PROPRIEDADE PRIVADA E CLASSES SOCIAIS: SERVIDORAS OU INIMIGAS DA FAMÍLIA?
DIÁLOGOS SOCIAIS 3
É ANTI-SOCIAL ECONOMIZAR PARA OS FILHOS?
Publicamos: hoje a tradução de mais um dos Diálogos Sociais editados em Buenos Aires, nos quais a Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade oferece uma resenha substanciosa de temas de doutrina social largamente versados no público, apresentando-os na mesma linguagem de que eles se revestem nas conversas de todos os dias.
General Barbosa: um general da reserva, de sólida formação anticomunista.
Senhora Castañeda: uma jovem avó, que vive um conflito de consciência entre seus sentimentos de esposa e mãe de família e certas idéias socialistas aprendidas em seu tempo de estudante.
López: um modesto viajante comercial, com idéias claras sobre a propriedade e o trabalho.
O hall do aeroporto de Buenos Aires estava quase vazio. Além de uns poucos funcionários que passavam rapidamente de um lado para outro, havia apenas uns vinte passageiros, bem agasalhados, que esperavam desde as 8 da manhã o aviso de embarque. Já eram quase 9 horas e a densa névoa não permitia ainda a decolagem. Para passar o tempo, cada um fazia o que podia. Uns cochichavam nas poltronas, outros passeavam. O tédio havia feito morrer todas as conversas. Apenas duas pessoas falavam animadamente, ora andando, ora parando nos momentos em que o diálogo se fazia mais acalorado. Pela vivacidade de ambos, não era difícil perceber que discutiam.
A Sra. Castañeda, com sessenta anos bem conservados, voltava alegremente a Tucumán, onde morava, pressurosa de enfronhar-se novamente em seus afazeres domésticos. Ali vivia feliz com seu marido, diretor de uma repartição provincial.
Esperava encontrar no aeroporto de Tucumán sua filha, que a levaria de automóvel para casa, e... supremo atrativo, já antegozava as manifestações de carinho com que seus três netos a acolheriam, alegres por revê-la e ansiosos por seus presentes.
Seu interlocutor era de porte varonil e constituição excepcionalmente vigorosa. Algo nele denotava uma segunda natureza habituada ao mando e à combatividade. A voz grossa comportava inflexões amenas e corteses. Na pasta que trazia na mão podia-se ler seu nome: General E. Barbosa. Voltava também ele para Tucumán, onde residia com os seus desde que passara para a reserva.
Ambos se haviam saudado cordialmente ao terem a surpresa de encontrar-se aguardando o mesmo avião de regresso. Mas a conversa, que nascera do comentário de um fato do dia, tomara o aspecto inesperado de uma discussão de caráter doutrinário.
Propriedade e família
General Barbosa. — Enfim, admiro-me de ver até que ponto a Sra. é contrária à propriedade privada. Mas, sobretudo, acho curioso que uma tão excelente mãe de família afirme, como a Sra. acaba de o fazer, que a instituição da família nada tem a perder com uma reforma da propriedade privada. Porque essa reforma, como a Sra. a deseja, terminará inevitavelmente em uma quase supressão da família.
Sra. Castañeda [sorrindo]. — É o que me diz sempre meu marido. Ele não compreende como é que eu me arranjo para economizar para nossos filhos, e ser ao mesmo tempo tão fogosa partidária de uma reforma radical da propriedade. Mas é que não me esqueço das aulas do Dr. Palacios, que foi meu professor aqui em Buenos Aires, na Faculdade de Direito. Vivo até hoje sob a influência ideológica daquele socialista com ressaibos de fidalgo. Não posso esquecer-me do que ele ensinava sobre a propriedade como obstáculo para a igualdade social e econômica. De minha parte, não vejo incompatibilidade entre essa posição e a instituição da família, já que tenho consciência de ser ao mesmo tempo uma esposa e mãe muito dedicada.
O direito da família sobre o patrimônio familiar
General Barbosa. — A Sra. admite que seu marido e seus filhos têm um direito anterior ao de qualquer outra pessoa, à sua assistência e à sua ajuda em caso de necessidade? Não duvido que sim, pois se a Sra. devesse uma igual solidariedade a todo mundo, a família perderia sua razão de ser.
