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O PORQUÊ DESTE NÚMERO DUPLO

A IGREJA CATÓLICA INFILTRADA POR ADVERSÁRIOS VELADOS

Plinio Corrêa de Oliveira

Catolicismo publica hoje um número duplo, correspondente aos meses de abril e maio, no qual dá conhecimento a seus leitores de dois autênticos documentos-bomba sobre a presente crise na Santa Igreja. O primeiro deles, estampado no boletim católico “Approaches”, de Londres (no. 10-11, de janeiro de 1968), e intitulado “Dossier a respeito do IDO-C”, está traduzido na pág. 10 desta edição. O segundo veio a lume sob o título “Os pequenos grupos e a corrente profética” no no 1423, de 11 de janeiro de 1969, da revista “Ecclesia”, de Madri, e nós o traduzimos mais adiante, à pág. 14. Para melhor compreensão de nossos leitores, cada um desses documentos vem precedido de um estudo de apresentação (contendo um substancioso resumo do texto), elaborado pela redação desta folha.

O IDO-C, e o “International Catholic Establishment”

O documento de “Approaches” dá notícia de um grupo ou organismo, algum tanto enigmático, o “International Catholic Establishment”, oficialmente independente de qualquer instituição religiosa ou estatal, e sob cuja orientação atua uma gigantesca máquina de propaganda – o IDO-C, ou seja, Centro Internacional de Informação e Documentação relativa à Igreja Conciliar. Essa máquina é destinada a inocular nos meios católicos mais ou menos veladamente, através da imprensa, do rádio, da televisão, e de conferências em auditórios públicos, uma doutrina que é o oposto da Religião Católica. O documento faz ver que essa máquina forma um imenso polvo, cujos tentáculos se estendem largamente pela Europa e Estados Unidos, além de deitar ramificações pela América do Sul e outras regiões da terra. A ele está sujeito o grosso dos instrumentos de publicidade católicos da Europa e da América do Norte, e assim o seu poder dentro da Igreja parece – humanamente, é claro – incontrastável.

Tal fato cria para a Igreja uma situação muito semelhante à de um país em guerra no qual a grande maioria das emissoras de televisão e rádio e dos órgãos de imprensa estivessem a soldo do adversário. E não de um adversário qualquer, mas, como verão os leitores, de um adversário com intuitos de destruição radicais e implacáveis, exímio no uso de meios de ação sumamente subtis e eficientes, e dotado de recursos materiais praticamente inesgotáveis.

Os “grupos proféticos”

O artigo publicado em “Ecclesia” reforça vigorosamente a trágica impressão de que a Igreja é, hoje em dia, como um país solapado pelo adversário. Ele nos põe ao corrente do esforço sistemático de um movimento que se generaliza cada vez mais nos meios católicos de numerosos países, o dos “grupos proféticos”.

Muito semelhante, em sua estrutura semiclandestina e em seus métodos de iniciação, a certos organismos de agitação maçônica dos séculos XVIII e XIX, como os carbonários, esse movimento é formado de miríades de pequenos grupos esparsos. A unidade desses organismos ressalta, logo à primeira vista, da ideologia, das metas e dos métodos de ação que todos têm em comum, bem como da notável colaboração que mutuamente se prestam estes corpúsculos sem direção central aparente. Constituem eles células vivas de ativistas que se incrustam nos mais variados organismos católicos – seminários, universidades, colégios, obras sociais, etc. – e ali fazem a propaganda, mais ou menos velada, de um sistema ideológico que, como no caso do IDO-C, representa o contrário da Religião Católica. Não só por seu grande número, mas pelas subtilíssimas técnicas de iniciação de membros, pressão sobre a opinião pública e agitação que usam, os “grupos proféticos” são uma verdadeira potência. Eles formam dentro da Igreja uma imensa rede semi-secreta de propaganda anticatólica, feita sobretudo verbalmente de pessoa a pessoa.

