Conclusão da página 3
Madre Cabrini
estas reflexões da incansável viajante: "Hoje é a festa de uma de nossas mais poderosas Patronas, a Bem-aventurada Margarida Maria Alacoque, e foi ela, seguramente, em seu inefável gozo do Divino Coração, que obteve para nós este celeste e sublime orvalho e acalmou o mar que estamos agora atravessando. Ela mudou a cor do céu, tornando-o claro, azul, límpido e belíssimo, um céu no qual voa graciosamente um bando de pássaros. Descem eles como Anjos, falando-nos em sua muda, mas eloquente linguagem sobre a festa que está sendo celebrada em louvor da pura Margarida, dourada pelos flamejantes raios de caridade que saem do Coração de Jesus" ("Travels. ..", p. 41).
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A alma contemplativa desta missionária infatigável elevava-se facilmente da consideração das coisas materiais às realidades da ordem sobrenatural. As criaturas eram para ela o grande espelho em que se reflete, sob variados aspectos, a imagem de Deus, causa exemplar de toda a criação.
Frequentemente encontram-se nas notas de viagem da Santa Madre comparações belíssimas entre a vida espiritual e os elementos da natureza. Leia-se, por exemplo, este trecho:
"Quantos belos pensamentos sugere a calma do mar. Vê-se nela a felicidade de uma alma que vive na tranquilidade da graça de Deus. Para esta alma afortunada tudo é calmo; a paz não é perturbada; ela tem a capacidade de elevar-se à sublimidade dos divinos Mistérios. O mar nos oferece uma visão da imensidade do poder de Deus, o qual comanda a estas águas infinitas, que poderiam levantar-se em ondas violentas, mas que, pelo contrário, se mantêm calmas e tranquilas. Deus comanda, o mar obedece. Se também em Religião cada Irmã obedecer à sua Superiora, com perfeita submissão, isto é, sem ater-se ao seu próprio julgamento, — que calma, que tranquilidade, que doçura do Paraíso não terá! [...] Minhas filhas, sede puramente desinteressadas, desapegadas de todas as coisas e de todas as pessoas, inclusive de vós mesmas, de vossos desejos, de vossas inclinações, e então sereis como um verdadeiro mar de paz" ("Travels...", p. 5).
E em outro documento: "O céu está azul e o horizonte é amplo. Isto é uma imagem do amor de Deus quando ele toma posse de uma alma e a torna capaz de uma imensidade de santas obras. Sim! A graça é um infinito tesouro de Deus e aqueles que a recebem e fazem bom uso dela são verdadeiramente participantes da amizade de Deus" ("Travels...", p. 8).
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A tremenda crise do mundo hodierno, que motivou as aparições de Fátima no ano mesmo da morte da Santa Madre, e que depois não cessou de se agravar em virtude da rejeição da mensagem trazida por Maria Santíssima, essa crise era algo que Santa Francisca Xavier Cabrini tinha bem presente e a que se referia com frequência: "Esta geração, lê-se num de seus escritos, é demasiadamente infeliz, miserável e infortunada. Ela estuda, estuda tudo menos Religião, corre com a velocidade de um trem para o ruinoso precipício. Oh! Querido Jesus, que terrível ruína!" ("Travels...", p. 155). E ainda: "Tivemos ocasião de sentir muita dor vendo homens que depois de abandonar a Religião Católica, depois de se ter rebelado contra Jesus Cristo, caíram no precipício do Ateísmo, do Panteísmo e do Materialismo. "Não há Deus", diz o primeiro. "Não há diferença entre o bem e o mal", diz o segundo. "Não há melhor coisa do que acumular riquezas por todos os meios possíveis, e tomar o caminho do prazer", exclama o último. Por meio destas teorias insensatas eles têm arruinado o mundo e muitos têm perdido o bom senso e a razão. Destes erros têm vindo todas as desgraças que afetam o presente e ameaçam o futuro" ("Travels...", p. 206).
