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(continuação)

TRES DOCUMENTOS GLORIOSOS

problemas antigos de profundas divergências entre os nossos Irmãos no Episcopado, divergências, em alguns casos, agravadas por circunstâncias novas que passamos a expor.

Ninguém pode esconder que uma desconfiança profunda cerca diversas atividades de diversos Secretariados regionais e da mesma CNBB, oriunda das orientações transmitidas aqui e acolá a nossos Sacerdotes, Religiosas e leigos, orientações que, às vezes, não nos parecem ortodoxas tanto com referência à Fé quanto à Moral.

Conscientes de nossa responsabilidade como Pastores da Santa Igreja e membros desta Conferência, sentimo-nos na obrigação de confessar que nós mesmos não temos podido exercer em plenitude nosso munus na colegialidade, pois parte desta orientação é dada por um grupo de "peritos" que prepara nossos documentos e planos de atividade, sem que tenhamos oportunidade ou mesmo possibilidade de analisá-los acuradamente ou de emendá-los. Acresce ainda que alguns dos nossos peritos não merecem nossa confiança, seja por não trazerem consigo algumas qualidades indispensáveis a Sacerdotes que se apresentam ao nosso Clero como credenciados pela CNBB, seja por se fazerem portadores de uma orientação que não reconhecemos como a da maioria da Conferência. Sentimos que somos substituídos por eles, pois muitas vezes somos convocados para reuniões nas quais nos são apresentados documentos para serem votados sem o tempo necessário para sua apreciação, e nas quais não nos é dada oportunidade de tratarmos assuntos que nos parecem graves e importantes para nossa pastoral.

Por essa razão pedimos as convenientes providências, como também pedimos que todos os documentos a serem estudados e votados em reuniões, tanto nas Assembleias Gerais como nos regionais, sejam a nós enviados com antecedência, para que possamos estudá-los com peritos de nossa confiança e para que não soframos um vexame de sermos postos diante de um temário desconhecido e premidos pela exiguidade do tempo a opinar sem melhor estudo. Desejamos que a Comissão Teológica da CNBB seja composta de pelo menos cinco Bispos, escolhidos pela Assembleia, reunindo membros de diversas correntes teológicas, os quais poderão escolher seus assessores e se encarregarão de aprovar as publicações oficiais da Conferência e de verificar de perto a ortodoxia das doutrinas ensinadas nos institutos como o ISPAC [Instituto Superior de Pastoral Catequética].

Desejamos ainda que a CNBB se torne mais simples em sua organização, menos burocrática, mais econômica, e que os recursos dispendidos nesta burocracia e organização se reduzam aos termos necessários. Não temos conhecimento do modo como funcionam outras Conferências Episcopais, mas acreditamos que nenhuma consuma tanto dinheiro, imprima tantos documentos e promova tantas viagens como a nossa.

Não resta dúvida que estas irregularidades têm dificultado a harmonia e a consonância tão desejáveis entre os Bispos e têm contribuído para as restrições apostas alhures à presença de determinados coordenadores e ao entrosamento dos mesmos com as atividades pastorais de diversas Dioceses.

ALGUMAS OBSERVAÇÕES E PEDIDOS

Problema de orientação

1 — Vimos observando que, em algumas regiões, se vem dando maior relevância aos aspectos sociais e políticos em detrimento da missão espiritual da Igreja. O aspecto humano se sobrepõe muitas vezes ao teológico. Reconhecemos que a Igreja não é "desencarnada", mas isto não significa que suas maiores preocupações se consumam em atividades de ordem temporal, social e política. Estamos convencidos de que o melhor modo de promovermos o homem é o de o promovermos como cristão autêntico. Que a Igreja forme líderes através de SUA DOUTRINA SOCIAL para que estes possam encarregar-se do nobre trabalho da promoção de seus irmãos através das múltiplas atividades que lhe são peculiares e das organizações que forem julgadas necessárias, mas que não nos esqueçamos da palavra do Mestre: "Quaerite primum regnum Dei et haec omnia adjicientur vobis".

Que se faça um trabalho de profundidade junto dos ricos para que tomem consciência de sua responsabilidade e de sua necessária participação ativa na solução dos problemas sociais e econômicos das classes pobres, mas que se evite a criação de um clima de luta de classes e que desapareça a orientação esquerdista para a solução destes problemas, pois isto só serve para agravá-los e dificultar nossa ação sobre aqueles que devem dispor-se a receber os ensinamentos do Magistério da Igreja.

