O CORPORATIVISMO BRASILEIRO, SEUS JUIZES, ESCRIVÃES E MESTRES

Homero Barradas

Pode-se afirmar que a Idade Média propriamente dita — que Leão XIII definiu como a época em que a filosofia do Evangelho governava os Estados — expirou com o incidente de Anagni, em 1303. Naquela época, a Cristandade ocidental entrou numa crise profunda, que lhe abalou os próprios alicerces e, de revolução em revolução, levou-a ao estado atual, em que vemos moribundas as suas instituições mais fundamentais.

A História nos mostra como esse processo foi lento, penoso, sujeito a recuos e avanços, enfrentando resistências tradicionalistas nem sempre fáceis de transpor. Esses percalços não são difíceis de explicar, pois, como a mais possante força propulsora do processo revolucionário está nas inclinações do homem ao orgulho e à sensualidade, as reações tradicionalistas encontram esteio no fundo de apetência pelas coisas retas, de que a humanidade ainda não se apartou inteiramente, preciosa herança da tradição medieval, e nos impulsos vigorosos da graça (cf. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução" —"Catolicismo", n.° 100, de abril de 1959).

A História do Brasil há de ser estudada deste ponto de vista. Conquanto descoberta, povoada e institucionalizada já nos anos da aguda crise do Renascimento e da Pseudo-Reforma, nossa Pátria não foi estranha àquele mundo orgânico e inspirado pela filosofia do Evangelho. Em artigos anteriores, tivemos ocasião de mostrar como deitou raízes profundas no solo brasileiro o feudalismo, não só social e de fato, como o dos senhores de engenho, mas também político e de direito, como o das capitanias hereditárias. A autonomia municipal, como expressão do vigor de nossa nobreza local, marcou também com sinais indeléveis nossa formação político-social (cf. "As Capitanias Hereditárias, primeiro ensaio de um Brasil orgânico" e "Municipalia Lusitana na América" — "Catolicismo", n.°s 131 e 177, de novembro de 1961 e setembro de 1965).

Até agora tínhamos estudado a aristocracia, que era a classe dirigente na sociedade orgânica medieval e no Ancien Régime. Vejamos hoje o funcionamento dos grêmios profissionais no seu importante papel de genuína organização popular, a completar harmonicamente o corpo social.

Os oficiais mecânicos e seus regimentos e costumes

A classe popular, ou o poboo, como a chamam os documentos portugueses mais remotos, era constituída entre nós por todos os elementos livres que não pertencessem ao Clero, à alta fidalguia reinol ou natural da terra, que também a tivemos, e à nobreza municipal. No povo se compreendiam os mercadores, os profissionais liberais e os oficiais mecânicos, isto é, os artesãos.

Os mercadores mais abastados e os profissionais liberais mais eminentes formavam uma camada intermediária entre o povo e a nobreza local e muitas vezes ascendiam até ela. O elemento mais característico da classe popular era o artesanato.

Os artesãos dividiam-se por ofícios, devidamente regulamentados. Estes regulamentos, ou regimentos, diziam mais respeito aos preços a que estavam sujeitas as obras dos oficiais. No mais, agia-se "na forma costumada". O costume era o que tinha vindo de Portugal, onde havia regimentos detalhados para cada grêmio.

Na Europa, os profissionais eram divididos hierarquicamente em aprendizes, oficiais e mestres. Os nossos documentos falam quase que exclusivamente em oficiais, de maneira geral, mas há também referências a aprendizes e mestres, o que faz concluir que tivemos a hierarquia tripartita.

Não sabemos se o aprendizado era patriarcal, como na Europa, onde os aprendizes, durante o seu tirocínio, faziam parte da família do mestre, morando sob o seu teto e comendo à sua mesa.

Os grêmios, ou corporações, tinham como função principal defender os interesses da profissão, enviar representantes aos órgãos do Estado, como as Câmaras municipais, Juntas Gerais e Cortes dos Três Braços da Nação, fiscalizar o comportamento dos oficiais, examinar os candidatos ao ofício, que tivessem concluído o aprendizado, e dar-lhes carta de habilitação. Como na Europa, os oficiais ajudavam-se mutuamente em suas necessidades.

Não se imaginem as corporações brasileiras com o brilho e a solidez das corporações francesas ou flamengas. É opinião comum que, entre nós, elas "não tiveram a rigidez e a consistência que as distinguiam na Europa" (Vivaldo Coaracy, "Memórias para a Cidade do Rio de Janeiro", p. 337). Vários fatores devem ter cooperado para esse resultado, entre os quais não pouco importante terá sido a utilização dos escravos nos ofícios mecânicos. Como estes, por sua condição, não faziam parte das corporações, o seu trabalho era uma fonte de desorganização para o ofício.