Em outra passagem refere-se a Santa aos perigos espirituais por que passavam os imigrantes, e termina fazendo um paralelo com a situação religiosa da Europa e aludindo a um próximo castigo de Deus: "Há novecentos imigrantes a bordo, na terceira classe. Setecentos italianos e duzentos suíços. Pobre gente! Desejo que afinal encontrem, em sua chegada à cidade ou vila para onde vão, alguém que parta para eles o pão da palavra de Deus. Mas, só Deus sabe o que vai acontecer à maior parte deles. Talvez acabem associados aos seus pobres irmãos do Novo Mundo chamados bárbaros, por esquecerem os nobres princípios da Religião na qual foram criados. Porque infelizmente há entre eles um furioso anarquista, o qual frequentemente prega em torno de si, e como Belial incita os outros à revolta contra a autoridade e a ordem, de tal maneira, que os oficiais muitas vezes têm que intervir. Esta é uma pequena pintura de tantas nações europeias cujos filhos esqueceram o verdadeiro senso do patriotismo ao sabor de suas desordenadas paixões e guerras civis. Eles caminham rapidamente para a última ruína, justa punição de Deus sobre aqueles que esqueceram que a Religião Católica de seus países constitui sua principal nobreza e segurança" ("Travels...", p. 12).
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Era grande o zelo da Madre Cabrini pela integridade da fé, com a correlata repulsa à heresia. "Ela encheu-se de horror, escreve o Pe. Turchi, S. J., quando viu como os protestantes viajavam incansavelmente para imbuir o povo de suas falsas doutrinas, e o largo salário que para isto ofereciam as Sociedades Bíblicas de Londres e dos Estados Unidos" ("Travels...", ..Introd.). Uma frase da Serva de Deus exprime, aliás, de modo conciso e enérgico o que ela pensava da heresia e dos que a propagam: "Na tarde passada um protestante juntou quantas pessoas da primeira classe ele pôde, em uma reunião para coletar fundos para os filhos dos marinheiros. É realmente muito triste que tanta gente siga o demônio e não a Cristo" ("Travels...", p. 31).
"Eu gostaria de converter todos os protestantes! exclama em outra ocasião a Serva de Deus. Esta é uma missão que tenho muito no coração, e vós, minhas queridas filhas, pela sujeição à vossa vocação encontrais-vos também engajadas nesta sublime missão de converter as almas" ("Travels...", 17). O zelo da Madre Cabrini pela conversão dos acatólicos não se estiolava na esterilidade do diálogo irenístico, mas antes a levava a empenhar-se em discussões como a que ela refere ter tido, numa viagem, com certo protestante: "Ontem tivemos uma discussão e ele acabou por dizer que eu estava certa. Ama muito o Papa e tem uma profunda veneração por ele. Tem ainda muita estima por nossa Santa Religião, mas diz que não a quer abraçar por ter visto muitos Padres sem o verdadeiro espírito. Entretanto ficou contente quando lhe dei razão nisto" ("Travels...", p. 13).
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Para coroar esta vida cheia de amor de Deus e zelo de sua causa, a Madre Francisca Xavier Cabrini morreu como um soldado em plena batalha. Alquebrada por tantas viagens, dificuldades e lutas que enfrentara, na Páscoa de 1917 ainda quis ir a Chicago. Ali chegando, tomou logo várias providências de interesse da Congregação, apesar de já se sentir indisposta, até que teve de guardar o leito. Acamada, até o próprio dia da morte timbrou em não deixar de ler os jornais, para inteirar-se dos acontecimentos da guerra que então enlutava o mundo. No dia 22 de dezembro, por volta do meio-dia, após ter tratado de diversos negócios com a Superiora da casa, entregou enfim sua alma batalhadora a Deus, seu Criador. Contava 67 anos de idade, 37 dos quais passados na Congregação que fundara.
Seu processo de canonização acompanhou a rapidez com que a Madre costumava agir. Certa vez, quinze dias lhe bastaram para fundar um asilo em Londres...
Proclamada em novembro de 1937 a heroicidade de suas virtudes, a Serva de Deus foi beatificada no ano seguinte, no dia 13 do mesmo mês, e solenemente canonizada a 7 de julho de 1946 — antes de se completarem 29 anos de sua morte e oito de sua beatificação.
SIGNIFICATIVOS APLAUSOS
AO LIVRO CONTRA FREI
O Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, membro do Conselho Nacional da TFP e autor do livro "FREI, O KERENSKY CHILENO'', recebeu o seguinte telegrama do Cel. Jarbas Passarinho, Ministro do Trabalho e da Previdência Social: "Muito grato pela remessa do exemplar de seu oportuno livro, que tanto serve para alertar pessoas desprevenidas com lobos travestidos de carneiros".