Questão de costumes

2 — É justa a insistência com que pregamos a necessidade de mais justiça e mais amor entre os homens. Nunca se ensinará suficientemente a primazia da caridade sobre todas as virtudes. Mas esta insistência não justifica um silêncio nosso em face de outros pecados, também gravíssimos, que campeiam em nossa sociedade contemporânea, pois a transgressão de um Mandamento de Deus importa na transgressão da Lei toda e esta se resume na Caridade. Não podemos ficar indiferentes diante da corrupção dos costumes, da exploração do sexo, da degradação da mulher. Não podemos ficar calados diante do mau teatro, da televisão pornográfica, das revistas atentatórias ao pudor, dos concursos de beleza, das modas ousadas, do nudismo, do uso de anticoncepcionais especialmente ao alcance dos jovens, das propagandas da imoralidade e do amor livre. Sabemos que tais pecados, por gravíssimos, atraem também os castigos de Deus, minam os alicerces da sociedade, paganizam e animalizam o homem e deixam seu coração insensível às misérias e às injustiças que sofrem seus irmãos necessitados.

Educação sexual

3 — Precisamos igualmente tomar posição diante do problema da educação sexual nas escolas primárias e secundárias, inclusive em colégios de Freiras, que está sendo preconizada em moldes condenados na “Casti Conubii” e na "Divini Illius Magistri" e que vem trazendo graves conseqüências para nossa juventude. Cabe antes de tudo aos pais esta missão delicada de formar seus filhos para a vida. Por isto julgamos de nosso dever incentivar cursos de formação para noivos e casais, para que os primeiros responsáveis pela educação estejam preparados para o cumprimento desta obrigação de seu estado.

ISPAC

4 — Constatamos que nos cursos do ISPAC [Instituto Superior de Pastoral Catequética] se vêm disseminando doutrinas errôneas ou discutíveis, que, consequentemente, são depois disseminadas no meio do povo de Deus. Apresentam um conceito errado de pecado, põem em dúvida verdades teológicas, suscitam questões exegéticas que lançam dúvidas nos alunos de pouca cultura, ministram orientações em matéria litúrgica e disciplinar que não estão em consonância com as normas da Santa Sé.

Religiosas

5 — Temos recebido reclamações de várias Comunidades religiosas sobre a orientação da revista "Sponsa Christi", hoje denominada "Sinal", que vem causando grande mal às nossas Religiosas, favorecendo a indisciplina e a desobediência e prejudicando o espírito religioso".

Ecumenismo

No item 6 pedem os Prelados signatários que em matéria de ecumenismo nada se faça fora das normas do Concílio e da Santa Sé. No que se refere ao "diálogo", lembram que não deve ter lugar senão entre peritos competentes. E acentuam que o meio mais eficaz de se fazer ecumenismo consiste em renovar e realizar entre os católicos o que é necessário para que suas vidas deem um testemunho mais luminoso dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Prossegue depois o documento:

Liturgia

“7 — Reprovamos os abusos em matéria de renovação litúrgica, especialmente as experiências contrárias frontalmente às determinações da Igreja, como a adoção de textos ainda não aprovados, supressão de partes do Cânon, celebração de Missa em casas particulares sem justa causa e sem a necessária licença, o uso de matéria indevida, a supressão de vestes litúrgicas. Não concordamos com a introdução de música e textos contrários ao espírito litúrgico, principalmente sambas e canções profanas. Sob o pretexto de se incentivar o culto a Cristo, tem-se combatido injustificavelmente o culto a Nossa Senhora e aos Santos. Chamamos. a atenção para o abuso do que chamam confissões comunitárias, quando, realmente, sem graves razões se concede a absolvição sem a confissão.

Seminários

8 — A respeito de Seminários, queremos encarecer a necessidade de atendimento às normas da Santa Sé que determinam o respeito à autoridade de cada Bispo em sua Diocese. Reclamamos contra as dificuldades criadas pelas críticas que se fazem em outros Seminários às orientações que nos parecem certas e convenientes a nossos Seminários, e denunciamos a pressão exercida contra nós para que adotemos métodos que nos parecem errados. Lamentamos que se tenham disseminado em vários Seminários experiências que já produziram frutos nefastos, como a permissão e até sugestão a nossos seminaristas para fazerem experiência de namoro, de frequência a bailes e, quiçá, de aventuras "amorosas".

