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(continuação)

RESISTÊNCIA PÚBLICA

toda a riquíssima casuística que poderia trazer maiores precisões à solução proposta. Ou, visando resolver um caso concreto, apresenta sua conclusão em termos abstratos e gerais, o que pode fazer crer — contra o seu próprio pensamento mais profundo — que a norma enunciada não admite exceções.

Dois exemplos tornarão mais fácil a intelecção do fato a que aludimos. Tomemos, de um lado, a aparente condenação da propriedade privada por Padres da Igreja e autores medievais; e, de outro, a proscrição do empréstimo a juros, por SÃO TOMÁS DE AQUINO e pelos antigos em geral.

a) APARENTES CONDENAÇÕES DA PROPRIEDADE PRIVADA

SANTO AMBRÓSIO escreveu: "A natureza deu a todos em comum. Deus ordenou que todas as coisas fossem feitas de modo que o alimento fosse comum a todos e a terra se tornasse propriedade comum de todos" ("De Offic.", lib. 1, c. 28 — apud CATHREIN, ri.° 457).

Além disso, vários Padres da Igreja e O "CORPUS JÚRIS CANONICI" declaram que a ninguém é lícito dizer: "isto é meu", porque a natureza fez tudo de todos (cf. CATHREIN, n.° 457).

Semelhantes asserções, tão genéricas e absolutas, no entanto não têm o valor universal que aparentam. Os mesmos Padres que as formulam, em outras passagens afirmam claramente a legitimidade da propriedade privada (cf. CATHREIN, § 457; SCHWALM, "D. T. C.", cols. 579 ss.; URDANOZ, coment. à "Suma Teol.", tomo VIII, p. 480). Nos textos em apreço, os referidos Padres ou visam combater o apego excessivo aos bens materiais; ou visam afirmar o princípio de que, na hipótese de necessidade extrema, prevalece a destinação comum dos bens sobre o direito do proprietário; ou visam ainda dar ênfase a outros princípios da doutrina católica sobre os limites do direito de propriedade.

O que é certo, entretanto, é que suas afirmações contrárias à posse individual dos bens materiais não têm o valor absoluto que lhes poderia atribuir um leitor menos avisado (cf. CATHREIN, § 457; SCHWALM, "D. T. C.", cols. 585-586; PEINADOR, tomus II, vol. I, § 264, nota 27; URDANOZ, coment. à "Suma Teol.", vol. VIII, pp. 479-481).

b) APARENTES CONDENAÇÕES DE TODO E QUALQUER EMPRÉSTIMO A JUROS

Outro exemplo, muito esclarecedor, do fenômeno a que aludimos, é o da condenação, pelos antigos, do empréstimo a juros. SÃO TOMÁS, por exemplo, escreve de modo taxativo: "receber juros por um empréstimo de dinheiro é em si injusto" ("Summa Theol.", 78, 1, c.). O caráter absoluto da asserção parece indicar que, para o Doutor Angélico, em toda e qualquer situação histórica o empréstimo a juros seria imoral.

Ora, uma análise cuidadosa dos escritos de SÃO TOMÁS, e dos antigos em geral, mostra que eles proscreviam os juros porque consideravam o dinheiro um simples instrumento destinado a facilitar as trocas. Na economia moderna, entretanto, a função do dinheiro alargou-se extraordinariamente. Além de facilitar as trocas, passou a representar os próprios bens pelos quais pode ser a qualquer momento permutado: "quem é dono do dinheiro — escreve CATHREIN — possui, não formalmente, mas equivalentemente, tudo aquilo que em concreto pode ser adquirido com esse dinheiro" (§ 498).

