(continuação)

TAMBÉM NA ARGENTINA, CHILE E URUGUAI

destacar o Ministro do Interior, GUILLERMO BORDA, e o General GUSTAVO MARTNEZ ZUVIRÍA, Comandante do I Corpo de Exército, sediado na Capital Federal. É também digno de nota o decreto do Intendente Municipal de Buenos Aires, General MANUEL R. IRICÍBAR, o qual, ao autorizar a campanha no território sob sua jurisdição, não se prendeu à linguagem burocrática, mas manifestou seu aplauso à iniciativa da SADTFP.

Ataques do púlpito e agressões de rua

A campanha não transcorreu sem incidentes. Pelo contrário. Teve a TFP argentina que enfrentar sérios obstáculos para chegar até o público.

Não faltaram os ataques partidos de certos setores eclesiásticos, que se serviram, não raro, do púlpito de suas igrejas para lançar uma ofensiva contra a mensagem ao Papa e a entidade que levava a efeito a campanha. A nota dominante desses ataques foi, como era de supor, sua absoluta falta de argumentação doutrinária ou em torno de fatos.

A cólera progressista não ficou, porém, no âmbito dos pronunciamentos verbais ou escritos, mas desceu até a agressão física, que se repetiu em Tucumán, Avellaneda, Luján, Córdoba, Salta, La Rioja, Gualeguaychú e também em Buenos Aires.

Em Tucumán, onde em dois dias haviam colhido mais de cinco mil firmas, foram os militantes e sócios da TFP argentina agredidos por grupos progressistas organizados, e a reação da polícia foi a proibição de toda atuação da SADTFP, num evidente atentado à liberdade de expressão não só da entidade promotora da campanha, como também da população local, que ficou privada de aderir à petição. A atitude insólita das autoridades reveste-se da maior gravidade quando se considera que Tucumán vinha sendo desde há muitos anos o centro de uma pregação esquerdista e a campanha do abaixo-assinado estava desfazendo o mito de uma província dominada, por trabalhadores revoltosos, pois justamente entre operários é que se estava colhendo o maior número de adesões.

Dirigiram-se igualmente os membros da TFP argentina à tradicional cidade de Salta, no norte do país, por ocasião das solenidades que ali comemoram anualmente um famoso milagre ocorrido no século passado, durante um terremoto que assolou a região. Multidões de fiéis acorrem de todas as províncias às celebrações da novena e da festa, e a venerar as imagens do Senhor e da Senhora "del Milagro".

Em apenas dois dias coletaram os jovens militantes a impressionante quantidade de 20 mil assinaturas entre os devotos. Foi o bastante para exacerbar os setores progressistas locais, que, dirigidos visivelmente pelo advogado Vicente Solá, prócer democrata-cristão, organizaram uma agressão com o concurso de elementos trazidos de outras localidades. Os agredidos, em número muito inferior, resistiram valentemente, apesar de já estarem extenuados pelos esforços dispendidos desde cedo na campanha. A polícia interveio violentamente, lançando bombas de gás lacrimogêneo. As autoridades de Salta, em lugar de tomarem providências contra os atacantes, revogaram a permissão ampla anteriormente concedida para a coleta de assinaturas, circunscrevendo-a a locais de escassa afluência de público.

O ataque - ocorrido no dia 10 de setembro - provocou uma vigorosa repulsa por parte de setores da população saltenha, e um grupo de personalidades locais publicou em vários jornais uma nota que deplorava a atitude totalitária da minoria esquerdista.

Comunicados de Autoridades Eclesiásticas

Além dos já referidos ataques feitos dos púlpitos, outros partiram de setores eclesiásticos e do laicato contra a campanha da TFP argentina. A Junta Central da Ação Católica de Tucumán distribuiu um comunicado à imprensa no qual os ataques pessoais demonstram a falta de melhor argumento. Lê-se ali a certa altura que os militantes da SADTFP "são, agentes de uma oligarquia ultrapassada. Para defender seus privilégios, tratam de fazer ressurgir instituições reprovadas pela História". De igual jaez foi a nota divulgada pela Associação de Homens da Ação Católica da Diocese de Mar del Plata: "Seus conceitos [os da "Reverente e filial mensagem"] definem a inquietação de um grupo oligárquico que pretende manter seus privilégios sobre o resto do. povo argentino e deixa transparecer claramente o seu pavor diante de toda forma de melhor distribuição das riquezas".

