Conclusão da página 2

TAMBÉM NA ARGENTINA, CHILE E URUGUAI

condenação menos severa do que à gravidade de seu gesto o exigia. A Autoridade Arquidiocesana, ao mesmo tempo que os condenava, deixou aberto o caminho para uma reconciliação que logo se efetivou. Tal dualidade de pesos e medidas — todo o rigor para com a SCDTFP e benignidade pastoral para com os profanadores progressistas da Catedral — obrigou a TFP chilena a sair a público com um comunicado à imprensa.

Entre outras considerações, assim se exprime esse comunicado: "Negamos que nosso procedimento se preste a qualquer crítica justa da parte de S. Excia. [o Bispo Auxiliar]. Entretanto, se alguma crítica nos pudesse ser feita, ela deveria ser em todo caso muito menos grave do que a merecida pelos escandalosos invasores de nossa Catedral. Tomando medidas contra estes últimos, Sua Eminência [o Cardeal Arcebispo de Santiago] deixou aberta uma porta para um entendimento, o qual se concretizou dois dias depois da profanação. Para nós, pelo contrário, não houve essa benévola abertura para uma conciliação. Evidente dualidade de pesos e medidas que, em nossa legítima defesa, nos vemos melancolicamente obrigados a anotar".

Diante da afirmação do Exmo. Bispo-Auxiliar, de que a Autoridade Eclesiástica sentia "mal-estar" com a campanha da SCDTFP, pergunta esta ao Prelado: "Não se comove o Sr. Bispo-Auxiliar com o mal-estar expresso por dezenas de milhares de chilenos em virtude da infiltração esquerdista nos meios católicos, tanto mais agora que esse mal-estar chegou a um auge indescritível com a sacrílega invasão da Catedral? Não acha justo o Sr. Bispo-Auxiliar que diante desse mal-estar clamemos ao Pai Comum da Cristandade como filhos que pedem socorro?" E prossegue: "Alega ademais S. Excia. que nossa atitude "de maneira alguma representa o pensamento e o sentir" da Autoridade Eclesiástica. Ficamos perplexos. Quer isto dizer que a Autoridade Eclesiástica não crê que exista infiltração esquerdista nos meios católicos? Pensa não ser útil intervenção do Santo Padre para auxiliar a desmascarar essa infiltração? De qualquer maneira, é preciso deixar claro que nunca afirmamos atuar em nome da Autoridade Eclesiástica; convidamos a quem nos queira fazer essa acusação, que a prove publicamente".

Ampla repercussão na imprensa

A campanha da TFP chilena repercutiu profundamente em todos os setores da opinião nacional, e a imprensa que, com raras exceções, demonstrou sempre má vontade para com a jovem e brilhante entidade, não pôde deixar de publicar muitas notícias sobre o abaixo-assinado. Seria impossível referir aqui tudo o que apareceu nos jornais chilenos e de outros países latino-americanos a respeito da iniciativa da TFP andina; referiremos apenas alguns comentários, a título ilustrativo.

O órgão oficial do Partido Comunista Chileno, "El Siglo", estampou no segundo dia da campanha um artigo intitulado "La Edad Media en Ahumada". Não esconde o articulista o seu ódio à coleta de assinaturas iniciada na rua mais central de Santiago, a "Calle Ahumada".

O mesmo jornal noticia de maneira cinicamente deturpada a agressão sofrida pelos jovens da SCDTFP no centro de Santiago; também o diário esquerdista "El Clarín" dá a sua versão do atentado com o seguinte título: "Pistoleiro de "Fiducia" baleou jovens em Ahumada e Huérfanos"! (no Chile, a SCDTFP é freqüentemente designada pelo nome de sua revista, "Fiducia"). Outros jornais deram a versão correta dos fatos, noticiados também em várias emissoras de rádio e televisão da Capital e das províncias.

"El Diario Ilustrado" comentou em sua página editorial do dia 27 de julho a comoção causada pelo covarde atentado de que haviam sido vítimas os militantes da SCDTFP. No dia 28 um comentarista do mesmo jornal mostrava sua estranheza pelo entendimento existente entre elementos mais esquerdistas da Democracia-Cristã e comunistas nos ataques à TFP andina. O vespertino "La Tarde", de filiação democrata-cristã, publicou a 30 de julho um artigo injurioso, de página inteira, com o título de "Azares de ser "Fiducia".