Assim sendo, o empréstimo a juros tem hoje um caráter fundamentalmente diverso do que tinha na Idade Média, equiparando-se de algum modo à locação ou aluguel. Os moralistas não hesitam, pois, em declarar que SÃO TOMÁS, apesar de suas afirmações absolutas em sentido contrário, não condenaria os juros numa ordem econômica como esta em que vivemos (cf. CATHREIN, pp. 344-351; TANQUEREY, "Syn. Theol. Mor. et Past.", tomus III, pp. 445-448; DU PASSAGE, "D. T. C.", cols. 2382-2390; PEINADOR, tomus II, vol. II, pp. 266 SS.; URDANOZ, coment. à "Suma Teol.", tomo VIII, p. 688).

Desfazendo uma divergência aparente

Isto posto, convidamos o leitor a reler detidamente as passagens acima referidas, ou quaisquer outras em que teólogos declarem ser sempre ilícita a quebra do chamado silêncio obsequioso. O texto e o contexto de tais passagens tornam patente que nelas se estabelece apenas um princípio geral, válido para os casos ordinários. Não se consideram, ali, hipóteses admissíveis, mas raras e extraordinárias, mais próprias à casuística, como são aquelas que tinham em vista SÃO TOMÁS DE AQUINO e os demais autores anteriormente citados. Não se considera, por exemplo:

- a hipótese de um erro que acarrete ao povo cristão "perigo próximo para a fé" (como se deu, explica SÃO TOMÁS, no episódio em que São Paulo resistiu em face a São Pedro);

- a hipótese de erro que constitua uma "agressão às almas" (expressão de São ROBERTO BELLARMINO).

Em outros termos, a leitura das passagens em que os autores declaram proibido todo e qualquer rompimento do silêncio obsequioso, mostra que eles consideram apenas o caso de alguém que, "in sede doctrinaria", isto é, no mero terreno da especulação teológica, diverge de um ponto do documento magisterial. Eles não têm em vista, com isso, declarar que também no terreno prático, na solução de um caso de consciência concreto que aflige o fiel, seja sempre ilícito agir publicamente em desacordo com a decisão do Magistério.

Se tais autores, portanto, fossem colocados diante de "um perigo próximo para a fé" (SÃO TOMÁS), podemos sustentar com toda a segurança que também eles, seguindo as pegadas do Anjo das Escolas — para não dizermos as de São Paulo — autorizariam uma resistência pública.

Se se vissem em face de uma "agressão às almas" (SÃO ROBERTO BELLARMINO) ou de um "escândalo público" (cf. Camélia a LAPIDE) em matéria doutrinária; ou de um, Papa "que se houvesse afastado do bom caminho" (SANTO AGOSTINHO) por seus ensinamentos errôneos e ambíguos; ou de um "crime público" que redundasse em perigo para a fé de muitos (SÃO TOMÁS) como poderiam negar a direito de resistência e, se necessário, de resistência pública?

A nosso ver, seria absolutamente insuficiente e mesmo falha a explicação — que poderia ocorrer a alguns — de que a referida divergência entre os autores se resolveria com a distinção entre as decisões disciplinares e as doutrinárias. Às primeiras seria lícito resistir, às segundas não. Semelhante explicação nos parece falsa por duas razões principais:

■ 1 — os argumentos apresentados pelo primeiro grupo de autores citados valem para decisões tanto doutrinárias quanto disciplinares. Umas e outras podem, por exemplo, acarretar o "perigo próximo para a fé" em que SÃO TOMÁS baseia seu raciocínio. E, por outro lado, os argumentos do segundo grupo de autores também valem para as decisões disciplinares como para as doutrinárias.

Se o "respeito devido à autoridade sagrada", por exemplo, exige um silêncio absoluto em face de decisões doutrinárias errôneas, por que não o exigirá em face de decretos disciplinares injustos?

■ 2 — desde que se admita a possibilidade de erro doutrinário em documentos do Magistério — possibilidade essa que em princípio não se vê como excluir (cf. nosso artigo "Pode haver erro...") — é inquestionável que também no terreno doutrinário haverá lugar para casos de consciência gravíssimos, que tornem lícita ou mesmo obrigatória a resistência do fiel. Sustentar o contrário seria desconhecer ou negar o papel fundamental da Fé na vida cristã.

