Conclusão da página 3

TFP SAI ÀS RUAS

comunistas e progressistas, que estavam tão tranquilos".

Em um de seus artigos publicados na "Folha de São Paulo", o Prof. .Plinio Corrêa de Oliveira responde às objeções que tais pessoas têm contra a atuação da TFP. As forças de esquerda estão tranquilas, mas não inativas, observa em síntese o articulista, mostrando que é impossível envolver o Brasil numa muralha chinesa capaz de deter os ventos ideológicos que sopram de fora.

Já em artigo anterior, do qual apresentamos acima dois extratos, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira havia denunciado os desaforos que pessoas desta categoria tem-se permitido dirigir aos participantes da campanha. Vale a pena transcrever o trecho que pinta o estranho fenômeno:

"E, por fim, coaxaram mais forte os sapos. Em meio a um público invariavelmente simpático à TFP, foi desta vez maior do que de costume o número de carros - vários de luxo - que passaram domingo, a toda a velocidade, pelas nossas bancas, a gritar insultos de inspiração comunista.

O comunista que vive na moleza do luxo, e que, protegido por uma prudente velocidade, insulta jovens idealistas que lutam pela propriedade dele — não vejo a quem compará-lo senão ao sapo refocilado em seu pântano, a coaxar. Desta vez coaxaram mais alto. Feliz sinal de que nossa presença, cortês e pacífica, lhes atrapalha os planos..."

Artimanhas centristas em favor da esquerda

Os centristas contrários à campanha costumam afirmar que os extremos do horizonte ideológico brasileiro são o Partido Comunista e a TFP e que, todo extremo sendo censurável, as duas organizações devem ser igualmente coibidas.

A TFP, acrescentam, é subversiva, pois suas campanhas irritam os comunistas, induzindo-os a protestar por meio de arruaças e desordens. Assim, a verdadeira provocadora e autora da subversão é a TFP...

Em artigo intitulado "Artimanhas centristas em favor da esquerda", o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira rebate com maestria essas falaciosas objeções. Destacamos este tópico de sua argumentação contra a primeira delas:

"É amoral afirmar que, quando duas doutrinas discordam inteiramente uma da outra, nenhuma delas é boa. Boa é a que corresponde à verdade. Má é a que contém o erro. E quando a verdade e o erro entram em polêmica, é amoral condenar àquela e este simultaneamente. Dirá alguém que nesta injustiça está o único meio de abafar as contendas e implantar a paz. Respondo, com São Tomás, que a paz é a tranquilidade da ordem e não a estagnação dos pântanos. E não há ordem onde a injustiça impera.

Mas o que é a verdade? perguntará alguém. Foi esta a pergunta de Pilatos, o juiz supremamente injusto, a Jesus Cristo...

Alguém poderia objetar ainda que, em matéria de propriedade privada, o extremo oposto do comunismo não é a Igreja mas a TFP.

Negamo-lo. Admitamos, entretanto, que assim fosse. Então, em se tratando da Igreja, é lícito ser o extremo oposto do comunismo, e em se tratando da TFP isto é ilícito? Por que dois pesos e duas medidas?"

Quanto ao segundo argumento anti-TFP, opõe-lhe o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, entre outras, estas considerações:

"Se todo pensamento capaz de excitar discussão, cólera, desordens, deve ser ipso facto proibido, o poder de coibir a liberdade de pensamento — que nossos contendores negam ao Poder Público — eles o conferem implicitamente a todo e qualquer grupo de arruaceiros. [...] Os arruaceiros são habitualmente agentes a soldo de intrigantes. É na mão destes, que nossos hiper liberais colocam, em última análise, o poder de tapar a boca de qualquer um. . .

É fácil ver quanto isto é amoral".

Secretário da Segurança de MG contra a campanha

Por incrível que pareça, foi exatamente essa argumentação anti-TFP que serviu ao Sr. JOAQUIM FERREIRA GONÇALVES, Secretário da Segurança Pública de Minas Gerais, para interditar a campanha nas ruas e praças do centro da capital mineira, permitindo embora — admirável exemplo de tolerância... — que a venda se fizesse de porta em porta, nos bairros, ou através das bancas de jornaleiros profissionais.