Sra. Castañeda. — Sem dúvida, mas isso não significa que a propriedade privada, como atualmente existe, deva ser ligada à família.
Trabalho servil e trabalho pessoal
General Barbosa. — Se a Sra. me permite desenvolver o assunto passo a passo, talvez chegue a uma conclusão diversa. Faço-lhe outra pergunta: a Sra. admite também que seu marido tem um direito pessoal sobre o produto de seu trabalho? Por certo que o admite, pois quem não tem esse direito é um escravo. É até por onde se distingue o homem livre do escravo, já que o homem livre produz para si e o escravo para seu senhor.
Sra. Castañeda. — Admito isso, General, mas não vejo, uma vez mais, aonde o Sr. quer chegar.
General Barbosa. — É fácil: se o produto do trabalho de seu marido é dele, ele e a Sra. são livres de gastá-lo ou de economizar. Estas economias também são do casal.
Se a Sra. se visse forçada a transferir suas economias para a Municipalidade, é bem provável que em vez de voltar a Tucumán a Sra. houvesse convidado o Dr. Castañeda para passar uns dias mais em Buenos Aires, pois de outra maneira esse pequeno capital acumulado iria engordar as arcas da comuna tucumana, nem nenhum proveito para a Sra.
Sra. Castañeda [rindo]. — Nem há dúvida: já estaríamos a caminho de Bariloche.
General Barbosa. — Por que, então, a Sra. economiza?
Sra. Castañeda. — Para garantir nossa velhice, educar nossos filhos do melhor modo possível, e assegurar-lhes um pecúlio para que comecem a vida.
A formação do patrimônio e a ascensão social
General Barbosa. — Seu coração de esposa e de mãe deu-lhe, portanto, ainda que subconscientemente, uma noção muito mais realista sobre as relações entre a família e a propriedade, do que as aulas cheias de elucubrações teóricas do Prof. Palacios. O pecúlio que a Sra. economiza é a propriedade privada em seu aspecto mais simpático, isto é, nascida da família e voltada para a família. A Sra. vê que, por todas as suas energias afetivas e por todas as solidariedades naturais que cria, a família tende a condensar o salário para transformá-lo em propriedade. Ela opera como uma pequena companhia de seguros de seus próprios membros. E procura preparar a ascensão gradual da estirpe através dos anos, levando cada geração a garantir um futuro melhor para as outras.
A herança e as falsas objeções de igualitarismo
Sra. Castañeda. — Vendo as coisas assim, não posso negar que a propriedade me é simpática, a mim, mãe de família; mas muitas objeções se formam em meu espírito ouvindo o Sr. falar: — Quantas famílias recebem um mísero salário que não lhes permite economizar? E a culpa disto de quem é, senão dos proprietários que açambarcam em suas mãos todos os lucros? Depois, será justo que eu pense na ascensão social dos meus, quando de fato a justiça está na igualdade completa? Por fim, o desejo de uma educação melhor e de um ponto de partida mais fácil na vida, para meus filhos, não resultará de um egoísmo materno, mais subtil, mais disfarçado, mas por sua vez mais feroz do que o próprio egoísmo individual?
Ah, General! Vamos a um problema de fundo. A herança não será a expressão de um grande egoísmo, o egoísmo de uma família, que é tão injusto como o egoísmo individual, de que lhe falava há pouco? Não pense que tudo isto estava nas aulas de Palacios. Porque são coisas em que me pus a pensar ao longo destes anos. Não lhe oculto que vivo em uma espécie de crise de consciência, que agora estou revelando.
General Barbosa. — Sua crise não me espanta. Tenho visto que ela vai minando lentamente a não poucas senhoras que não foram alunas de Palacios, mas que leram um pouco Maritain e assinaram o órgão do progressismo argentino que é "Criterio". Não é em nome de Palacios, mas apoiadas em uma autoridade bem diversa e muito mais alta, que elas se põem a duvidar. Falam de textos de João XXIII e de Paulo VI, apelam para o Concílio...
Sra. Castañeda. — E o Sr?