"Doutores e pais dos povos cristãos"

Em conclusão, só nos resta professar uma vez mais nossa humilde e amorosa submissão, em toda a medida prescrita pelas leis canônicas, àqueles que, "postos pelo Espírito Santo, sucedem aos Apóstolos como pastores das almas, e, juntamente com o Sumo Pontífice e sob sua autoridade, receberam a missão de tornar perene a obra de Cristo, Pastor eterno" (II CONC. VAT., Decreto "Christus Dominus", n.° 2).

Para manifestar esses sentimentos que trazemos na alma, apraz-nos recordar algumas expressões eloqüentes das Escrituras Sagradas com que Pio XI ("Ubi Arcano", p. 21) enaltece o munus episcopal: os Bispos são, na Igreja, "membros principais, unidos por laços de ouro, que mantêm a forte unidade do Corpo de Cristo" (cf. Ef. 15-16); são "doutores e pais dos povos cristãos, modelo do rebanho" (cf. 1 Ped. 3), constituídos pelo Espírito Santo "para governar a Igreja de Deus" (cf. At. 20, 28).


"REFORMA AGRÁRIA - QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA" PUBLICADO NA ESPANHA

Com prólogo do Prof. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, acaba de ser lançada na Espanha uma tradução castelhana do livro "REFORMA AGRARIA - QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA", do qual são autores, juntamente com o Presidente do Conselho Nacional da TFP, o Exmo. Arcebispo D. GERALDO DE PROENÇA SIGAUD, o Exmo. Bispo D. ANTONIO DE CASTRO MAYER e o economista LUIZ MENDONÇA DE FREITAS.

A iniciativa de publicar na Espanha o famoso "best seller" coube à Asociación Cordabeca de Derecho Agraria e a distribuição em Madrid ficou a cargo da conhecida Editorial Speiro (General Sanjurjo 38, Madrid). Na presente edição, que aparece com o título de "SOCIALISMO Y PROPIEDAD RURAL", omitiu-se — com a devida autorização dos autores — a Parte II do texto original, na qual são tratados os aspectos econômicos da realidade rural brasileira, de menos interesse para o público espanhol. Em contrapartida foi inserido como apêndice a DECLARAÇÃO DO MORRO ALTO, que, como se sabe, é um programa positivo de política agrária redigido, pelos mesmos autores de "Reforma Agrária — Questão de Consciência".

Os editores espanhóis assinalam, na apresentação do livro, que este se tornou "um dos maiores acontecimentos editoriais" registrados no Brasil, onde alcançou quatro edições, num total de 30 mil exemplares. Acrescentam que "a publicação de "Reforma Agrária — Questão de Consciência" teve grande repercussão, pois o livro denuncia o movimento em favor de uma reforma agrária confiscatória de caráter socialista e anticristão. [...] A semelhança ideológica desse movimento com as correntes agro-reformistas dos outros países latino-americanos dá a essa obra um especial interesse".

Como se recorda, além das quatro edições brasileiras, "Reforma Agrária — Questão de Consciência" foi editado em Buenos Aires, em 1963, repercutindo intensamente na imprensa e nos meios rurais e políticos de várias nações do Continente.

Mas seu alcance está longe de circunscrever-se ao âmbito latino-americano, como o nota o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no prólogo da edição ibérica: "Estamos seguros de que os leitores da gloriosa Espanha poderão tirar algum proveito deste estudo sobre os princípios da sociologia católica, extrapolados ao plano da agricultura. E como estes princípios têm uma perene e animada validade, poderão ser aplicados, com as convenientes adaptações, não só ao Brasil e às outras nações ibero-americanas, mas igualmente à Espanha e a todos os países do globo".