"Ercilla", revista esquerdista de grande circulação, registrou em dois artigos o impacto causado no ambiente nacional pela campanha.

"El Clarín", no editorial de 1° de agosto intitulado "Duas juventudes", censura os jovens da TFP chilena que "perdiam seu tempo" na campanha de assinaturas e exalta a juventude democrata-cristã que percorria o país construindo casas... Na edição de 4 de agosto volta à carga com mais três artigos contra a campanha.

"La Nación", órgão oficioso do governo democrata-cristão, estampou a 9 de agosto um artigo baseado na nota do Arcebispado, pretendendo demonstrar que o abaixo-assinado era contrário à Igreja.

O jornal comunista "El Siglo" voltou a se ocupar da campanha a 27 de agosto, com dois artigos, um dos quais assinado pelo Secretário-Geral do Partido, Senador Luis Corvalán. Na mesma data "El Clarín" externava sua indignação ante o êxito da coleta de assinaturas nos setores populares.

O conhecido semanário "PEC", em edição de 23 de agosto, publicou um artigo editorial intitulado "Justiça para "Fiducia". Diz a certa altura: "É sem dúvida louvável que um grupo de jovens, em meio da apatia geral que caracteriza a juventude não comunista do país, tenha o idealismo suficiente para lutar a fundo por uma ideia e a coragem necessária para sair à rua a defendê-la". Lamenta a seguir a violenta reação da Hierarquia contra a Sociedade: "Nunca essa Hierarquia disse nada ante os ataques insolentes que os Jesuítas têm lançado em sua revista "Mensaje" contra todos os Bispos e Sacerdotes que não pensam como eles. Só em face das legítimas queixas de "Fiducia" pareceu-lhe oportuno repelir a "ofensa" a pessoas da Hierarquia e do Clero".

A SCDTFP desafia os agressores

Depois da brutal agressão de 24 de julho, acima referida, os atos de violência se repetiram, em maior ou menor proporção, tendo sido registradas pelas autoridades policiais, ao longo da campanha, 33 ocorrências, entre agressões físicas e roubo de material. Atentado da maior gravidade ocorreu no dia 25 de agosto, quando elementos esquerdistas tentaram impedir a coleta de assinaturas ameaçando os angariadores e o público com armas de fogo.

À vista dessa situação, o Presidente da TFP chilena, Sr. PATRICIO LARRAIN BUSTAMANTE, dirigiu uma carta ao Diretor Geral dos Carabineiros, General Vicente Huerta, reclamando a devida proteção policial, que garantisse as liberdades violadas pelos agressores. Ante o silêncio da autoridade, a entidade lançou um comunicado à imprensa, do qual destacamos os seguintes tópicos: "1 — O Corpo de Carabineiros não chegou à enormidade de coibir nossa liberdade, mas deixou atuarem livremente os comunistas e demais extremistas que tratam de impedir pela força nossa campanha, violando assim o artigo 10, nos 2 e 3, da Constituição Política, que garante a liberdade de opinião. 2 — Não é só a liberdade da TFP que está sendo violada, mas também a do povo chileno, impedido de expressar livre e diretamente ao Papa suas necessidades e angústias, pela tirania que os agitadores exercem nas ruas. 3 — Do exposto resulta que o povo chileno não tem liberdade para dirigir-se ao Papa em um país no qual, por suprema contradição, o Partido Comunista tem liberdade de existência, propaganda e representação parlamentar".

Ao mesmo tempo o Sr. Patricio Larrain Bustamante dirigiu-se de público aos agressores, desafiando-os a saírem de seu anonimato: "As pessoas que atacam os militantes da TFP não têm a coragem de dizer quem são, nem a soldo de quem atuam, se de comunistas, se de democratas-cristãos, se de socialistas [...]. A Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade registra estes fatos a fim de que passem para a História, para vergonha dos culpados, e desafia os autores das agressões, se é que não são, meros mercenários e têm um mínimo de idealismo e dignidade, a que saiam a público pelos jornais, atacando no terreno ideológico, em vez de recorrerem ao crime".

No dia 20 de setembro, passados mais de quinze dias da carta da SCDTFP, o General Huerta respondeu reconhecendo a gravidade dos atentados à campanha, e comunicando ter dado instruções às forças policiais para que prestassem toda a proteção devida, a fim de evitar a repetição de tais fatos.