É altamente expressivo o êxito que a campanha vem alcançando em Belo Horizonte, com os sócios e militantes (com capas e estandartes) batendo de casa em casa para oferecer o jornal. Mas indubitavelmente a medida injustificada do Secretário da Segurança tirou muito do brilho que a campanha poderia alcançar, se se realizasse com todo o aparato publicitário, nas praças e ruas centrais da cidade.

De qualquer modo, a atitude do Sr. Joaquim Ferreira Gonçalves deixou estarrecida a opinião pública ordeira de todo o País. E, obviamente, serviu aos interesses dos setores progressistas e comunistas, que não esconderam o seu regozijo.

Estão em curso gestões da TFP para obter que seja revogada a infeliz decisão. (Ver os documentos reproduzidos na p. 3).

Reagem arraiais esquerdistas do Clero

Também não era difícil prever que os arraiais esquerdistas do Clero sairiam a campo contra a TFP e sua iniciativa de difundir o n.° 220-221 de "Catolicismo". Isto não faz pensar senão nas ligações que esta folha supôs haver entre os progressistas, de um lado, e o IDO-C e os "grupos proféticos", do outro.

O primeiro ataque à campanha da TFP, por parte de setores do Clero, partiu — o que, por seu turno, também não é de admirar — do Boletim da Arquidiocese de Recife, que em sua edição do dia 29 de junho, insere uma nota sob a epígrafe "Protesto", tachando os sócios e cooperadores da TFP, nada mais, nada menos, do que de "agitadores"!

Lúcido e elevado pronunciamento da Cúria de Campos

Como o ataque do órgão oficial da Arquidiocese pernambucana envolvia também "Catolicismo", que se publica sob os auspícios do Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer, a Cúria desta Diocese divulgou a respeito uma nota de esclarecimento, lúcida e elevada.

Eis a íntegra do documento, datado de 2 de julho e subscrito, de ordem do Exmo. Bispo Diocesano, pelo Revmo. Pe. Henrique Conrado Fischer, Secretário do Bispado:

"Catolicismo", em seu número de abril-maio, alertou os fiéis contra duas instituições que pretendem subverter a Igreja, para, sobre os seus escombros, edificarem uma Igreja-Nova, horizontal, a serviço do homem e simpática ao comunismo. "Catolicismo" não fez semelhante denúncia sem fundamento. Baseou-se ele em dois estudos, bem documentados, de duas revistas europeias de peso: "Approaches" da Inglaterra, e "Ecclesia" da Espanha, sendo que esta última é órgão oficial da Ação Católica Espanhola.

Com tal atitude, nosso mensário realizou obra autenticamente apostólica, porquanto é obra de apostolado desviar os homens do erro, sobretudo, quando, ao mesmo tempo, se mostra onde está a verdade, o que pode ver-se no número duplo de "Catolicismo" citado.

Não poderia, portanto, esta Cúria Diocesana deixar sem reparo o ataque insólito que, segundo notícias de jornais bem informados, fez ao nosso mensário o Boletim da Arquidiocese de Olinda e Recife. O órgão oficial da Arquidiocese pernambucana mostra-se sumamente indignado contra os membros da Sociedade de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), que se incumbem da divulgação de "Catolicismo". Chama-os de "agitadores, que perturbam a paz e tranquilidade da família", que insultam a Igreja, que se arvoram contra as autoridades legítimas, que se opõem à verdadeira renovação conciliar, que usam meios desonestos.

Nenhuma dessas acusações tem fundamento. Dizem mesmo o contrário da verdade. A não ser que, para o Boletim da Arquidiocese de Olinda e Recife, a renovação conciliar vise precisamente a implantação da Igreja herética, que desejam os "grupos proféticos" de conluio com o IDO-C. E, portanto, julgue que combater o divórcio perturbe a paz e tranquilidade da família, que professar e defender sua Fé contraria as autoridades eclesiásticas, e que proclamar as próprias convicções religiosas em logradouros públicos são meios desonestos.