Tais ataques por parte de elementos progressistas não causaram maior surpresa. 'Outras censuras foram bem mais dolorosas, tanto por partirem de onde menos era de se esperar, como pelo caráter sagrado de que se revestem seus autores.

O Bispo de La Rioja, Exmo. Revmo. MONS. ENRIQUE ANGELELLI, publicou um comunicado no qual consigna não contar a iniciativa da TFP argentina com o beneplácito da Autoridade Diocesana; ao mesmo tempo "deplora toda confusão e desorientação que ditas atividades possam criar na comunidade riojana". Essa nota, dada a lume logo após uma agressão sofrida naquela cidade pelos coletores de assinaturas, foi divulgada pela imprensa de todo o país, o que obrigou a SADTFP a sair a público para defender-se, embora a contragosto, já que público fora o ataque.

No dia seguinte ao brutal atentado perpetrado contra militantes da Tradição, Família e Propriedade no próprio recinto de sua principal sede portenha (ver "Catolicismo", n.° 215, de novembro de 1968), e já no encerramento da campanha, o Arcebispado de Buenos Aires deu à publicidade uma nota assinada pelo Secretário-Chanceler, Revmo. Pe. Arnaldo Canale, no qual se afirmava que a Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade não havia "solicitado nem obtido autorização alguma para recolher assinaturas dos fiéis junto aos templos da Arquidiocese", e que o Arcebispado não tinha a mínima vinculação com a entidade, com qualquer de seus membros, ou com o conteúdo do manifesto para o qual estes pediam adesões, e não compartilhava "as acusações pessoais utilizadas em suas atuações".

A SADTFP viu-se, diante disso, na contingência de estampar pelos jornais (como matéria paga, em vista da "notória dificuldade que encontra para publicar seus comunicados e declarações na imprensa diária") um comunicado respeitoso e firme, divulgado "no exercício do sagrado direito de legítima defesa".

"É certo — reza o documento — que a TFP não solicitou autorização ao Arcebispado para coletar assinaturas para sua "Reverente e filial mensagem a Sua Santidade o Papa Paulo VI" [...]. E isto porque a TFP é uma entidade cívica que, atuando no plano cívico, move-se sob responsabilidade própria". Invoca a seguir o comunicado a liberdade que tem, segundo o Direito Canônico, qualquer pessoa ou entidade de se dirigir diretamente ao Papa, sem consultar as autoridades intermediárias, e prossegue: "O Arcebispado declara que "não compartilha as acusações pessoais utilizadas em suas atuações [as da TFP]. As acusações pessoais feitas pela TFP não são outras que as contidas na "Reverente e filial mensagem a Sua Santidade o Papa VI" e nos volantes ilustrativos que eram entregues aos que a assinavam. Não existem outras acusações além dessas. A expressão do Arcebispado, de que "não compartilha" essas acusações, é ambígua, pois pode significar que as reputa falsas. Pedimos, pois, reverentemente, ao Arcebispado, que faça cessar essa injusta ambigüidade, declarando publicamente se tem essas acusações por verídicas ou não".

Afirma depois a SADTFP ser notória - a adesão de 280 mil argentinos a seu abaixo-assinado o comprova - a existência de uma minoria que realiza aberta pregação esquerdista em meios católicos. Cita o trabalho do Pe. Comblin e pergunta "com filial franqueza" se o Arcebispado "reputa inatacável esse texto". Prosseguindo, pede licença para recordar "que o assunto não é só religioso, mas também cívico", e desde que eclesiásticos "ponham em risco a estabilidade das instituições, a sociedade temporal, enquanto se identifica com a ordem cívica, tem o direito e o dever de pedir ao Vigário de Cristo que faça cessar o abuso. E isto para que a mesma sociedade temporal não seja obrigada a defender-se com suas próprias mãos".

Lamenta a Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade que a nota do Arcebispado tenha sido publicada justamente no dia em que se encerrava a memorável campanha, e conclui: "No dia anterior o progressismo fazia alarde de seu espírito totalitário e violento agredindo a tiros, por meio de alguns de seus sicários, os meritórios militantes da TFP na própria sede desta, deixando um deles ferido por duas balas. É com tristeza que recebemos do Arcebispado, não condolências e o repúdio do criminoso atentado, mas uma nota cuja repercussão podia prever-se como contrária à benéfica campanha da TFP".

