Benemérita e desassombrada atuação do Arcebispo de Diamantina
EVITANDO UM CONFLITO ENTRE AS FORÇAS ARMADAS E A HIERARQUIA
Sob uma superfície tantas vezes tranquila, o desenrolar da vida pública brasileira carregava em seu bojo, de tempos a esta parte, uma crise latente que poderia conduzir o País a uma catástrofe de ordem político-social-religiosa. Com efeito, as tendências esquerdistas de uma ponderável ala do Clero — apontadas, por uma hábil propaganda, como representando a posição de toda a Igreja — podiam provocar, a qualquer momento, um conflito dramático entre as Forças Armadas, cujos sentimentos anticomunistas são de todos conhecidos, e a Igreja. "Conflito absurdo em si mesmo — comenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em artigo para um matutino paulista — já que, por suas respectivas missões, tudo convida esta e aquelas à mútua harmonia e cooperação. Mas, como de um absurdo todos os outros podem seguir-se, incontáveis brasileiros teriam sofrido, na eventualidade dessa crise, um reflexo de Pavlov: bons católicos, não poderiam aprovar qualquer violência contra a Hierarquia; bons patriotas, não poderiam aplaudir a esquerdização do País nem apoiar a intervenção da Igreja em um terreno que se estende muito além das cogitações próprias ao poder espiritual. Esse conflito teria transformado o Brasil em um imenso e dramático Vietnã americano".
Uma crise que não estalou
A última reunião plenária da CNBB, em julho, parecia oferecer a oportunidade para que essa crise estalasse. De fato, se nela houvessem triunfado as tendências esquerdistas, optando o Episcopado, como chegou a ser proposto, pela linha político-econômica do Sr. Celso Furtado, o choque a que aludimos ter-se-ia fatalmente produzido.
O conflito, felizmente, não se deu. A CNBB, em cujo seio atuaram prestigiosas figuras do Episcopado, não só se recusou a rumar para o socialismo, como evitou judiciosamente tomar posição numa pendência em grande parte alheia a seu campo de ação. Poupou desse modo, ao Brasil, uma hecatombe.
Entre os Prelados a cuja atuação se deve essa imensa graça que a nossa Pátria recebe, merece ser especialmente destacada a figura do Exmo. Revmo. Sr. D. GERALDO DE PROENÇA SIGAUD.
Tendo desenvolvido uma intensa atividade no decurso da assembleia geral da CNBB, e sendo signatário, com outros ilustres Arcebispos e Bispos, dos três documentos admiráveis que estampamos a página 12 desta edição, o egrégio Arcebispo Metropolitano de Diamantina contribuiu também de outra maneira para tornar patente, aos olhos de todo o Brasil, que a posição da Igreja não podia ser confundida com a de certo setor minoritário do Episcopado e do Clero. Com efeito, suas entrevistas à imprensa, e os debates de que participou na televisão, foram decisivos para desfazer a confusão entre essas posições, e para evitar a imensa crise a que nos referimos.
Uma breve notícia de jornal — reproduzida aliás na imprensa dos principais centros do País — dá bem a medida do que dizemos. Pelo seu interesse, transcrevemo-la por inteiro:
"Dom SIGAUD FALARÁ A MILITARES. - Arcebispo de Diamantina, D. Geraldo de Proença Sigaud, falará à oficialidade da Vila Militar, no próximo dia 16, no auditório da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.
O interesse dos militares em ouvir D. Geraldo Sigaud decorre do pronto degelo ocorrido nas relações entre o Clero e as Forças Armadas, provocado por suas declarações e entrevistas à imprensa: durante a realização da recente conferência dos Bispos.
Considera a oficialidade que D. Geraldo vem reduzindo a atuação do setor radical da Igreja" ("O Globo", do Rio de Janeiro, edição de 8 de agosto).