Por sua vez, o Sr. Paulo Pimentel, Governador do Paraná, assim se exprimiu em carta ao autor do mesmo livro:
"Aprouve-me receber o livro de sua autoria "Frei, o Kerensky Chileno", que estou apreciando detidamente.
O tema, transcendental, já se me afigura tratado com propriedade e percuciência.
As sutilezas que costumam acompanhar ou rotular as manifestações político-ideológicas fazem com que ele venha a lume sob os melhores auspícios da oportunidade, do otimismo e da elucidação.
Agradecido pela sua deferência, firmo a Vossa Senhoria expressões de real apreço e consideração",
Também o Deputado Ultimo de Carvalho, vice-líder da maioria na Câmara Federal, telegrafou ao Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, nestes termos:
"Agradeço o oferecimento que me fez da patriótica obra "Frei, o Kerensky chileno"- Antes de felicitá-lo desejo felicitar minha Pátria por possuir filhos da altura moral e intelectual do ilustre Amigo. Prossiga em seu trabalho pela legítima democracia, em defesa da tradição, da família e da propriedade. Atenciosas saudações. Deputado Ultimo de Carvalho, Vice-líder da Arena".
Do Sr. Carlos Lindenberg, Senador pelo Espírito Santo, recebeu o autor esta carta:
"Acuso e agradeço a gentileza da remessa do livro "Frei, o Kerensky chileno", de sua autoria. Feito em linguagem clara, mostra bem o que se faz no Chile para transformá-lo em nação marxista, com apoio de membros do clero católico, servindo de inocentes úteis sem ver que serão os primeiros a ser sacrificados.
Admira-me a obtusidade desse clero que de boa ou má fé, parece estar acreditando poder haver convivência, de qualquer tipo, entre materialistas e espiritualistas. É lamentável que assim se prepare a própria ruína e a do País também.
Seu livro é claro e preciso e de grande utilidade, para fixar posições também em nosso País.
Com os meus cumprimentos pelo inestimável serviço que está prestando à América Latina, envio cordiais saudações".
Como se sabe a reportagem "Frei, o Kerensky chileno", publicada no n.° 197-198 desta folha, foi recentemente editada em São Paulo e em Buenos Aires em forma de livro, com prefácio do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE. A tese central do trabalho é que o Presidente Frei e a cúpula da Democracia-Cristã andina vêm conduzindo sorrateiramente o Chile para o comunismo, através de uma política de concessões às esquerdas, repetindo assim a atitude de Kerensky que conduziu à implantação do bolchevismo na Rússia.
O COMUNISMO NA AL
J. A. S.
É o Sr. Thomas Molnar um brilhante escritor de origem européia, nascido em Budapeste, mas há tempos radicado nos Estados Unidos, cuja nacionalidade adotou. Membro do comitê de redação da "National Review", empresta sua colaboração a vários outros órgãos de cultura norte-americanos, bem como às revistas francesas "Itinéraires" e "Ecrits de Paris".
Em recente excursão pela América Latina, teve ensejo de ouvir a primeira conferência proferida no Teatro Municipal de Santiago do Chile pelo Revmo. Pe. André Liégé, líder progressista muito nosso conhecido, que também andou pelo Brasil em missão de propaganda do chamado esquerdismo católico. Em artigo publicado na revista "Itinéraires" sob o título de "Encontro no Chile", aponta o Sr. Molnar a atitude insensata e suicida de certos elementos da alta burguesia católica sul-americana, que emprestam entusiástico apoio a esses agitadores de batina. Pena é, que, para completar o quadro, em sua estadia no Chile não tenha o Sr. Thomas Molnar tido ocasião de tomar contacto com os jovens intelectuais católicos que se agrupam em torno da revista "Fiducia" — e, agora, da TFP chilena os quais desde 1963 vêm lutando denodadamente pela defesa dos valores básicos da civilização cristã implantada neste grande continente pelos seus colonizadores: a Tradição, a Família e a Propriedade.
Em São Paulo o ilustre jornalista avistou-se com os membros do Conselho Nacional da TFP, proferindo no auditório principal da Sociedade uma interessante conferência sobre a África e seus problemas de desenvolvimento.
