DENUNCIAM OS PROFETAS DO ATEÍSMO
(continuação)
temem que o povo conheça essa denúncia [da atuação do IDO-C e dos "grupos proféticos"] e que a revelação pormenorizada da trama sinistra lhes é extremamente desagradável". Isto representa, continua o documento, "um dado a mais quanto à unidade de princípios e propósitos existente entre a revolta que o chamado progressismo católico está propiciando na Igreja e a que o comunismo deseja para a sociedade temporal". Ao mesmo tempo, a TFP externa a sua firme resolução de continuar combatendo: "A opinião pública pode ter, entretanto, a certeza de que os desesperados furores da extrema esquerda, tão curiosamente interessada em defender até com o emprego da violência os organismos semiclandestinos do progressismo religioso, não farão vacilar um instante a TFP em sua ação de desmascaramento desenvolvida em prol dos sagrados princípios da civilização cristã".
Voltam à carga os baderneiros
Nos dois dias subsequentes a campanha prosseguiu nos bairros com o mesmo êxito inicial e sem qualquer incidente. No domingo, 17, a venda foi realizada nas imediações de algumas das principais igrejas de Santiago.
Entre essas igrejas estava a de Vitacura, bairro de alta burguesia e considerado um dos redutos da Democracia-Cristã. Instantes depois de iniciada ali a campanha, surge (em trajes leigos) um Sacerdote da Paróquia, o Pe. Fernando Grez, acompanhado de um grupo de progressistas. Pôs-se a insultar os propagandistas de "Fiducia" e incitou os seus comparsas e o povo que saía de uma das Missas a que os expulsassem dali. A atitude do Padre teve efeito oposto ao que ele visava, pois ao cabo de um primeiro momento de perplexidade os fiéis tomaram o partido dos jovens da TFP, gritando em coro com eles: "Liberdade! Liberdade! A rua é de todos!", e comprando os jornais que lhes eram oferecidos. Exasperado, o Sacerdote ia passar à agressão física quando os militantes começaram a cantar o hino "A Dios queremos" ("Queremos Deus"), sob os aplausos do público.
Era tal o estado de excitação do baderneiro eclesiástico, que os propagandistas da TFP preferiram deixar o local a fim de evitar um incidente maior com um Sacerdote, o que, aliás, só favoreceria o jogo das esquerdas. Dirigiram-se então para outra igreja, mas o Pe. Grez teve a insolência de segui-los, tentando criar novo tumulto. Em discussão com um transeunte que comprava "Fiducia", confessou-se marxista e, tomando um impresso que era distribuído juntamente com o jornal, escreveu no verso: "Soy marxista, y que fué?" ("Sou marxista, e o que é que há?") e assinou a vergonhosa declaração. O incidente repercutiu largamente em vários círculos de Santiago e houve fiéis que juraram não mais entrar na igreja do Pe. Grez, pois corriam o risco de ali se transformarem em "proféticos" sem se darem conta disso. Agradeciam eles à TFP o ter-lhes aberto os olhos.
Uma nova agressão registrou-se no dia 19, quando cerca de oitenta estudantes secundários, capitaneados por agitadores profissionais que já tinham várias passagens pela Polícia, aproximaram-se dos vendedores de "Fiducia" lançando pedras. Resolvidos a preservar a todo custo o caráter pacífico de sua campanha, os militantes da TFP afastaram-se do local; os esquerdistas, então, rumaram para a sede da Sociedade, com o intuito de depredá-la. Um militante que se encontrava na sede, ao ver aproximar-se aquela turbamulta hostil fez três disparos de revólver para o ar, o que bastou para pôr em fuga os desordeiros.