Operários e camponeses

Toda a diretoria do sindicato dos trabalhadores empregados na construção do Santuário de Maipu — magnífico templo em honra de Nossa Senhora do Carmo, Rainha e Padroeira do Chile — cuja paralisação é preconizada pelo progressismo, subscreveu o abaixo-assinado e ofereceu seu concurso à campanha. Assinaram também maciçamente os operários da obra.

A título de experiência, coletores da TFP chilena se dirigiram a dois "asentamientos" criados pelas leis de reforma agrária, Chacabuco e Colônia Kennedy. Trata-se de imóveis confiscados aos seus donos, nos quais camponeses, não proprietários, trabalham sob a tutela do Estado. O resultado foi simplesmente extraordinário, pois cerca de 80% dos "asentados" abordados assinaram.

Por ocasião da festa de Santa Rosa de Lima, deslocaram-se os coletores para a cidade de Pelequén, onde existe um tradicional santuário erigido pela devoção popular. Uma grande romaria acode ali anualmente para as celebrações da Santa, e a maioria das pessoas presentes subscreveu a mensagem: em um dia, e com apenas quinze coletores, obtiveram-se 4.500 assinaturas.

Personalidades assinam

Subscreveram o abaixo-assinado de apoio à "Reverente e filial mensagem" diversas personalidades, entre as quais os SENADORES ENRIQUE CURTI, ARMANDO JARAMILLO e FRANCISCO BULNES, do Partido Nacional, e JULIO DURÁN, do Partido Radical. Deram ainda sua adesão deputados de várias agremiações, — inclusive um ou outro do Partido Democra-Cristão...

Assinaram também autoridades municipais, professores universitários, militares e pessoas de todas as classes sociais, além de numerosos Sacerdotes e Religiosas.

Encerramento da campanha

Depois de sessenta dias de agitada e meritória atuação, a Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade deu sua campanha por encerrada a 15 de outubro.

Na véspera, os coletores percorreram o recinto da importante Feira Internacional de Parque Cerrillos, gritando "slogans" e distribuindo um volante no qual a Sociedade se congratulava com o povo chileno pelas 120 mil assinaturas obtidas para a histórica mensagem ao Papa. Foi das mais simpáticas a acolhida por parte dos presentes.

Às 12 horas do dia 15, foi o centro de Santiago inundado por uma chuva de impressos alusivos à campanha, lançados do alto de edifícios e por um avião que sobrevoava a cidade. Uma caravana de carros percorreu à tarde as ruas da capital andina, com cartazes celebrando a campanha que se encerrava, enquanto um alto-falante anunciava os resultados obtidos.

À noite foi oferecido na sede social um cocktail aos sócios, militantes e amigos da entidade.

40 mil assinaturas no Uruguai

Quando os jovens membros do NÚCLEO URUGUAIO DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE saíram às ruas de Montevidéu para a coleta de assinaturas de apoio à "Reverente e filial mensagem" que, a exemplo das entidades congêneres do Brasil, Argentina e Chile, estavam dirigindo ao Papa Paulo VI contra o progressismo, houve quem exclamasse: "Não posso crer!... ainda há católicos autênticos!"

O espanto expresso por essa exclamação — que tem, evidentemente, muito de hipérbole — não é de se estranhar num país onde o laicismo, dominou durante muitos anos a legislação e o ensino, e que vem, de tempos a esta parte, sofrendo a influência de uma Democracia-Cristã marcadamente esquerdista, apoiada por uma ativa minoria do Clero.

Assim é que, apesar de pouco numeroso ainda e pobre de meios materiais, o valoroso Núcleo uruguaio de Tradição, Família e Propriedade causou com sua iniciativa um verdadeiro "revuelo" no país. Apenas um fato para exemplificar: logo que leu num diário da Capital o texto da "Reverente e filial mensagem" e soube que se havia iniciado uma campanha de assinaturas em apoio dela, um fazendeiro da distante cidade de Salto telefonou para um amigo de Montevidéu, pedindo-lhe que convidasse em seu nome os militantes da Tradição, Família e Propriedade para irem correr o abaixo-assinado naquela localidade.

Agressões e aplausos

Nessas condições, não causa surpresa o número de assinaturas obtido. Sem embargo de fatores adversos, dos quais o principal foi a insuficiência de coletores e o pouco tempo que foi possível dedicar à campanha, o total de firmas chegou no Uruguai — praticamente só em Montevidéu — à expressiva cifra de 40 mil.