As capelas dos ofícios

Os grêmios constituíam-se sob a forma de irmandades, seguindo, aliás, o modelo português (cf. Luiz de Almeida Braga, "Paixão e Graça da Terra" — Nova edição, p. 219). Suas sedes eram as capelas das irmandades e reuniam-se provavelmente nas sacristias ou outras dependências dos templos. O termo de juramento dos juízes dos alfaiates, na Bahia, aos 8 de fevereiro de 1642, diz textualmente que a sua eleição foi feita "na irmandade de Santa Luzia" (apud "Documentos Históricos do Arquivo Municipal. Atas da Câmara" — Salvador, Bahia, 2.° vol., p. 75).

Boxer observa que "algumas irmandades [na Bahia] eram devotadas somente a fins piedosos, outras tinham caráter de guilda, seus membros pertencendo todos a determinado ofício ou ocupação" (C. R. Boxer, "A Idade de Ouro do Brasil", p. 130). Aliás, havia irmandades que agrupavam vários ofícios, como se vê dos termos de juramento dos juízes Afonso de Santiago, caldeireiro, João Gaspar e Sebastião Lopes, ferreiros, e Antonio Parente, serralheiro, perante a Câmara do Salvador, em agosto de 1644, todos os quais se comprometeram a trabalhar "em aumento" da Irmandade de São Jorge. Não podia, pois, como querem alguns autores, o cargo de juiz de um ofício, necessàriamente corresponder ao de presidente da irmandade. O mesmo acontecia no Reino, onde várias corporações agrupavam-se na mesma confraria.

As irmandades prestavam o culto público em nome da profissão, comparecendo às procissões, com suas bandeiras e insígnias, e promovendo novenas e festas religiosas.

Vivaldo Coaracy nos conta a bela história do nascimento da corporação dos mascates, no Rio de Janeiro, já no século XVIII. Inicialmente, reuniam-se os colegas de profissão para rezar o terço, diante do oratório onde se venerava Nossa Senhora da Lapa. Terminaram constituindo-se em corporação de ofício e construindo uma igreja para sua sede, a de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, inaugurada em 1766, que foi a primeira a ter carrilhão em nossa velha capital (cf. Vivaldo Coaracy, ibid., p. 290).

Nos lugares onde maior desenvolvimento tiveram as confrarias, chegou a haver séria rivalidade entre os irmãos, com relação à beleza de suas igrejas e à pompa do culto. A essa rivalidade devemos muitas das belas igrejas de Minas, da Bahia ou do Rio e a maior parte das valiosas composições musicais do nosso período barroco.

De um estudo paciencioso dos livros das irmandades, que jazem empoeirados pelas igrejas e capelas brasileiras, ficaremos sabendo muito da vida interna de nossas corporações de ofício, de suas lutas, de seus dias de glória e de seus períodos de crise.

Serviço de Deus e direito das partes

As corporações brasileiras foram um dos muitos exemplos de entrosamento do direito privado com o direito público, comuns no Ancien Régime e na Idade Média. Funcionavam como entidades particulares, mas eram subsidiárias às Câmaras municipais e nestas tinham, algumas vezes, os seus representantes. As Câmaras davam-lhes o regimento que deviam observar, e supervisionavam suas atividades. Pelas posturas municipais da Bahia, reorganizadas logo após a expulsão dos holandeses, em 1625, nenhum oficial, de qualquer ofício, podia abrir tenda sem licença da Câmara e sem ter sido convenientemente examinado. Segundo as mesmas posturas, todos eles eram obrigados a terem seu regimento afixado na porta e a acompanharem suas bandeiras nas procissões de El-Rei.

Cada ofício tinha o seu juiz e o seu escrivão. Juiz e escrivão eram eleitos pelos oficiais e dava-lhes posse o Juiz ordinário, isto é, o presidente da Câmara municipal. Às vezes era a própria Câmara que escolhia o juiz para um ofício, como consta do termo de posse, perante a Câmara do Salvador, de Gaspar Luiz, "mestre de latoeyro, a quem os Officiaes da Câmara nomearão pera Juiz do ditto Officio", aos 19 de outubro de 1644