Entrementes, a campanha ia ganhando notoriedade, tornando-se assunto obrigatório de todas as conversas, e a imprensa começou a ocupar-se dela. Entre outros, o diário-magazine de larga circulação, "Las Últimas Notícias" (edição de 20 de agosto), trouxe uma extensa reportagem, tomando parte da segunda e toda a terceira página, além de uma chamada na primeira. Estampava boas fotografias da campanha e declarações dos Srs. Patricio Larrain Bustamante e Patricio Amunátegui Mönckeberg, diretores da SCDTFP. Chamando os militantes da entidade de "fiducios", como é comum no Chile (do nome do jornal, "Fiducia"), diz na introdução o repórter: "os "fiducios" saem às ruas envoltos em suas seculares capas vermelhas e ostentando altos estandartes da Idade Média. Que são? Que fazem? Aí estão eles nas esquinas com suas atitudes ousadas. Vozes, revistas, fanático entusiasmo. Valia, pois, a pena entrevistá-los. O que foi no início um grupo de malucos é hoje um movimento vivo".
A agressão mais brutal de toda a campanha
A mais brutal agressão de toda a campanha verificou-se em 21 de agosto. Escolhera-se para a venda desse dia o cruzamento da Avenida Bilbao com a Rua José Miguel Infante, onde há uma espécie de praça, com quatro vias de acesso. Os agressores agiram com rapidez e eficiência, obedecendo a uma estratégia verdadeiramente militar. Grupos de cinquenta a setenta indivíduos, num total de mais de duzentos, partiram de pontos diferentes, irrompendo em desabalada carreira pelas quatro artérias, tão silenciosamente como da primeira vez. Seu objetivo era bloquear a praça, impossibilitando assim a retirada dos 25 jovens da TFP que ali se achavam; manifestamente haviam cronometrado a ação, para que os quatro grupos chegassem simultaneamente ao local onde estavam os militantes, envolvendo-os. Providencialmente, porém, um dos grupos se atrasou alguns instantes, o que permitiu que alguns dos "fiducianos" buscassem num hospital das proximidades refúgio contra agressores cuja desproporcionada superioridade de forças tornava inútil qualquer resistência. Armados de pedras, paus, armas cortantes e "laques" (porretes de ferro envoltos em borracha, muito usados no Chile pelos criminosos comuns), os baderneiros cercaram os militantes que não haviam logrado retirar-se, atirando-lhes pedras à distância e golpeando-os na corrida com seus porretes, evitando a luta corpo-a-corpo. Até hoje os propagandistas da TFP não sabem dizer como conseguiram romper o cerco e refugiar-se em algumas casas das imediações. O público assistia indignado o criminoso atentado e gritava para que a polícia — representada no local por dois "carabineros" apavorados — interviesse. Diversos populares ajudaram os agredidos a se abrigarem em suas próprias casas. Um homem que passava de taxi fez com que o carro parasse, abriu a porta para dois militantes que corriam perseguidos por vinte esquerdistas armados de cacetes, e ainda sacou de seu revólver para manter os bandidos à distância. Só por verdadeiro milagre não houve mortes, mas quatro jovens da TFP ficaram bastante feridos, especialmente na cabeça.
A omissão das autoridades policiais perante as agressões sofridas pelos membros da SCDTFP foi absolutamente inescusável. Por ocasião do ataque que vimos de relatar, e que era perfeitamente previsível da parte desses arruaceiros eximiamente adestrados e ainda encorajados pela impunidade do atentado do dia 13 de agosto, destacaram para o local da campanha apenas dois policiais, que nem chegaram a intervir e que, como é óbvio, pouco ou nada poderiam fazer naquelas circunstâncias; o reforço pedido não foi enviado. A TFP havia reiteradamente advertido as autoridades do risco a que estava exposta.
Durante um comício comunista realizado diante da Embaixada soviética no dia 22, um dos oradores congratulou-se com seus correligionários que na véspera haviam agredido os propagandistas de "Fiducia" e afirmou que os comunistas jamais permitiriam que a SCDTFP voltasse às ruas para fazer suas campanhas anticomunistas. Nesse mesmo dia foi inesperadamente deflagrada uma greve estudantil e começou uma série de manifestações de rua, passeatas, comícios, etc., enquanto o governo mobilizava todo o Corpo de Carabineiros, tendo à frente o próprio Comandante da corporação, General Vicente Huerta. Enquanto perdurasse esse clima era impossível para a TFP prosseguir em sua campanha como estava previsto.