Também os militantes da Tradição, Família e Propriedade do Uruguai foram objeto de diversas agressões, algumas das quais instigadas por eclesiásticos, que não se contentaram em combater a campanha em seus sermões e em programas de televisão. Das agressões participavam invariavelmente pedecistas, ao lado de comunistas notórios. Em geral o público presente a algum ato de hostilidade à campanha tomava a defesa dos militantes. Tal é o caso de um homem de uns 40 anos que ficou numa tarde cerca de duas horas junto à banca de coleta de assinaturas; perguntado sobre a razão disso, explicou: "Estou aqui para ajudá-los, se os comunistas tentarem agredi-los hoje".

Também aqui a receptividade maior para a mensagem foi encontrada nos setores mais modestos da população. Mas de modo geral o público estava, no Uruguai, muito chocado com a atuação de clérigos esquerdistas. Uma senhora de classe média, por exemplo, disse a um dos militantes: "Aos Padres e Bispos esquerdistas, não os queremos na Igreja". São inúmeras as repercussões anotadas pelos coletores de assinaturas. Algumas se revestem de um aspecto pitoresco, como o caso de dois argentinos que responderam ao serem abordados: "Bem, vamos assinar pela terceira vez: a primeira foi em Buenos Aires; a segunda no Brasil; agora aqui, no Uruguai!"

Entre as personalidades que subscreveram a mensagem cabe destacar o representante uruguaio junto à Santa Sé, EMBAIXADOR ALEJANDRO GALLINAL, Srs. WALTER PINTO RISSO, Ministro de Obras Públicas, ALFREDO DE AMBROSIS, Presidente da Câmara das Indústrias, e outros.

Salto: batalha sonora

Atendendo, como já foi mencionado no início, ao convite que lhes fizera um fazendeiro de Salto, seis militantes se deslocaram até aquela localidade no dia 24 de agosto, numa viagem de mais de 500 quilômetros.

Era a cidade de Salto considerada um dos centros do esquerdismo católico do Uruguai, e ali atuara o próprio Pe. Zaffaroni, êmulo do Pe. Comblin ao qual nos referiremos adiante.

A coleta de assinaturas realizada na tarde de sábado na Praça da Catedral não teve maiores incidentes. Apenas alguns Sacerdotes trajados civilmente procuraram impedir a campanha, provocando discussão com os militantes e com populares que assinavam, e entoando músicas de debique.

No dia seguinte, domingo, pela manhã, resolveram os militantes efetuar a coleta de assinaturas nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, a de maior freqüência nas Missas dominicais e também um dos focos do progressismo local. Os elementos esquerdistas ligados à paróquia já esperavam por isso, e começaram logo a gritar através de um megafone, aos que se aproximavam da banca de coleta, que não assinassem, pois aquilo seria contra o Bispo. Apesar dessa coação moral, muitos assinavam, mas é evidente que os gritos dos esquerdistas afastavam alguns.

Providenciaram então os jovens da TFP um potente alto-falante e, colocados a 30 metros da igreja, convidavam através dele o povo a assinar. Não se deram por vencidos os progressistas e saíram também à cata de um alto-falante, alugando afinal um caminhão equipado com esse aparelho. Travou-se então uma verdadeira batalha sonora, pois enquanto os coletores continuavam a conclamar o povo a assinar e bradavam "slogans" contra o esquerdismo dito católico, os outros tentavam impedir que o público assinasse, gritando frases contra a campanha. Por fim, os progressistas, inconformados com o pouco êxito de sua pregação, avançaram em direção à banca de assinaturas, em atitude agressiva, instigados por dois Sacerdotes. Populares interferiram em defesa dos militantes da TFP. Verificando que não havia mais condições para sua atuação, e empenhados em preservar o caráter pacífico da campanha, estes se retiraram do local.

À tarde, foram eles ao hipódromo local, coletando mais de mil assinaturas à entrada dos turfistas. Quando se preparavam para regressar a Montevidéu, à noite, foram seguidos e ameaçados por alguns Padres e elementos progressistas, devendo efetuar uma verdadeira manobra de despistamento para evitar que se consumasse uma agressão.

O progressimo "zaffaronista"

Exemplo concreto no Uruguai daquilo que a "Reverente e filial mensagem" denunciava são, entre outros, os escritos e a atuação do Pe. Zaffaroni, ex-Jesuíta que se secularizou para trabalhar como Padre-operário. Sua atuação repercutiu largamente em todos os setores da opinião pública uruguaia.

