dia 8 de dezembro de 1904 reuniram-se pois em Aparecida os Prelados da Província Meridional — entre os quais o futuro Cardeal Arcoverde e Dom Duarte, depois Arcebispo de São Paulo — os Bispos de Goiás e de Manaus e dois Abades, tendo à frente o Núncio Apostólico, Dom Julio Tonti, com o concurso de autoridades civis e militares, numerosos Sacerdotes e Religiosas e uma grande multidão de fiéis, vindos dos mais longínquos pontos do território nacional.

Após o Pontifical celebrado pelo Núncio, o Bispo de São Paulo, Dom José de Camargo Barros, benzeu a riquíssima coroa de ouro, cravejada de brilhantes, oferecida anos antes pela Princesa Isabel em uma de suas visitas a Aparecida. A seguir, entoou o "Regina Coeli", subiu até o trono onde se achava a Imagem e a coroou, proferindo a seguinte súplica: "Como por nossas mãos sois coroada aqui na terra, assim por Vós e pelo vosso Filho Jesus Cristo sejamos coroados de glória no Céu!" Exclamações de júbilo encheram os ares, enquanto os sinos repicavam festivamente.

São Pio X e Bento XV enriqueceram com indulgências plenárias as peregrinações a Aparecida. Para comemorar o 250.° aniversário do encontro da Imagem, concedeu o Santo Padre Paulo VI importantes graças aos fiéis que Lhe visitarem o Santuário neste ano jubilar (cf. "Catolicismo", n.° 200, de agosto de 1967). Sua Santidade enviou, outrossim, à Virgem Aparecida a Rosa de Ouro, dignando-se escolher para trazê-la ao Brasil, como Legado a latere, seu próprio Secretário de Estado, o Emmo. Cardeal Amleto Giovanni Cicognani. No dia 15 de agosto último, em presença dos Emmos. Cardeais de Aparecida e de São Paulo, de muitos Bispos, do Presidente da República e altas autoridades, e de incontável multidão de peregrinos, foi o dom do Vigário de Cristo solenemente depositado aos pés da Santa Imagem da Padroeira do Brasil.

Padroeira do Brasil, com efeito, Nossa Senhora Aparecida o é desde 1930. Acolhendo a petição dos Bispos brasileiros e o desejo do povo fiel, os quais lhe foram apresentados por ocasião do Congresso Mariano reunido em Aparecida em 1929, Pio XI, aos 16 dias do mês de julho de 1930, festa de Nossa Senhora do Carmo, assinou o seguinte decreto: "De motu proprio e por conhecimento certo e madura reflexão Nossa, na plenitude de Nosso poder apostólico, pelo teor das presentes Letras, constituímos e declaramos a Beatíssima Virgem Maria concebida sem mácula, sob o título de Aparecida, Padroeira Principal de todo o Brasil, diante de Deus, acrescentando os privilégios litúrgicos e as outras honras que pelo costume competem aos Padroeiros dos lugares principais. Concedendo isto para promover o bem espiritual dos fiéis, no Brasil e para aumentar cada vez mais a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus, decretamos que as presentes Letras são e permanecerão sempre firmes e eficazes, e surtirão seus plenos e inteiros efeitos".

Com grande solenidade foi o decreto pontifício publicado na Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Querendo, entretanto, o Cardeal Dom Sebastião Leme celebrar na própria Capital do País a constituição da Virgem como Rainha da Pátria, e ao mesmo tempo consagrar-Lhe o Brasil, promoveu, juntamente com o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, a ida da milagrosa Imagem ao Rio de Janeiro nos dias 30 e 31 de maio de 1931.

Levada em trem-santuário numa viagem triunfal, Nossa Senhora teve, ao chegar ao seu destino, uma recepção literalmente apoteótica. Uma das maiores procissões de que se tem notícia na história do Rio de Janeiro acompanhou a Imagem até a Esplanada do Castelo. Ali, em presença de todo o Episcopado, do Presidente da República e Ministros de Estado, do Corpo Diplomático, autoridades civis e militares, o Cardeal-Arcebispo fez, em união como todo o povo, a consagração do País a Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Calcula-se em mais de um milhão o número de pessoas que aclamou nesse dia a Padroeira e Rainha do Brasil.

A festa litúrgica de Nossa Senhora Aparecida

Durante muito tempo a festa de Nossa Senhora Aparecida foi celebrada, sem indicação especial de título, no dia da Imaculada Conceição, 8 de dezembro.

O Papa Leão XIII instituiu a festa litúrgica da "B. M. V. Immaculata sub título de Apparecida", determinando que tivesse lugar no primeiro domingo de maio. Em 1906, São Pio X concedeu Missa e Ofício próprios dessa festa para todas as Dioceses da Província Eclesiástica Meridional, e fixou-lhe a data a 11 de maio.