I.C.I. informa que este Bispo espanhol, Mons. Horlando Arce Moya, costuma dirigir uma orquestra de jazz em "boites". Função bem pouco sacral, em que os "grupos proféticos" se regozijam de ver um Prelado.

Os "pães" postos numa cesta e o "vinho" que o noivo sorve não são nada menos do que a Sagrada Eucaristia. É na França um novo modo de comungar na Missa de casamento. Por outra foto se vê que a noiva está de minissaia. Os "grupos proféticos" consideram tudo isto um passo ainda tímido, com rumo à dessacralização e à moral-nova que pretendem implantar.

Dedos de uma mesma mão

Tendo diante dos olhos ambos estes documentos estarrecedores, é natural que o leitor se pergunte que pontos de semelhança e de contraste existem entre o IDO-C e os “grupos proféticos”. A isto respondemos:

Os pontos de semelhança são antes de tudo doutrinários. O que o artigo de “Approaches” diz das doutrinas propagadas pelo IDO-C constitui como que genuínos fragmentos da doutrina que “Ecclesia” mostra ser a dos “grupos proféticos”;

Tanto o IDO-C quanto os “grupos proféticos” têm em comum também sua atitude concreta em face da Igreja: a) destruição por meio de infiltração semiclandestina; b) aproveitamento de pessoas eclesiásticas, de católicos militantes, de obras e instituições católicas para a efetivação dessa obra demolidora;

Tanto nos “grupos proféticos” quanto no IDO-C se tem, perante o comunismo, a mesma atitude simpática – é o menos que se possa dizer – retribuída aliás em arraiais marxistas. Este fato deixa claro que os comunistas consideram a atuação do IDO-C e dos “grupos proféticos” útil à vitória de sua própria causa. Dado o imenso poder de uma e de outra organização, essa utilidade é, naturalmente, da maior monta para o comunismo;

Quanto aos instrumentos de ação, o IDO-C e os “grupos proféticos” são profundamente diversos. E nisto se completam. Pois o IDO-C visa as massas católicas, sobre as quais age pelos meios mais adequados, isto é, como dissemos, livros, revistas, jornais, televisão, rádio, conferências, etc. Os “grupos proféticos”, pelo contrário, visam os mil ambientes-chave que dirigem o movimento católico. E para tanto esses grupos usam principalmente a propaganda oral discreta, a cargo, como é óbvio, de agitadores perfeitamente destros e bem colocados.

Em suma, os “grupos proféticos” e o IDO-C se entreajudam e se completam no que têm de análogo e de diverso: como os dedos de uma mesma mão, ou os tentáculos de um mesmo polvo.

Em face da agitação progressista na América Latina

É natural que o leitor, chegando a esta conclusão, se pergunte que relação há entre o IDO-C e os “grupos proféticos”, de uma parte, e de outra o progressismo embebido de comunismo, que impregna a tal ponto o nosso ambiente, que contra ele dois milhões de pessoas, por iniciativa das TFPs do Brasil, da Argentina, do Chile e do Uruguai, pediram providências a Paulo VI, no abaixo-assinado mais impressionante de nossos dias.

Não há espaço, neste número de “Catolicismo”, já tão cheio, para aprofundar questão de atualidade tão flagrante.

Para elucidar – pelo menos em alguma medida – o assunto, é interessante um confronto entre o que os artigos de “Approaches” e “Ecclesia” nos revelam sobre as metas do IDO-C e dos “grupos proféticos”, de um lado, e de outro lado cada uma das reivindicações apresentadas pela agitação progressista. Não há desideratum do progressismo que não redunde em favorecer a desalienação (vocábulo cujo significado e alcance o leitor encontrará adiante, nos primeiros tópicos do artigo da pág. X), a qual é, por sua vez, o sentido profundo da transformação que o polvo instalado na Igreja quer impor.

Oferecemos disto um exemplo palpável, ao fácil alcance do leitor. Releia ele o monumento de progressismo que é o famoso documento do Pe. Comblin, e as críticas que lhe fez o autor desta nota, como Presidente do Conselho Nacional da TFP brasileira, em carta aberta ao Sr. Arcebispo D. Helder Câmara (“Catolicismo”, no. 211, de julho de 1968): as analogias entre as doutrinas do polvo semi-secreto e as do Pe. Comblin saltam aos olhos(1).