Conclusão da página 1

PROSSEGUE VITORIOSA

A caravana de propagandistas que a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade fez partir de Recife — da qual já fizemos menção em nosso noticiário anterior — continua percorrendo o Nordeste brasileiro, tendo até o momento visitado localidades de Pernambuco, Ceará, Alagoas, Sergipe, Bahia; Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão.

Caravanas idênticas partiram em meados de julho de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, percorrendo extensas regiões dos Estados de S. Paulo, Minas, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Uma caravana partida de Brasília dirigiu-se por sua vez a Cuiabá, a convite do venerando Arcebispo da Capital mato-grossense, D. Orlando Chaves, S. D. B. Posteriormente, novas caravanas saíram da capital paulista para os Estados de Goiás e Espírito Santo.

Na Guanabara continuaram as vendas de "Catolicismo" ao longo da semana, sendo visitados os subúrbios da antiga Capital. Organizaram-se em São Paulo e Belo Horizonte "caravanas de fim-de-semana". Sócios e militantes cujas ocupações e encargos não lhes permitiram engajar-se em uma das caravanas que percorrem o Interior, aproveitam os sábados e domingos livres para a divulgação de "Catolicismo" em localidades mais próximas.

Até o momento de encerrarmos esta edição, haviam sido visitadas 287 localidades de quinze Estados e vendidos 68 mil exemplares da "edição popular" de nosso n.° 220-221 (além dos 42 mil do 1° clichê escoados na primeira fase).

Pareceu-nos preferível deixar para o próximo mês o relato pormenorizado desta fase da campanha, uma vez que ela está ainda em pleno, curso. Cabe registrar aqui que continuam chegando a esta redação, bem como às sedes da TFP, inúmeras manifestações de apoio e simpatia pela iniciativa de denunciar ao Brasil a trama dos "profetas" da Igreja-Nova. As cartas altamente expressivas dos Exmos. Revmos. Srs. D. Orlando Chaves, Arcebispo de Cuiabá, e D. Antonio Mazzaroto, antigo Bispo de Ponta Grossa, já mencionadas em nossa última edição, convém acrescentar a que escreveu o Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo de Niterói, D. Antonio de Almeida Morais Júnior. Em próximo número daremos notícia mais pormenorizada de todos esses pronunciamentos.


A propósito do "Novo Catecismo" holandês - 1

PUBLICADO NO BRASIL SEM AS CORREÇÕES EXIGIDAS PELA SANTA SÉ

Cunha Alvarenga

Todas as máquinas da propaganda progressista vêm funcionando ruidosamente para espalhar pelos quatro pontos cardiais o já tristemente famoso "Novo CATECISMO" holandês. O Brasil, que é o maior país católico do mundo, não poderia escapar à sanha dessa trama publicitária. Ocupou-se da tarefa entre nós a Editora Herder, cuja congênere na Inglaterra está representada no Comitê Executivo Internacional do IDO-C (ver "Catolicismo", n.° 220-221, de abril-maio do corrente ano, p. 10).

Foi com grande estardalhaço que se lançou a edição brasileira de "De Nieuwe Katechismus" ("O NOVO CATECISMO - A FÉ PARA ADULTOS", Editora Herder, São Paulo, 1969), publicando a Herder em certos órgãos da imprensa diária páginas inteiras de encômios a essa "obra redigida pelo Instituto Catequético Superior de Nijmegen, em colaboração com diversos, e por ordem dos Senhores Bispos da Holanda". Mas a essa altura os católicos fiéis já estavam prevenidos por notícias que vinham de Roma. Sabia-se de dificuldades encontradas junto à Santa Sé pelos fautores do "Novo Catecismo", tinha-se notícia de teólogos que a ele faziam sérias restrições, e de que até mesmo uma Comissão Cardinalícia nomeada pelo Papa Paulo VI emitira seu juízo a respeito, indicando os pontos em que a obra devia ser emendada.