Conclusão na página 4


Termo de Elejsão que se fes de Juis he escriuão do ofisio dos tanoeiros

Aos vinte he ojto dias do mes de Janeiro de mil seis sentos he corenta he dous annos nesta Cidade do Saluador Bahia de Todos os Sanctos estando em Camera os ofisiaes dela que seruem o anno prezente parecerão todos os ofisiaes de tanoejros perante eles pera fazerem elejção de Juis e Escriuão do dito ofisio he per Juis Ordinario Manoel Goncalves Barros foj dado Juramento dos Sanctos Evangelhos a todos emcarregando lhe debajxo do dito Juramento que bem he verdadeira mente elegesem as pessoas maes benemeritas e que maes soubesem he milhor podesem seruir o dito ofissio de Juis e Escriuão o que todos prometerão fazer e tomados os votos a cada hum per si sahirão per ofissiaes coazi com todos os votos Custodio Fernandez He Gregorio Ramos os coaes logo forão aprovados pelos dittos ofisiaes da Camera he se lhe mandou pasar sua Prouizão dandolhe juramento dos Sanctos Evangelhos que reseberão e prometerão de fazer bem seu ofisio guardando o seruiso de Deus he de Sua Magestade he direjto as partes de que se fes este termo que asinarão com os ditos ofisiaes da Camera Sebastião da Rocha Pitta escriuão dela o escreui.

Barros, Barbuda, Paredes, Medina, Custodio Fernandez, Agostinho Ramos.

("Documentos Históricos do Arquivo Municipal. Atas da Câmara", vol. 2.°, p. 70 - Salvador, Bahia) .


CALICEM DOMINI BIBERUNT.

O VENERÁVEL LANTERI

VISITA A Aa DE CHAMBÉRY

Fernando Furquim de Almeida

Em 1787, o Padre Lanteri foi à Suíça, e a Aa de Turim avisou à de Chambéry que ele passaria por esta última cidade. Não conhecemos o motivo da viagem, mas sendo o Servo de Deus totalmente dedicado a seu apostolado, é de se supor que tenha ido se encontrar com o Padre Diessbach ou visitar alguma das Amicizie que seu mestre e amigo instalara naquele país. O fato é que viajava apressado e não pôde ficar muito tempo em Chambéry. Dos membros da Aa desta cidade, só o Padre Murgeray já tinha estado com o Venerável Lanteri, mas a fama deste e o êxito que obtivera com os novos métodos de apostolado despertaram nos outros o vivo desejo de conhecêlo pessoalmente.

Se a pressa com que viajava não permitia ao santo sacerdote senão uma rápida estada em Chambéry, tão grande era o desejo de ouvilo, que o Padre Murgeray conseguiu improvisar uma reunião, apesar de os membros da Aa estarem quase todos ocupados com um retiro do clero.

Os ecos dessa visita chegaram a Turim com as cartas que logo escreveram os confrades de Chambéry. O Padre Le Tellier, por exemplo, escreve ao Padre Sineo della Torre:

“A carta com que me honrastes teria dado à minha alma uma alegria mais viva, se anunciasse para outra ocasião a passagem de nosso caro confrade. O retiro periódico ordinário para os Srs. párocos, que Monsenhor determinou e ao qual sempre assiste, tolhia nossa liberdade, impedindonos de dar expansão ao regozijo que sentíamos, e isso diminuiu um pouco o meu prazer. Entretanto, de nada teria servido ter mais liberdade, porque ela passou como um relâmpago. Por assim dizer, eu apenas o vi, nós apenas o vimos.

“Não podia conter minha alegria interior sem a deixar transparecer a todos esses bons curas, pois não podia moderar meus transportes à vista de um amigo e de um confrade, tal é a força dos laços de caridade que nos unem em Jesus Cristo. Cedendo aos pedidos reiterados do Cônego La Palme, do Padre Guillet e do Padre Rey, ele jantou no seminário. Em seguida, apesar do retiro, saí para conduzilo à casa do Sr. de la Sale, que com alegria o reteve boa parte da noite. Depois acompanheio ao albergue e despedi-me sem esperança de revêlo. Mas Deus dispõe tudo como quer: "Benedictus Deus, Pater totius consolationis". No dia seguinte de manhã, os assuntos que vinha tratar sofreram um atraso, e ele não partiu senão ao meio dia.