A sessão de encerramento da campanha

Ostentando nas paredes de sua sede principal as marcas ainda frescas do brutal atentado perpetrado por elementos esquerdistas contra alguns militantes, a Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade realizou ali o solene encerramento da campanha de assinaturas para a mensagem a Paulo VI.

Discursando na ocasião, o Presidente da entidade, Sr. COSME BECCAR VARELA HIJO rendeu homenagem ao Prof. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, como inspirador da iniciativa das quatro TFPs, de se dirigirem ao Santo Padre.

Ao encerrar sua oração, que foi vivamente aplaudida, o Sr. Beccar Varela convidou os presentes a se porem de pé para ouvirem o canto da "Ave Maria" pelo coro da entidade, em agradecimento a Nossa Senhora de Luján, Padroeira da Argentina, sem cujo auxílio materno não teria a SADTFP podido levar adiante tão importante campanha. A sessão foi encerrada com o brado de: "TRADICIÓN! FAMÍLIA! PROPIEDAD!" proferido em uníssono por todos os sócios e militantes.

120 mil assinaturas no Chile

O dia 21 de julho pode ser considerado como o início da campanha no Chile. Nessa data foi publicado em "El Diario Ilustrado", de Santiago, a "Reverente e filial mensagem a Sua Santidade o Papa Paulo VI". No dia seguinte, ao mesmo tempo em que o documento era igualmente estampado no diário "El Mercurio", os militantes da Tradição, Família e Propriedade saíam às ruas de Santiago com o estandarte do leão dourado sobre fundo vermelho, iniciando a coleta de assinaturas em apoio à mensagem.

Também aqui se distribuíam volantes que tornavam patente o fato denunciado pela TFP: a infiltração comunista em meios católicos. Em um deles se mostrava como uma corrente de Sacerdotes prepara o Chile para o jugo do comunismo; nele aparecem citações comprobatórias de destacados articulistas da conhecida revista progressista "MENSAJE". Outro dos impressos reproduzia a carta do Prof. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA ao Arcebispo de Olinda e Recife (transcrita em nosso número de julho p. p.), a propósito do documento elaborado pelo Sacerdote subversivo belga Joseph Comblin, professor do Instituto Teológico de Recife, ex-professor da Universidade Católica do Chile e colaborador de "Mensaje". O terceiro volante transcrevia o editorial da revista argentina "Cruzada" sobre o I Congresso Latino-Americano do Apostolado dos Leigos, realizado em Buenos Aires em 1966 — com a presença de uma delegação chilena — cujas conclusões preconizam a luta de classes.

Pondo o dedo na chaga

A "Reverente, e filial mensagem" punha o dedo na chaga mais viva do progressismo chileno, pois denunciava a atuação do CENTRO BELARMINO, com sua revista "Mensaje", e do DESAL (Centro para el Desarrollo Económico y Social de América Latina), órgãos dirigidos por Sacerdotes jesuítas e estreitamente vinculados à Democracia-Cristã, atualmente no poder no Chile.

"Das doutrinas ora confusas, ora tendenciosas, ora manifestamente errôneas, emanadas dessas duas instituições, e de sua visão unilateral e apaixonada dos problemas chilenos, assim como dos métodos de ação demagógicos e até violentos que preconizam — reza a carta da SCDTFP ao Papa — resultou que na América Latina nossa nação é, depois de Cuba, aquela em que a ofensiva esquerdista rumo ao comunismo é a mais impetuosa e eficiente". E mais adiante: "O resultado dessa ofensiva trouxe consigo a formação de uma extrema-esquerda democrata-cristã, que conseguiu apoderar-se de importantes cargos públicos, e tudo faz para impelir o país no sentido de uma "evolução" cuja termo final há de ser inevitavelmente o comunismo".

Menciona em seguida algumas das medidas preconizadas pelo Centro Belarmino, pela revista "Mensaje" e pelo DESAL, com pretenso fundamento na doutrina católica: implantação do divórcio, reformas agrária, urbana e empresarial de caráter nitidamente socialista e confiscatório, e instauração de um "comunitarismo" social e econômico "que mal se distingue do comunismo e que deve redundar na eliminação de todas as desigualdades de classe".