General Barbosa. — Eu me permito defendê-las contra a deformação ideológica pela qual essas mães de família, e a Sra. entre elas, procuram acusar-se injustamente a si mesmas. Eu as defendo contra as Sras. mesmas. Defendo nas Sras. um dos traços mais simpáticos da personalidade, que é o amor à família e ao lar levado aos extremos de suas conseqüências legítimas. E defendo-as baseado, não certamente em Palacios, mas nas Encíclicas e nos Concílios.
Sra. Castañeda. — Tenho muita curiosidade de ver como é isso!
Legitimidade do amor à família
General Barbosa. — Comecemos por sua primeira pergunta. Boas famílias aquelas que fazem tudo o que podem por seus filhos, na ordem religiosa, intelectual e material! Se todas as famílias argentinas fizessem tudo por seus filhos, a Argentina seria em pouco tempo uma das maiores nações do mundo. Como vê, não há melhor meio de servir ao bem comum do que atender às aspirações daquilo que a Sra. chama de "egoísmo familiar".
Na realidade, não se trata aqui de "egoísmo paterno", que é uma expressão pejorativa e injusta. O amor paterno, sentimento sagrado que leva os pais a desvelar-se por seus filhos, multiplica neles a capacidade de trabalhar e de economizar. É conforme as leis da natureza que um pai e uma mãe comuns jamais consigam fazer pelos filhos dos outros nem uma pequena parte do que fazem pelos seus. Assim, o amor paterno é um fermento poderoso que trabalha a favor do bem comum, e não contra ele. Mais ainda: sem o amor paterno, o bem comum perecerá irremissivelmente.
Sra. Castañeda. — Ah, General! Como me agrada ouvir tudo isto! Já vejo a herança com outros olhos. Mas não consigo deixar de pensar em tantas crianças que nada herdam a não ser, miséria.
Igualdade e herança
General Barbosa. — Também eu me compadeço delas. Mas não posso deixar de pensar que, se a supressão da herança faz decair toda a energia da produção, ela não beneficiará essas crianças que nada herdam, mas somente prejudicará as que herdam algo, aumentando o número dos deserdados.
Sra. Castañeda. — Deixemos de lado, por ora, as considerações econômicas. O Sr. não acha que há nisto uma questão de dignidade que deve ser levada em conta? A herança estabelece classes sociais diversas. Ora, Deus criou os homens livres e iguais. Não lhe parece que a diversidade de classes sociais é um insulto feito ao Criador?
Igualdade de natureza e desigualdades naturais
General Barbosa. — Pelo contrário, — e alegro-me de que a Sra. haja exposto essa dificuldade, pois muitas pessoas tropeçam aqui. Por natureza, todos os homens são iguais, mas isso somente num sentido. Em outro sentido não o são. São iguais porque são criaturas de Deus, dotadas de corpo e alma, redimidas por Nosso Senhor Jesus Cristo. E é por isso que todo homem, por sua dignidade de ser humano, tem direito ao que lhe é próprio: direito à vida, à saúde, ao trabalho, à única Religião verdadeira, à família, ao progresso intelectual, etc. Mas fora desta igualdade essencial, há entre os homens desigualdades acidentais postas por Deus: diferenças de virtude, de inteligência, de capacidade de trabalho, de aptidões, de psicologia, e muitas mais. São todas desigualdades naturais que se refletem na sociedade, e que fazem com que os mais capazes, os mais esforçados, possam progredir. A sociedade tem que respeitar a ordem profunda das coisas, e por isso se compõe de diversas classes sociais que formam uma imensa hierarquia. Essas desigualdades não são um insulto feito ao Criador, mas foram postas por Ele mesmo para vantagem de todo o corpo social. A Sra. sabe que ideologia prega a destruição das classes sociais?
Sra. Castañeda. — O comunismo....
O comunismo quer suprimir as superioridades de classe
General Barbosa. — Exatamente, mas essa destruição das classes sociais é algo tão contrário à ordem natural das coisas, que para consegui-lo em toda a medida do possível, o comunismo tem que escravizar os homens, impondo o terror.
Sra. Castañeda. — Permita-me, General, uma outra pergunta, que me aflora aos lábios. A caridade não manda distribuir tudo que se tem?
