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Conclusão da página 1

PRESERVAR A INTEGRIDADE DA FÉ

a entenderiam num sentido de que na Fé não é mister levar em conta o conteúdo dogmático; porquanto ela não passa de uma experiência vital de união com Jesus Cristo. E nesse sentido, a frase é errônea.

2 A FÉ É ACEITAÇÃO DE ALGO OBJETIVO. — Vimos acima. O Papa reforça a mesma doutrina, excluindo uma noção de Fé, - como expressão subjetiva dos estados ou da evolução da consciência. Eis que, no aprofundamento teológico do depósito da Revelação, deve-se manter o significado próprio enunciado pelas fórmulas dogmáticas. Não se deve, portanto, buscar um novo sentido, segundo conjecturas arbitrárias.

Tal observação do Papa vale especialmente para o dogma da Presença real de Jesus Cristo na SS. Eucaristia, que — e o Santo Padre o recorda — se realiza pela mudança de toda a substância do pão no Corpo, e de toda a substância do vinho no Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, mudança que a Igreja exprime de maneira conveniente e própria — convenienter et proprie — com a palavra "transubstanciação". Na mesma ordem de ideias, o Papa lembra o termo grego "omoousios", usado pelos Padres do Concílio de Nicéia, na definição da divindade do Filho de Deus. Por tudo isso se vê como é essencial na Fé manter integralmente a fórmula consagrada e no sentido em que foi ela entendida pela Igreja quando a estabeleceu.

3 A VIDA DO CRISTÃO. — Entre as verdades da Fé, ensina-nos Jesus Cristo o caminho das bem-aventuranças evangélicas. O Papa as recorda: espírito de pobreza, mansidão, paciência, sede de justiça, misericórdia, pureza de coração. Tais pontos da Fé estão a pedir uma elucidação como corretivo a muitos conceitos apresentados, em não poucos meios católicos, como doutrina social da Igreja. De fato, não são raros a concepção unilateral de justiça, a recusa da misericórdia; como aviltante da pessoa humana, e o esquecimento de que não se deve procurar aqui na terra a bem-aventurança própria somente do Céu. Achamos, pois, conveniente resumir aqui o ensino da Igreja sobre problemas socioeconômicos, cuja solução pede o espírito de pobreza, o amor à justiça e a paciência neste mundo.

■ a — Antes de mais nada, lembremos a palavra de Pio XII à Ação Católica Italiana (25 de abril de 1945): "A doutrina social da Igreja é clara em todos os seus aspectos; ela é obrigatória: ninguém pode dela se afastar sem perigo para a Fé e a ordem moral".

■ b — Neste mundo, é impossível uma situação onde não haja penas e sofrimentos, porquanto tal é a condição do homem após o pecado original. De onde, é falsa toda doutrina social que acena com uma estrutura econômico-social em que a felicidade seja plena, e, portanto, da qual estejam ausentes dores e adversidades. ("Rerum Novarum": "As calamidades que caíram sobre o homem neste mundo não terão fim nem tréguas, porque os funestos frutos do pecado são amargos, acres, acerbos e necessariamente acompanham o homem até o seu último suspiro. Sim, a dor e o sofrimento são apanágio da humanidade e por mais que os homens tudo experimentem e tentem para bani-los, jamais o lograrão, sejam quais forem os expedientes que desenvolvam e as forças que ponham em atividade").

■ c — O homem deve viver na esperança da vida futura. O Papa o recorda mais de uma vez na sua Profissão de Fé. É êste, aliás, o dogma que ilumina e torna compreensível toda a questão social, como ela se apresenta no mundo atual. Este torna o fiel consciente de que a riqueza, como a pobreza, são coisas indiferentes, porquanto, tanto numa como noutra situação, pode ele conseguir a vida eterna. ("Rerum Novarum": "Ninguém pode ter verdadeira inteligência da vida mortal nem estimá-la no seu justo valor, se não se elevar até a consideração dessa outra vida que é imortal. Suprimi esta, e logo desaparece toda forma e toda verdadeira noção do honesto, e, muito mais, impenetrável mistério se torna o universo inteiro. — [...] Deus não nos deu a terra como residência fixa, mas como lugar de exílio. Que vos abundem as riquezas e tudo quanto se reputa bens da fortuna, ou que os não possuais, absolutamente não importa à eterna beatitude: o uso que disso fizerdes, eis o que interessa").