A primeira agressão

Ante a triunfal acolhida dispensada ao abaixo-assinado pelo público chileno — foram obtidas mais de 7 mil assinaturas nos dois primeiros dias de atuação da SCDTFP — os setores progressistas começaram a se mostrar alarmados.

No dia 24 de julho — terceiro dia de campanha enquanto um grupo de vinte militantes procedia à coleta de assinaturas, cerca de 150 200 elementos comunistas e da extrema-esquerda demo-cristã foram-se aproximando do local, aproveitando a primeira obscuridade da noite. Em dado momento, investiram contra os coletores de assinaturas, travando-se então uma pequena batalha campal que durou quase meia hora, ao longo da qual os esquerdistas fizeram uso até de facas e objetos contundentes. Apesar da grande desproporção numérica, os jovens da SCDTFP resistiram valentemente, recebendo vários deles ferimentos de não pequena gravidade. Os agressores foram afinal repelidos pela reação popular e sobretudo pela decidida atuação de um transeunte que, disparando para o alto seu revólver, impediu que o covarde atentado tivesse quiçá conseqüências fatais. Só então a polícia do Presidente Frei, postada a pouco mais de uma quadra e avisada oportunamente, se fez presente.

Sobre o ocorrido a TFP chilena divulgou comunicado pelos jornais, mostrando como se queria impedir pela violência o exercício das liberdades garantidas pela Constituição. E terminava com decisão e altaneria: "Nem ameaças nem agressões deterão a TFP no prosseguimento desta triunfal campanha em defesa da civilização cristã".

Apoio do Arcebispo Mons. Cifuentes

Representou verdadeiro alento a carta dirigida ao Presidente do Conselho Nacional da Sociedade pelo Exmo. Revmo. MONS. ALFREDO CIFUENTES GÓMEZ, antigo Arcebispo de La Serena e um dos mais destacados e respeitados membros do Episcopado Chileno.

Assim se exprimiu Mons. Cifuentes: "Li com especial interesse a reverente e filial mensagem que, em nome da Sociedade que representam, os Srs. dirigem a Sua Santidade o Papa Paulo VI [...]. Tal mensagem reflete dois caracteres que sempre animaram o espírito dessa Sociedade que os Srs. representam; o espírito cristão e o verdadeiro amor à pátria. Espírito cristão, porque justamente vêem ameaçados os princípios ligados intimamente à doutrina da Igreja; e amor à pátria porque precisamente o ataque a esses princípios vulnera em suas bases o bem-estar e a paz da nação. Como filhos fiéis, os Srs. recorrem à suprema Autoridade da Igreja com sentimentos de profundo respeito e confiança.

Amigo dos Srs. desde há bastante tempo, não posso deixar de congratular-me ao vê-los com esta atitude, fiéis aos mais nobres e cristãos ideais".

Publicada nos principais diários de Santiago no dia 30 de julho, a missiva teve larga repercussão em todos os ambientes católicos do Chile, constituindo um precioso apoio para a campanha do abaixo-assinado.

Nota do Arcebispado e ocupação da Catedral

No dia 8 de agosto, o Bispo-Auxiliar de Santiago, MONS. FERNANDO ARISTÍA RUIZ, entregava à imprensa, em nome do Arcebispado, uma nota na qual assinalava que a SCDTFP "não representa a verdadeira voz da Igreja" e que sua atitude "de maneira alguma representa o pensamento e o sentir da Autoridade Eclesiástica"; em outro passo afirma que "a Igreja não se sente comprometida com nenhum sistema social".

Ao mesmo tempo em que era divulgada a nota do Arcebispado, que importava num repúdio à campanha da TFP chilena, um fato novo veio confirmar de modo sensacional o que a entidade vinha denunciando. No dia 11 de agosto, um grupo de Sacerdotes, Religiosas e leigos ocupou a Catedral de Santiago. Entre os vários atos de profanação então cometidos no interior da igreja, a imprensa noticiou uma homenagem a "Che" Guevara e a leitura de uma mensagem de Fidel Castro. Em uma faixa estendida entre as duas torres lia-se: "Por uma igreja junto ao povo e à sua luta".