Associações pias e de apostolado

9 — Observamos que, sob pretexto de se reorganizar ou de se dinamizar o apostolado dos leigos, criticam-se, com frequência, as tradicionais associações aprovadas pela Igreja e que tanto bem fizeram e fazem em nossas Paróquias. Elas são ainda válidas e continuam a ser preciosas auxiliares de todas as associações ou grupos de apostolado".

Em abono do que vem de afirmar, cita o documento diversos textos do recente Concílio. E conclui que o certo é renovar as associações existentes, formando-as também no espírito de apostolado, ao mesmo tempo que outras formas de atividade apostólica vão surgindo, umas e outras vivificadas pela caridade.

Amor à Igreja

"10 - Queremos que em todas as atividades — continua a mensagem — brilhe verdadeiramente o amor à Igreja e em todas estejam presentes as preocupações de renovação e fidelidade. Queremos um maior reconhecimento ao trabalho feito pelos antepassados e pelos nossos incansáveis Sacerdotes que, há tantos anos, se consomem no serviço de Deus e das almas e que transmitiram e conservam a fé de nossos camponeses e de todo o povo cristão. Protestamos contra as injustiças que lhes são feitas. As constantes críticas que se fazem ao passado significam um desconhecimento do que fizeram estes abnegados Sacerdotes, tão poucos em números e tão generosos e dedicados em seu ministério. O modo como se analisam as deficiências existentes não tem servido para estimulá-los à renovação, mas lançam o desânimo em sua vida apostólica, criando um complexo de culpa que não se justifica. E quando estas críticas se fazem à Igreja, cria-se no meio de muitos fiéis a impressão de que até agora a Igreja esteve errada e de que são os nossos irmãos separados os que estão com a verdade. Lemos frequentemente críticas a nossos irmãos fiéis, a nossos Sacerdotes, aos Bispos e até ao Santo Padre. São críticas feitas de um modo que nos dá a impressão de que partem antes de inimigos da Igreja do que de filhos que se dizem preocupados com a renovação e com a revitalização desta Igreja. Fala-se tanto em contribuição "positiva", em caridade, em diálogo; tem-se mui justamente o cuidado de se evitarem "palavras., juízos e ações que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles" ("Unitatis Redintegratio" — n.° 4), e entretanto não se tem o mínimo cuidado de se evitarem palavras, juízos e ações que tanto ofendem os irmãos que estão em plena comunhão conosco.

Amor ao Santo Padre

11 — Participamos das amarguras e dos sofrimentos do Santo Padre, quando se queixa de que estas amarguras e sofrimentos lhe vêm ao coração também de dentro da Igreja. Desejamos que aqueles que trabalham conosco demonstrem um especial afeto ao Vigário de Cristo e uma filial obediência e submissão à sua autoridade, lembrados de que Ele é um vínculo de unidade".

Sugerem os signatários, a propósito, que a CNBB divulgue o mais rapidamente possível, entre os Sacerdotes e os Bispos, os mais importantes pronunciamentos do Papa. Observam que a palavra enviada sem demora ao Clero "tem outro efeito, porque chega antes dos anticorpos que costumam ser inoculados logo depois".

Terminando

"Para não sermos mais longos — conclui a mensagem — detemo-nos aqui, aguardando a oportunidade de falarmos sobre estes e outros assuntos de suma importância para a vida da igreja, em uma das sessões de nossa própria Assembleia, certos de que precisamos assumir a responsabilidade na condução da CNBB, também para não ouvirmos depois a acusação de que nós Bispos temos sido omissos e por isto os peritos (alguns) a assumiram e a conduzem a seu modo.

Pedimos a Vossa Eminência dê conhecimento ao Plenário deste nosso modesto documento para que conste das atas e para que, tendo nós desempenhado o nosso munus na defesa da Fé, da Moral e da disciplina eclesiástica, fique uma prova desta nossa atitude e desta nossa colaboração.

Queremos ser compreendidos e não desejamos criticar para destruir. Queremos construir. Não desejamos aprofundar nossas divergências. Queremos contribuir para a união. Esperamos que não acoimem nossa atitude de negativa, porque só apresentamos críticas e não trazemos aplausos. Nossas críticas pretendem construir, porquanto, corrigidos os erros, ficarão certamente as grandes iniciativas e os grandes esforços que já reconhecemos no início e que por si sós se recomendam, pois pelos frutos que produzirem ou produzem serão reconhecidos como merecedores de nossa profunda gratidão, de nosso sincero reconhecimento e de nossas bênçãos.