■ d — A desigualdade social é natural, e, pois, está nos desígnios de Deus. É preciso aceitá-la com amor, afugentando qualquer sentimento de inveja, que ofende a Bondade divina. ("Rerum Novarum": "O primeiro princípio que convém tornar saliente é que o homem deve tolerar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos se elevem ao mesmo nível. Sem dúvida, é ao que aspiram os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são baldados. Ela, na verdade, entre os homens estabeleceu diferenças tão múltiplas quão profundas: diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, das quais espontaneamente procede a desigualdade de condições. Tal desigualdade, aliás, redunda em geral proveito tanto da sociedade, como dos indivíduos; porque a vida social requer variadíssimo organismo e diversíssimas funções, e o que induz os homens a repartirem essas funções é sobretudo a diferença das condições de cada qual").

É preciso aprender a amar a desigualdade social, uma vez que ela procede da Vontade divina, que é a mesma Bondade e sumamente amável. Não é próprio do cristão "suportar resignadamente" o que procede de um desígnio de Deus. Mesmo considerando as penas desta vida como castigo do pecado original, e, portanto, coisa que pesa e contraria nossa natureza, devemos amá-las; pois que, amando o castigo, reconhecemos e amamos a Justiça divina, e mostramos que desejamos ardentemente reparar a lesão dos sacrossantos direitos de Deus. Só contribuiremos para a paz social, e o progresso mesmo material da sociedade, quando nos convencermos que é preciso reconhecer a soberania inefável de Deus, que devemos amá-la e a tudo quanto procede dessa Suprema Sabedoria, como é o lugar em que a Providência nos colocou na sociedade. Do contrário, não deixaremos de participar da culpa do grande pecado da inveja que corrói o coração de muitos homens, mesmo fiéis, que amargam a vida com o pesar que têm em ver outros, nesta terra, melhor aquinhoados.

Também não é boa pedagogia para formar católicos, insistir demasiadamente que terão eles recompensa muito maior no Céu. O primeiro Mandamento, que nos manda "amar a Deus sobre todas as coisas", diz-nos que devemos amar a vontade de Deus, em tudo, e também no que nos diz respeito. Assim, nós não devemos almejar no Céu mais do que o lugar que Nosso Senhor, na sua infinita bondade e misericórdia, nos destina. Deveríamos nos entristecer, se, por absurdo, conseguíssemos um lugar superior, mas contra ou à margem da santíssima vontade de Deus. O homem só é feliz, só se realiza na sua perfeição, quando adere de corpo e alma aos insondáveis desígnios de Deus. E a sociedade só prospera e faz os homens felizes, quando seus membros, vivendo no amor divino, aceitam com alegria todas as desigualdades sociais legítimas, fundadas, como dizia Pio XII, "na própria natureza das coisas, desigualdades de cultura, de haveres, de posição social" (Alocução de Natal de 1944), porque tal é a misteriosa disposição da Providência.

■ e — Harmonia de classes. — Dada a estrutura hierárquica da sociedade, como a deseja a santíssima vontade de Deus, devem as classes viver em harmonia, e não em contínua oposição. De onde, tudo quanto fomenta a luta de classes, tudo quanto opõe umas às outras, as classes sociais, contraria a doutrina social da Igreja. ("Rerum Novarum": "O erro capital na questão vertente é acreditar que as classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza houvesse armado ricos e pobres para que mutuamente se combatessem num duelo obstinado").

A luta de classes é fomentada não somente quando se apela para a violência armada. Todos os movimentos que tendem a criar inquietação nas classes menos favorecidas, fomentam a luta de classes, dão origem a uma situação violenta, impedem a obtenção da harmonia de classes que faz parte da doutrina social da Igreja. De fato, tais movimentos que, sob pretexto de pressão moral, alimentam a insatisfação das classes obreiras, tendem a despertar nelas o ódio que divide e cujo termo natural é a luta armada.