Seria impossível acompanharmos aqui D. Geraldo de Proença Sigaud em todas as suas entrevistas, declarações, discursos e debates de televisão, que se multiplicaram logo que sua atuação na assembleia da CNBB veio a público. O dossier que temos em mãos, bastante incompleto, monta a três centenas de recortes de periódicos de todo o Brasil, incluindo numerosas manchetes de 1ª página.
Restringir-nos-emos, pois, a registrar os principais pronunciamentos de S. Excia Revma.
Existe a infiltração esquerdista na Igreja
A primeira grande entrevista coletiva à imprensa foi dada pelo ilustre Prelado logo a 23 de julho, dois dias após o encerramento da assembleia da CNBB.
Nessa entrevista, que "O Globo", do Rio, publicou sob o sugestivo título de "Esquerdas sofreram grande derrota, afirma D. Sigaud", o Arcebispo de Diamantina ressalta que os elementos de orientação de certa maneira favorável ao socialismo não tinham conseguido reeleger-se para cargos de relevo na CNBB. Este fato significava uma reação salutar no seio da própria Conferência dos Bispos.
Acrescentou o entrevistado que o documento do Pe. Comblin tinha recebido uma reprovação apenas indireta durante a assembleia. Não obstante, era certo que os Arcebispos de Olinda e Recife e de Fortaleza haviam se solidarizado com ele, conforme publicaram os jornais. D. Helder Camara havia sido muito hábil, dizendo concordar "cem por cento Com o teólogo Comblin", mas "discordar, em parte, como é natural, do sociólogo", sem esclarecer em que pontos concordava e em que pontos discordava.
Perguntado sobre a tomada de posição do Exmo. Bispo de Lorena, D. Candido Padim, contra a política do Conselho de Segurança Nacional, o Arcebispo de Diamantina observou que a Rússia, a China e Cuba, não podendo dominar o mundo com seus exércitos, procuram conquistar os diversos países pela agitação e pela guerra civil. Nestas condições, o papel do CSN acaba sendo maior do que deveria ser numa situação normal, sendo absolutamente injusto comparar os seus membros, como fez o Bispo de Lorena, com Hitler e os nazistas.
O entrevistado concluiu com considerações sobre a doutrina social e a disciplina interna da Igreja, confirmando explicitamente a existência da infiltração esquerdista em meios católicos.
Cinco perguntas que D. Helder Camara não respondeu
Foi num debate de televisão no Rio, no dia 26 de julho, do qual participaram também os Srs. D. José de Castro Pinto, Bispo-Auxiliar do Rio de Janeiro, D. Timóteo Amoroso Anastácio, Abade Beneditino de Salvador, e dois Sacerdotes, que D. Geraldo de Proença Sigaud revelou ao grande público a interpelação que fizera a D. Helder Camara, sobre o tipo de estrutura social que este preconiza para o Brasil. "D. Sigaud: ninguém sabe para onde vai D. Helder", foi o título de 1ª. página que "O Globo" escolheu para levar ao conhecimento de seus leitores o fato certamente sensacional.
Transcrevemos abaixo o trecho da entrevista que D. Geraldo de Proença Sigaud concedeu à revista "O Cruzeiro" (edição de 24 de agosto), no qual se relata todo o episódio. À pergunta "Que me diz do Movimento de Pressão Moral, de D. Helder?", S. Excia. Revma. respondeu:
"Considero este Movimento uma organização metódica de agitação nacional esquerdista. No dia 18 de julho o Sr. D. Helder realizou uma reunião informal, às 20 horas, no Colégio "Sacré Coeur de Jésus", onde se realizava a assembleia da CNBB. Estiveram presentes alguns Bispos, Sacerdotes e um grupo maior de universitários esquerdistas, e talvez alguns repórteres. Terminada a exposição, houve várias interpelações. Por fim, fiz a D. Helder a seguinte pergunta: — Que tipo de sociedade V. Excia. considera conforme o Evangelho? Para onde nos levará o seu Movimento de Pressão Moral? Em particular, V. Excia. me responda a cinco perguntas: 1 — V. Excia. admite a iniciativa privada? 2 — V. Excia. considera lícita a posse de meios de produção por particulares? 3 — V. Excia. admite a propriedade particular? 4 — Em questões sociais e econômicas, qual é o papel do Estado: é supletivo ou ele é o dono do campo? 5 — V. Excia., em sua sociedade "evangélica", permite o mercado livre?
