Solilóquio da alma devota ante o presépio de Deus Menino
Corações a arder, línguas a engrandecer: almas a amar a um Deus amante, a um Deus amável, a um Deus o mesmo amor.
Porém que ardores, e lágrimas, que louvores, e afetos poderão corresponder ao excesso daquele infinito amor, que trouxe ao Filho de Deus a nascer de uma Virgem, em uma lapa, homem por amor dos homens?
De quem dizes, alma minha, que nasceu? Uma vez nasceu do seio de Deus Padre: outra, das entranhas de uma Mãe Virgem.
Uma vez nascido do Inascível, Deus de Deus: outra vez nascido para renascermos, carne da nossa carne.
Então entre os resplendores dos Santos, antes do luzeiro: agora entre as sombras da culpa, no meio das trevas. Então como princípio da vida: agora como fim da morte.
Uma vez, mundo arquétipo essencialmente conhecido de si mesmo: outra vez mundo pequeno desconhecido do Seu mundo.
Porém silêncio; que a sua Geração, quem a poderá explicar? Só o crer, e o amar: achar o vau no pego só sabem o amor, e a Fé.
E aonde nasce agora novamente? Na Cidade de Davi, o Filho de Davi: entre as pedras, a Pedra: entre as palhas o Grão: o Pastor entre os pastores: no caminho, o que é caminho: na gruta a Fonte: no campo a Flor.
Oh vinde, vinde ver o Amor Menino, o Mar na concha, o Sol com frio: vinde, admirai este prodígio, uma, e outra vez: só as muitas lágrimas, que nascerem de O verdes, vo-Lo impidam ver.
E para que nasce este Menino? Para dar glória a Deus, alegria aos Anjos, salvação aos homens, confusão aos infernos.
Para unir-Se a Si conosco, e a nós conSigo: para apartar a nós de nós, e de tudo o que não é Ele mesmo. Porque é Deus conosco, Deus de nós, Deus para nós, e por muitos títulos, Deus nosso.
Oh quem se abrasara de amor! Quem morrera por amor do Amor, que nasce para que vivamos do amor!
O Filho de Deus, o Verbo Eterno, o Rei da Glória em traje tão peregrino! De tão longe vem buscar-me! a mim ingrata criatura! a mim pecador vilíssimo! Para que O ame, e para salvar-me! Basta, que me abrasa o amor deste dulcíssimo Menino.
Porém não basta; que esta morte é vida, este incêndio é refrigério. Espírito Divino, acendei, abrasai, transformai o meu ser no vosso Ser. Oh quem amara mais, e mais.
Oh Mãe admirável, bendita entre todas as gerações abençoadas pelo fruto de vossa geração: alcançai-nos deste Senhor, que seja feita em nós sua santíssima vontade, em tudo, e por tudo, sempre, e em toda a parte: e ajuntai nossos corações com o vosso, para o amarmos, e louvarmos dignamente.
Menino de minha alma, meu eterno nascido de ainda agora, meu gracioso molhilho de amores perfeito, minhas belezas encantadoras do coração humano: faze-me Serafim, para que Te ame muito: dá-me limpeza grande em meus lábios, para calçar teus pequeninos pés de mil ósculos santos: deixa cair das conchas de teus olhos uma lágrima sobre meu peito; para que se abrande, e acenda em caridade divina. Oh! viva, e reine em mim, e em todos o teu amor eternamente.
Padre Manoel Bernardes
Século XVII