Por via das dúvidas, a Editora Herder procurou cercar-se de cuidados. Em folheto de propaganda largamente divulgado, nos dá ela conta das providências que teria tomado: "A tradução brasileira do Novo Catecismo foi acompanhada por elementos da hierarquia eclesiástica e por pessoas ligadas a ela. O longo período de preparação foi também um período de contínuos contactos para se chegar a uma solução no que se refere ao lançamento do Catecismo para o público no Brasil. A nossa tradução vem, por isso, com a anuência da Cúria Metropolitana de São Paulo, o que vem tirar quaisquer dúvidas do povo cristão". E manhosamente os editores passam a citar, no seu bem impresso folheto, declarações laudatórias ao "Novo Catecismo", omitindo completamente as vozes discordantes. — "Catolicismo" não podia deixar de informar seus leitores a respeito do assunto, sobre ele tomando posição franca e decidida, uma vez que se acha em causa a salvação das almas, que podem ser desviadas das sendas da ortodoxia por esse livro pretensamente aprovado pela Igreja.

"Tradução fiel da edição original do famoso Catecismo"...

Em breve nota intitulada "Aos fiéis" e publicada na primeira página da edição brasileira de "O Novo Catecismo" Sua Eminência o Cardeal Agnelo Rossi, na qualidade de Arcebispo de São Paulo e Presidente da Comissão Central da CNBB, dá integral apoio à Declaração da Comissão Cardinalícia, datada de 15 de outubro de 1968, na qual são exigidas modificações no texto original dessa obra. "Apreciaríamos — acrescenta Sua Eminência — que os autores e responsáveis pelo Catecismo, dos quais depende, por direito, a efetivação destas emendas, as introduzissem no próprio texto. Daríamos, então, de bom grado o "imprimatur", cuja concessão somos obrigados a procrastinar".

É estranhável que, sabendo ser esse um livro que a Santa Sé exigiu fosse expurgado de seus erros e omissões, a Editora Herder, que se diz católica, haja tomado a iniciativa de publicá-lo sem que os autores o tivessem previamente corrigido, — e ainda ouse, como chamariz publicitário, fazer praça de que se trata de "tradução fiel da edição original do mundialmente famoso Catecismo Holandês" (letreiro da última capa). Nem sequer, para indispensável esclarecimento do leitor, é a aludida Declaração da Comissão Cardinalícia transcrita ao lado da advertência do Cardeal Rossi. Não causa menor surpresa o fato de que a versão brasileira, ao mesmo tempo que se dispensa de reproduzir essa Declaração, apresente um "Parecer para o "nihil obstat" e "imprimatur", de autoria do Revmo. Mons. Dr. Roberto Mascarenhas Roxo, o qual, segundo suas próprias palavras, pretende ser uma glosa da citada declaração.

Convém esclarecer a nossos leitores que o documento elaborado pela Comissão de Cardeais começa por uma "Parte Histórica", na qual são narradas as providências tomadas pela Santa Sé para exame do "Novo Catecismo" à vista de ele "haver provocado, desde o início, por suas opiniões novas, inquietação em não poucos fiéis". Na "Parte Doutrinária", que se segue à "Parte Histórica", são feitas dez observações sobre vários pontos em que a obra deve ser modificada.

Ora, a mencionada glosa do Revmo. Mons. Mascarenhas Roxo, por um lado, procura habilmente ocultar o que a "Parte Histórica" do documento diz sobre o modo estranho com que se comportaram os fautores do Catecismo, não somente por ocasião do colóquio realizado de 8 a 10 de abril de 1967 entre três teólogos nomeados pela Santa Sé e três teólogos designados pelo Episcopado Holandês, mas também em face da própria Comissão Cardinalícia, composta pelos Cardeais Frings, Lefebvre, Jaeger, Florit, Browne e Journet, indicados pelo Santo Padre para examinar a questão e sobre ela pronunciar um julgamento, em vista de não ter o aludido colóquio produzido os frutos desejados. Os trabalhos dessa Comissão se iniciaram em junho de 1967, ficando concluídos em fevereiro de 1968.