“O Padre Murgeray, que eu avisara na véspera, dispôs tudo enquanto ele rezava a Missa na catedral, a fim de que, ao sair, se encontrasse entre os confrades. Era esse também o meu desejo, e se pudesse teria feito o mesmo. Agradeço ao Senhor por sua misericórdia para conosco. Ele reanimou nossa cara Aa com sua simples presença. Os conselhos salutares, as palavras de consolação que pronunciou tiveram grande ressonância em nossos corações. Escutamolo com prazer, e nos propusemos imitar o seu zelo, senão totalmente, ao menos em parte. Ah! teríamos grande necessidade de alguém que viesse nos ver muitas vezes, para nos comunicar esse espírito de caridade, esse espírito de fervor que se encontra entre vós. Somos "pusillus grex", mas nos queixaríamos sem razão. Sou dos mais indignos, mas os outros correm a grandes passos no caminho da perfeição".

Também o Padre Guillet, respondendo ao Padre SaintGeorges, cumula de elogios o Venerável Lanteri:

“Não recebi sua grata carta senão depois da partida do caro Padre Lanteri, mas como o Padre Sineo escrevera ao Padre Tellier e este nos avisara, esperávamos por ele com ansiedade, ainda que estivéssemos aborrecidos com o fato de sua vinda coincidir com circunstâncias bem molestas para nós, porque estávamos então em retiro com os Srs. párocos (digo nós, porque o Superior atual do seminário e meu colega são também da Aa). Sua permanência, embora muito breve, proporcionounos uma alegria sensível: o caro Murgeray teve o prazer de ver seu antigo amigo, e os outros o de conhecerem um amigo que ainda não conheciam.

“Quisemos realizar uma assembleia, e não duvido que ela teria dado muita satisfação a todos. Vimos, por nós mesmo, tudo o que nos dissestes haver de edificante no caro Lanteri, e não nos foi difícil verificar que a graça nele produz os seus frutos. Uma das maiores satisfações que nos deu foi a de nos comunicar que vossa Aa, mercê de Deus, se mantém com edificação. Peço ao Senhor que continue a derramar sobre vós as suas graças e a darvos a todos um acréscimo de fervor. A cara Aa é para nós uma fonte inesgotável de graças, mas dela não tiramos senão tanto quanto procuramos”.

Tendo a Aa de Chambéry, com esse contato, conhecido melhor o Padre Lanteri e o êxito de seu apostolado, pôde ele recomendarlhe com insistência que se aplicassem na Sabóia os planos de apostolado do Padre Diessbach, em particular os métodos já usados na Aa de Turim e o combate à infiltração revolucionária mediante a distribuição de bons livros. Infelizmente, a Revolução Francesa fez cessar essa colaboração entre as associações irmãs e impediu um desenvolvimento harmonioso do apostolado em Chambéry. No entanto, uma sólida amizade desde então uniu os membros das duas Aa, permitindolhes prestaremse reciprocamente um auxílio eficaz ao longo desse recrudescimento da Revolução que teve início em 1789, e que exigiu muita coragem e muita dedicação dos católicos fiéis.


NOVA ET VETERA

O SR. MANSHOLT, SEU PLANO

E AS QUESTÕES QUE EVOCA

Luiz Mendonça de Freitas

Em todo o mundo moderno a agricultura se revela mal remunerada quando comparada com a atividade urbana. Muitas têm sido as explicações dadas a esse fato. A mais generalizada é a de que a introdução da tecnologia na atividade rural é limitada pelas próprias condições desse tipo de empreendimento. O ciclo natural de maturação dos vegetais não pode ser substancialmente acelerado através da seleção agronômica. A capacidade produtiva das espécies pode ser melhorada, mas não indefinidamente. A obtenção de maior produção por área cultivada exige investimentos na melhoria do solo, em projetos de irrigação e conservação das terras, na aquisição de sementes selecionadas, eventualmente na aquisição de maquinário para redução do volume de mão de obra empregado, ou de equipamentos para diminuir ou eliminar os desperdícios do beneficiamento dos produtos obtidos. Essas melhorias reclamam grande inversão de recursos que os ganhos modestos da atividade rural não podem justificar na grande maioria dos países. Dizemos na grande maioria dos países porque, aparentemente, nos Estados Unidos da América do Norte a situação se apresenta de modo diferente. Veremos no decorrer destas notas em que consiste a política agrária "yankee".

A estrutura do mercado dos produtos agrícolas é, em grande parte, a causa da situação difícil dos agricultores. A responsabilidade pelas safras cabe a uma infinidade de produtores, o que caracteriza esse mercado como sendo de livre concorrência. A atomização dos ofertantes tem como contrapartida um número relativamente reduzido de intermediários, cuja função dentro do sistema é a de reunir as colheitas de muitos produtores, pequenos ou grandes, em lotes de boas proporções para a garantia do abastecimento regular da população nacional. O mercado dos compradores do agricultor (intermediários) se assemelha, assim, a um semimonopólio, constituindo o que se denomina de oligopólio. Nessas condições, do lado da oferta há muitos vendedores e do lado da procura poucos compradores. Isso dá a estes a oportunidade de obter os produtos rurais, mesmo sem manobras baixistas, a preços concorrenciais.