(1) Se o leitor se quiser aprofundar no assunto quanto a seus aspectos brasileiros, poderá pesquisar as origens remotas de infiltrações do estilo dos “grupos proféticos” no Brasil, no livro “Em Defesa da Ação Católica”, publicado pelo então Presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica em São Paulo, que subscreve este artigo. Essa obra, vinda a lume em 1943 (Editora Ave Maria, São Paulo), e prefaciada pelo então Núncio Apostólico no Brasil, hoje Cardeal Aloisi Masella, denuncia uma infiltração progressista em larga escala na Ação Católica, descrevendo-a em termos que impressionam pela frisante analogia com as informações publicadas por “Ecclesia” sobre os “grupos proféticos”. Esse livro foi objeto de uma calorosa carta de louvor escrita ao autor em nome de Pio XII pelo Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, Monsenhor João Batista Montini, hoje Papa Paulo VI.

Sem alargar mais o quadro relativo ao Brasil lembrando fatos muito notórios aqui ocorridos ao longo dos últimos anos, propomos ainda que o leitor relacione com o que publicamos hoje sobre o IDO-C e os “grupos proféticos”, o que os jornais nos contam dia a dia sobre a verdadeira onda de agitação progressista que vem sacudindo de norte a sul a América Latina, desde os escândalos de Cuernavaca no México até o episódio do Pe. Zaffaroni no Uruguai ou a ocupação da Catedral de Santiago do Chile.

Três perguntas dramáticas

Dado que, de uma parte, na Europa e na América do Norte lavra um incêndio ideológico ateado pelo IDO-C e pelos “grupos proféticos”; e dado que, de outra parte, análogo incêndio se alastra por toda a América Latina, na qual também estão presentes tentáculos do IDO-C e presumivelmente do “movimento profético”, - não se pode deixar de levantar três questões de importância absolutamente fundamental para as nações do continente ibero-americano:

O IDO-C e os “grupos proféticos” têm alguma responsabilidade por esse incêndio religioso que vai tomando proporções apocalípticas?

Além do IDO-C e dos “grupos proféticos” haverá outros organismos empenhados na mesma faina?

Dado que o comunismo lucra obviamente e em larguíssima escala com esse incêndio religioso, como com a atuação do IDO-C e dos “grupos proféticos”; e dado que dentre as atuações favoráveis ao comunismo, algumas são diretamente suscitadas, guiadas e estipendiadas por ele, e outras são por ele ajudadas, aconselhadas, e por fim infiltradas e dirigidas: até que ponto o incêndio religioso na América Latina (e no orbe católico inteiro, poder-se-ia acrescentar) está sob o comando de Moscou e de Pequim?

Quem negasse a pertinência, a oportunidade e a gravidade evidentes destas questões – que são estudadas mais pormenorizadamente em nosso artigo da pág. Y – atrairia inevitavelmente sobre si uma outra pergunta: não tem tal pessoa em vista evitar que o problema desperte a atenção geral, e seja objeto de incômodas investigações? Neste caso, não será ela um comparsa no jogo subversivo?

I.C.I. informa que este Bispo espanhol, Mons. Horlando Arce Moya, costuma dirigir uma orquestra de jazz em "boites". Função bem pouco sacral, em que os "grupos proféticos" se regozijam de ver um prelado.

Muralha chinesa

Nas atuais condições de nosso País, as três questões que formulamos equivalem a um apelo à vigilância, dirigido a toda a nação. A insurreição progressista está em pleno desenvolvimento diante de nossos olhos. Nosso povo é inteligente e perspicaz. Alertá-lo é dar-lhe um dos melhores meios para que se defenda. E é para que ele se defenda, que “Catolicismo” publica este número duplo.