Por outro lado, no que toca à "Parte Doutrinária", a glosa do Revmo. Mons. Mascarenhas Roxo é ostensivamente destinada a atenuar as críticas ali feitas ao "Novo Catecismo".

Censurável comportamento em face da Santa Sé

Na parte histórica de seu parecer, refere a Comissão Cardinalícia que, enquanto o assunto era estudado, surgiram sem nenhuma correção edições desse Catecismo em inglês, alemão e francês. Além disso, "em um jornal holandês e em um livro aparecido na Itália, foram lançados no domínio público documentos reservados e por sua natureza secretos, referentes à questão [do Catecismo], entre os quais uma carta do Soberano Pontífice".

"No citado livro — acrescenta a Declaração dos Cardeais — tais documentos são acompanhados de amplas notas e comentários em que, além de serem atribuídas aos teólogos nomeados pela Santa Sé afirmações que não fizeram, atenuam-se continuamente, por diversos expedientes, os pontos do Catecismo que pedem correções, e se lhes dá uma aparência inofensiva, não conforme à verdade. Não raro citam-se asserções boas, que não bastam porém para corrigir explicações contrárias, tanto mais que estas últimas estão, muitas vezes, de acordo com opiniões expressas em outros escritos pelos autores do Catecismo".

Revelam também os Cardeais que para as futuras edições do Catecismo "se propõem [no livro publicado na Itália] soluções contrárias às que foram estabelecidas — com a aprovação da Santa Sé — pela Comissão de Cardeais, e se sugere que apenas sejam de algum modo aceitas as emendas explicitamente mencionadas pelo Soberano Pontífice, embora esteja claro, por Suas palavras [...], que o Papa desejou somente dar alguns exemplos dos esclarecimentos esperados".

Todas essas graves acusações contidas na Declaração cardinalícia — conforme texto publicado na "Acta Apostolicae Sedis", edição de 30 de novembro de 1968 (an. LX, n. 12, p. 685) — mostram claramente a falta de docilidade dos responsáveis pelo Catecismo Holandês e os recursos tortuosos usados por eles e por seus aliados para permanecer em sua posição modernista e se subtraírem à censura da Santa Sé.

Contém o Catecismo Holandês erros e heresias?

Esses e outros fatos esclarecedores expostos na "Parte Histórica" da Declaração foram cuidadosamente omitidos na glosa do Revmo. Mons. Roberto Mascarenhas Roxo quando desfavoráveis aos fautores do livro de Nimega. Pelo contrário, insiste S. Revma. nos "valores do Catecismo" antes de abordar "as posições criticadas", e se apressa em dizer que "a comissão cardinalícia não acusa o Catecismo de heresia e erros", tanto assim — esclarece em nota — que estas expressões "não apareceram nas discussões e nem aparecem no parecer" dos Cardeais.

Na pena de um Sacerdote tido em certos círculos como teólogo, esse argumento é de estarrecer. Um funcionário público é condenado pela Justiça por se haver apropriado indebitamente de vultosas quantias confiadas à sua guarda. Diria logo o Revmo. Mons. Roxo: não se pode acusar esse homem de peculato, pois tal expressão não aparece com todas as letras, nem uma única vez, na sentença!

Acontece que, embora a questão de nomes possa ser às vezes importantíssima, em geral o que é mais relevante é a coisa em si mesma considerada e não o rótulo que ela eventualmente leve: "nihil interest de nomine dum de corpore constat".

Procuremos, portanto, entrar no mérito da questão. Logo de início acentuemos que a Comissão Cardinalícia sustenta que suas observações, quanto à parte doutrinária do "Novo Catecismo", "não são nem pouco numerosas, nem de pouca importância".