Com respeitosa e fraternal estima, osculando a Sagrada Púrpura, confessamo-nos de Vossa Eminência agradecidos pela atenção".


REFORMAS SEM SOCIALISMO CONFISCATÓRIO

RIO, agosto (ABIM) - O Bispo de Campos, D. ANTONIO DE CASTRO MAYER, concedeu entrevista à imprensa, nesta cidade, respondendo, de início, à seguinte pergunta: —Qual a posição de V. Excia. em face das reformas estruturais, especialmente da agrária, que tem preocupado ultimamente várias figuras do Episcopado, como, por exemplo, D. Eugenio Sales, Administrador Apostólico de Salvador?

"Não se creia — respondeu D. Castro Mayer — que a reforma das estruturas seja uma panaceia para nossos males. Para acabar com as injustiças sociais é preciso reformar o homem. Façam-no virtuoso e as relações sociais se tornarão mais humanas".

Afirmou ainda S. Excia.: "Foi assim que o Cristianismo reformou o mundo. E hoje, como então, a receita é a mesma. É uma ilusão acreditar que tudo se resolve com a reforma das estruturas. Ilusão tanto maior quanto, ao se preconizarem tais reformas, não se precisa em que devam elas consistir. De onde, facilmente esquecem-se as exigências do Direito Natural, cujos preceitos não se violam sem prejuízo para o homem e a sociedade, Advertiu-o a seu tempo Pio XII. Falava-se então muito, como se fala hoje, sobre uma reforma na estrutura das empresas, mediante modificações jurídicas entre todos os que dela são membros, empregadores ou dependentes, incorporados à empresa em virtude de contratos de trabalho. Pois o Papa denunciava "as tendências que se infiltram nesses movimentos, as quais não aplicam, como convém., as incontestáveis normas do Direito Natural às mutáveis condições do tempo, mas simplesmente as excluem".

Prosseguiu o Sr. Bispo de Campos: "Nesta questão, pensam muitos que há uma evolução no sentido de acabar com todas as desigualdades sociais. É uma utopia que contradiz a doutrina revelada. Foi para atender aos reclamos da doutrina católica contra as reformas socialistas e confiscatórias que escrevemos com o Sr. Arcebispo de Diamantina, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e o economista Luiz Mendonça de Freitas a obra "Reforma Agrária — Questão de Consciência". Lembremos que há uma doutrina social da Igreja, clara, dizia Pio XII, em todos os seus aspectos, "e obrigatória, de maneira que ninguém dela se afasta sem perigo para a fé e a ordem moral".

E concluiu D. Castro Mayer: "Há muita coisa que reformar em nossa sociedade. Comecemos pela raiz, comecemos pela reforma dos costumes. Ela nos trará todos os bens; sem ela não há medida social ou legal que aproveite".


Centenas de Sacerdotes seculares e regulares enviaram mensagens à assembléia da CNBB, formulando considerações e sugestões. Sua leitura faz pensar na "outra religião, mais evoluída", que o Pe. Comblin deseja ver proposta pela Igreja.

5 DOCUMENTOS ESTARRECEDORES

Padres e Freiras de Nova Friburgo

"LEIGOS, religiosas e padres", cujas assinaturas "estão em mãos do sr. Presidente da CNBB e do sr. bispo diocesano de Nova Friburgo", encaminharam um documento aos Exmos. Prelados reunidos em Assembleia Geral, esperando que ele pudesse "servir de humilde instrumento para os trabalhos de reflexão, debates e conclusões dos senhores bispos". Reza esse pronunciamento datado de Nova Friburgo (RJ), em 10 de julho p.p.:

"[...] Nós levados por uma fé pessoal e adulta no Evangelho, e querendo ser fiéis a esse mesmo Evangelho de amor, como pressuposto para uma autêntica concelebração, [...] tivemos conhecimento, através da imprensa, da notícia de que os senhores bispos — CNBB — iriam reunir-se para, num "diálogo episcopal", tratar de problemas da Igreja dentro da realidade brasileira.