Assim sendo, não podia a TFP oriental deixar de mencionar ao Papa esse Sacerdote. A "Reverente e filial mensagem", depois de se referir ao subversivo belga Pe. Comblin, autor de um plano para revolucionar a América Latina toda, observa: "[...] em nosso país têm aflorado tendências análogas, como, por exemplo, na atmosfera de luta de classes propiciada pelo Pe. Zaffaroni, tanto nas tristemente famosas "Marchas dos plantadores de cana de Artigas", como na atuação que esse infeliz pregador clerical da violência e da subversão desenvolvia no "Movimento Revolucionário Oriental" (MRO), o qual, por sua vez, é elemento integrante do grupo esquerdista significativamente rotulado de FIDEL ("Frente Izquierdista de Liberación"). Essas tendências se manifestam também em certos artigos da revista "Víspora".

Um dos volantes distribuídos durante a campanha de coleta de assinaturas transcrevia trechos de escritos desse Padre. Em suas conferências sobre "Camilo Torres, el Sacerdote guerrillero", o Pe. Zaffaroni fala do apóstata colombiano como "de um extraordinário líder e de um heróico revolucionário"; e em outra ocasião comenta: "Porém Camilo, em seu esforço de sinceridade, chegou a perguntar-se: pode-se na Colômbia amar ao próximo sem matar? E Camilo Torres julga como cristão e como sociólogo que não. Quer dizer que é necessária a luta armada para defender e amar eficazmente o próximo".

Diz ainda o mesmo Pe. Zaffaroni, em seu livro "Sacerdócio y Revolución", num trecho transcrito num volante da TFP uruguaia: "Tudo isso nos deixa entender que o sacerdócio hoje na América Latina deve constituir-se em parte integrante do movimento revolucionário que está em gestação. Deve rebelar-se contra o regime violento e injusto que se estabeleceu no continente com a conivência da Igreja".

Texto de

Gustavo Antonio Solimeo


A liturgia, o dogma, a moral, tudo é menoscabado sorrateiramente nos sermões, na conversação, nos escritos

FASTOS E FATOS

Cônego Bueno de Sequeira

As potestades das trevas soem usar de dois processos para combater a Igreja de Cristo: um, externo, que são as perseguições sangrentas; outro, interno, que são as dissensões, as discussões estéreis, as heresias, o cisma. A História tem provado que o processo externo, em vez de enfraquecer a Igreja, A revigora, o que fez dizer a Tertuliano que o sangue dos mártires é sementeira de cristãos. Ao contrário, o processo interno destrói a caridade e foi ele que desfalcou o rebanho, afastando do grêmio da Igreja, primeiro, grande parte do Oriente e, tempos após, não pequena parte da Europa. Esta espécie de joio está medrando hoje de permeio com o trigo.

Sob pretexto de atualização da Igreja, os lobos vão minando os próprios alicerces do Edifício. Começaram pelas inovações na Liturgia. Para justificar as deturpações, a malandrice serve-se da palavra paraliturgia, — designando com ela uma espécie de liturgia falsa em substituição à Liturgia oficial e autêntica. A obra-prima do Artista Divino, que é a Missa, foi a primeira a ser atingida, não só mediante ablações de textos à revelia do Magistério, mas ainda mediante ridicularização do ato litúrgico. Aqui, bem perto de mim, houve uma Missa chamada do galo forte. Bandeiras de um clube de foot-ball, patrocinado pelo Bispo-Auxiliar, desfraldaram-se em cima do altar ao lado de bolas de jogo, borradas de preto e branco. E uma fanfarra barulhenta, acompanhando letras profanas, profanou o recinto sagrado. Depois, veio a Missa das meretrizes. O celebrante parafraseou, no seu linguajar grosseiro, o episódio da mulher adúltera relatado por São João. Mas o matreiro Sacerdote omitiu o desfecho do Evangelho: "jam amplius noli peccare". Foi o mesmo que dizer às infelizes: podeis continuar a vossa profissão, porque Jesus Cristo não vos condena. Em Lavras, Diocese de São João delRei, houve espetáculo quase similar.