Para que nossos leitores se capacitem da suma gravidade dos erros por ação e por omissão, contidos nesse livro, tratemos de alguns pontos levantados pela citada Comissão, sem nos preocuparmos com a ordem numérica em que esta os formula. Não nos vamos ater, também, à mera transcrição de tópicos da Declaração, mas acrescentaremos comentários elucidativos em torno de alguns trechos do Catecismo que lhes deram origem.

Negando frontalmente a queda dos homens em Adão

Diz a Declaração dos Cardeais:

"2. A QUEDA DOS HOMENS EM ADÃO (cf. Conc. Vat. II, Const. "Lumen Gentium", n.° 2). — As dificuldades novas que os estudos sobre a origem do gênero humano e seu lento progredir suscitam hoje em dia a respeito do dogma do pecado original, não devem impedir o Novo Catecismo de propor fielmente a doutrina da Igreja, segundo a qual o homem, no início da História, se revoltou contra Deus (cf. Conc. Vat. II, Const. "Gaudium et Spes", n.os 13 e 22), o que acarretou a perda, para ele e para toda a sua descendência, da santidade e da justiça nas quais havia sido estabelecido, e a transmissão a todos os seus descendentes, pela propagação da natureza humana, de um verdadeiro estado de pecado. Será sobretudo necessário, além disso, evitar expressões susceptíveis de significar que o pecado original é contraído pelos novos membros do gênero humano apenas na medida em que eles estão submetidos interiormente, desde sua origem, à influência da comunidade humana, em que o pecado reina, e que por isso se encontram já de início na via do pecado".

Ora, num novo catecismo que pretende suplantar todos os outros, julgando-os ultrapassados nos conceitos e na linguagem, não se compreende que logo de começo não se procure esclarecer devidamente o dogma fundamental da queda de todos os homens em Adão. Mas não se trata apenas da omissão desse esclarecimento, o que já seria inconcebível em um catecismo católico, mas de negar pura e simplesmente essa verdade, como passaremos a ver.

"Não houve para o homem um estado de integridade paradisíaca"

Os autores do "Novo Catecismo" sabem, em caso de necessidade, tirar de São Tomás o que lhes convém para armar determinados efeitos. Atribuem, assim, ao autor da Suma Teológica a afirmativa de que "não é sinal de bom senso" pensar-se que houve tempo em que animais rapaces não roubavam. Acrescentam que "espinhos e abrolhos não são frutos do pecado" (p. 314). E saltam daí para a seguinte conclusão diametralmente oposta às lições do Doutor Angélico: "Também quanto ao próprio homem, não devemos supor que, no princípio, tenha havido para ele um estado de integridade paradisíaca e de imortalidade. Vimos, com efeito, o que a narrativa do paraíso pretende ensinar: a intenção de Deus que se realiza no conjunto da criação evolutiva, sobretudo na sua consumação. Propriamente falando, nada podemos dizer do princípio" (p. 314). O "estado de inocência da natureza humana, antes do pecado", era assunto que "ocupava lugar de relevo no antigo ensino religioso" (p. 313).

Mas, como acabamos de ver, isso desapareceu nas brumas do Instituto Catequético Superior de Nimega.

O católico deve sempre procurar viver às claras. Apressemo-nos, portanto, em desfazer esse denso nevoeiro, e encaminhemo-nos, confiantes, para a luz da doutrina católica que nos vem de Roma.