Como resultado de suas observações nessa visita à América luso-espanhola, o Sr. Thomas Molnar publicou na revista "Ecrits de Paris" dois artigos sob o título de "Há um perigo comunista na América Latina?", a respeito dos quais nos desejamos deter de modo particular.
Mostra o autor que o movimento comunista na América Latina não obedece ao quadro pintado pelos intelectuais progressistas, segundo os quais tal subversão proviria das bases, miseráveis e vítimas da exploração capitalista. Tem o comunismo latino-americano suas origens nas cúpulas apodrecidas existentes nos meios da média e alta burguesia. Assim, por exemplo, na Universidade de San Marcos de Lima, a mais velha das Américas, fundada em 1551, "percebe-se o mal-estar dos intelectuais que deslizam com toda a naturalidade para a esquerda sob a forma moscovita, pequinesa ou cristã. Visitei-a às vésperas de eleições estudantis. Disputavam-nas quatro partidos: pró Moscou, pró Pequim, socialista e demo-cristão, sendo os slogans dos socialistas (APRA) os mais razoáveis. Nas vitrines, os livros expostos cantavam o elogio do comunismo ou então de Sartre, do diálogo com os marxistas, de Garaudy, de Teilhard. Um sacerdote bem cotado, que estudara em Paris e Louvain, denunciou na minha presença como "cartesiana" a noção de salvação individual e fez o elogio da salvação coletiva ou cósmica". E, esclarece o Sr. Molnar, tratava-se de um Padre moderado, mesmo porque o último figurino inclui até o Sacerdote guerrilheiro!
A América Latina é constituída por um povo bàsicamente pacífico, ordeiro, anticomunista, por isso que profundamente católico. Até as populações indígenas do altiplano guatemalteco, tão pobres quanto ignorantes, se recusam a fazer causa comum com as guerrilhas comunistas. A falta de apoio da população local torna patente como essa agitação revolucionária nada tem que ver com as "massas oprimidas" que ela alardeia querer libertar.
Além da elite intelectual esquerdista, que dá o tom em largos setores da vida cultural ibero-americana através de uma propaganda dócil aos manejos da Revolução, há outra influência importante, que também se exerce artificialmente, de cima para baixo. É a do Clero progressista: "Numerosos Sacerdotes se acham persuadidos de que, para combater vitoriosamente o comunismo, necessário se torna pôr-lhe em confronto outras teorias, que são batizadas, para satisfazer os requisitos da causa, como "doutrina social da Igreja", mas que, em verdade, fazem parte do arsenal ideológico do marxismo. Assim o Pe. Roger. Vekemans no Chile inventou o "comunitarismo", calculado para criar comunidades nas fábricas, nas escolas, no campo. É no fundo o velho cavalo de batalha das cooperativas e o cavalo de batalha um pouco mais novo da "cogestão". Na realidade, isto estritamente não quer dizer coisa alguma. Mas pensemos nas possibilidades que têm os grupos esquerdistas de explorar esse slogan vazio, o qual, com a ajuda de fundos angariados pelo Pe. Vekemans na Bélgica e nos Estados Unidos, confunde e desorganiza, semeando a dúvida quanto às verdadeiras intenções da Igreja. Em discussão de jovens argentinos, publicada por uma grande revista, a intervenção da maioria dos participantes nada trouxe de novo. A do Pe. Muxica surpreende pelo abismo em que desemboca: esse jovem Sacerdote acha que é escandaloso que na Argentina moderna ainda haja patrões e operários! [...] Poderiam ser citados mil exemplos dessa natureza, mas essas poucas amostras já dão uma idéia bastante clara do novo papel da Igreja na America Latina. Esses Prelados e Sacerdotes não tomam a defesa do comunismo enquanto tal, mas ou pregam o marxismo puro sob uma outra etiqueta, ou por seus próprios atos lhe facilitam toda sorte de conquistas, inclusive a dos espíritos".
Como vemos, não passaram despercebidos ao articulista dos "Ecrits de Paris" os estragos que o progressismo vem causando aos povos desta parte do mundo, principalmente no Chile, com brilhantemente demonstrou o Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira na reportagem que "Catolicismo" publicou sob o título de "Frei, o Kerensky chileno" (n.o 198-199, de junho-julho p.p.).