Mas, dirá alguém em certos arraiais católicos de eclesiásticos ou leigos, será útil para o Brasil a divulgação da matéria desta nossa edição? A presente repressão ao esquerdismo nos faz gozar de relativa paz. Os progressistas estão mudos, pelo menos dentro de nossas fronteiras. A moderação da maior parte de nossos Prelados nos faz esperar que o progressismo, tratado com toda a amenidade, acabe por se diluir. Por que então levantar novamente os problemas espinhosos que acabamos de formular?

A repressão teve o real mérito de reduzir ao mutismo, no rádio, na televisão e na imprensa, quer o esquerdismo dito católico, quer o esquerdismo acatólico. Porém isto não quer dizer que um e outro tenham sido reduzidos à inação. Os progressistas aí estão, e muitas vezes se acham em preciosas situações-chave. Quem poderá dormir tranquilo, na certeza de que não estejam agindo na surdina, continuando sua obra de intoxicação da juventude estudiosa, dos ambientes religiosos e do operariado? De mais a mais, quem visse no progressismo, como nas tramas do IDO-C e dos “grupos proféticos”, apenas a luta comunismo-anticomunismo se enganaria singularmente. A questão, em sua essência, é religiosa. E se no presente número tratamos colateralmente de suas implicações com o comunismo, é fundamentalmente no terreno religioso que nos situamos em face do tema.

De qualquer forma, o certo é que, se a moderação pode trazer preciosas vantagens em determinadas circunstâncias, a condição para que essas vantagens sejam efetivas é que ela não seja interpretada como um convite à imprevidência otimista, à inércia, ao cruzar de braços ante o adversário. Não cremos, pois, que a alegada moderação de tantos de nossos Prelados seja motivo para se censurar quem se empenha em manter em lúcida vigilância a opinião pública.

Por fim, não cedamos à ilusão de que a fórmula repressão-moderação possa constituir, em torno de nosso País, uma muralha chinesa que feche o acesso aos maus exemplos, aos maus incentivos e às doutrinas malsãs procedentes de fora. Tudo isto nos entrou, entra e continua a entrar, fatalmente, fronteiras a dentro. E se essa má semeadura encontrou entusiastas no mundo inteiro, não há porque imaginar que deixe de os encontrar no Brasil. Ideias não se combatem sem o recurso a ideias. O mutismo ideológico é condição de triunfo para os que disseminam erros na sombra. Seria extraordinariamente anacrônico imaginar que na época do rádio e da televisão, podemos isolar o Brasil com uma muralha chinesa ideológica, feita de repressão, moderação e silêncio.

Alentando

Na luta, não basta despertar legítimas apreensões e convidar a uma arguta vigilância. É preciso também alentar.

“Catolicismo” tem, assim, a alegria de pôr à venda, juntamente com este número duplo, um documento estimulante, pois nos fala da reação que o progressismo vem encontrando na França. Trata-se do “Vade-mécum do católico fiel”, contendo valiosíssimas recomendações feitas aos católicos por 350 Sacerdotes de vários países – embora franceses em sua maioria – sobre o modo de se portarem ante manifestações agudas do progressismo. Tem o documento o apoio do ilustre Arcebispo francês Mons. Marcel Lefebvre, e em edição brasileira aparece sob a égide do preclaro Bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer.

Desejou em boa hora sua Ex.a Rev.ma que o “Vade-mécum”, traduzido para o português, fosse dado a lume simultaneamente com esta nossa edição.

O Cardeal Merry del Val foi o braço direito de São Pio X na luta contra os modernistas, precursores do progressismo. Modelo de sacralidade e alta compostura eclesiástica.

O entusiasmo dos jovens da TFP

Por fim, importa lembrar ainda uma vez que, se este incêndio é eclesiástico, ele afeta em sua raiz a civilização cristã e a ordem temporal. Razão pela qual se compreende a entusiástica participação na propaganda deste número duplo, dos jovens que, sócios da TFP e militantes da Tradição, Família e Propriedade, se votaram à defesa dos princípios básicos da ordem natural cristã na esfera temporal.