Entendemos que para haver verdadeiro diálogo deveríamos nós, também, falar. E, como diálogo é vivência e não simples palavras escritas ou pronunciadas, ficamos surpresos em saber que, uma vez mais, a CNBB se reúna para debater 'assuntos que nos dizem respeito e que o meio normal de estabelecer o diálogo inter-eclesial e da Igreja com o mundo, seja só uma simples notícia da Imprensa [...].

Assim sendo, pedimos a permissão e a compreensão dos srs. bispos — já que não nos foi dada a oportunidade do diálogo pessoal — de abordarmos os assuntos de que tivemos conhecimento pela imprensa: "Realidade brasileira e a missão da Igreja nesse contexto, incluindo, as crises do clero, da disciplina e das doutrinas católicas, além da votação dos novos componentes da Comissão Central" (Jornal do Brasil, 3-7-68).

De início, gostaríamos de lembrar que, na análise da Realidade brasileira, não basta diagnosticar as doenças que afetam e infetam nossa sociedade e amargurar nosso povo tão amargurado com Manifestos que não "manifestam" mais nada porque todos sabem e conhecem essa realidade que, quotidianamente, estão vivendo na própria carne.

É necessário procurar meios adequados para curar essas doenças dentro de um clima de justiça fraterna e amor evangélico. "O imposto de sangue que o mundo subdesenvolvido paga, é um escândalo que hoje clama ao Pai do céu"!

E isto exigirá um esforço conjunto de bispos, padres, religiosos e leigos. Lutamos pela construção da Paz entre os povos. Anunciamos o Evangelho da justiça e do amor, da fraternidade e da solidariedade. Tudo isto é muito bom, mas onde fica o nosso testemunho de vida?

Os Padres conciliares declararam, oficialmente, que "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração" (GS. 1).

Diante destas palavras, constatamos quão longe estamos da realidade dentro do contexto histórico brasileiro tanto social, econômico, político, cultural como eclesial. E ressaltamos alguns "sinais" deste contexto:

— estruturas alienadas e alienantes — a não participação do povo no processo desenvolvimentista da Nação — a negação do voto direto do povo — o controle policial nos sindicatos — o controle estrangeiro de toda a economia nacional — os acordos do MEC-USAID - o salário de morte — a falta de liberdade de reunir-se e expressar-se — a marginalização da juventude — a máquina burocrática tanto no âmbito civil como clerical que só funciona a peso de dinheiro — o militarismo inumano e repressivo - os camponeses relegados a um nível infra-humano em suas condições sociais e culturais — os operários submetidos a uma engrenagem econômica escravizante - as construções suntuosas de templos católicos — os colégios aparatosos de quem afirma ter feito "voto de pobreza" — as dioceses investindo verbas em "Fundos de Investimentos" com 10% e 20%, etc., etc.

Tudo isto nos leva a denunciar as contradições de nossa vida prática em dissonância com os princípios fundamentais do Cristianismo.

Será que nosso povo analfabeto ainda pode acreditar na solidariedade da Igreja, quando nossos colégios estão fechados a seus filhos? Será que podemos falar da insegurança da fé, quando somos os homens mais assegurados e amparados, humanamente, pelas nossas estruturas eclesiásticas?

Acaso a Igreja não compreende a desconfiança dessa juventude que, publicamente, fala nas ruas e na imprensa que aceita nosso apoio, mas não pode acreditar mais na sinceridade da Igreja que fala e não se compromete?

E esses militantes comprometidos que lutam pela verdade e pela justiça em nome dos princípios evangélicos e que, na hora da dor e da represália veem-se abandonados pela Igreja?...

Acaso a igreja não ouve os gritos de opressão em que vive nossa classe operária, sem sindicatos representativos para exercer suas liberdades e que foram transformados em sucursais do Ministério do Trabalho que afoga as aspirações desta classe?

Acaso sabemos nós, padres e bispos, o que significa a palavra "paciência" para u'a mãe que não tem alimentos para matar a fome de seus filhos, e dinheiro para educá-los num colégio? e que se vê obrigada até a matar o filho que leva em suas entranhas porque não terá condições de sobreviver?

Achamos que a Igreja para ser fiel à mensagem do Concílio, deve assumir as esperanças de verdade e de justiça do povo brasileiro, que se manifestará nas seguintes atitudes de amor:

- exigência a u'a maior participação política na vida do país;

- exigência a u'a mais justa distribuição das riquezas produzidas pelo povo;

- exigência a uma cultura, que não seja patrimônio de classes privilegiadas.