Outro aspecto que o Sr. Thomas Molnar observou com argúcia foi o das falsas lideranças, ou das falsas direitas, que se mostram tímidas e praticamente inoperantes diante dos avanços do esquerdismo, não agindo muitas vezes senão na última hora e sob o clamor da opinião pública não contaminada pela propaganda revolucionária. Para completar o quadro de nossos males e dessas ocultas conivências, afirma o Sr. Molnar: "A empresa diabólica dos comunistas e de seus companheiros de jornada consiste justamente em impedir o progresso da economia, incitar os operários à irresponsabilidade, aumentar a corrupção e tornar crônica a inflação".
Que concluir dessas observações? Que de fato é artificial a agitação comunista na América Latina e que a campanha contra aqueles que, direta ou indiretamente, a favorecem só pode ser levada a bom termo por movimentos não comprometidos com a corrupção e com a subversão imperantes em largas áreas político-sociais dos países ibero-americanos. Ao Sr. Thomas Molnar, pedimos vênia para dizê-lo, parece haver faltado vagar suficiente para bem avaliar todo o trabalho que vem sendo desenvolvido em prol da preservação e restauração de nossos valores tradicionais pelo movimento que, do Brasil, sob o estandarte da Tradição, Família e Propriedade se vai espalhando progressivamente pelas nações irmãs deste continente no qual a Santa Igreja deposita suas melhores esperanças para a radiosa era do Reino de Maria.
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Fora de Cristo não se alcançará o equilíbrio entre o espírito ocidental e o oriental
Plinio Corrêa de Oliveira
Dir-se-ia que a primeira gravura desta página reproduz antes uma visão de "science fiction" que uma cena real. Em segundo plano, um edifício de aspecto fabuloso parece ter triunfado de espessas nuvens, que se acumulam a seus pés. A névoa menos densa que o circunda já não lhe oferece perigo sério. A serenidade do céu, pouco acima dela, em breve terá dissipado os últimos nevoeiros e reintegrado o enigmático prédio em uma estabilidade soberana. Dos terraços metálicos deste, despontam aparelhos misteriosos. Armas? Instrumentos de observação? Longos, indecifráveis açoites? Não se sabe. A atmosfera é mesmo de absoluta "science fiction".
À direita, no plano anterior, imaginar-se-ia à primeira vista um minarete deselegante e grosseiro. Mas essa impressão é desde logo desfeita, pois o "minarete" flutua no ar. Ou, por outra, ele parece apoiado em uma coluna de luzes e de chamas que promanam de dois focos potentes, postos em sua base. Tudo, aqui também, no gênero "science fiction".
E o homem? Parece ausente, afugentado por um ambiente que ao mesmo tempo o repele pelo que tem ciclópico na ordem material e pelo que tem de rebarbativo, e sombrio ordem das significações psicológicas.
Entretanto, o homem ali está, causa e, de algum modo, vítima desta cena, a qual não é uma ficção mas a representação de uma realidade histórica: o lançamento, no Cabo Kennedy, do primeiro foguete conduzindo dois cosmonautas.
Foram homens que planejaram e executaram tudo isto. São homens que ocupam o fabuloso edifício e manejam os complicadíssimos elementos técnicos que ali se encontram. Por fim, o "minarete" contém dois homens que subirão aos espaços siderais.
Expressão grandiosa do triunfo de uma civilização na qual o homem deitou todo o seu empenho em dominar a matéria para seu próprio proveito.
Matéria... Sim. E o espírito? É tão pouco, tão falho, e por muitos aspectos tão negativo o que nesta ordem vemos em torno de nós, que se fica desolado. Tem-se a sensação de ar rarefeito. Essa babel material que edificamos para nossa comodidade parece esmagar-nos com seu peso. Pois, mais ainda do que a miséria, pesa sobre a humanidade o êxito de uma civilização materialista, a cuja sombra vegetam, minguam e ameaçam desfazer-se inteiramente os bens do espírito.
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No outro clichê um pequeno edifício de materiais "convencionais". Ao centro, um Buda enigmático, cercado de figuras estranhas. Do conjunto dos "personagens" se desprende uma atmosfera de estabilidade absoluta, e que facilmente pode dar em estagnação; de um recolhimento denso, hierático, no qual porém não se sente o trabalho da inteligência, o nobre esforço da vontade em luta contra as paixões, mas apenas uma modorra pesada e muda como a morte.