Um dos líderes da ocupação, o velho agitador Clotario Blest Riffo, declarou que seus comparsas lutavam para que "a Igreja Católica seja verdadeiramente cristã [...] Recabarren e "Che" Guevara estão mais próximos de Cristo do que qualquer um daqueles que identificam a fé católica com os privilégios de uma minoria [...]. Não vamos retroceder, mas avançar, para purificar a Igreja de todas as suas taras materiais, a fim de que retorne ao primitivo Cristianismo".

A tomada da Catedral foi considerada por muitos, no Chile, como uma atitude desesperada de progressistas em contrapartida à campanha da SCDTFP. Assim a viram, entre outros, a revista chilena "Aqui está" e a agência noticiosa "Efe", em despacho distribuído na Argentina.

Os autores desse assalto sacrílego, que provocou uma onda de indignação no seio da população católica do Chile, receberam uma

Conclui na página 6

LEGENDA:
- Aspecto da festa de encerramento da campanha.


D. Geraldo de Proença Sigaud em Medellin

BRILHANTE ATUAÇÃO QUE REPERCUTIU EM TODO O CONTINENTE

Sobre a brilhante e benemérita atuação que o Exmo. Revmo. Sr. D. GERALDO DE PROENÇA SIGAUD, Arcebispo de Diamantina, teve na Colômbia, por ocasião da II Conferência do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), "Catolicismo" já deu uma notícia resumida em seu número 212/214, de agosto/outubro p.p.

Nossos leitores estão por certo interessados em conhecer pormenores dessa atuação que alcançou extraordinária repercussão em todo o continente.

Entrevista a "El Tiempo"

Pouco depois de chegar a Bogotá, S. Excia. Revma. foi procurado para uma entrevista, pelo jornal "El Tiempo", da Capital colombiana. A razão da entrevista é assim apresentada pelo Prestigioso periódico: "A Igreja brasileira está dividida. [...] A posição de Monsenhor Camara já é bem conhecida e agitou a opinião pública latino-americana. A posição encabeçada por Monsenhor Proença conhece-se menos, mas é preciso ouvi-la. Ontem o homem-forte da oposição a Dom Helder falou a "El Tiempo".

De passagem, é interessante notar como um jornal estrangeiro reconhece a enorme cobertura publicitária que se dá ao Arcebispo de Recife em todo o continente latino-americano, ao passo que as posições conservadoras são quase silenciadas. E por ai se vê o mérito de D. Sigaud, de ter furado esse cerco publicitário.

Em sua entrevista, o Arcebispo de Diamantina ponderou que não se pode falar de oposição entre Bispos, dentro da Igreja, à maneira do que ocorre em um parlamento. Tampouco existia uma oposição sua de caráter pessoal, a D. Helder Camara. Mas o fato é que tinha pontos de vista opostos e, conseqüentemente, programas distintos do Arcebispo de Olinda e Recife.

S. Excia. desce a pormenores. As condições básicas da vida na América Latina são boas, não sendo necessário reformar completamente as estruturas. Há, sem dúvida, muitos defeitos a corrigir. A "conscientização" de que fala D. Helder Camara é muito perigosa, quando a solução dos problemas não está em mãos das populações que se quer conscientizar. Neste caso, o povo que sofre resignadamente pode transformar-se numa massa explosiva que, habilmente dirigida por agitadores profissionais, caminhará para uma revolução catastrófica.

Quanto ao documento apresentado para a discussão na reunião do CELAM, ele parte de uma concepção falsa da realidade latino-americana. Pinta um quadro de escravidão e violência que não se verifica, porque a situação precária de tantos homens do campo e operários do continente resulta de causas muito mais complicadas do que uma simples exploração capitalista. Nos países sob domínio comunista, sim, pode-se falar de escravidão e violência, mas não nos países latino-americanos em geral.

A contribuição da Igreja deve ser a de formar o homem, para que, compreendendo êste não só os seus direitos, mas também os seus deveres, cumpra com estes, corrigindo assim os defeitos das estruturas. As bases da vida social são as virtudes, não as paixões. Nem o hedonismo nem a violência são bases da vida social.