Não quer isto dizer que não possa haver reivindicações justas, quer da parte dos empregadores quer da parte dos empregados. Estas, porém, se façam pelos meios legais, sem desejos de oprimir uns aos outros, sem provocar ódios de classe, convencidos de que a obra humana é sempre imperfeita, e que, por isso, a plena justiça só é viável com a reforma do homem, isto é, quando ele conformar sua vida com os preceitos e o espírito de Jesus Cristo.

■ f — Há obrigações, tanto dos patrões, como dos operários, cuja negligência constitui falta perante Deus Nosso Senhor. ("Rerum Novarum": "Toda a economia das verdades religiosas de que a Igreja é guardiã e intérprete, tem a natureza própria para aproximar e reconciliar os ricos e os pobres, lembrando a ambas as partes os seus mútuos deveres, e, antes de todos os outros, os que derivam da justiça. Entre estes deveres, eis os referentes ao pobre e operário: devem fornecer integral e fielmente todo o trabalho que se comprometem a prestar por contrato livre e conforme à equidade; não devem lesar o patrão, nem nos bens nem na pessoa deste; mesmo as suas reivindicações devem ser isentas de violência, e jamais revestir a forma de sedições; devem evitar homens perversos que, nos seus discursos artificiosos, lhes sugerem exageradas esperanças e lhes fazem grandes promessas que apenas vão dar em estéreis pesares e na ruína das fortunas. — Quanto aos ricos e patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas nele respeitar a dignidade do homem ainda exaltada pela do cristão. [...] O Cristianismo, além disso, prescreve que se hajam em conta os interesses espirituais do operário e o bem de sua alma. Aos patrões compete velar por que a isto se dê plena satisfação, que o operário não seja entregue à sedução e às tentações corruptoras e que coisa nenhuma nele venha entibiar o espírito de família e os hábitos da economia. E vedado é também aos patrões imporem a seus subordinados trabalho superior às forças e em desacordo com a idade ou o sexo. — Mas, entre os deveres principais do patrão, é necessário colocar em primeiro lugar o de dar a cada um o salário que lhe convém").

■ g — O progresso da técnica e a perfectibilidade do homem tornam possível uma contínua melhora das condições da vida humana, apesar de que tais melhorias jamais alijem da terra a dor e o sofrimento.

Na prossecução das reformas que melhorem as condições de vida do homem, especialmente das classes menos favorecidas, há certos pontos que, por pertencerem à doutrina social da Igreja, devem manter-se intactos. Podemos resumi-los nos seguintes:

- "não é na revolução, mas na evolução harmoniosa que está a salvação e a justiça" (Pio XII, 13 de junho de 1943);

- mantenha-se sempre salva a propriedade privada, mesmo dos meios de produção, e o direito de transmitir os bens por herança ("Rerum Novarum", "Mater et Magistra");

- a justiça do contrato de trabalho, e, como consequência, a injustiça da imposição do contrato de sociedade entre capital e trabalho nas empresas ("Quadragesimo Anno" e Pio XII, passim, especialmente nas Alocuções de 7 de maio de 1949, de 3 de junho de 1950 e de 31 de janeiro de 1952);

- O salário justo, ou seja, suficiente para que o operário satisfaça seus encargos familiares, e possa ainda economizar para chegar a ser ele também proprietário; não esquecendo que o salário não deve ser tal, que ponha em risco a existência da empresa, ou a situação econômica do país ("Quadragesimo Anno", "Mater et Magistra");

- a iniciativa privada na economia, ou seja, o princípio de subsidiariedade ("Quadragesimo Anno", "Mater et Magistra");

- as relações entre capital e trabalho, a livre concorrência se mantenham dentro da ordem moral, das exigências do bem comum, das normas da justiça apoiada na caridade cristã. Vigiem as autoridades públicas para que a atividade econômica proporcione o possível bem temporal a todas as classes, e não venha a oprimir uma delas ("Quadragesimo Anno", "Mater et Magistra").

■ h — O comunismo é intrinsecamente mau, e com os comunistas não é possível colaboração em campo algum. Ainda que prescindindo de sua filosofia ateia e materialista, sua doutrina social é contrária à doutrina social da Igreja ("Quadragesimo Anno", Pio XII, Alocução de Natal de 1955: "Rejeitamos o comunismo como sistema social, em virtude da doutrina cristã"). — Igual aversão deve ter o fiel ao socialismo, declarado por Pio XI incompatível com a doutrina da Igreja ("Quadragesimo Anno").

■ i - Reforma moral. — Insistem todos os Papas que nenhum remédio é eficaz para melhorar a situação das classes sociais se não houver uma reforma dos costumes, uma reforma moral. Por isso, antes de mais nada, devem os fiéis ajustar sua vida aos Mandamentos de Deus e sua Igreja. Ainda que façam só isso, estarão contribuindo para a reforma social, para melhorar as condições econômicas das classes menos favorecidas, segundo a palavra do Salvador, "buscai primeiro que tudo o Reino de Deus e sua justiça, e o resto [isto é, o necessário para esta vida] se vos dará de acréscimo" (Mat. 6, 33).

Ao pleitear reformas sociais, é preciso, primeiro, deixar claro que não são tais reformas que vão melhorar a sociedade, se elas não vierem acompanhadas da reforma moral; segundo, é necessário precisar bem em que devem consistir as reformas propugnadas. Do contrário, só se favorece a agitação comunista, segundo o testemunho insuspeito de Stalin: "Para o revolucionário, a reforma não passa de um produto acessório da Revolução. Eis porque, com a tática revolucionária, nas condições de existência do poder burguês, uma reforma se torna naturalmente um instrumento de desagregação deste poder, um instrumento que reforça a Revolução, um ponto de apoio para o desenvolvimento contínuo do movimento revolucionário" (apud Jean-Marie Schmitz, em "La Revolution de Mai 1968").

Estribamos a doutrina social da Igreja sobretudo na Encíclica "Rerum Novarum", porque o ensinamento desta Encíclica foi, em todos os pontos, explicitamente confirmado pelos Sucessores de Leão XIII.

4 MISERICÓRDIA E PUREZA; DIGNIDADE DO HOMEM. — Entre os elementos constitutivos do Espírito de Jesus Cristo, salienta o Papa a misericórdia e a pureza. Tanto uma como outra dessas virtudes devem ser objeto de perseverante meditação. O socialismo e o comunismo odeiam a misericórdia, que apresentam como ofensiva à dignidade do homem. E o naturalismo introduziu na sociedade um hedonismo desenfreado, cujo ambiente sensual, oriundo das modas e dos espetáculos, sacrifica a excelsa pureza de coração.

Quanto à dignidade do homem, entenda-se bem em que ela consiste, a saber, na adequação do indivíduo àquilo que constitui a perfeição de sua natureza racional, ou seja, a conformidade com a lei moral e a verdade. O erro e o pecado, dizia Pio XII, não têm direito nem à existência, nem à difusão. O abuso da liberdade que leva a aceitá-lo não dignifica o homem. É preciso combater o orgulho humano que apresenta a dignidade do homem como algo absoluto, que faz do indivíduo sua regra de procedimento.

5 MARIA SANTÍSSIMA. — Entre os privilégios da Mãe de Deus, a Profissão de Fé do Papa, além dos dogmas da perpétua Virgindade, da Imaculada Conceição e da Assunção corpórea ao Céu, recorda a Maternidade da graça, pela qual Maria Santíssima é Mãe de cada um de nós, em cujo nascimento espiritual e desenvolvimento da vida divina tem indispensável cooperação.

6 PECADO ORIGINAL. — Contra as inovações deturpadoras do dogma do pecado original, professa o Papa o caráter pessoal desse pecado em Adão, e sua transmissão por geração, como definiu o Concílio Tridentino. Na mesma ordem de ideias, defende o Batismo das crianças.

7 A IGREJA. — Sobre a unidade da Igreja, afasta o Papa o falso conceito pós-conciliar de ecumenismo, porquanto este não pode ser entendido no sentido de uma superigreja abraçando, num pancristianismo, católicos, hereges e cismáticos. A indefectível unidade da Igreja consta da mesma Fé, do mesmo culto, e da comunhão hierárquica com o Sucessor de São Pedro. Esta Igreja é necessária para a salvação, de maneira que, sem uma subordinação a Ela, ao menos em voto implícito, ninguém pode salvar-se.

8 MAGISTÉRIO. — Nesta Igreja, a unidade da Fé é assegurada pelo Magistério infalível, prerrogativa não somente das decisões doutrinárias solenes do Magistério extraordinário, mas também do ensinamento do Magistério ordinário universal e contínuo.

9 MISSA E SS. EUCARISTIA. — Sublinhemos que o Papa reivindica para a Missa o caráter de verdadeiro sacrifício, realizado só pelo Sacerdote, em virtude do Sacramento da Ordem, mas oferecido em nome de Jesus Cristo, Cabeça do Corpo Místico, e de todos os membros deste Corpo inefável.

As observações, com que acompanhamos a remessa do texto da Profissão de Fé do Papa, colimam auxiliar a compreensão das palavras do Romano Pontífice, a fim de que o ato a realizar-se na festa de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei, se faça com pleno conhecimento, de modo pessoal e consciente.

Na expectativa de que copiosos frutos coroem o zelo apostólico de Nossos caríssimos Cooperadores e o fervor religioso de Nossos amados fiéis, enviamos a todos os Nossos filhos em Nosso Senhor, Nossa benção cordial em Nome do Pai †e do Filho † e do Espírito † Santo. Amém.

Servo em Jesus Cristo,

† Antonio, BISPO DE CAMPOS


O diálogo entre Tia Margarida, o jovem Gilberto e Monsenhor Fagundes responde a objeções e reservas que circularam, no povo católico mineiro, contra a campanha da TFP

PERGUNTE-NOS... E NÓS RESPONDEREMOS

Por ocasião da campanha de coleta de assinaturas, a Secção mineira da TFP imprimiu, e distribuiu de casa em casa nos bairros mais populosos de Belo Horizonte, 70 mil exemplares de um folheto intitulado "Pergunte-nos ... e nós responderemos". De autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, seu texto resumia e respondia — de modo irretorquível — objeções e reservas que freqüentemente circulavam, entre o povo católico montanhês, contra a campanha do abaixo-assinado ao Santo Padre. A exemplo dos "Dialoguitos" da Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, que esta folha vem publicando, o folheto apresenta tais objeções e respostas na mesma linguagem que elas costumam revestir nas conversas caseiras e nos encontros de rua.

Formulados, assim, sob forma acessível e atraente, os argumentos de "Pergunte-nos... e nós responderemos" adquirem uma singular eficácia.

Por isso mesmo, a iniciativa da TFP mineira alcançou excelente resultado, traduzido por centenas de comentários ouvidos pelos coletores de assinaturas nas ruas de Belo Horizonte, e sobretudo pela multiplicação do número de adesões ao abaixo-assinado após a distribuição do folheto.

Reproduzimos a seguir o ameno, vivo e substancioso texto:

Tia Margarida. — Gilberto, já lhe disse, não fique coletando assinaturas nessa campanha da TFP. Tenho ouvido vários sermões do Frei Camilo: é pelo menos a quinta vez que ele diz que a campanha da TFP é contra a Igreja.

Olhe lá, meu sobrinho, o Pe. Comblin é Padre, e quem ataca um Padre ataca todos. Se vocês não gostam do Pe. Comblin, fiquem quietos; porque de Padre, se a gente não pode falar bem, não fala nada.

Gilberto. — Engraçado, tia; e quando um Padre fala mal de todos os outros — e até da própria Igreja — a gente deixa falar?

Não há saída. Veja só o que o Pe. Comblin escreveu (está no folheto que eu lhe dei): "Atualmente poucas instituições são tão colonialistas na América Latina, como a Igreja católica. [...] Seria oportuno interromper a invasão de sacerdotes estrangeiros, cujo número já é excessivo".

E não é só isto. Ele acha que o Bispo é um "monarca isolado no seu feudo eclesiástico", a "cultivar tranqüilamente o seu individualismo, refugiado na independência que lhe confere o Direito Canônico. A independência das dioceses, das paróquias e das províncias religiosas deve ser combatida".

Ouça só mais esta: "Os bens eclesiásticos [...] constituem o pior exemplo para todos os proprietários". As obras religiosas "não realizam nem a promoção econômica, nem a promoção social". Elas "subsistem graças à corrupção de funcionários, privilégios tributários, etc., administração financeira desordenada e, não poucas vezes contrária às regras da justiça ou da eqüidade profissional".

Depois disto, eu pergunto o que devemos fazer. Se defendemos o Clero contra o Pe. Comblin, quem é anticlerical: nós?! Não é isto o cúmulo do absurdo?

Tia Margarida. — Meu sobrinho, neste caso não era melhor ficarem calados?

Gilberto. — Ficar calados? Se os comunistas vêem que todos ficamos calados, não vão dizer que quem cala consente? Não vão afirmar por aí, que tanto os católicos desprezam o Clero, que não houve um só que se levantasse para defendê-lo?

Tia Margarida. — Mas, então, por que o Frei disse que os anticlericais são vocês? Nunca o vi falar mal do Pe. Comblin. Ele nunca nos disse que o Pe. Comblin escreveu essas coisas. Será bem certo, que escreveu?

Gilberto. — É bem certo que escreveu, tia. Todos os jornais publicaram. Por que o Frei Camilo não contou isso para a senhora? É bom a senhora perguntar para ele. Eu acho isso muito esquisito.

Tia Margarida. — Bem, vou perguntar mesmo. . . Mas escute aqui. Por que a TFP está fazendo toda essa campanha: é só para defender o Clero?

Gilberto. — Não. Esse pessoal, que tem as mesmas idéias do Pe. Comblin, além de anticlerical é subversivo. É porque eles querem fazer subversão que a TFP se indignou. Veja só como o Pe. Comblin gostaria da Igreja: nada de obras sociais, o triunfo pela guerrilha: "Se fosse possível [um grupo de guerrilheiros conquistar o poder e exercê-lo pela violência], é claro que seria o método mais econômico e mais fácil. Bastaria a Igreja armar um grupo (ficaria muito mais barato do que os gastos das obras assistenciais) e tudo ficaria resolvido. Não seria somente um método legítimo, mas obrigatório por ser o menos dispendioso e o mais seguro de resolver os problemas. Infelizmente, o caso é mais difícil".

E agora note a ditadura férrea que ele deseja para o Brasil: "Não basta fazer leis. É preciso impô-las pela força. Para a arrancada, o poder será autoritário e ditatorial. Não se pode fazer reformas radicais consultando a maioria: que a maioria prefere "sombra e água fresca", prefere evitar os problemas".

Eu pergunto à senhora se até o "paredón" não está insinuado nos textos seguintes: "Será necessário montar um sistema repressivo: tribunais novos de exceção contra quem se opõe às reformas. Os procedimentos ordinários da justiça são lentos demais. O poder legislativo também não pode depender de assembléias deliberativas"; "o poder deve neutralizar as forças de resistência: neutralização das forças armadas se forem conservadoras; controle da imprensa, TV, rádio e outros meios de difusão, censura das críticas destrutivas e reacionárias".

Por fim, ele combate a tal ponto a propriedade, que não poupa nem o pequeno proprietário: "Por parte das massas populares, a socialização exigirá [...] a renúncia ao ideal de pequeno proprietário".

Com isto a senhora pode entender porque o Pe. Comblin diz que, para os progressistas derrubarem o governo e conquistarem o poder, "será necessário fazer alianças, entrar em compromissos, sujar as mãos pelas alianças sujas".

Tia Margarida. — Mas que horror! Entretanto, continuo a achar estranho uma coisa: porque é que todos os Bispos e todos os Padres não dizem nada sobre o Pe. Comblin e sobre o esquerdismo na Igreja, e vocês são os únicos que falam contra?