Ar mil mãos, a cabeça adornada de cabecinhas, por sua vez encimadas por outra cabecinha, da figura do primeiro plano, marcam o ambiente com uma nota de contradição, de desespero, a fervilhar, sem solução, bem no fundo da espessa crosta de marasmo. O recolhimento parece aqui como uma taça a conter uma primeira camada de morte e uma segunda camada de fel e de aflição absoluta. Curiosa justaposição em que algo de solene, de sério e de belo atrai para regiões profundamente interiores, de vazio e de negação.
Imagem de um mundo que cultivou em extremo a introspecção, depositou nela toda a sua esperança, e para levá-la aos seus últimos limites não procurou os sucessos que o homem ocidental do século XX alcançou sobre a matéria.
Aqui também o resultado ao mesmo tempo é grande e tem algo de inumano. O observador contempla, e acaba por sair decepcionado, espavorido, até.
Trata-se do "Toshodaiji", principal templo da seita "Ritsus", em Nara, no Japão, fundado em 756.
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Comentando a seu modo, e dentro de sua perspectiva budística, essa diferença entre o Oriente e o Ocidente, e esse misto de sucesso e de insucesso da cultura de um e outro mundo, U THANT, Secretário Geral da ONU, teve há algum tempo palavras significativas, reproduzidas em telegrama da AFP:
Depois de recordar as dificuldades da ONU, que tenta harmonizar as políticas e as ideias dos 117 países que a compõem, o Secretário Geral defendeu a ideia de um homem novo, no qual as faculdades intelectuais e espirituais se desenvolveriam paralelamente.
Thant distinguiu a esse respeito os sistemas culturais do Ocidente e do Oriente: "Nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, os europeus e a URSS, se procura o desenvolvimento da inteligência, a formação de médicos, engenheiros e cientistas: pretende-se chegar à Lua, a Marte, a outras estrelas, mas se esquece o espiritual. Não sabemos nada de nós mesmos. No Oriente, em compensação, procura-se o conhecimento do ego, o conhecimento de nós próprios, enquanto tudo o que acontece fora de nós parece-nos sempre um tanto confuso".
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As considerações desse ultra vedetístico personagem insinuam que da síntese de uma e outra coisa pode nascer, por meio de fórmulas meramente naturais, um equilíbrio perfeito. Concepção que, a ser assim, deixa ver um fermento hegeliano. Em cada uma das posições confrontantes haveria um misto de erro e de verdade a ser superado em uma síntese. Tal síntese, a História a produziria pela elaboração natural e estritamente científica do espírito humano impelido pela evolução universal e por sua vez impelindo-a para a frente.
A essas considerações um espírito católico não pode deixar de redarguir lembrando o papel insubstituível de uma única fé verdadeira e sobrenatural, da Religião d’Aquele que disse de Si: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" ( Jo. 14, 6 ), e acrescentou: "Sem Mim nada podeis fazer" ( Jo. 15, 5 ). Sem que o mundo conheça Jesus Cristo, e O aceite como pedra de ângulo de tudo quanto construir, a tão desejável harmonia entre o espírito do Ocidente, prevalentemente prático, e o espírito do Oriente, sobretudo contemplativo, não poderá ser alcançada.
Não é de um cozinhar promíscuo de erros e verdades de cá e de lá, que resultará o equilíbrio. Não é com os meros recursos da natureza que o homem, concebido em pecado original, o alcançará. "Bonum ex integra causa": só quando todos os homens se inspirarem em Jesus Cristo, Sabedoria Eterna e Encarnada, e em sua única Esposa, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, só então é que o Oriente saberá purificar as suas contemplações de todo o peso das quimeras milenares que ali engendrou, e que o Ocidente saberá construir um progresso material capaz de servir e não de esmagar a alma humana.
Dizemo-lo movidos pelo desejo de que a prece dos leitores, dirigida à Medianeira Excelsa de todas as graças, neste Ano de Fátima, obtenha quanto antes para o gênero humano o advento deste dia de sabedoria e de glória, de paz e de justiça, com a realização da promessa radiosa: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará".