“FREI, O KERENSKY CHILENO” REPERCUTE INTENSAMENTE NO CHILE

Gustavo Antonio Solimeo

Grande repercussão vem alcançando no Chile a reportagem "FREI, O KERENSKY CHILENO", de nosso colaborador Fabio Vidigal Xavier da Silveira, publicada no n.° 198-199, de junho-julho p.p., desta folha e depois editada em forma de livro em São Paulo e em Buenos Aires.

Em seu número de 6 de setembro último, "Ercilla", conhecida revista de centro-esquerda de Santiago, insinua, sob o título de "Primeiro fio de uma teia de aranha?", que a recente prisão de dirigentes do Partido Nacional (oposição) se deveu a estarem eles envolvidos em uma conspiração golpista, que teria ligações com setores da direita internacional. A prova disso estaria em que um prócer da agremiação, o Senador Pedro Ibáñez Ojeda, teria convidado a visitar o país, há dois anos, "um senhor Fabio Vidigal Xavier da Silveira", autor de artigos injuriosos ao Chile em jornais brasileiros. Acrescenta a revista que nosso colaborador teria sido expulso do território andino, "por seus intuitos golpistas", ocasião em que o mesmo senador teria ido ao Ministério do Interior reclamar contra tal medida. O Sr. Pedro Ibáñez, em carta a "Ercilla", desmentiu tal versão, que é, de fato, inteiramente falsa.

"Mais um elo da campanha antichilena: "Fiducia" continua traindo o Chile no Exterior". Esse é o título — de página inteira — do editorial que o diário "LA NACIÓN" estampa em sua edição de 12 de setembro. O órgão oficioso do governo democrata-cristão chileno reproduz a primeira página do referido número de "Catolicismo" com a seguinte legenda: "Fac-símile do periódico brasileiro "Catolicismo", no qual se publicou o injurioso artigo sobre o Presidente Frei e seu Governo, que os jovens de "Fiducia" se esforçam por difundir na América Latina". Reproduzindo igualmente o clichê da flâmula do Colégio San Ignacio, dos RR. PP. Jesuítas de Santiago (com um diabinho encarapitado sobre uma bola que ostenta o nome do Santo Patrono do estabelecimento), o qual ilustrava o artigo em questão, o jornal traduz a respectiva legenda e lhe acrescenta êste comentário de sabor farisaico: "Embora pareça incrível a legenda deste clichê é a tradução exata do texto em português". Apresenta ainda uma reprodução do "expediente" desta folha, onde "Fiducia" aparece como nosso agente para o Chile.

No dia seguinte, em novo editorial, intitulado "Campanha antichilena em marcha", voltou "La Nación" a referir-se a "Fiducia", repetindo as acusações e ameaças do artigo anterior, ao mesmo tempo que reiterava os propósitos reformistas da Democracia-Cristã andina.

Na falta de argumentos

Na falta de argumentos para refutar as teses e os fatos apresentados na reportagem "Frei, o Kerensky chileno", procura o jornal envolver nossos jovens confrades de "Fiducia" numa suposta e fantasiosa conspiração internacional, tendo como foco o Brasil, a Argentina e o Peru, contra o governo pedecista do Sr. Eduardo Frei Montalva.

Assim começa o primeiro editorial de "La Nación": "Vimos denunciando destas colunas as conexões nacionais que tem a campanha sistemática de desprestígio do Chile, desenvolvida no estrangeiro por setores da direita. Entre esses grupos, a instituição pretensamente católica "Fiducia" teve, sem dúvida, um lugar de destaque, dados os seus contactos com os círculos mais reacionários do Brasil e da Argentina, dos quais recebe financiamento".

A seguir afirma o editorialista ter chegado ao seu conhecimento que os colaboradores de "Fiducia" — que ele chama, com derrisão raivosa, de "niños bien" — não hesitaram, na defesa do patrimônio de suas famílias, em viajar por países estrangeiros para atacar o Chile. Teriam eles percorrido as redações de órgãos de imprensa brasileiros pedindo a divulgação de "um artigo denominado "Frei o Kerensky da América" [sic] escrito pelo jornalista Fabio Vidigal Xavier da Silveira, expulso de nosso país por indesejável". Alguns jornais se teriam recusado a divulgar o artigo, "à vista do caráter falso e injurioso deste", enquanto outros lhe teriam dispensado boa acolhida.

"O citado artigo prossegue "La Nación" — publicado na revista "Catolicismo", em seu titânico esforço para desprestigiar o Chile e seu Governo não vacila em atacar soezmente a Igreja chilena, cujos seminaristas acusa de dedicarem-se à agitação camponesa, segundo planos pré-fabricados nessa intenção pelo Ministério do Interior e desce até ataques pessoais ao Presidente Frei, sua família e membros de seu Gabinete. Da revista "Mensaje", depois de afirmar que ela "se diz católica", chega a sustentar que em suas páginas se defende o controle da natalidade por qualquer meio imaginável" e que a Igreja chilena "ajuda de maneira pública e notória a ação comunizante do Govêrno".