Reunido em Concílio Plenário em 1939, o Episcopado Nacional solicitou à Santa Sé a transferência da festa para 7 de setembro, dia da Independência. Atendida a súplica, logo se verificou que a coincidência da celebração litúrgica com as festividades cívicas redundava em prejuízo da primeira.

Em 1954, por ocasião de sua assembléia em Aparecida, deliberou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil solicitar nova transferência da festa da Padroeira, desta vez para o dia 12 de outubro, no qual permanece ela até hoje.

Cura alma e corpo, afasta o comunismo, a reforma agrária, o divórcio

A história de Aparecida tem o milagre na sua origem. Como vimos, as circunstâncias que cercaram o encontro da Imagem no Rio Paraíba, a pesca inesperadamente abundante e os fatos que se seguiram deixam bem claro a ação do sobrenatural.

O Vigário de Guaratinguetá, a quem já nos referimos, alude em sua crônica a vários prodígios, dizendo que os mesmos foram autenticados posteriormente e se acham em um "Sumário" (do qual não se tem outra notícia).

Há em Aparecida dois salões denominados Sala dos Milagres, onde se encontra uma infinidade de ex-votos, cartas, fotografias, atestados, etc., a confirmar os benefícios obtidos pela intercessão da Virgem Imaculada. Tôscas pinturas nos mostram cenas dramáticas e situações desesperadas em que a Senhora foi invocada e valeu a seus filhos.

Um dos mais famosos entre esses prodígios é o caso do incrédulo que no século passado veio dos sertões de Cuiabá para provar que a devoção a Nossa Senhora Aparecida era uma tolice. Ousou desafiar a Virgem, jurando entrar a cavalo na sua Capela e derrubar do nicho a sua Imagem. Ao tentar realizar o infame propósito, cravam-se e prendem-se as ferraduras do animal nas pedras da escadaria, impedindo a consumação do sacrilégio. Existe ainda no pequeno museu do Santuário (mantido pelo piedoso zelo da Sra. Conceição Borges Ribeiro Camargo) uma pedra na qual se pode ver a marca da ferradura. Este e outros milagres foram mandados pintar pelo Cônego Monte Carmelo no interior da Basílica.

O jornal "O Santuário de Aparecida", dos RR. PP. Redentoristas, vem registrando, há mais de sessenta anos, um sem número de graças e favores concedidos pela gloriosa Padroeira do Brasil a seus devotos: curas, conversões, solução de problemas difíceis, consôlo nas aflições, restauração da paz no seio das famílias, e tantos outros.

As circunstâncias ainda não permitiram estabelecer junto ao Santuário um serviço médico para, a exemplo do "Bureau des constatations" de Lourdes, proceder à verificação científica dos casos de cura tidos por miraculosos. A existência de um organismo desses daria muita glória a Nossa Senhora Aparecida, pois forneceria o elementos necessários para que os milagres autênticos — sem dúvida numerosos — pudessem ser canonicamente declarados tais. Assim, o prodígio refulgiria ao sol da certeza, para edificação dos filhos da Virgem, e confusão dos que A odeiam.

Nestes dois séculos e meio de devoção à Senhora Aparecida, a Autoridade Eclesiástica não chegou a se pronunciar oficialmente a respeito de nenhum dos fatos extraordinários atribuídos à mesma Senhora. Mas o Breviário Romano (Officia propria totius Brasillae) registra no II Noturno da festa da Padroeira principal do Brasil: "Os prodígios, que nesse sagrado edifício [a Basílica] são freqüentemente feitos pela Virgem benigníssima, encontram testemunho nos estandartes, oferendas votivas e presentes numerosos, com que o templo se acha maravilhosamente decorado" (V Lição).

Ninguém, por outro lado, pode deixar de ver uma proteção especial de Nossa Senhora Aparecida no feliz desenlace de graves crises por que passou o Brasil. A Ela, sem dúvida, devemos o fato de não nos ter dominado o comunismo, que mais de uma vez surgiu diante de nós como perigo iminente. Foi Ela, ainda, que não permitiu até hoje a implantação da reforma agrária socialista e confiscatória em nosso País. Nem foi sem justo motivo que a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade Lhe atribuiu, em solene ato público, o êxito da grande campanha promovida pela entidade, no ano passado, contra, a introdução sorrateira do divórcio em nossa legislação.

Por todos os abundantes favores que a excelsa Padroeira e Rainha do Brasil tem derramado sobre a Nação nesses 250 anos, cantemos com a piedade popular tradicional: "Graças Vos damos, Senhora, Virgem por Deus escolhida para Mãe do Redentor, ó Senhora Aparecida!"