Repercussão na Europa; correspondência de "Le Monde"

A segurança da posição de D. Geraldo de Proença Sigaud não poderia deixar de impressionar os jornalistas europeus presentes na Colômbia para a cobertura do Congresso Eucarístico Internacional e da Conferência do CELAM. Assim é que HENRI FESQUET, em despacho de 28 de agosto publicado em "Le Monde", de Paris, no dia seguinte, consagra à entrevista do Arcebispo de Diamantina estes tópicos, significativos numa pena que não passa por conservadora:

"Em todo caso, Monsenhor de Proença Sigaud, Bispo de Diamantina (Brasil), um dos mais reputados líderes conservadores, que não é membro da Assembléia [do CELAM], nem por isso está menos presente na Colômbia. Ele continua a se fazer notar por suas iniciativas: "El Tiempo" (Bogotá) acaba de publicar uma entrevista desse Bispo, na qual ele toma posição contra o documento preparatório da Assembléia. Acusa em particular Monsenhor Helder Camara de querer mudar as estruturas sem precisar de quais estruturas se trata.

Será a monogamia, pergunta ironicamente, ou a autoridade paterna, ou ainda a propriedade privada, que decorrem todas três do direito natural? Quanto à educação das massas [D. Sigaud se referiu à "conscientização" preconizada por D. Helder Camara, e não à educação, que é coisa bem diferente], Monsenhor de Proença Sigaud faz notar que esta não deveria jamais ser iniciada antes que fosse possível responder aos desejos assim despertados".

Documento dos 40

Ao mesmo tempo que desse modo ecoavam na Europa as declarações de S. Excia. Revma., "El Colombiano", matutino de Medellin, publicava com grande destaque a mensagem que quarenta Arcebispos e Bispos brasileiros enviaram ao Emmo. Cardeal D. Agnelo Rossi, Presidente da CNBB, denunciando a orientação errônea que certos setores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil vinham imprimindo a suas atividades (ver "Catolicismo", no 212/214, de agosto/outubro de 1968).

A publicação deste documento alcançou a maior repercussão na Colômbia e países vizinhos, provocando a irritação dos jornalistas de esquerda que faziam a cobertura do certame do CELAM. Os despachos telegráficos estampados nos jornais do Brasil, nessa ocasião, dão conta do reboliço provocado em certos setores eclesiásticos pela divulgação da mensagem.

Não faltou quem imputasse a D. Geraldo de Proença Sigaud a "culpa" pela publicação "divisionista". Entretanto, em carta dirigida a "El Colombiano", o Sr. Rodrigo Restrepo Rendón chama a si a responsabilidade, informando ter estado no Brasil onde tomou conhecimento do texto nos jornais, traduzindo-o para o espanhol e enviando-o à direção daquela folha para publicação. É interessante notar como as opiniões mais aberrantes da moral e da doutrina católica são amplamente reproduzidas pela imprensa sem que ninguém acuse os seus autores de "divisionismo", ao passo que os documentos que procuram restabelecer a verdade recebem logo essa pecha, precisando desculpar-se por terem saído a lume!

Uma série de cinco artigos

Foi a atuação de D. Sigaud à margem da conferência episcopal que produziu a maior irritação nos arraiais progressistas e o maior gáudio nos setores tradicionalistas.

Não tendo sido admitido ao conclave na qualidade de observador, como pretendia, por uma interpretação excessivamente rígida do regulamento, o ilustre Prelado dedicou o seu tempo a escrever artigos para o jornal "El Colombiano", de Medellin, que lhe ofereceu uma coluna intitulada "Al margen del CELAM".

Os artigos se limitavam a esclarecer alguns pontos obscurecidos pela demagogia dos chamados esquerdistas católicos.

Em "Um autêntico progresso", publicado no dia 29 de agosto, S. Excia. Revma. salienta que o papel da Igreja consiste em formar cristãos verdadeiros, sedentos do Reino de Deus, para que, buscando primeiro esse Reino e sua justiça, tudo o mais lhes seja dado por acréscimo. Em "O sofisma da violência passiva", dado a lume no dia seguinte, o articulista adverte que, salvo Cuba e Haiti, os povos da América Latina não vivem sob um regime de violência institucionalizada.

O artigo intitulado "O novo milagre: a mudança das estruturas" lembra que o socialismo cristão é condenado pela Igreja, e que não passa de um mito progressista; correspondente a um sonho marxista, pretender salvar a América Latina mediante a reforma das estruturas.