Uma acusação que é tão falsa quanto gratuita

Pretende o editorial que o jornalista brasileiro "só pôde conhecer a realidade chilena pela traição inqualificável de rapazinhos bem que escondem sua avidez pecuniária atrás dos princípios da Religião Católica, já que não pôde permanecer no país para informar-se pessoalmente".

Esta passagem é confusa: não se sabe se a "traição" de "Fiducia" teria consistido em revelar ao Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira a real situação interna do Chile, ou em lhe apresentar uma visão deformada e falsa dessa mesma realidade.

Não vemos como um regime que se professa "democrático" e "cristão" possa temer que se conheça no Exterior o que ocorre dentro de suas fronteiras, a ponto de chamar de traição a divulgação de tais fatos. Semelhante temor foi sempre uma característica dos regimes totalitários (fascistas, nazistas ou comunistas), nos quais os dados da realidade nacional são controlados pelos Ministérios de informação e propaganda, ou do interior, como se fossem segredos de Estado, e depois manipulados para uso da opinião pública do país e do estrangeiro.

Se porém a acusação é de que "Fiducia" forneceu informações falsas e contrárias ao interesse nacional, é preciso provar duas coisas: 1.°) que os fatos apresentados pelo Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira são falsos; 2.°) que foi "Fiducia" quem lhes deu curso. Até o momento nem sequer se tentou produzir alguma prova quanto ao primeiro ponto. Basta correr os olhos pela reportagem em questão para verificar que o autor colheu suas informações no noticiário das agências telegráficas e na própria imprensa chilena, inclusive em "La Nación", além de registrar comentários correntes no público andino. Aliás, tudo o que ali se relata é notório no país e está ao alcance de qualquer observador não ofuscado pela propaganda oficial. Em sua recente estadia de um mês no Chile (que, de resto, não foi a primeira) foi fácil ao Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, com a argúcia que seu trabalho revela, manter contactos pessoais, em áreas diversas, ler jornais, etc., a fim de inteirar-se da situação do país.

Por tudo isso se vê que a acusação feita a "Fiducia" é, em qualquer hipótese, tão falsa quanto gratuita.

Jornalistas sagazes e esforçados

A seguir, o jornal do governo comenta a notícia da fundação da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, estampada no mesmo número de "Catolicismo", salientando os telegramas de felicitações "enviados do quartel general da organização no Brasil e Argentina". Telegramas e notícia parecem representar, para os sagazes e esforçados jornalistas governamentais, outros tantos indícios veementes de uma conjura internacional.

Assim finaliza "La Nación": "Esta atitude [dos redatores de "Fiducia"] representa, ademais, um extremo intolerável de covardia, já que vão difamar no estrangeiro o que não se atrevem a manifestar em sua própria pátria, sabendo que os chilenos têm olhos para ver e ouvidos para escutar". Deixando de lado a grosseria dessa linguagem, gostaríamos de saber se os agentes do Sr. Frei, que procuram impedir até no Brasil a divulgação da reportagem de "Catolicismo", deixariam circular no Chile um número de "Fiducia" que dissesse do regime demo-cristão mais do que a revista, desassombradamente, tem dito.


O GOVÊRNO PEDECISTA

RECORRE A MEDIDAS DITATORIAIS

No dia 27, quando encerrávamos a presente edição, a imprensa diária de São Paulo e do Rio publicou a seguinte notícia, redigida de modo acentuadamente tendencioso:

"A polícia chilena apreendeu e retirou de todas as livrarias de Santiago o livro "Frei, o Kerensky chileno", que dois brasileiros, Fábio Vidigal e Xavier da Silveira, escreveram, editaram na Argentina e estavam distribuindo em Santiago. A obra foi qualificada de subversiva pela justiça chilena, que proibiu sua venda no país e ordenou à polícia a apreensão de todos os exemplares. Vários deles tinham sido enviados diretamente a oficiais das Forças Armadas, que denunciaram ao governo o caráter da obra.

Os autores do livro acusam o Presidente Frei de estar preparando uma ditadura comunista no Chile e comparam sua atuação com a do ex-Presidente João Goulart e com a do chefe do governo provisório organizado na Rússia em 1917, Alexandre Kerensky. Vidigal e Silveira lembram que o governo de Kerensky facilitou a implantação do comunismo, dizem que a política de Frei coloca o Chile no caminho da ditadura, que poderá ter a forma da cubana.

Segundo a justiça chilena, os autores advogam uma intervenção das Forças Armadas dos países vizinhos, para evitar no Chile a repetição do caso de Cuba.

O governo pretende utilizar o livro como prova no julgamento dos líderes do Partido Nacional. Estes, de tendência direitista, foram presos, estão sendo processados e brevemente serão julgados, acusados de subversão e incitação à sedição.

Um dos autores do livro, Xavier da Silveira, foi expulso do Chile no ano passado. Embora estrangeiro, Silveira desenvolvia atividades políticas contra o programa de reforma agrária que está sendo aplicado pelo Presidente Frei".