Entretanto, para mostrar ao público que não estavam intimidados perante a violência das esquerdas, os propagandistas de "Fiducia" voltaram às ruas dois dias depois, para mais uma venda pública. Ainda aqui não tiveram garantias policiais.
Ao mesmo tempo, a Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade denunciou, em nota divulgada pela imprensa, as manobras intentadas pela esquerda (de comum acordo com o governo? — foi o que muitos chilenos se perguntaram) para calar-lhe a voz. Começou-se pela agressão brutal, através da qual se pretendia ou acovardar os seus militantes, ou, senão, no caso de reação destes, acusá-los de extremistas, radicais, violentos, etc., dando pretexto para medidas enérgicas da autoridade pública contra eles. Como os jovens da TFP, deliberadamente, jamais reagiram às agressões, limitando-se a se dispersar — para logo depois recomeçarem corajosamente seu trabalho — lançou-se mão da segunda manobra: a calúnia pura e simples, feita por meio de uma violenta campanha de imprensa em que se asseverava, gratuitamente, estar a TFP envolvida em quanto ato de violência ocorreu no Chile nos últimos tempos. Além de proclamar a perfeita legalidade de toda a atuação da SCDTFP, observa o comunicado que as agressões mostram o quanto a denúncia contra a infiltração do ateísmo na Igreja contraria os objetivos de grupos políticos chilenos. O que, por sua vez, deixa ver claramente até que ponto a subversão religiosa promovida pelo IDO-C e os "grupos proféticos" favorece a subversão da sociedade temporal, promovida pelas esquerdas.
O pronunciamento da Sociedade Chilena de Defesa da Tradição, Família e Propriedade repercutiu amplamente em todo o país. Vendo sua tática descoberta aos olhos da opinião pública, os promotores das agressões contra os propagandistas da TFP se encolheram. E assim a campanha de difusão de "Fiducia", depois de alguns dias de recesso, pôde voltar tranquilamente às ruas de Santiago.
O discurso do Deputado Mario Rios
Provocou grande alvoroço na Câmara chilena o discurso pronunciado pelo Deputado Mario Rios Santander no dia 28 de agosto. "Quase o comeram vivo", escreve a cronista política de "Las Últimas Noticias", Patricia Guzmán : "retrógrado, "fiduciano", ignorante, foi o que de mais suave lhe disseram, aos gritos".
Em seu discurso mostrou o jovem parlamentar que o Chile está ameaçado de imergir no caos como termo final de um processo de desmantelamento das estruturas que davam ao país "força, estabilidade e grandeza". Esse desmantelamento vem sendo realizado, nos últimos anos, através de leis socialistas e da atuação culposa das altas esferas governamentais.
No meio desse quadro já sombrio, apareceu um fator novo: um processo similar de subversão nas estruturas da Igreja. É fácil de intuir, observa o Sr. Mario Rios, como os dois processos se entrelaçam, e como a revolução na Igreja exacerba e dinamiza a subversão no plano temporal. De tudo isso quem tira proveito é o comunismo internacional.
Depois de citar os documentos em que "Ecclesia" e "Approaches" denunciam os "grupos proféticos" e o IDO-C, prossegue o orador:
"Mas não faltará quem diga que estou dramatizando, que estou misturando fatores para montar um quadro sombrio. Leia esse alguém o apoio alvoroçado que a imprensa de esquerda tem dado às posições da chamada "Igreja Jovem", leia esse alguém os documentos irrefutáveis que citei há pouco, os quais denunciam como os "grupos proféticos" e sua máquina publicitária chamada IDOC, ao mesmo tempo que proclamam a luta de classes e a subversão em todos os setores, identificam-se com os postulados sociais do marxismo. E por fim, se alguém ainda pudesse duvidar do que venho afirmando, não lhe seria necessário senão examinar os últimos atos de violência nos quais a extrema esquerda procurou envolver os militantes da TFP. Que faziam esses jovens? Difundiam sua revista, na qual se publicam os documentos a que me venho referindo. Tratava-se de um problema religioso. Entretanto, por três vezes consecutivas foram vítimas de ataque da parte de uns duzentos elementos da extrema esquerda, previamente organizados e armados de cacetes, correntes e pedras, utilizando ao mesmo tempo os métodos característicos da guerrilha urbana" ("Diario Ilustrado", 1° de setembro).