Caridade e direito ao uso dos próprios bens
General Barbosa. — Não Sra. Ninguém está obrigado a aliviar o próximo privando-se do que é necessário para si ou para sua família. Nem sequer daquilo de que precisa para atender ao seu decoro pessoal. E isto porque ninguém tem que viver de um modo inconveniente.
Sra. Castañeda. — Mas então em que consiste a caridade?
General Barbosa. — A caridade consiste em que, quando alguém atendeu suficientemente à sua necessidade e ao seu decoro, tem obrigação de dar aos pobres o que sobra. Pois, como diz a sabedoria popular, "a caridade bem entendida começa em casa". Esta obrigação de caridade se pode cumprir de várias maneiras.
Sra. Castañeda. — Mas muitos, General, não querem cumprir esse dever. O Estado deveria, então, tirar os bens aos proprietários egoístas, para entregá-los aos pobres?
General Barbosa. — De modo algum. Os deveres de caridade, o Estado não os pode exigir, ele exige a obrigação de justiça entre os cidadãos e destes diante do Estado, mas não as obrigações de caridade.
Enquanto não se trate de deveres de estrita justiça, que o Estado poderia exigir por lei, as obrigações de caridade estão reservadas ao juízo de Deus. Querer outra coisa é pretender que o Estado se converta em árbitro das fortunas e das vidas dos particulares. Todos os totalitarismos, desde o nazismo até o comunismo, passando pela variedade de gamas do socialismo, o que querem no fundo é isso: divinizar o Estado e dar-lhe todos os poderes, sob pretexto de amor aos pobres... É claro que não é o caso da Sra...
Sra. Castañeda [um tanto confundida]. — Está bem, General...
A essa altura, a névoa se dissipava no aeroporto, e uma voz se fez ouvir pelos alto-falantes: "Aerolíneas Argentinas anuncia a saída de seu vôo n.° 222, com destino a Salta e escalas em Córdoba e San Miguel de Tucumán. Pede-se aos srs. passageiros que se dirijam ao portão n.° 3 para embarque". Todos se encaminharam para a saída e em seguida para o avião, que em poucos minutos voava a mil metros do solo.
* * *
Por cima das últimas nuvens a discussão continuou. Mas desta vez com a participação de um jovem viajante comercial chamado López, de fronte larga, olhar vivaz e palavra fácil. Sentado próximo à Sra. Castañeda e ao General, ouviu o que a primeira dizia:
Qual é a verdadeira miséria
Sra. Castañeda. — Ainda assim, General, diga o que disser, o espetáculo das crianças miseráveis, que nada herdam, me deixa uma sombra no espírito a respeito da ação benfazeja da propriedade para a vida de família.
General Barbosa. — Permita-me fazer, antes de tudo, uma distinção. É muito desejável que as condições econômicas da sociedade sejam tais que o maior número possível de pais deixe alguma herança a seus filhos. Mas nem por isso se pode chamar "miserável" a toda criança que nada herde. Desde que receba de seus pais uma formação religiosa, moral e física que Lhe permita enfrentar a luta pela vida, a criança não pode ser chamada de "miserável". Miserável é a criança indigente de princípios religiosos e morais, com uma saúde deficiente para o trabalho. Convenhamos que nada comove mais do que o estado de miserabilidade de uma tal criança. Mas a Sra. deve reconhecer que na Argentina a criança miserável constitui uma exceção.
A esta altura, o viajante pediu licença para intervir:
López. — Meus pais eram modestos operários, temperantes e tementes a Deus, que me legaram como bens a saúde e às convicções religiosas. Recebi com isto um legado que nem sempre os filhos de ricos recebem. Consegui estudar um pouco e me entreguei a uma profissão que é árdua, mas atraente e lucrativa. Uma profissão que eles, sem dúvida, considerariam invejável. Minha família, com todas as suas 'limitações econômicas, não me deixou uma herança, mas me assegurou a capacidade de fazer-me proprietário e deixar uma herança para meus filhos.
A ficção da divisão das grandes propriedades
Sra. Castañeda. — Mas se se fracionassem as grandes propriedades e as grandes empresas, não cresceria o número dos proprietários?