Estamos certos de que tudo isto constitui um desafio à fé cristã dessa "Igreja que não se prende por força de sua missão e natureza, a nenhuma forma particular de cultura humana, sistema político, econômico e social" (GS. 42), e que por isso mesmo permanece livre para melhor servir aos anseios da pessoa humana colocada pela Providência neste momento histórico.

Para nós a fé "é um risco enquanto que o homem põe sua vontade na absoluta dependência de Deus.

Diante disto comprovamos uma contradição radical entre a chamada "disciplina eclesiástica" e esta nossa vivência de fé, pois nos preocupamos mais em apresentar uma Igreja monolítica e segura, fundamentada no prestígio, nos privilégios, nos preconceitos e nas atitudes ditatoriais, do que num Deus reconhecido, aceito e amado.

[...] A dicotomia da fé que faz com que o cristão viva duas vidas paralelas, uma voltada para Deus e outra para a cidade terrestre, é a destruição, na sua essência, do Reino de Deus, desse mesmo Deus que veio para que "os homens tenham a vida e a tenham em abundância".

É por êste fato que, p. ex., nossas comunidades veem-se forçadas a uma liturgia formalista, sem o conteúdo vivencial do amor que é o âmago do Evangelho. E qualquer norma disciplinar que não venha informada desta vida de fé e amor, frente às realidades, é puro formalismo e legalismo em contradição frontal com o Evangelho (Mt. 23, 1).

A situação do cristão no mundo de hoje, que se encontra numa constante mudança não só de superfície, mas também de profundidade, repercute, igualmente, na vida da fé. [...].

Este desenvolvimento vertiginoso da ciência e da técnica que fascina o espírito humano, está despertando esta pergunta existencial: que sentido tem tudo isto, toda a conquista do espírito humano? Pode o homem crer em Deus Criador, na redenção por Cristo num mundo que ele mesmo faz, no qual ele mesmo se sente seu próprio redentor?...

Como o cristão, hoje, pode justificar sua fé em Cristo?

Como o homem moderno, os cristãos, e especialmente os pobres, podem crer numa Igreja que se declara a favor dos "pobres e dos que sofrem", se continuam a ter diante dos olhos um "testemunho" negativo e contraditório dessa mesma Igreja? Não será um exemplo flagrante disto, a atitude de desaprovar construções suntuosas de igrejas e depois... enviar uma "Rosa de Ouro" acompanhada de um séquito triunfal?...

Mais. Julgamos, profundamente, ligada a esta chamada "crise de fé" uma outra denominada “crise de autoridade”. E salientamos como causa desta última, não só a "rebelião" por parte daqueles que obedecem, mas também a falta de consciência do sentido de serviço que daqueles que, na Igreja, foram investidos de "um verdadeiro serviço [...]".

Contra o abuso, até inconsciente da autoridade, sentimo-nos obrigados, leigos e padres, a uma resistência ativa a qualquer forma de absolutismo, o que leva muitos a agruparem-se dentro da Igreja, como único recurso para forçar o diálogo.

Acreditamos que o autêntico sentido da fé está em pôr nossas forças a serviço dos pobres, dos humildes, dos oprimidos e desprovidos dos bens deste mundo, não só com palavras vazias nas quais já ninguém mais acredita, "mas por atos e em verdade", como nos ensina o Apóstolo, isto é, com nosso compromisso e nossa atitude que exclua, totalmente, a dúvida de qualquer aliança com os poderosos deste mundo, pois nos foi dito: "todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequenino a mim o fizestes" (Mt. 25, 40).

A esta altura e face à atual conjuntura histórica, perguntamos nós, como situar no mundo de hoje a posição do clero: bispos e padres?

O homem contemporâneo procurando, mais ou menos impetuosamente, encontrar um SACERDOTE, não pode reconhecê-lo mais vestido de clérigo mitificado pela estrutura eclesial-feudal. Ele quer redescobrir a função sacerdotal no mundo de hoje, diametralmente diferente do mundo medieval.

E esse mal-estar transpira, também, dos sacerdotes, em vários pontos.

Muito difundido e comentado, é vivido por uma proporção importante dentre eles, o número desses sacerdotes está crescendo rapidamente.

O clero está se destruindo como corpo clerical. E a Igreja encontra-se na obrigação de fazer obra de libertação, de purificação. Incarnar uma realidade sociológica diferente onde o homem quer ser salvo e busca. a salvação.