O mercado de procura do público é, por sua vez, bastante atomizado, o qual se defronta com um mercado oligopolístico de venda. A característica do oligopólio é a de que não obriga os ofertantes a fixarem seus preços em níveis próximos aos de seus custos. Essa característica do mercado gera uma série de atritos. De um lado sentem-se os agricultores mal remunerados. De outro queixam-se os consumidores finais de irregularidades no abastecimento e de preços excessivamente altos.

Que fazer para superar essas dificuldades?

Duas têm sido as alternativas aventadas, implicando, ambas, em ampliar a atuarão do Estado no domínio econômico.

A primeira é a dos países socialistas, nos quais o Estado compra toda a produção aos preços que as autoridades acham convenientes.

A segunda é a da fixação de preços "de paridade", praticada nos Estados Unidos. Essa política consiste em garantir oficialmente, para determinados produtos agrícolas, um preço estabelecido com base no comportamento das cotações de um grupo de produtos industriais necessários ao lavrador. Para garantir a efetividade dos preços "de paridade" o governo vê-se obrigado a adquirir a produção excedente. Como sempre acontece, uma intervenção leva a outra. Visando evitar que se acumulem estoques de gêneros agrícolas em seu poder, o governo norte-americano foi levado a estabelecer limitações de área para plantio dos produtos cujos preços são sustentados por essa política. Apesar disso, esta última tem sido responsável pela acumulação de grandes estoques de gêneros alimentícios e matérias-primas, os quais têm sido utilizados em programas de ajuda ao Exterior, mediante doações ou vendas para pagamento a longo prazo. Desejamos acentuar o artificialismo que o sistema mencionado criou.

Em ambos os casos a estabilidade nos níveis de remuneração da agricultura é assegurada pela intervenção permanente do Poder Público. Pode-se perguntar se não se trata de um "preço" excessivo, uma vez que todo um importante setor das atividades nacionais fica sempre dependendo de decisões burocráticas de âmbito governamental.

Ultimamente outra alternativa vem sendo preconizada na Europa pelo Sr. Sicco Mansholt, Vice-Presidente da Comissão Executiva do Mercado Comum Europeu. Sugere aquela autoridade que seja reduzido o volume da mão de obra utilizada na agricultura do continente. Em doze anos o número de pessoas ocupadas na atividade rural dos países do MEC deveria reduzir-se de dez para cinco milhões. Parte desses trabalhadores seria normalmente absorvida por outras atividades que lhes ofereçam níveis mais satisfatórios de remuneração. Outra parcela deveria ser aposentada pelo Poder Público, ou seja, compulsoriamente afastada da atividade rural. Provavelmente, a aplicação dessas normas seria acompanhada de medidas visando alterar a estrutura da propriedade fundiária (nos países mencionados é bastante generalizada a pequena e média propriedade agrícola e, inclusive, a exploração da terra mediante arrendamento).

Com as medidas mencionadas pretende-se introduzir métodos de exploração capitalista no campo, assegurando a esta atividade o ritmo do trabalho industrial.

O plano do Sr. Mansholt está sendo recomendado aos governos dos países membros do Mercado Comum, os quais vêm-se mostrando interessados em discuti-lo, mas pouco propensos a aplicá-lo, pelo menos de imediato.

Esses países contam com economias altamente desenvolvidas. Neles o contingente da população rural face ao total é modesto, salvo poucas regiões como a do sul da Itália, por exemplo, nas quais a agricultura constitui atividade predominante.

As distorções que o Plano Mansholt pretende corrigir revelam que a exploração rural não satisfaz aos agricultores de lá, os quais geralmente exploram áreas de pequenas dimensões. Tal fato nos leva a levantar uma interrogação. Toda a política agrária que vem sendo preconizada para o Brasil e a América Latina apresenta, como modelo de organização perfeita, a agricultura da Europa Ocidental. No entanto, a situação que o Plano Mansholt se propõe altear parece singularmente análoga à que encontramos nos países sul-americanos (baixa remuneração em relação à cidade, e, por conseguinte, desníveis de padrão de vida entre os centros urbanos e o campo). Essa circunstância não estaria a indicar que, pretendendo colocar a tônica da política agrária na alteração das estruturas da propriedade rural, se está desprezando a experiência de países de alto nível técnico da Europa Ocidental?