D. Helder não pôde, não soube ou não quis me responder. Então pedi que respondesse só a uma pergunta: na sociedade com que ele sonha será permitido a um particular possuir meios de produção? Por exemplo, um particular poderá ser dono de uma fábrica, de uma oficina, ou o Estado será dono de tudo?
D. Helder respondeu que esta questão ele confiaria às Universidades para estudo.
Repliquei, então, que os Papas já tinham falado sobre esta questão, desde Leão XIII, e dado a resposta da sociologia verdadeira. A isto D. Helder retrucou que era melhor que eu nomeasse uma comissão de peritos e ele outra, e um dia nós discutíssemos o assunto. Então lhe respondi que há quinze anos ele agita o Brasil falando de reformas de estruturas, mas nunca disse quais as estruturas que devem ser mudadas, onde e porque. Que ele enfim nos dissesse como é a sociedade que ele quer criar.
D. Helder não soube, não pôde ou não quis responder.
A um amigo que me perguntou se eu não entraria para o Movimento de Pressão Moral, eu disse: — Meu amigo, não tomo um bonde se não sei para onde ele vai.
Peço a D. Helder, D. Padim, D. Jorge Marcos, D. Fragoso: Ponhamos as cartas na mesa! Digam afinal: — aonde querem levar o Brasil?
Eu e meus amigos não temos segredos. Por que S. Excias. os têm, e querem levar a Nação aonde nós não sabemos?
Ou a receita está no trabalho do Padre Comblin?"
O Arcebispo de Recife se exalta
As revelações de D. Sigaud vinham colocar D. Helder Camara na contingência de ser mais claro em seus pronunciamentos, o que não parece ser de seu agrado.
Assim se explica a declaração irritada por ele feita aos jornais de Recife, e que a imprensa de todo o País logo divulgou. O "Diário da Noite", de São Paulo (19 de agosto), consagra ao assunto ampla matéria de 1ª página, com o seguinte título: "D. Sigaud irrita D. Helder". Segundo o vespertino, o Arcebispo de Olinda e Recife declarou o seguinte: "Tenho horror de contraditar em público os irmãos de Sacerdócio, mas as interferências do Arcebispo de Diamantina em minha vida de Pastor já estão passando da conta".
O jornal acrescenta: "Explicou D. Helder que no momento em que fazia sua palestra sobre a pressão moral e libertadora na Conferência dos Bispos do Brasil, D. Geraldo queria que fossem dadas respostas imediatas sobre os problemas que requeriam estudos; não conseguindo, saiu radiante, "espalhando que eu era um sofista e a ambiguidade em pessoa".
Na entrevista do sôfrego Prelado não se contém nenhuma palavra que represente, por pouco que seja, uma resposta aos quesitos da interpelação que lhe fizera o Arcebispo de Diamantina.
Ciente dessa reação, D. Geraldo de Proença Sigaud prestou novas declarações aos jornais, dizendo-se desapontado: "Pensei que D. Helder, nestas três semanas, tivesse tido tempo de consultar algum compêndio de sociologia, ou até lido algumas das Encíclicas Sociais, como a "Rerum Novarum", a "Quadragésimo Anno" ou a "Populorum Progressio". Em um manual católico de sociologia ou em qualquer das Encíclicas Sociais D. Helder encontraria a resposta certa para cada uma das cinco perguntas. [...] Em lugar desta resposta, S. Excia. responde que "uma pergunta dessa ordem não se pode responder de maneira simplista". De acordo. Mas pode-se responder de maneira clara e, digamos assim, "pontifícia".