Sobre as informações relativas ao IDO-C que "Catolicismo" divulga, são elas extraídas dos próprios órgãos dessa instituição. A propósito, lembremos que, ao invés do que afirma o Boletim da Arquidiocese de Olinda e Recife, a existência legal do IDO-C não é "dentro da Igreja", mas fora dEla, como o mesmo IDO-C afirma: "independente de qualquer instituição religiosa ou estatal, [o IDO-C] é uma organização sem fito de lucro, submetida às leis italianas, aberta a toda classe de pessoas e com dirigentes eleitos democraticamente" (Circular da secção administrativa do IDO-C, do Reino Unido).

Quanto ao "Vade-mécum do católico fiel", que tanto o desagradou, o Boletim da Arquidiocese pernambucana deveria, para atacá-lo, mostrar em que ponto ele é falho, ou então, quais, de suas afirmações, são destituídas de fundamento.

No entanto, continua o pequeno opúsculo a servir para conservar a integridade da Fé de tantos católicos, angustiados com a grande crise que observam na Igreja.

O público tinha direito a estes esclarecimentos, uma vez que os ataques do Boletim da Arquidiocese de Olinda e Recife foram divulgados por todo o Brasil".

A notícia que "O Estado" não deu...

Dentre os mais bem feitos jornais de nosso País se destaca, sem dúvida, "O Estado de São Paulo". Em 1960, esse periódico foi até galardoado com uma menção da UNESCO, a qual, tomando para efeito de pesquisa 18 acontecimentos de interesse jornalístico, ocorridos num determinado dia, verificou que os mais importantes órgãos de imprensa do mundo haviam deixado de noticiar pelo menos três deles, enquanto "O Estado de São Paulo" só havia omitido um. Glosando o fato, o jornal publicou um sugestivo anúncio de 3a página, com a epígrafe de "A notícia que ‘O Estado’ não deu...", no qual concluía ser o periódico que melhor informa, no mundo inteiro.

Para fazer jus a essa fama, o serviço noticioso do matutino paulista abarca grandes e pequenos acontecimentos, mesmo que se passem no mais recôndito rincão da terra...

É assim tanto mais de estranhar que, sobre a atual campanha da TFP, a respeito da qual fervilham os comentários de norte a sul do Brasil, "O Estado de São Paulo", até o momento em que escrevemos, não tenha publicado uma só linha. Pode-se dizer, realmente, que a campanha da TFP foi “a notícia que ‘O Estado’ não deu”...

Este fechamento de certos órgãos da grande imprensa — "O Estado de São Paulo" não foi o único grande jornal a bloquear as suas páginas — para uma campanha que deveria ser recebida com aplausos por todos os verdadeiros anticomunistas, causa uma perplexidade profunda a largos setores do público brasileiro.

Prossegue a campanha

A campanha de divulgação do número especial desta folha prossegue em todo o Brasil. Estão prestes a se esgotarem os 55 mil exemplares que dele foram impressos, em quatro tiragens sucessivas.

Viu-se assim a TFP na contingência de reduzir o ritmo das vendas, sobretudo nas grandes cidades.

Ao encerrarmos esta edição, está para vir a lume a quinta tiragem, de 100 mil exemplares, em 2.° clichê, de apresentação popular e a preço reduzido (NCr$ 0,50 o exemplar).

Em nosso próximo número noticiaremos o prosseguimento da campanha.


"OPERÁRIO BANDEIRANTE"

No concurso para escolha do "Operário Bandeirante de 1969" foi classificado em primeiro lugar o Sr. Albertino Coutinho, militante da Tradição, Família e Propriedade, e dedicado cooperador da TFP em São Paulo. O jovem, operário da indústria farmacêutica Squibb sagrou-se vencedor por seus méritos pessoais e profissionais, demonstrados em todas as provas.

O certame "Operário Bandeirante do Ano" é promovido desde 1964, pelo jornal "Folha de São Paulo" e pela Light S. A. — Serviços de Eletricidade.

O Sr. Albertino Coutinho, de posse do troféu "Alumínio do Brasil", foi cumprimentado na sede do Conselho Nacional da TFP pelo Presidente Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, bem como por numerosos sócios da entidade e militantes.