Talvez os artigos mais incisivos da série tenham sido os dois últimos, publicados nos dias 1° e 2 de setembro. Em "Uma Igreja pobre", o autor repele a idéia de que, sob pretexto de ser, a Igreja, dos pobres, os templos católicos devam ser também pobres.

A primeira razão, naturalmente, é que ali se presta culto a Deus, e, assim, a beleza e riqueza dos mármores, dos bronzes, das sedas têm por fim prestar honra a Jesus Sacramentado, cuja casa é a igreja. "Mas há uma segunda razão. A igreja é o palácio do pobre. É o único palácio do pobre. É sua casa, bela, rica, onde ele pode passar momentos felizes, gozando da beleza de seu palácio. Quando participa do Santo Sacrifício, quando se casa, quando batiza seus filhos, quando manda celebrar Missa em seus dias de alegria ou de tristeza, o pobre entra e sai da igreja, passa ali horas, ali se encontra com seus familiares,e amigos. Certo dia um homem viu-se diante de uma igreja da qual haviam retirado todas as obras de arte e todo o esplendor. Era um operário. Exclamou: "Tiraram-me o único palácio que eu possuía!"

Não é difícil imaginar a irritação que tais palavras, não obstante serem tão convincentes — ou por isso mesmo — produziram em mentes imbuídas de progressismo.

Para remate, o Arcebispo de Diamantina escreveu um artigo intitulado "Estruturas intocáveis". Nele revela S. Excia. Revma. suas divergências com D. Helder Camara, e historia as famosas perguntas que fez a êste, e para as quais não obteve resposta, a respeito de como seria a sociedade por ele sonhada (ver "Catolicismo", n.° 212/214, de agosto/outubro p.p.).

Não faltam no Brasil — escreve D. Sigaud eclesiásticos que "defendem uma reforma verdadeiramente socialista e marxista, e exigem uma mudança de todas as estruturas sociais e econômicas. Outros falam de reforma das estruturas, repetindo as palavras de ordem comunistas, como se todas as estruturas de nossa sociedade devessem ser modificadas.

Não, senhores! Há estruturas intocáveis! Há estruturas que nascem do próprio direito natural! Nem os particulares nem, o Estado podem modificá-las".

"A guerra privada de Monsenhor de Proença Sigaud"

De quanto incomodaram esses artigos, os leitores poderão fazer idéia pelo seguinte extrato de um despacho do Pe. J. L. Martín Descalzo, correspondente do "ABC" de Madri, publicado também em "El Tiempo" de Bogotá. Sob o entretítulo que destacamos acima, escreve o jornalista: "No extremo oposto [...] será preciso situar a guerra privada que nestes dias conduz em Medellin Monsenhor de Proença Sigaud, Arcebispo brasileiro de Diamantina, uma das personalidades mais... curiosas da Igreja de hoje. Famoso já durante o Concílio, por ter sido secretário e líder do "Coetus Internationalis Patrum" [...], prossegue agora sua guerra para defender uma interpretação minimalista do Concílio. E não podia faltar em Medellin. [...] Mas já que não pode ter acesso às sessões episcopais, encontrou seu canhãozinho num dos diários locais, de onde, cada manhã, lança sobre a assembléia umas opiniões que — se não me equivoco — parecem destinadas a não ter mais êxito que os "pronunciamentos" de "La Bastilla" [grupo ultra-esquerdista]".

Estas palavras repassadas de despeito revelam exatamente que os pronunciamentos do apostólico Prelado vinham atingindo os seus objetivos, despertando a opinião pública para o fato de não haver unanimidade do Episcopado latino-americano em apoio às teses esquerdistas.

Um artigo de José Paido Llada, no "Occidente", de 4 de setembro, exprime bem esse resultado (em que pese a trivialidade do estilo):

"De todos os Prelados assistentes ao CELAM, o mais interessante não foi Mons. Camara, mas outro brasileiro que representa precisamente o contrário do Bispo-Vermelho: o ultra-conservador Mons. Sigaud [... ]. Como não deram bolas a Sigaud na Conferência Episcopal — diz-se que não tem credenciais para entrar nos debates o homem, que é obstinado, dedicou-se a escrever uns artigos tremebundos em "El Colombiano" [.. . ]. E como os Bispos do CELAM não tugem nem mugem, e o Arcebispo de Diamantina fala e escreve até pelos cotovelos, comentam-se mais as crônicas de Sigaud que os debates em surdina dos Bispos. Claro está que os mais aborrecidos com as travessuras do brasileiro são os Padrezinhos rebeldes, camilistas ou pseudocastristas, indignados pela militância conservadora do loquaz brasileiro.