E mais adiante: "Quanto ao "horror de contraditar em público irmãos de Sacerdócio", devo dizer que quem faz uma conferência deve aceitar também que um irmão de Sacerdócio o contradiga. Se não deseja tal contradição, não deve fazer conferência públicas. Quanto às minhas "interferências em sua vida de Pastor, que estão passando da conta", devo esclarecer que, se eu digo à imprensa ou à televisão o que se passou em um debate público em que D. Helder louvou o "Movimento de Pressão Moral" — organização político-social de caráter nacional — não estou interferindo em sua vida de Pastor das almas de Olinda e Recife, mas na sua atuação de fundador e pregador de um órgão destinado a agitar o Brasil de norte a sul. E, uma vez que fui convidado a aderir e a me "engajar seriamente" — como D. Helder disse — nesse
O solene encerramento da campanha
Com o vasto auditório da Casa de Portugal superlotado — a assistência foi calculada em 2 mil pessoas — a TFP realizou em São Paulo, no dia 12 de setembro, a sessão solene de encerramento da sua campanha de assinaturas para á mensagem ao Papa.
Delegações de colônias das nações subjugadas pelo comunismo, com as respectivas bandeiras e envergando trajes populares típicos, ao lado de grande número de estandartes da TFP, constituíam o fundo de quadro da sala. Ainda na parede principal, três grandes faixas de percalina vermelha, com caracteres dourados, aludiam ao êxito da campanha e lembravam o resultado da anterior coleta de assinaturas contra o divórcio.
Abrindo a sessão, o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira dissertou sobre as origens e as características do chamado esquerdismo católico, apontando algumas de suas manifestações extremas mais recentes, que acusam caracteristicamente a tendência para uma religião nova. Desta tendência brota uma moral nova e portanto uma sociologia nova, animada por devaneios de igualdade completa e liberdade anárquica. E daí a tendência para a cooperação ou até a identificação com o comunismo.
Comentando em seguida os resultados da campanha, assinalou o orador ter ela provado que o Brasil rejeita tais aberrações, dando ao mesmo tempo ocasião a que se mostrasse a índole despótica do esquerdismo brasileiro, o qual não recuou diante da violência para tentar impedir a coleta de assinaturas.
Por fim, referiu-se com apreensão ao movimento "Pressão Moral Libertadora", a ser desencadeado pelo Sr. D. Helder Câmara, que o orador qualificou como "a pessoa que teve maior cobertura publicitária em toda a história do Brasil, mais até do que o falecido Presidente Vargas".
No momento em que o Prof. Corrêa de Oliveira, tendo concluído sua oração, anunciava o segundo item da ordem do dia, chegou do Rio de Janeiro a caravana de militantes paulistas que havia feito a campanha no Nordeste. Ao entrarem no auditório, com seus estandartes fustigados pelo sol e pelas intempéries, o público recebeu-os de pé, sob entusiásticos aplausos.
Seguiu-se o canto do Hino Nacional da Checoslováquia, por um coro de refugiados. Um corneteiro da Força Pública deu o toque de silêncio, em homenagem às vítimas do comunismo.
O Exmo. Sr. Arcebispo D. Geraldo de Proença Sigaud discorreu depois sobre a brutal agressão cometida contra a nação checoslovaca. Qualificando-a de "um dos maiores escândalos de nosso século", proclamou que "o mundo civilizado e cristão não pode ficar de braços cruzados".
O Arcebispo de Diamantina mostrou como esse crime se justifica dentro da "moral" e do "direito" marxistas. Talvez o sacrifício da Checoslováquia tenha salvo o mundo, observou, pois abriu os olhos de muitos para a brutalidade do comunismo.
O marxismo e o Cristianismo são sistemas de vida inconciliáveis. Nossa luta é para evitar que a Igreja seja transformada em instrumento da Revolução.