Dois jovens Sacerdotes salesianos, um, chamado Chicão, e outro, Gebê, abalaram-se de São João del-Rei e foram a Lavras fazer conferência religiosa para as alunas da Colégio Nossa Senhora de Lourdes, das Irmãs da Piedade. Trajavam indumentária simplista e eram acompanhados por duas ou três moças elegantes. Gebê celebrou a Missa. Chicão dirigiu o coro. Durante o desenrolar da ação litúrgica, as Freiras e suas alunas entoaram as canções "A Praça" e "Deixa a banda passar", acompanhando o ritmo da música com trejeitos apropriados. A noite, os dois levitas salesianos, juntamente com as companheiras de viagem e outras moças da cidade, promoveram uma serenata barulhenta que provocou as iras do delegado local. Este, receioso de um escândalo, chamou o seu amigo Dr. Unes, também amigo do Colégio, e mandou admoestar as Freiras, prometendo recolher os "rapazes" ao xadrez se a funçanata fosse repetida.

Um Sacerdote meu conhecido, bom teólogo, ofereceu-se para lecionar apologética gratuitamente nesse afamado educandário. Seu oferecimento foi rejeitado porque, se aceito, iria melindrar a freirinha, que vem ministrando o ensino de Religião. Eis aí. Essa gente não só deixa de ensinar o que deve mas até tem medo de defrontar com a sã doutrina. Ainda há pouco, as Freiras do Pensionato de Santa Teresinha (Rua Rio Grande do Norte, Belo Horizonte) despediram o Capelão Pe. João Botelho apenas porque a ortodoxia desse piedoso Sacerdote estava incomodando a direção da casa e contrariando os métodos "pedagógicos" das Freiras. Ora, educandário que dispensa a colaboração de um Padre João Botelho devia ser fechado a bem da moral pública.

Passando, um domingo, em frente na Matriz de São José, ouvi tanto barulho lá dentro que resolvi entrar. Era na hora da homilia. O jovem pregador atacava de rijo o Governo da República e ilustrava a sua catilinária com anedotas tão engraçadas que o povo não agüentava. Desferia gargalhadas verdadeiramente homéricas. Parecia uma sessão da família Trapo, na televisão. "Isso é Missa?" perguntei a um Redentorista presente. (Sem resposta).

Durante uma Missa, no salão paroquial da Boa Viagem, o celebrante se pôs a dialogar com a assistência. Mas tantas foram as inconveniências, que um ouvinte resolveu contestar a instrução. E como o orador se viu embaraçado, terminou a Missa nesse ponto. Aparteante: o Diretor do Instituto Teológico. Celebrante: um famigerado Sacerdote que ajudou favelados a invadir propriedade alheia no tempo do janguismo.

A Santa Missa, traduzida para o vernáculo com erros e ambigüidades até na fórmula da consagração, continua a ser mutilada por alguns Sacerdotes afoitos. Sei de alguns que suprimem as duas intercessões, alegando que "essa cambada de Santos só serve para atravancar o ato litúrgico".

A demolição atingiu também grande parte das devoções aprovadas ou recomendadas pela Igreja. Do Mês de Maio nem vestígio em muitas paróquias. O Mês de Outubro é mutilado ou simplesmente esquecido. Na minha freguesia, o terço é proibido. A primeira sexta-feira do mês é ridicularizada. A confissão é aconselhada só para quem "tem problema de consciência", pecado grave. O culto das imagens, praticamente combatido; igrejas matrizes, como a de Campo Belo, Diocese de Oliveira, carecem desses símbolos sagrados até no altar-mor; a iconoclastia começou em alguns Seminários, hoje quase desertos ou fechados. Daí passou para as paróquias. Em Iraúna, Diocese de Divinópolis, um Padre holandês recusou receber a imagem peregrina de Nossa Senhora Aparecida, que o gringo apodou de "negrinha"; o povo quis "reagir", mas a polícia protegeu o herege. Agora, até os crucifixos se transformam em simples cruzes, sem o Cristo.

O Sacramento do Matrimônio não escapou da fúria gringuesca. Na Matriz de São José, Belo Horizonte, realizou-se um casamento "hippie" que escandalizou a capital mineira; no meio do pandemônio organizado pelos cabeludos e pelas moças de tanga, o Sacerdote carregou com os noivos para a sacristia, de onde saíram por uma porta lateral após a cerimônia. Os Franciscanos da Rua Pernambuco oficiaram um casamento, precedido de uma cantoria cuja letra era, toda ela, uma zombaria do grande Sacramento.