Monsenhor Sigaud formou um tal reboliço em Medellin, que uma jornalista brasileira, Marina Bandeira, que se diz perita em informações religiosas, acusou-o publicamente de ter as faculdades mentais perturbadas [...]. Que escreve o Bispo de Diamantina para suscitar tão furibundos ataques? Vejamos algumas amostras da copiosa produção de Mons. Sigaud, para compreender o desgosto da Bandeira e de quanto Padrezinho rebelde pisa nestes dias as ruas da Vila da Candelária. [...]. Estas são as impostações de Monsenhor Sigaud em "El Colombiano", que o converteram na figura mais controvertida do CELAM, embora pareça certo que o Arcebispo de Diamantina não tem direito de participar da reunião. Entretanto, o brasileiro "roubou o show". E como os resultados das deliberações episcopais se manterão em segredo, pois têm que ser enviadas a Roma para conhecimento do Papa, terminado o CELAM dá-se o curioso paradoxo de que se comentaram mais os artigos de Monsenhor Sigaud que os discursos de cem Bispos.

Os organizadores do importante evento de Medellin poderiam dizer, desconsolados: "Ninguém sabe para quem trabalha!"

Outras repercussões na imprensa

De fato, foram tantos os comentários publicados pelos jornais colombianos — reflexo, sem dúvida, da ainda maior repercussão que os pronunciamentos de D. Geraldo de Proença Sigaud alcançaram na opinião pública — que vamos nos ater aos mais interessantes.

"La Republica" estampa um longo editorial em que comenta as afirmações de S. Excia. Revma. sobre a inspiração marxista de certos documentos eclesiásticos. O articulista nota que esses documentos representam "uma nova linguagem de uma nova Igreja, em que não, faltam, infelizmente, semelhanças com o marxismo".

Carlos J. Viliar-borda, ainda em "El Colombiano", afirma que o Arcebispo brasileiro converteu-se no tema central da Conferência, apesar de não estar participando diretamente dos debates.

Gabriel Pulecio Mariño, correspondente de "El Tiempo" em Medellin, salienta que as declarações da Sra. Marina Bandeira em entrevista coletiva à imprensa haviam criado um ambiente de mal-estar, por se considerar que a invectiva de caráter pessoal que fizera contra D. Sigaud não tinha outro objetivo senão invalidar as opiniões doutrinárias do Prelado.

Em sinal de protesto pelo destaque que "El Colombiano" dava aos artigos de S. Excia. Revma., o Pe. Santiago José Ospina suspendeu a colaboração que vinha prestando ao jornal, com informações sobre o andamento da Conferência. O Sacerdote colombiano se queixou de que as suas notícias eram sempre relegadas para segundo plano. O diretor respondeu-lhe, quanto aos artigos de D. Sigaud, que o estilo e a categoria do colaborador reclamavam uma posição de destaque nas colunas do jornal.

A grosseira invectiva de uma "perita" brasileira.

Em sua investida grosseira contra o Arcebispo de Diamantina a "perita" Marina Bandeira não poupou também a TFP, afirmando que a Sociedade fora condenada êste ano ainda pelo Episcopado, porque suas posições seriam pré-conciliares.

Desmentindo a perita brasileira, D. Geraldo de Proença Sigaud observou — em entrevista à imprensa — que ela teria feito melhor em refutar os princípios e as idéias que S. Excia. Revma. havia apresentado, em lugar de descambar para injúrias pessoais, aliás sem fundamento na realidade. E quanto à TFP, é um movimento que se opõe à atida esquerdista, mas defende a tradição, a família e a propriedade, porque estes são os fundamentos de todo progresso verdadeiro.

Encerrando sua inestimável atuação em Medellin, o egrégio Arcebispo pronunciou uma brilhante conferência no auditório do Instituto de Belas Artes, no dia 6 de setembro, sobre o tema "A Igreja no mundo de hoje"

Texto de

A. Borelli Machado