Carta de Mons. Cifuentes
A correlação existente entre o comunismo e a chamada Igreja-Nova teve mais uma confirmação no agastamento de "El Siglo", órgão do Partido Comunista andino, ao tomar conhecimento da carta que o Exmo. Mons. Alfredo Cifuentes Gómez, antigo Arcebispo de La Serena, e figura de prestígio nos meios eclesiásticos chilenos, escreveu a propósito do número especial de "Fiducia" e da campanha da TFP.
Depois de elogiar a edição como sendo de "alto valor doutrinário, rica em escolhida documentação, fiel ao genuíno espírito católico, apostólico e romano", pôs S. Excia, Revma. em relevo a denúncia que o jornal faz inimigos da Igreja que em vão querem destruí-La, e cujos "funestos planos" são os mesmos que "o demônio usou desde o princípio do mundo".
Chamando o venerando Prelado de "personagem inquisitorial", diz "El Siglo" que sua carta é "um desafio à maioria dos crentes", os quais repudiam a existência de "Fiducia", órgão "que atua contra os interesses dos cristãos pobres e põe acima de Deus as terras da família e a fortuna da oligarquia". - Singular zelo esse, de um jornal marxista, em evitar que se ponham os bens deste mundo acima de Deus...
E quanto interesse em defender os pontos de vista da "maioria dos crentes"...
A carta de Mons. Alfredo Cifuentes foi publicada em diversos jornais da Capital e da província.
Esgota-se a edição de "Fiducia"
Apesar de todas as vicissitudes que vimos relatando, em 7 de setembro esgotou-se a edição de 10 mil exemplares do número especial de "Fiducia", os quais foram todos vendidos em Santiago.
Naquele dia, que era domingo, os sócios e militantes da SCDTFP procederam à venda dos últimos 250 exemplares do jornal nas proximidades de cinco igrejas centrais de Santiago. Terminada a venda, reuniram-se todos na "Plaza de Armas", o mais tradicional logradouro da Capital, e deram o brado de campanha: "Por Chile!" e — três vezes — "Tradición! Familia! Propiedad!" Em seguida, o Sr. Patricio Larrain Bustamante, Presidente da TFP andina, anunciou ao público, que enchia a praça, haver-se esgotado a edição de "Fiducia".
A trajetória da TFP nas manchetes da imprensa
Uma edição popular do jornal foi logo preparada e caravanas de sócios e militantes da TFP passaram a percorrer as vastidões chilenas, do Pacífico à Cordilheira, dos lagos do Sul aos férteis vales do Centro e aos desertos do Norte, levando a todos esses rincões sua fé, seu entusiasmo e sua santa ousadia no combate aos profetas do ateísmo, sempre sob a proteção dAquela que é "terrível como um exército em ordem de batalha".
A imprensa das principais cidades das províncias começou então a registrar em grandes manchetes a passagem das caravanas da TFP: "Fiducia" denuncia a subversão na Igreja", escreveu o diário "Gong", de Temuco; "Defendem a tradição da Igreja Católica", lê-se em "La Prensa", de Osorno; "Grupos ocultos tramam a subversão na Igreja", anunciou "La Provincia", de Linares; "Ampla acolhida à TFP em sua passagem pela província", registrou o "Diário Austral", também de Temuco; "Denunciam a trama da subversão nos meios católicos", foi o título de "El Correo", de Valdivia; "A TFP nas ruas de Puerto Montt", proclamou "El Lhanquihue", de Puerto Montt, etc. Igualmente as rádios locais transmitiram
APLAUSOS AO PRESIDENTE MÉDICI
Por motivo da promulgação do recente decreto-lei que determina medidas contra a propaganda da imoralidade e da pornografia, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, enviou ao Chefe de Estado, General Emílio Garrastazu Médici, o seguinte telegrama:
"Exmo. Sr. Presidente da República. Receba V. Excia. felicitações calorosas pela assinatura do decreto repressivo da imoralidade e da pornografia, nos meios de comunicação social. Com este ato V. Excia. presta valioso serviço para preservação da família, instituição básica da civilização cristã e da Pátria brasileira. Atenciosas saudações".