Acontecimento que fez época foi a passagem meteórica do Bispo de Cratéus, que o povo apelidou de Dom Fragoroso, corrompendo-lhe o nome. Convidado pelo Superior do famigerado Convento do Carmo, S. Excia. voou do Nordeste e veio catequizar os mineiros. Numa arenga meio subversiva meio herética, negou implicitamente a infalibilidade do Papa, porque "só Deus é infalível". Foi apresentado pelo pastor protestante Uriel, cujas ovelhas o depuseram dias depois, por ter colaborado com "romanistas".

Solidários, sem prévio exame de causa, com subversivos, alguns Frades nem temem o ridículo. Um Dominicano celebrou Missa de sétimo dia por alma de uma jovem estudante que teria sido degolada pela polícia baiana durante uma passeata estudantil. Pouco tempo depois ficou provado que a tragédia não se deu. E não se deu porque a jovem estudante nunca existiu. Puro romance, aliás bastante possível neste Brasil imenso.

Paralelamente com a negação, clara ou implícita, das verdades reveladas, alguns patuscos Sacerdotes não se descuidam de oferecer aos fiéis oportunidades de dissipações. Um Franciscano holandês da Rua Pernambuco promove, periodicamente, excursões profanas aos países vizinhos. Nada de apostolado. Finalidade exclusivamente lucrativa, e bem lucrativa; tanto assim que o esguio Frade prefere viajar à noite para evitar despesas de pouso em hotel.

Em Belo Horizonte está em moda a promoção de bailes de carnaval em salões paroquiais. A bambochata teve origem na paróquia franciscana de Carlos Prates; aqui, a entrada era paga, ficando encarregado do guichet o risonho Frei Félix, hoje desaparecido; sendo paga a entrada, qualquer "casal" podia adquirí-la sem necessidade de apresentar credenciais. A tiririca medrou. Este ano, três paróquias promoveram o "inocente" divertimento: a dos Santos Anjos, cujo Pároco é conhecido pelo apodo de "Padre de japona"; a da Pampulha, dirigida pelo "apóstolo das marafonas"; e de Venda Nova, cujo truanesco Vigário anunciou "um carnaval dos bons". Há três anos, o meu querido "Santuário de Aparecida" falou de "carnaval cristão", sem explicar ao leitor o sentido dos termos.

Até a moral está sendo um tanto amenizada. Ouvi dizer, mas não garanto, que um colaborador da "REB" justificou o vício solitário em determinadas circunstâncias. Mas garanto, porque li, que a revista "Vozes de Petrópolis" publicou em agosto do ano passado um artigo de certo Redentorista holandês a respeito do homossexualismo, desordem moral contra a qual São Paulo fulminou o mais veemente anátema. E o bom do teólogo, após, veladamente, discordar de São Paulo, mostra grande ternura para com os caluniados invertidos, principalmente ao referir o caso particular de um "casal" que foi entrevistado em estação de televisão na Holanda. Não sei se apanhei bem o pensamento desse teólogo, especialista em edeologia e ciências afins; mas, nas conclusões, o filho de Santo Afonso acha que se deve aconselhar "fidelidade" aos nojentos tarados.

Não faz muito, um Dominicano de São Paulo, em resposta ao repórter da revista "Realidade", declarou que o divórcio é perfeitamente aceitável numa sociedade pluralista, como a nossa, — circunstância que esqueceu ao Divino Mestre. E não vimos a sociedade TFP censurada por altos membros do Clero quando se opôs à reforma do Código Civil, defendida pelo divorcista Nelson Carneiro? Sub-repticiamente, tal reforma ia até ao extremo de admitir o amor livre no Brasil.

Existe por aí uma teoria modificadora do conceito de sexo. Isto já foi ventilado até em reuniões do Clero. Em conseqüência, restringem-se também, contra o Evangelho, as espécies de pecado mortal, neste setor e em outros. Na depuração sobram apenas três pecados graves: adultério, roubo e homicídio. Foi por causa desta indulgência extrabíblica que o piedoso Bispo de São João del-Rei proibiu a dois Frades franciscanos pregarem naquela Diocese.

Durante uma profissão religiosa a que esteve presente Dom Fragoso, na Diocese de Mariana, as noviças bipartiram o conceito de divindade: há um Deus das macerações, da renúncia, da melancolia, administrador do cárcere eterno, mas esse elas rejeitam; há um Deus respeitador das exigências da natureza, um Deus humanizado, e é esse que merece respeito e amor no mundo atual.