López. — Desculpe, mas a sua pergunta me faz de algum modo o mesmo efeito que se alguém perguntasse: se se cortassem em pedaços os animais de grande porte, não cresceriam os animais pequenos? O tamanho do animal está em função de sua natureza, e não é possível nem desejável aumentá-lo ou diminuí-lo fora das proporções impostas pelo seu próprio ser. O fim dos elefantes não faria maiores nem mais felizes as formigas.
Assim, as proporções de uma empresa resultam combinadamente da natureza do ramo em que ela opera, das condições de trabalho que desenvolve, da capacidade dos que a dirigem. De que serve ao bem comum reduzir uma empresa que está a cargo de um proprietário e de uma equipe particular de pessoas capazes? De que serve aumentar uma empresa pequena cujo ramo não permite um desenvolvimento maior? De que serve pôr uma empresa média em mãos de uma pessoa capaz de dirigir somente uma empresa pequena?
Participação na propriedade, no lucro e na gestão da empresa
General Barbosa. — Concordo com o Sr., mas permita-me, de passagem, argumentar a favor da Sra. Castañeda. Não é tanto de dividir as empresas que se trata, mas de transferir a propriedade, a gestão e os lucros, pelo menos em grande parte, aos trabalhadores.
López. — Não sou um teórico, mas procuro resolver as coisas do ponto de vista prático. Se essa transferência fosse útil ao bem comum, valeria a pena perguntar se seria justa. Mas, desde logo, ela me parece inteiramente contra-indicada do ponto de vista prático. Sei que talvez muitos de meus colegas não concordem com isso. Mas tenho do meu lado uma autoridade bem pouco suspeita, que é Mao Tsé-tung. Acabo de ler em uma revista que ele tratou de manter o maior número possível de ex-proprietários na direção das empresas confiscadas pelo Estado. Isto quer dizer que o regime da livre iniciativa destilou da população chinesa toda uma classe de dirigentes autênticos que nenhum funcionário de carreira, nenhum líder comunista, nenhum trabalhador braçal conseguiu igualar.
A transferência da propriedade das empresas a políticos sindicais, funcionários públicos ou líderes operários teria significado, ao que parece, uma enorme baixa da produção. Isto está na natureza das coisas, pois os cargos de direção supõem valor, iniciativa, e até gosto do risco. Em geral, são os audazes que conquistam tais cargos, ou, por necessidade, estes ensinam uma certa audácia aos que os ocupam.
Sra. Castañeda. — Este moço, General, procede de uma categoria social modesta. No entanto pensa e fala como uma pessoa que houvesse recebido uma instrução cuidada. Em uma sociedade com classes estratificadas ele não poderia passar de operário. O Sr. tem diante de si uma prova viva da injustiça do regime de classes.
Mobilidade harmônica entre as classes
General Barbosa. — Classes sociais não são o que a Sra. imagina. Não são círculos fechados e estanques onde nunca se pode entrar e de onde nunca se pode sair. Pelo contrário, são algo de vivo, porque nascem da própria natureza, e, como tudo o que tem vida, tendem incessantemente a crescer. Veja a Sra. este moço. Vem de um lar humilde, que entretanto lhe deu meios para subir de nível social. E, graças a seu próprio esforço e sacrifício, poderá, amanhã, legar a seus filhos uma situação ainda melhor do que a que tem hoje. E se os seus filhos cuidarem desse patrimônio espiritual e material, continuarão progredindo e elevando-se mais. Inversamente, se este rapaz não tivesse aproveitado tudo quanto seus pais lhe deram religiosa e moralmente, bem como fisicamente, hoje não ocuparia o lugar que tem na sociedade; teria decaído, ou teria parado. Pois bem, a elevação do status social de uma pessoa, de uma família, não é coisa que se faça de um dia para o outro. Todo progresso custa sacrifícios, é gradual, mas se faz sentir, com o transcurso do tempo e das sucessivas gerações, e em uma sociedade orgânica se favorece essa elevação ordenada dos indivíduos e das famílias.