HONROSA DISTINÇÃO

A recente obra do Exmo. Mons. João de Barros Uchôa — "Como vi a Terra Santa" (Edit. Ave Maria, São Paulo, 1969) — foi distinguida com significativa carta de louvor da Secretaria de Estado da Santa Sé, assinada pelo Exmo. Mons. Giovanni Benelli.

O Substituto da Secretaria de Estado, em nome do Soberano Pontífice, agradece o exemplar do interessante livro enviado a Sua Santidade e faz votos de que a obra "transmita aos leitores aquela mensagem de fidelidade ao Mestre, e à Santa Igreja que O prolonga no tempo e no espaço, que [o Autor] certamente intentou testemunhar-Lhes".

Monsenhor João de Barros Uchôa, que exerceu durante longos anos o cargo de Cura da Catedral de Campos, no qual se distingui por seu zelo apostólico e seus dotes de orador sacro, é autor de numerosas obras versando temas religiosos.


PODE HAVER ERRO EM DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO?

ARNALDO VIDIGAL XAVIER DA SILVEIRA

No seu afã de subverter os princípios mais fundamentais e sagrados da doutrina católica, os progressistas se vêm insurgindo, de modo escandaloso, contra o Magistério da Igreja. Basta abrir qualquer jornal diário para verificar que, por toda parte, a doutrina tradicional é rejeitada mesmo por pessoas das que mais deveriam abraçá-la e defendê-la

Essa onda de revolta contra a autoridade dos Papas e Concílios fez com que os estudos sobre o valor dos documentos do Magistério passasse a ocupar lugar central nos debates teológicos de nossos dias. Os próprios progressistas o dizem.

Escrevendo em princípios de 1968 sobre a questão dos métodos anticoncepcionais, o Pe. Jaime SNOEK, C. SS. R., um dos mais característicos porta-vozes do progressismo entre nós, assim se exprimia: "Quer me parecer que as posições [sobre a legitimidade da contracepção artificial] se fixaram ultimamente. Do ponto de vista ético não se percebe mais muita novidade. Diria mais: A possibilidade de diálogo entre os dois campos parece esgotada. Estamos perante duas mentalidades, duas cosmovisões diferentes, que não se entendem. Seria um diálogo de surdos. Diante deste impasse a atenção, ultimamente, se deslocou para um outro terreno: Qual é o papel e o alcance do Magistério no problema da natalidade?" ("Natalidade e Magistério", p. 110).

Essa página do Pe. SNOEK nos parece muito expressiva. Tem ele mais razão do que talvez pense, ao dizer que "estamos perante duas mentalidades, duas cosmovisões diferentes". Realmente, tudo bem pesado, não estaremos em face de duas morais diferentes, e portanto, de duas religiões também diferentes?

Da mesma forma, não há como negar que o ponto álgido dos debates sobre a contracepção — e sobre inúmeras outras questões de dogma e moral — se vem deslocando cada vez mais para o tema da autoridade do Magistério.

Não é, pois, sem razão que "Catolicismo" se vem empenhando, há tempos, em fixar com toda a precisão, para os seus leitores, qual o grau de assentimento que exigem dos fiéis os diversos documentos pontifícios e conciliares, quer do passado, quer de nossos dias (cf. D. Antonio de Castro MAYER, "Instrução Pastoral...", caps. III e IV; nossos artigos "Qual a autoridade ...", "Não só a heresia...", "Atos, gestos...", "Respondendo a objeções...", "Pode um católico rejeitar...").

Imprecisões e desacertos em atitudes dos próprios católicos fiéis

No presente artigo, não pretendemos refutar erros de progressistas em matéria de autoridade do Magistério da Igreja. Já abordamos tal assunto em trabalhos anteriores (cf. artigos citados).

Assim sendo, não nos ocuparemos em mostrar que se colocam fora do seio da Igreja os membros dos chamados "grupos proféticos" que A querem "conduzida e dirigida, não pelo Magistério hierárquico, mas pelos carismas que se manifestam preferentemente na Igreja laical" (cf. VÁRIOS, artigo sobre os "grupos proféticos", em "Catolicismo", abril-maio de 1969, p. 16).