No Brasil a TFP, e de minha parte também eu em Medellin, prosseguiu o orador, procuramos informar e orientar a opinião pública sobre os princípios, programas e limites de uma cooperação da Igreja com o Estado, na solução dos problemas econômicos e sociais.
"Não é exato que a TFP me tenha encarregado de representá-la em Bogotá, ou que eu tenha pedido, em nome dela, uma audiência ao Santo Padre", comentou S. Excia. Revma., a propósito de declarações atribuídas ao Arcebispo D. Helder Câmara.
Devemos continuar a luta confiados em Nossa Senhora, e invocando de modo especial o Menino Jesus de Praga, para que livre do jugo soviético e do regime comunista a Checoslováquia e os demais países que estão além da cortina de ferro, concluiu D. Geraldo de Proença Sigaud.
Coube ao Eng.° Adolpho Lindenberg, do Conselho Nacional da TFP, encarecer os resultados obtidos pelas campanhas análogas promovidas em seus respectivos países pelas TFPs argentina e chilena, bem como pelo Núcleo congênere do Uruguai.
"A campanha que desenvolveu a TFP veio demonstrar que o nosso povo se mantém fiel à doutrina social da Igreja e recusa o comunismo, mesmo como sistema econômico-social. Isto, apesar da profunda infiltração de idéias comunistas em ambientes eclesiásticos", afirmou o orador seguinte, Exmo. D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos. Este fato altamente consolador assegura que há no Brasil a indispensável resistência contra a implantação de uma tirania bolchevista.
Não quero com isto afirmar, observou o egrégio Prelado, que possamos dispensar a vigilância, como se estivéssemos diante do inimigo totalmente derrotado.
A persistente e insidiosa atividade dos agentes socialistas e comunistas pede uma ação contínua, por parte do Governo, das Forças Armadas e da Igreja. Do Governo, não apenas no setor policial, mas sobretudo com medidas que, dentro da liberdade e dos preceitos cristãos, propiciem uma contínua melhoria de condições das classes mais modestas; das Forças Armadas, no cumprimento do seu nobilíssimo dever de manter a integridade da Pátria e de nossa civilização. Sobretudo, é necessária a ação da Igreja, como guardiã que é do direito natural.
O Exmo. Bispo de Campos mostrou, a seguir, que a notícia veiculada recentemente pela imprensa, de que o Santo Padre Paulo VI se teria recusado, em Bogotá, a receber D. Sigaud como representante da TFP, era literalmente uma calúnia.
Concluiu D. Antonio de Castro Mayer fazendo um elogio às Forças Armadas, representadas com brilho na sessão, as quais têm sido guardiãs fiéis da Pátria e dos valores básicos da civilização cristã no Brasil.
Tomando a palavra de improviso, falou por fim o Eng.° Plinio Vidigal Xavier da Silveira, Superintendente da Diretoria Administrativa e Financeira Nacional da TFP, que realçou o papel do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira como o idealizador e condutor da campanha, a quem deve a TFP a magnífica vitória afinal obtida.
O orador lembrou o artigo de apresentação do primeiro número de "Catolicismo", intitulado "A cruzada do século XX", no qual o Prof. Corrêa de Oliveira traçava um programa de ação para os colaboradores e propagandistas deste jornal e, ao mesmo tempo, acenava para o triunfo prometido às forças do bem, por Nossa Senhora de Fátima.
De 1951 para cá, foram-se sucedendo os lances dessa cruzada.
PODE UM CATÓLICO REJEITAR A “HUMANAE VITAE"?
Arnaldo Vidigal Xavier da Silveira
Poucas vezes na História da Igreja um pronunciamento pontifício foi aguardado com tanta ansiedade quanto o foi a Carta Encíclica "Humanae Vitae".