Análoga mensagem foi enviada ao Prof. Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça.
CALICEM DOMINI BIBERUNT
Excelente aquisição para a obra no Piemonte
Fernando Furquim de Almeida
Nos anos mais próximos da Revolução Francesa, pouco se conhece sobre o apostolado da Amicizia na Itália. O Padre Lanteri, além de organizar em Turim a Aa, a Amicizia Sacerdotale e a Amicizia Cristiana, mantinha ativa a divulgação de bons livros e a estruturava. Ao mesmo tempo, o Padre Diessbach conquistava adeptos para o sodalício em Viena e em várias cidades da Suíça, enquanto em Paris o Padre Luigi Virginio estabelecia íntima colaboração com o Padre Pierre Picot de la Clorivière, o que lhe permitia não só introduzir a Amicizia na França, como conhecer os ambientes católicos franceses. Todo esse trabalho perseverante foi seriamente afetado ao se iniciar a Revolução Francesa. O Padre Virginio teve que abandonar a França, e poucos anos depois a invasão do Piemonte dispersou os Amigoscristãos de Turim e Milão, os dois núcleos mais florescentes da Itália, dificultando o prosseguimento do apostolado intelectual a que se consagravam.
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Antes de estudarmos a atuação do Padre Lanteri durante o período revolucionário, convém assinalar a entrada na Amicizia de Turim, por volta de 1788, do Marquês Cesare d’Azeglio, que foi um dos maiores jornalistas católicos italianos e um dos esteios da associação.
Era ele filho do Conde Roberto de Lagnasco e da Condessa Cristina de Genola. Seu irmão mais velho, Vitório Ferdinando, Marquês de Montanesa, morreu muito jovem, e Cesare herdou os títulos de seus antepassados, que eram Condes de Lagnasco, de Genola e Costadona, e Marqueses de Montanesa e d’Azeglio. O nome da família era Taparelli, mas, recebendo os títulos, ele passou a usar o de Azeglio, com o qual se tornou mais conhecido, tendo os seus descendentes conservado esse nome.
Num rápido esboço da vida de seu pai, Massimo d’Azeglio comenta em "I mei ricordi" a nobreza do Piemonte no século XVIII, profundamente dedicada à Casa de Sabóia, de índole acentuadamente militar e zelosa de suas tradições. Um trecho nos parece sintetizar bem o quadro: "Sem querer discutir o fato, é bom observar que neste velho Piemonte, cheio de ótimas e sólidas qualidades, eram muito frequentes esses traços de imutabilidade, de amor à tradição, essa desconfiança das novidades que caracteriza todas as raças fortes e que sabem se manter assim por muito tempo" (Massimo d’Azeglio, "I mei ricordi" Edit. A. Valerdi, Milão, 1940, p. 22).
Um episódio registrado nesse mesmo livro mostra como a tradição estava arraigada na nobreza de então. A origem da família Taparelli não é bem conhecida. É certo porém que, acompanhando a expedição de Carlos de Anjou, irmão de São Luís IX, Rei de França, passou para a Itália um cavaleiro que se chamava Brénier Chapel. Tendose radicado no norte da Península, possivelmente em Savigliano, seu nome de Chapel foise transformando com o tempo até chegar a Taparelli. Alguns séculos depois, um Brénier da Bretanha, vindo a Savigliano, viu num palácio o seu próprio escudo. Curioso, procurou o proprietário, que era um Taparelli, para averiguar se entre eles havia algum parentesco. Depois de conversarem longamente sem chegar a uma conclusão sobre o entrosamento de suas genealogias, o cavaleiro francês lembrouse de um meio de prova decisivo. Perguntou qual era o santo de maior devoção da família Taparelli, e todas as dúvidas se dissiparam ante a resposta de que era Santa Maria Madalena, pois era esta também a santa mais invocada pelos Brénier da Bretanha.