Não nos ocuparemos, também em salientar que adotam uma posição inconciliável com a fé católica aqueles que, com os "grupos proféticos" e com o Cardeal SUENENS, Arcebispo de Malines-Bruxelas, insinuam ou mesmo propõem a transferência do poder de decisão do Papa para o Colégio dos Bispos ou o Concílio — e, como requinte de heterodoxia, para um Concílio em que até mesmo simples Sacerdotes e leigos teriam poder deliberativo (cf. artigo cit. sobre os "grupos proféticos"; entrevista do Card. SUENENS intitulada "A unidade...").

Não nos ocuparemos, ainda, em refutar aqueles que, incidindo num erro inconfundivelmente modernista, sobrepõem a consciência individual ao ensinamento do Magistério (cf. documentos citados a seguir, sob a epígrafe "1 — Pode haver erro...").

Analisaremos aqui apenas um ponto particular da doutrina da Igreja sobre o seu próprio Magistério: o ensinamento de que é possível haver erros em documentos deste que não preencham as condições que os tornariam infalíveis (sobre essas condições, ver nosso artigo "Qual a autoridade...", p. 5).

A importância desse tema é central. Não vendo com precisão por onde passam os limites da infalibilidade dos hierarcas da Igreja, numerosos católicos caem em perplexidades angustiosas ao ouvirem de bocas episcopais certas afirmações inconciliáveis com a Fé. Hesitam, por outro lado, e não sabem como enfrentar os teólogos progressistas que, alegando a possibilidade de erro em atos pontifícios, rejeitam documentos como a "Humanae Vitae". É com o objetivo de esclarecer e apaziguar tais espíritos perplexos, que abordaremos aqui esse assunto.

Formularemos de início duas dificuldades que, em questão de Magistério, têm trazido confusão a muitas almas. A seguir, desenvolveremos os princípios ensinados pela Igreja sobre a possibilidade de erro em seus documentos oficiais. E, terminando, analisaremos, à luz dos princípios expostos, as duas dificuldades apresentadas de início.

Duas dificuldades

1 — PODE HAVER ERRO EM DOCUMENTO DOUTRINÁRIO DE UM BISPO? DO EPISCOPADO INTEIRO DE UMA NAÇÃO OU DE UMA PARTE DO GLOBO?

Numerosos fiéis, reverentes para com a Sagrada Hierarquia, hesitam em admitir que documentos episcopais doutrinários — quanto a medidas disciplinares tal hesitação já pràticamente inexiste — possam conter algum erro. Essa atitude, embora freqüentemente nascida de verdadeiro amor à Igreja, nem por isso deixa de levá-los a situações difíceis e às vezes sem solução, pondo em risco sua própria fé.

Como exemplo a analisar aqui, tomemos alguns documentos em que Bispos, e mesmo Episcopados nacionais, sob a aparência de acatamento à "Humanae Vitae", na realidade a rejeitaram ao atribuir à consciência individual o papel de juiz supremo na questão da legitimidade da contracepção artificial.

É lícito a um fiel discordar de tais pronunciamentos episcopais? Essa é a primeira questão à qual responderemos, depois de examinados os princípios da doutrina católica sobre a possibilidade de erro em documentos do Magistério.

Eis alguns textos de documentos episcopais que, analisando a "Humanae Vitae", incidiram no erro apontado:

DO EPISCOPADO BELGA:

"[...] na aplicação concreta de certas prescrições de ordem moral, pode acontecer que certos fiéis, devido a circunstâncias particulares que se apresentam a eles como conflitos de deveres, se julgam, sinceramente, na impossibilidade de se adaptar a estas prescrições. Neste caso a Igreja lhes pede procurar, com lealdade, a maneira de agir que lhes permita adaptar sua conduta às normas dadas. E se não conseguirem, não se julguem, por causa disso, separados do amor de Deus" ("Sedoc", col. 1083).

DO EPISCOPADO ALEMÃO:

"Os pastores de almas respeitarão em seu serviço, especialmente na administração dos sacramentos, as decisões responsáveis da consciência de seus fiéis". ("Sedoc", col. 1085).