A passagem acima citada da Comissão Cardinalícia ensina justamente o contrário do que professa o Catecismo Holandês. Repete ela a verdade sempre reconhecida e afirmada pela Santa Igreja: antes de sua primeira revolta, o homem havia sido estabelecido na santidade e na justiça, ou, conforme a lição do Catecismo de Trento, "Deus formou do limo da terra o corpo do homem, de maneira que fosse imortal e impassível, não por exigência da própria natureza, mas por efeito da bondade divina. A alma, porém, Deus a criou à sua imagem e semelhança, e dotou-a de livre arbítrio. Além de tudo, regulou os movimentos e apetites da alma, de sorte que sempre obedecessem ao império da razão. Finalmente, deu-lhe ainda o admirável dom da justiça original, e quis que tivesse o governo de todos os outros seres animados" (do CATECISMO DOS PÁROCOS redigido por decreto do Concílio de Trento, conhecido por CATECISMO ROMANO, tradução do Padre Valdomiro Pires Martins, Ed. Vozes Ltda., Petrópolis, 1962, p. 89).

Afirma o Revmo. Mons. Mascarenhas Roxo, tratando deste ponto, que "o Catecismo não ignora estas verdades de fé, embora as simplifique demais sob uma denominação genérica de pecado do mundo". Ao contrário dessa gratuita asserção, o que acabamos de ver com toda a clareza é que o "Novo Catecismo" não simplifica, mas nega frontalmente estas verdades fundamentais de nossa Fé.

Exegese modernista das "narrativas primordiais" do Gênesis

Aliás, já à página 62 é expressamente dito pelo Catecismo Holandês "que a narração de Adão e Eva não pode ser concebida como relatório". E como um dos ídolos dos modernistas é o mais desvairado evolucionismo, todo o contexto do "Novo Catecismo" faz entender que o pecado se acha ligado à natureza humana desde os seus primórdios. Descendendo o homem de animais inferiores, "deve ter havido um momento único na história, no qual seres vivos cessaram de ser "algo" e vieram a ser "alguém". Esse momento, contudo, desapareceu definitivamente nas trevas do passado longínquo" (pp. 14-15). Multiplicando-se continuamente as descobertas arqueológicas, "vemos, cada vez mais nitidamente, o espetáculo maravilhoso: a coluna vertebral que se erige lentamente; o crânio que se enche com um volume cada vez maior! O simples animal que se transforma em ser humano" (p. 14).

Ora, como o Catecismo Holandês não aceita que a alma humana seja imediatamente criada por Deus, a começar pela de Adão, e a todo o momento se refere ao estado rude e selvagem do homem em seus primórdios, é claro que de acordo com essa concepção a alma (aliás o "Novo Catecismo" não gosta desta palavra, que não aparece em suas páginas senão raramente — e sempre em um estranho sentido que em outra oportunidade tentaremos analisar), a alma ou coisa parecida foi desabrochando aos poucos, à medida que os primatas se foram transformando em homens. Daí professarem os modernistas a evolução da consciência moral, ao contrário não somente dos dados da Revelação, mas até das provas que nos são oferecidas pela verdadeira ciência, segundo as quais o homem apresenta suas características próprias e inconfundíveis de animal racional desde o seu primeiro aparecimento na terra.

Até fatos da história do povo eleito, ora em sua fidelidade a Deus, ora em seus desvios e quedas, nos vêm apresentados pelo "Novo Catecismo" como conseqüências do pretenso estágio rude dos primórdios da evolução humana: "[...] acontece que, às vezes, o próprio Deus parece estar atrás de certos casos, como, por exemplo, na fraude de Jacó, ou — pior ainda — na exterminação radical dos habitantes de Canaã: aqui se diz até que Javé o mandava. Como interpretar-se isso? Tais casos devem também ser vistos como imperfeição primitiva" (p. 73). Mais ainda: "O primitivo, baixo e grosseiro, que, no Antigo [Testamento], tende a evoluir, crescer e subir, aparece, no Novo, espiritual, puro e elevado" (p. 76).

Os relatos bíblicos não teriam valor histórico, mas apenas caráter simbólico. As "narrativas primordiais" dos capítulos 1-11 do Gênesis, que dizem respeito a Adão, Caim, Noé, Babel, "já sabemos que não são descrições em forma de relatórios, de fatos históricos reais. O seu sentido é muito mais profundo. Em

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