* * *
Ia alta a discussão, mas já baixava o avião, que não tardou a tocar o solo. Quando a Sra. Castañeda abraçou seus netos, uma alegria especial lhe invadia a alma. Sentia-se reconciliada consigo mesma. Sua razão justificava plenamente tudo o que, movida pelo coração, fazia pelos seus entes queridos. Agradeceu ao General Barbosa com um aperto de mão particularmente amistoso, e ambos se despediram de López, que continuava sua viagem de automóvel, desejando-lhe que fundasse uma família feliz e acumulasse um bom patrimônio que fosse o ponto de partida de uma longa tradição familiar, para seu próprio bem e para o bem comum.
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A PROPRIEDADE PRIVADA RESULTA DA NATUREZA MESMA DO HOMEM
LEÃO XIII. — A propriedade particular, já Nós o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária.
(Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 17).
A PROPRIEDADE PRIVADA ESTÁ INTIMAMENTE UNIDA À FAMÍLIA E É BASE MATERIAL DELA; DIREITO DE HERANÇA
LEÃO XIII. — Eis, pois, a família, isto é, a sociedade doméstica, sociedade muito pequena certamente, mas real e anterior a toda sociedade civil, e à qual, desde logo, será forçosamente necessário atribuir certos direitos e certos deveres absolutamente independentes do Estado. Assim, esse direito de propriedade que Nós, em nome de natureza, reivindicamos para o indivíduo, é preciso agora transferi-lo para o homem constituído chefe de família. Isto não basta: passando para a sociedade doméstica, êste direito adquire aí tanto maior força, quanto mais extensão lá recebe a pessoa humana.
A natureza não impõe somente ao pai de família o dever sagrado de alimentar e sustentar seus filhos; vai mais longe. Como os filhos refletem a fisionomia de seu pai e são uma espécie de prolongamento da sua pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação de um patrimônio que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse patrimônio poderá ele criá-lo sem a aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possa transmitir-lhes por via de herança?
(Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 10).
A IGUALDADE SOCIAL E DE FORTUNA, SONHADA PELOS SOCIALISTAS, É ANTINATURAL
LEÃO XIII. — O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força: diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade de condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, precisamente, a diferença de suas respectivas condições.
(Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 13).
PIO XII. — Num povo digno de tal nome, todas as desigualdades que derivam, não do arbítrio, mas da própria natureza das coisas, desigualdades de cultura, de haveres, de posição social — sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da caridade mútua — não são absolutamente um obstáculo à existência e ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade.
(Radiomensagem de Natal de 1944 — "Discorsi e Radiomessaggi", vol. VI, p. 239).
JOÃO XXIII. — Quem ousa, pois, negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza.
(Encíclica "Ad Petri Cathedram", de 29 de junho de 1959 — AAS, vol. LI, n.° 10, p. 506).
AS OBRIGAÇÕES DE CARIDADE NÃO PODEM SER EXIGIDAS POR LEI
PIO XI. — [...] mas que os proprietários não usem do que é seu, senão honestamente, é da alçada não da justiça, mas de outras virtudes, cujo cumprimento "não pode urgir-se por vias jurídicas" (cf Enc. "Rerum Novarum", § 36)).
(Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pp. 18-19).
LEÃO XIII. — Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou a decência impõem à sua pessoa: "Ninguém, com efeito, deve viver de um modo que não convenha ao seu estado" (São Tomás, Suma Teológica. IIa. IIae., q. 32, a. 6, c.). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres; "Do supérfluo dai esmolas" (Luc. 11, 41). É um dever, não de estrita justiça, exceto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã; um dever, por conseqüência, cujo cumprimento não se pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus.
(Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 18).
A FUNÇÃO DO ESTADO NÃO É ABSORVER, MAS PROTEGER
PIO XII. — Nem o indivíduo, nem a família devem ser absorvidos peio Estado. [...) Ademais, há certos direitos e liberdades dos indivíduos — de cada indivíduo — ou da família, que o Estado deve proteger sempre e não pode violar nem sacrificar a um pretenso bem comum.
(Discurso aos participantes do Congresso Internacional das Ciências Administrativas, em 5 de agosto de 1950 — "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XII, p. 160).