DO EPISCOPADO FRANCÊS:

"A CONTRACEPÇÃO JAMAIS PODE SER UM BEM. É SEMPRE UMA DESORDEM, MAS NEM SEMPRE É CULPÁVEL. PODE ACONTECER QUE ESPOSOS SE DEFRONTEM COM VERDADEIROS CONFLITOS DE DEVERES. [...] Ninguém ignora as angústias espirituais em que se debatem os esposos sinceros, especialmente quando a observância dos ritmos naturais não funciona [...]. Por um lado estão conscientes do dever de respeitar a abertura à vida de qualquer ato conjugal; acham igualmente, em consciência dever evitar ou retardar um novo nascimento, mas estão privados do recurso ao ritmo biológico. Por outro lado não vêem como renunciar atualmente à expressão física de seu amor sem ameaçar a estabilidade de seu lar.

Sobre êste assunto lembraremos o ensinamento constante da moral: havendo um conflito de deveres em que, qualquer que seja a decisão tomada, não se Pode evitar um mal, a sabedoria tradicional prevê que se procure, perante Deus, conhecer qual o dever maior. OS ESPOSOS SE DECIDIRÃO APÓS REFLEXÃO COMUM feita com todo o cuidado que requer a grandeza da vocação conjugal.

NÃO SE PODE JAMAIS ESQUECER NEM DESPREZAR NENHUM DOS DEVERES EM CONFLITO" ("Sedoc", col. 1118 — o destaque em versalete é nosso).

De D. Marcos Antônio NORONHA, Bispo de Itabira, Minas Gerais:

"Os padres procurarão ajudar o povo a dar sim [à "Humanae Vitae”]: [...] pela reflexão com os casais, ajudando-os a encontrarem uma solução, dentro do sentido da vida e do seu matrimônio, RESPEITANDO SUA CONSCIÊNCIA; [...]" ("Sedoc", col. 1044 — o destaque em versalete é nosso).

De D. Gregório WARMELING, Bispo de Joinville:

"No caso de impasse, só resta ao sacerdote respeitar a decisão que o casal em consciência assumir diante de Deus" ("Sedoc", col. 1050).

No mesmo erro gravíssimo caíram os Episcopados de diversos outros países (como o canadense, o nórdico, o escocês). É o que se constata folheando, por exemplo, os números da revista "Sedoc" que apresentam repercussões da "Humanae Vitae" (vol. I, fascs. 8 e 11).

Infelizmente, idêntica interpretação foi dada à Encíclica pela Comissão Central da CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Em sua declaração de 25 de outubro de 1968, que segue as pegadas de documentos congêneres de Episcopados estrangeiros, lemos:

"Desvelem-se [os confessores e diretores espirituais] em formar retamente a consciência dos que neles confiam, levando-a à conformidade com a verdade objetiva ensinada pelo Magistério autêntico. AOS QUE NÃO CHEGARAM AINDA À CONVICÇÃO DA VERDADE EXPOSTA, NÃO AFASTEM DA FREQÜÊNCIA DOS SACRAMENTOS DA CONFISSÃO E COMUNHÃO, DESDE QUE BUSQUEM SINCERAMENTE MANTER-SE FIÉIS AO AMOR DE CRISTO, apesar da dificuldade que sintam na visão total da verdade. Em tais casos, longe de apartá-los de Cristo realmente presente na Eucaristia, esforcem-se por levá-los a um contacto mais freqüente com o Mestre, pondo-lhes nos lábios a prece fervorosa: "Senhor, que eu veja!" ou "Creio, Senhor, mas aumentai a minha fé", pois a Deus é possível o que é impossível ao homem. Os sacramentos são remédios de que os doentes necessitam mais que os sãos" ("Sedoc", col. 1029 — o destaque em versalete é nosso).

Ao citar esse tópico da declaração da Comissão Central da CNBB sobre a "Humanae Vitae", devemos observar que, de modo geral, foi ele ignorado pela imprensa brasileira. Esta reproduziu e comentou quase exclusivamente as passagens da declaração que exprimem acatamento à Encíclica. Dessa forma, a opinião pública nacional ficou com a impressão errônea de que a Comissão Central da CNBB adotara, na matéria, uma posição diferente daquela que abraçaram — com ampla cobertura da imprensa — os Episcopados de tantas nações estrangeiras.