De um lado, os progressistas, sempre empenhados na destruição da Moral ensinada pela Igreja, de há muito proclamavam por todo o orbe a legitimidade da contracepção artificial. Em defesa de sua posição, não se pejavam de recorrer aos argumentos que mais aberram da Teologia católica e da sã Filosofia.
Por outro lado, todos aqueles que não estão infectados pela peste progressista viam com dor e apreensão o alastramento das práticas anticoncepcionais artificiais mesmo nos ambientes católicos. E sustentavam sempre, apesar da onda avassaladora em sentido contrário, que não era possível que o Papa viesse a mudar a doutrina tradicional sobre o assunto.
"Catolicismo" participou ativamente dessa polêmica, sobretudo através de um artigo do médico endocrinologista de Belo Horizonte, Dr. Antonio Rodrigues Ferreira, sob o título de "Em defesa da família brasileira contra as investidas de um Sacerdote — A propósito de um livro do Revmo. Pe. Paul-Eugène Charbonneau, C. S. C." (n.° 192, de dezembro de 1966).
A sanha progressista contra esse trabalho, que declarava intrinsecamente má a contracepção artificial, levou a direção do II Congresso Católico Brasileiro de Medicina — reunido em São Paulo, em janeiro do ano passado — a proibir a distribuição, aos participantes daquele conclave, do número de "Catolicismo" que continha o artigo. Os inovadores chegaram então até mesmo ao desforço físico, no intuito de evitar que as teses tradicionais fossem convenientemente expostas aos congressistas.
"Roma locuta"
Depois de anos de estudos, Paulo VI falou. Reafirmando a doutrina tradicional, veio ele opor uma barreira aos desvarios neomodernistas sobre esse ponto sensível da Moral católica.
A Encíclica "Humanae Vitae" não se estende em largas explanações de ordem teológica e filosófica. É, sobretudo, um ato de autoridade. Usando da plenitude dos poderes que lhe cabem como Chefe da Igreja, o Papa proclamou, de modo taxativo e insofismável, que toda prática anticoncepcional artificial é intrinsecamente má.
O Soberano Pontífice deu especial atenção à condenação direta e específica dos principais argumentos a que os progressistas recorriam na sua vã tentativa de abalar a posição tradicional.
Com efeito, aos inovadores que justificavam a contracepção artificial, em certos casos, com base nos princípios do duplo efeito, da totalidade ou do mal menor, Paulo VI declara que nunca se pode, nesse terreno, recorrer legitimamente àqueles princípios ("Hum. Vitae", n.os 3, 14, 16, 17).
Aos neomodernistas que diziam ou insinuavam que a questão não cai sob a alçada do Magistério da Igreja, o Papa afirma, incisivo, que nenhum fiel pode adotar tal posição (nos 4, 28).
Aos que clamavam, em tom muitas vezes frenético, que o amor conjugal só pode subsistir, em numerosos casos, se se autorizar a contracepção artificial, o Vigário de Cristo responde que o verdadeiro amor conjugal está de si mesmo ordenado para a procriação e educação dos filhos (n.° 9), devendo portanto todo ato matrimonial permanecer aberto à transmissão da vida (n.° 11).
Aos que se serviam de palavras-talismã (1), como "paternidade responsável" e "harmonia entre os esposos", para justificar a contracepção artificial, Paulo VI esclarece o verdadeiro sentido de tais conceitos, mostrando até mesmo que, bem entendidos, eles de modo algum enfraquecem a tese tradicional da Igreja, mas, pelo contrário, a reforçam ponderAvelmente (n.os 3, 8 ss.).
Aos progressistas que, da permissão do método Ogino-Knaus, queriam deduzir a liceidade dos métodos artificiais, o Papa diz que não há paridade entre os dois casos, uma vez que na continência periódica não se usa de nenhum meio diretamente contrário à fecundação (n.° 16).
Aos que alegam a explosão demográfica, as condições de trabalho e habitação, e outras razões análogas, o Papa declara conhecer muito claramente tais problemas, mas ensina também que dificuldade alguma, por mais grave que seja, pode autorizar a prática de um ato intrinsecamente desonesto (n.os 2 ss., 16).