Tendo a mesma notícia sido divulgada em Caracas, o Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, que ali se encontrava de passagem, enviou ao Presidente Frei e ao Sr. Bernardo Leighton, Ministro do Interior do Chile, telegramas do seguinte teor: "Informado da apreensão de meu livro "Frei, o Kerensky chileno" sob a caluniosa imputação de ser subversivo, envio veemente protesto contra a injusta medida, caracteristicamente ditatorial".

Por sua vez, a TFP, de cujo Conselho Nacional faz parte o Sr. Xavier da Silveira, mandou ao Sr. Eduardo Frei êste despacho, assinado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (texto análogo foi enviado ao Sr. Leigthon): "Estando ausente do país o brilhante membro do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, julgo-me no dever de apresentar a V. Excia. atencioso e categórico protesto contra a acusação feita ao livro "Frei, o Kerensky chileno", obra elevada e cortês, que nada tem de subversivo nem calunioso. Respeitosos cumprimentos".

Ao mesmo tempo, a entidade distribuiu comunicado aos jornais, assim redigido:

"Tendo órgãos de imprensa desta Capital e da Guanabara noticiado que o governo chileno considerou calunioso e subversivo o livro "FREI, O KERENSKY CHILENO", de autoria do Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira, ordenando fosse aquela obra retirada das livrarias e apreendida no Correio, a SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE (TFP) considera necessário prestar ao público um esclarecimento sobre o ocorrido.

Divulgado em primeira mão no número de junho-julho p.p. do prestigioso mensário de cultura "CATOLICISMO", que se edita em Campos sob os auspícios do Bispo Diocesano, o ilustre teólogo D. Antonio de Castro Mayer, "Frei, o Kerensky chileno" foi largamente difundido em todo o País. Posteriormente, o mesmo trabalho foi publicado sob forma de livro pela Editora Vera Cruz, tendo então sido novamente objeto de larga difusão. Extensas camadas do público brasileiro conhecem pois esse trabalho, que foi aplaudido por várias personalidades de destaque. Entre estas, figuram o Ministro Jarbas Passarinho, o Governador Paulo Pimentel, o Senador Carlos Lindenberg, o Deputado Ultimo de Carvalho e o Prefeito de Porto Alegre, Sr. Celso Marques.

O Sr. Fabio V. Xavier da Silveira é um conhecedor penetrante e documentado da realidade chilena contemporânea. Provavelmente por isso o Sr. Eduardo Frei, Presidente do Chile, receoso de ver examinada tão de perto sua atuação ambígua, tomou contra o mesmo em setembro de 1966 a medida totalmente infundada de convidá-lo a retirar-se do território andino.

Reunindo em seu trabalho vasta documentação sobre o atual governo chileno, o Sr. Fabio V. Xavier da Silveira mostra que o Presidente democrata-cristão daquele país irmão, dominado pela ideologia esquerdizante característica do pedecismo tipo "terceira-fôrça", vai empurrando o Chile — através de reformas de base socialistas e confiscatórias — para o comunismo. Nisto, o autor estabelece uma analogia entre a ação de Frei e a de Kerensky, o qual impeliu para reformas esquerdistas a Rússia post-czarista e facilitou o advento do comunismo. Como é claro na leitura do livro, êste não equipara entretanto a ação do Presidente pedecista chileno, vítima de sua formação ideológica esquerdista, com a atuação ambiciosa e claramente traidora do Sr. Alexandre Kerensky.

Em nenhum dos seus tópicos a obra do Sr. Fabio V. Xavier da Silveira incita à subversão. Ela mostra apenas que, em virtude mesmo do seu caráter socialista e confiscatório, o regime Frei vem sofrendo graves reveses econômicos e administrativos. E que, para impor ao país as suas reformas, está montando um aparelhamento partidário-estatal que tende a assumir feição sempre mais ditatorial. Acrescenta indícios convincentes da crescente impopularidade daquele regime.

Esses vários aspectos do livro, que nada têm de calunioso ou subversivo, o governo Frei poderia tentar desmenti-los argumentadamente, através da imensa máquina de propaganda que montou. Mas ele foge prudentemente da controvérsia, limitando-se a silenciar por medidas policiais o escritor arguto e incômodo. O que bastaria para provar a tese do livro, de que a Democracia-Cristã está gerando a ditadura no Chile.

Sendo o Sr. Fabio Vidigal Xavier da Silveira membro do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, e encontrando-se ele no momento fora do País, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP, telegrafou ao Presidente e ao Ministro do Interior do Chile, formulando protesto categórico contra as medidas ditatoriais tomadas em relação a "Frei, o Kerensky chileno".

E a TFP cumpre um dever apresentando ao conhecimento do público brasileiro esse conjunto de fatos:

São Paulo, 28 de outubro de 1967

EDUARDO DE BARROS BROTERO,

1.° Secretário do Conselho Nacional".