2 — TEÓLOGOS REJEITAM A "HUMANAE VITAE" ALEGANDO A POSSIBILIDADE DE ERRO EM DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS

Uma segunda dificuldade que tem trazido confusão a muitos espíritos diz respeito à possibilidade de erro em um ou outro documento pontifício.

Também aqui, um exemplo nos auxiliará a compreender a perspectiva dentro da qual abordamos a questão.

Se este segundo exemplo, como o anterior, se refere à "Humanae Vitae", é porque ainda estão muito vivos os debates a propósito dessa Encíclica; mas é evidente que as observações que aqui faremos se aplicam a todos os pontos de doutrina e documentos tradicionais contestados pelos progressistas.

Numerosos teólogos, alegando a possibilidade de erro em decisões do Magistério, rejeitam pronunciamentos como a "Humanae Vitae". Com freqüência, o católico fiel tende a defender-se de tais teólogos progressistas dizendo a si próprio que não é verdade que possa haver erro em ensinamentos dos Papas e da Santa Sé. Ora, tal consideração, não sendo inteiramente exata, coloca-o numa posição doutrinariamente equívoca, que por isso mesmo dá azo a contra-ofensivas progressistas na aparência vitoriosas. Ao erro, só a verdade plena constitui autêntica refutação.

Tomemos o artigo da "Revista Eclesiástica Brasileira" (1968, pp. 650-656) em que Frei Boaventura KLOPPENBURG, O. F. M., procura solapar a "Humanae Vitae", invocando seu caráter não infalível. Com base na teoria de teólogos como FRANZELIN e BILLOT, de que os documentos não infalíveis só se pronunciam sobre a segurança de uma doutrina, e não sobre a sua verdade, o conhecido Franciscano de Petrópolis escreve:

"Não há dúvida de que a parte doutrinária (a mais importante e a mais nervosa) da Humanae Vitae pertence à categoria dos pronunciamentos doutrinários da ordem prática, e, como tal, não pretende (esta intenção é inerente à própria natureza do tipo jurídico de documento que Paulo VI escolheu) direta e primariamente um fim doutrinário absoluto e definitivo (ou a verdade de uma doutrina ou proposição), mas uma finalidade prática e prudencial para as atuais circunstâncias (ou a seguridade de uma doutrina ou posição). Isto é: nas atuais conjunturas e situações de dúvidas e perplexidades, quando ainda não temos certeza sobre os efeitos a longo prazo dos anticonceptivos artificiais, quando seu uso se propaga dia a dia mais assustadoramente mesmo entre os melhores católicos praticantes, quando muitos desejam e urgem uma solução prática: nestas circunstâncias é mais seguro e mais prudente (talvez até mais verdadeiro, mas isso não se intenciona decidir no tipo jurídico de documento escolhido por Paulo VI) ficar na posição tradicional. Portanto esse pronunciamento não é nem quer ser irreformável em si nem pretende ser infalivelmente verdadeiro. É, como se diria hoje, uma verdade provisória, necessária para uma orientação prática no confuso momento atual" (p. 652).

Daí o autor conclui — em termos vagos e cautelosos, mas inequívocos — que é lícito ao fiel discordar da condenação dos anticonceptivos artificiais (pp. 653-656).

Em face de atitudes como essa de Frei Boaventura KLOPPENBURG — que é apenas uma entre muitas — a primeira reação do católico fiel consistiria em negar que possa haver erro num documento como a "Humanae Vitae". Tal reação, entretanto, em princípio não refletiria de modo exato a doutrina da Igreja sobre a infalibilidade de seu Magistério.

Possibilidade de erro em documentos episcopais

Numerosas são as razões que nos fornece a Sagrada Teologia em defesa da tese de que, em princípio, pode haver erros em documentos do Magistério não dotados das condições de infalibilidade.

Tais razões são mesmo tantas e de tanto peso, que julgamos suficiente acenar com algumas delas a fim de dar ao leitor uma visão sumária do assunto.

Primeiramente devemos notar que o Magistério da Igreja se compõe do Papa e dos

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