O Sumo Pontífice reconhece ainda que a obediência a essa lei não é fácil. Prevê que haverá quem se rebele contra o seu ensinamento. Mas, lembrando que a Santa Igreja, como Nosso Senhor, é sinal de contradição, afirma que não é de surpreender que muitos rejeitem tal doutrina (n.os 18 ss.).
A Encíclica termina com apelos instantes para que seja acatado esse preceito de lei natural e divina, endereçados aos governantes, aos esposos cristãos, aos médicos, aos Sacerdotes, aos Bispos, e enfim a todos os homens (n.os 23-31).
Há obrigação de aceitar a Encíclica?
Nestas breves notas sobre a "Humanae Vitae", que acabamos de apresentar, não tivemos em vista dar ao leitor um resumo completo do Documento. Desejamos apenas ressaltar que as posições progressistas foram cuidadosa e sistematicamente contraditadas pelo Sumo Pontífice. Dispensamo-nos de abordar outros aspectos, bem como de publicar em "Catolicismo" a íntegra da Encíclica, porque já foi ela amplamente divulgada e comentada pela imprensa diária — como poucos pronunciamentos pontifícios o têm sido.
Uma questão, entretanto, deve ser estudada com atenção: o católico tem a obrigação de aceitar a doutrina da "Humanae Vitae"?
É em torno desse problema que agora, depois da publicação do Documento, os progressistas pretendem construir os seus sofismas. Todo o interesse deles consiste em dizer que, como a Encíclica não é um pronunciamento "ex cathedra", a tese por ela defendida pode ser negada por todo católico que, depois de madura reflexão, tenha razões sérias e ponderosas para negá-la (2).
Não nos deteremos em citar os numerosos atos de revolta de Sacerdotes contra a Encíclica — como as declarações do ex-Arcebispo de Bombaim, Thomas Roberts; de 87 teólogos norte-americanos; do Pe. Paul Weir, da Inglaterra; do suíço Pe. Hans Küng; de 600 eclesiásticos da Alemanha; do Pe. Nicholas Grotty, da Austrália; dos Padres Carmelitas de Belo Horizonte; do Pe. Artêmio Mazzoti, de Niterói; do Pe. Paul-Eugène Charbonneau, canadense residente em São Paulo; do Pe. Olinto Pegoraro, do Rio de Janeiro; de D. Tito Amoroso Anastácio, também do Rio de Janeiro. Esses pronunciamentos escandalosos — segundo foram divulgados pela imprensa sem nenhum desmentido — não fazem senão mostrar quão graves tendências de cisma germinam nos círculos progressistas.
Abordemos diretamente a nossa questão: depois de madura reflexão, um teólogo católico pode rejeitar a doutrina da "Humanae Vitae"? É lícito hoje em dia invocar o probabilismo (3) em prol da tese favorável aos métodos contraceptivos artificiais?
Formularemos desde já a resposta que, a nosso ver, deve ser dada a essas perguntas, e que procuraremos justificar a seguir: ainda mesmo que a "Humanae Vitae" não seja um pronunciamento "ex cathedra", a nenhum católico é lícito, em hipótese alguma, negar ou pôr em dúvida a sua doutrina, pois esta constitui de há muito um dogma do Magistério ordinário.
Em consequência, a sentença que sustenta a legitimidade das práticas contraceptivas artificiais é herética.
Pronunciamento "ex cathedra"?
Não nos parece que esteja suficientemente claro se a "Humanae Vitae" constitui ou não um pronunciamento "ex cathedra".
Como é sabido, para que uma declaração pontifícia ou conciliar seja "ex cathedra", não é indispensável que empregue as expressões clássicas: promulgamos, declaramos, definimos, etc. Mas basta que os termos e as circunstâncias do documento
(continua)