Diante deste contexto surge-nos a pergunta: onde situar o sacerdócio num mundo desclericalizado? Num mundo à procura de sacerdotes que sejam homens entre os homens, e sacerdotes no meio deles? Quem somos nós, bispos e padres? Para que servimos? Qual o lugar que nos convém?

Após uma séria reflexão sobre estas perguntas que o mundo nos lança e nós aceitamos, levados por um espírito de amor à Igreja e ao mundo, e conscientes de que o Espírito Santo habita em nossos corações:

- não aceitamos o "status" de clérigo no meio de uma civilização em processo de emancipação de toda tutela absolutista-imperialista-paternalista;

- constatamos, com surpresa, como o diálogo que se está iniciando entre bispos e padres, somente encontra bases muito reduzidas em algumas dioceses. Em termos porém, de região ou de nação, este diálogo preconizado pelo Concílio, ainda não conseguiu resultados satisfatórios;

- denunciamos, como sintoma doloroso, a falta de entrosamento inter-eclesial (fiéis, bispos e padres) por causa das estruturas arcaicas que ainda permanecem numa rejeição aberta ao Concílio [...]

- gostaríamos de ver em nossos bispos, não apenas excelentes administradores de Sacramentos, de bens eclesiásticos, e bons chefes de u'a máquina eclesiástica, e sim, PASTORES, padres na fé e no meio de um mundo comprometido com o desenvolvimento;

- sentimos sobre nós o peso da máquina romanista que não respeita os autênticos valores da cultura do povo, em contradição radical com a maravilhosa doutrina conciliar — o Evangelho atualizado — sobre o respeito à maneira peculiar de ser de cada povo;

- sentimos a angústia. em nossas vidas por causa da mitificação que se tem feito de nossas pessoas e que, tornando-nos seres estranhos no meio do povo, dificulta a realização de nossa missão pastoral;

- sentimos, de uma forma cada vez mais gritante, que o clero estrangeiro não é a solução para o país e que só serve para atrasar o processo inevitável de uma Igreja que quer ser adulta e responder às exigências de sua realidade indígena;

Continua na página 21


A PASTORAL ACOLHIDA DA CNBB

Em resposta às cartas recebidas de Sacerdotes, o Emmo. Sr. CARDEAL AGNELO, ROSSI, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, deu a público o seguinte texto:

"Rio de Janeiro, 20 de julho de 1968. Caríssimos irmãos no sacerdócio

Recebemos e agradecemos vossas cartas portadoras de mensagens e solicitações de caráter pastoral.

Assim como o Santo Padre abriu seu coração aos sacerdotes de todo o mundo, da mesma maneira nós, Bispos, não podemos deixar de nos alegrar vivamente com a vossa abertura, e manifestar logo nossa atenção por aquilo que as vossas cartas contêm de colaboração sincera conosco, no esforço do exercício do Ministério Sacerdotal.

Os documentos por nós analisados segundo a pauta de trabalhos desta Assembleia Geral consideraram também bastante alguns aspectos da situação e da problemática do Clero no Brasil, por vós igualmente apresentados.

Levamos, entretanto, essas considerações a nossos sacerdotes por meio de um roteiro, para análise e reflexão, a fim de encontrarmos, em conjunto, as respostas mais adequadas às questões relativas ao Ministério e à vida dos Presbíteros no Brasil de hoje.

Que este contato seja, pois, um passo inicial para um verdadeiro diálogo cada vez mais dos sacerdotes para com os seus bispos, manifestando-lhes os anseios, as angústias e as esperanças, como também dos Bispos para com os sacerdotes, reconhecendo que eles participam conosco da responsabilidade para torná-la eficiente na parte da Igreja de Deus que nos foi cometida.

Confiamos ao Secretariado Nacional para o Ministério Hierárquico a coordenação de todos os estudos, entendimentos e esforços, oferecendo, por meio dele, assessoria adequada aos Regionais e Dioceses. Aliás, a multiplicidade e a profundidade dos problemas apresentados foram tais, que nem parcialmente poderiam receber, de nós, uma resposta durante esta Assembleia Geral.

Finalizando, esperamos que este nosso contato e os futuros sejam a expressão da mútua confiança e daquela união que, de fato, todos ansiosamente esperamos e que representa o supremo anseio de Cristo.

Pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,

† AGNELO, CARDEAL ROSSI"