Gilberto. — Pois é, tia; não obstante, muitos Bispos falaram contra. Por exemplo, D. Sigaud, Arcebispo de Diamantina, e D. Mayer, Bispo de Campos, escreveram uma carta ao Presidente da CNBB sobre isso, e ela foi publicada nos jornais. A senhora quer ver a carta? Leia só êste pedacinho:

"Para se julgar o caráter da revolução político-social que idealiza o Pe. Comblin para o Brasil, notemos que [...], para que não haja dúvida sobre suas intenções, faz ele o elogio da revolução comunista do México, deplorada por Pio XI, e da outra igualmente comunista de Fidel Castro [...] .

"No entanto, não perturba a consciência do Sacerdote belga nem sequer o tristemente célebre "paredón" de Fidel Castro, porquanto o Pe. Comblin justifica a repressão violenta contra os recalcitrantes que não se amoldam ao nivelamento massificante por ele sonhado.

“[...] Infelizmente, tais idéias não representam a opinião pessoal de um visionário ou fanático. [...] É um pensamento que se difunde em toda uma corrente ativa, organizada e dotada de apoio publicitário, a qual, como é notório, encontra audiência e encorajamento até em certos membros de nossa classe".

Então, tia, somos só nós?

Tia Margarida. — É, mas o Frei Camilo me disse que são só dois Bispos. Uma andorinha só não faz verão; duas também não.

Gilberto. — É curioso, tia, como o Frei Camilo está mal informado. Na realidade, assinaram também a nossa lista os Arcebispos de Niterói e Cuiabá, e os Bispos de Feira de Santana e de Bragança Paulista, D. José Martenetz, Bispo titular de Soldaia, D. Antonio Mazzarotto, Bispo titular de Ottabia, e D. Jerônimo Mazzarotto, Bispo Auxiliar de Curitiba.

Por que Frei Camilo não lhe disse também isto?

Tia Margarida. — Vou perguntar a ele. Mas, e os Padres? E as Freiras? Por que estão todos contra vocês?

Gilberto. — Estão mesmo? Em todo o Brasil muitos Padres e muitas Freiras têm assinado nossas listas. Veja, por exemplo, um trecho da carta que um dos Vigários mais respeitáveis de São Paulo, Mons. Deusdedit de Araujo, escreveu ao Dr. Plinio. Ela saiu no "Globo": "Peço à benemérita Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade aceitar o meu apoio integral, em todas as suas patrióticas campanhas; assim, neste movimento desassombrado, pela Santa Igreja, que sofre os desatinos dos "progressistas" da mentira. [...] A ação da TFP, nesta hora sombria da nacionalidade, quando tanto padecemos os servos de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, afigura-se-me clareira de esperança em meio da floresta escura e de perigos".

Tia Margarida. — É...

Gilberto. — Eu queria fazer uma sugestão à senhora. Por que a senhora não convida o Frei Camilo para nos fazer uma visitinha, examinar nossas listas, tomar um cafezinho em nossa sede, dar uma prosinha conosco?

Tia Margarida. — Deus me livre! Ele detesta vocês. Diz que vocês não dialogam, e que vocês não estão enquadrados no plano pastoral da CNBB.

Gilberto. — Então, com quem é que ele dialoga?

Tia Margarida. — Ora, essa! Com os protestantes, com os comunistas; enfim, com todos os nossos irmãos separados.

Gilberto. — Então, os protestantes e os comunistas estão enquadrados no plano pastoral da CNBB?

Tia Margarida. — Não amole. ..

Gilberto. — "Não amole", tia, não é argumento. Será que a senhora também não está querendo dialogar?

Tia Margarida. — Mas afinal, vocês são ou não são uma associação religiosa?

Gilberto. — Então a senhora foge para outro assunto?

Tia Margarida. — Esta mania que vocês têm de argumentar! Para tudo, lá vem um argumento...

Gilberto. — Pois é, minha tia, se eu não argumentasse, a senhora diria que estou de má fé. Se eu argumento, a senhora fica

(continua)