Eis aí. Primeiro, a liturgia; em seguida, o dogma; por fim, a moral: tudo é menoscabado sorrateiramente, nas pregações, na conversação, nos escritos. A impressão que tenho é que, em Minas Gerais pelo menos, o povo é que está conservando ou defendendo a Religião. Os Institutos religiosos, principalmente Dominicanos, Carmelitas e Franciscanos, propiciam abertamente a defecção da fé. Os Lazaristas, que aqui formaram, durante mais de um século, um Clero piedoso e culto, perderam as suas tradições, nem têm mais o espírito de comunidade; cada indivíduo mora onde quer. O certo é que foram obrigados a deixar a direção de notáveis Seminários, como os de Fortaleza, Salvador, Mariana e Diamantina. Os Senhores Bispos estão justificando a etimologia do termo: vigilantes.

Ademais, o que salta à vista, hoje, é uma deplorável crise de autoridade, no lar, na Igreja, no Governo. Ainda há pouco, os alunos do Instituto Teológico de Belo Horizonte apoiaram ruidosamente as desordens estudantis advindas com a morte de um colegial na Guanabara. Incapaz de conter os arroubos dos seus subordinados e, além disso, temendo uma agressão física, o elegante Diretor do instituto, Pe. Sérgio, houve de esconder-se num quarto escuro que lhe foi cedido na emergência pelo Diretor do Colégio Arquidiocesano. Para coroar o desrespeito à autoridade, foi afixado pelos alunos rebeldes um cartaz alusivo à covardia do Diretor. Esses teólogos serão os Padres do futuro... Há poucos dias, os alunos da Faculdade de Medicina de Belo Horizonte detiveram em cárcere privado, durante uma noite inteira, o Diretor da Faculdade, vários professores e funcionários; só depois de muita luta com os estudantes foi que a polícia conseguiu libertar os ilustres prisioneiros. Este espetáculo gratuito foi representado numa Universidade Federal...

Quando o escritor católico, como aconteceu por ocasião do manifesto dos leigos de Belo Horizonte, levanta a voz contra as aberrações, abusos e profanações, os defensores da desordem alegam que nós só vemos o lado negativo da situação; mas esses advogados do diabo se esquecem de que o lado positivo já existia antes deles e que, se continua a existir, é "malgré eux".

O Revmo. Cônego Francisco M. Bueno de Sequeira, de Belo Horizonte, é membro da Academia Mineira de Letras e professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Minas Gerais. Em artigo intitulado "Iconoclastas no Seminário", que teve grande repercussão há cerca de dez anos, advertiu com perspicácia contra desvios progressistas que então começavam apenas a despertar a atenção do grande público. O artigo que hoje estampamos nos foi enviado por S. Revma. em maio, mas os leitores verão que nada perdeu de sua atualidade.


VERDADES ESQUECIDAS

HÁ CÓLERAS MAIS SANTAS QUE A MANSIDÃO

De uma carta de SANTO ISIDORO DE PELÚSIO, monge do deserto de Lychnos (séc. V), ao Bispo de Theon:

Somos igualmente culpados tanto ao querer vingar as injúrias que nos são feitas, quanto ao não nos sentirmos tocados por aquelas que se fazem a Deus. Se se trata de nós, muito bem: usemos de mansidão e indulgência quando nos ofendem; mas quando é Deus o ultrajado, não o convém absolutamente suportar. É preciso externar nossa indignação pelo fato. Vede, entretanto, qual é a nossa fraqueza! Somos sensíveis até o ponto de não querer perdoar os nossos inimigos, e não temos senão afabilidade para os que se levantam contra Deus. Moisés não agia assim, conquanto fosse o mais afável dos homens. Ele não deixou de se encolerizar contra os israelitas quando estes fizeram o bezerro de ouro, e sua cólera, nessa ocasião, foi muito mais santa do que toda a mansidão que ele pudesse ter mostrado.

E em outro escrito:

Elias levantou-se contra os idólatras, João Batista contra Herodes, São Paulo contra Elimas. Isto não foi senão para vingar as injúrias feitas a Deus; quanto a eles, esqueciam sem dificuldade aquelas que lhes eram feitas. É verdade que Deus é bastante poderoso para Se fazer justiça; mas ele quer que as pessoas de bem detestem o pecado e o façam detestar, e é nessa conduta de zelo que os Santos faziam consistir a virtude e a verdadeira filosofia.

("Esprit de Saints illustres" — Abbé L. Grimes — Sagnier et Bray, Libraires Editeurs, Paris, 1853 — vol. I, pp. 149-150).