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Cesare d’Azeglio nasceu a 10 de fevereiro de 1763. Quando completou 11 anos, entrou no exército, de acordo com o costume da aristocracia piemontesa. Logo promovido a cadete e oficial do Regimento da Rainha, serviu sucessivamente em várias cidades da Itália. Em 1780 voltou para Turim, por ter sido nomeado escudeiro do Duque d’Aosta, o futuro Vitório Emanuel I, Rei da Sardenha de 1801 a 1821.
Pertencendo a uma família católica e que sempre se mantivera guelfa, isto é, fiel à Igreja e ao Papado nas lutas que se travavam na Itália entre o poder temporal e o espiritual, Cesare perdeu a fé e passou a levar uma vida social intensa, que o punha em contato frequente com os jovens de sua idade, já intoxicados por todos os erros precursores da Revolução Francesa. Embora deixasse a prática dos deveres religiosos, continuava a frequentar as igrejas nas ocasiões em que era de bom tom o comparecimento.
Ouvindo um sermão na catedral de Turim, em 1784, converteuse e mudou completamente de vida. O fato foi muito comentado na corte, o que poderia talvez ter abalado suas boas resoluções se uma grave enfermidade não o tivesse afastado de toda vida social até 1788, ano em que se casou com a Marquesa Cristina Morozzo de Bianzé. Tiveram oito filhos, dos quais só três sobreviveram até a idade adulta: o Conde Roberto d’Azeglio, Massimo d’Azeglio e o célebre jesuíta Luigi Prospero Taparelli d’Azeglio.
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Nos papéis deixados pelo Padre Lanteri, o Padre Candido Bona encontrou um apontamento sem data, anterior a 1798, no qual Cesare d’Azeglio já figurava como secretário da Amicizia. Ora, como veremos, ele se afastou de Turim durante as guerras com a França revolucionária, de modo que é bem possível que essa anotação date já dos primeiros anos depois de sua admissão no sodalício.
Pouco tempo deveria o Marquês dedicar ao apostolado da Amicizia nessa primeira fase de sua colaboração com o Padre Lanteri. De fato, em 1792 a França iniciava a ocupação do Piemonte, e Cesare d’Azeglio passou a servir no exército real, primeiro como ajudante de campo do Conde Saint André, que comandava as tropas no Condado de Nice, e depois como tenentecoronel do regimento Vercelli, no Vale de Aosta, onde se distinguiu por atos de bravura. Após a batalha de Marengo, voltou por pouco tempo para Turim, retirandose logo para Florença em exílio voluntário.
NOVA ET VETERA
O CELIBATO NOS PRIMEIROS SÉCULOS DA STA. IGREJA
D. A. C.
Comentando certo jornalista a atual situação da Igreja, comparou-a a uma nau que faz água por todos os lados, não em virtude do ímpeto das ondas, mas porque internamente os próprios responsáveis pela embarcação se incumbem de desmantelar a marteladas a estrutura do navio. De fato, é o que se observa na Igreja; porquanto um espírito de heresia paira sobre muitos ambientes católicos, pondo em discussão as coisas mais sagradas, e as consagradas por tradição mais que milenar. Entre estas está o celibato eclesiástico, alvo dos golpes partidos especialmente de elementos eclesiásticos.
Por isso mesmo, recebe-se como uma lufada de ar fresco, ao menos nos ambientes ortodoxos, o que vem a lume em defesa dessa milenar tradição da Igreja, com raízes na doutrina dos Apóstolos. Uma dessas lufadas benfazejas é o opúsculo "Le Célibat des Prêtres dans les Premiers Siècles de l’Eglise", de autoria do Padre Henri Deen, editado por "Les Editions du Cèdre", Paris, 1969.
Como o próprio título indica, a intenção do Autor é responder à objeção dos anticelibatários, quando argumentam que a Igreja, nos seus primeiros séculos, desconheceu a lei do celibato eclesiástico.
Depois de uma razão, diríamos teológica, na qual argui o Pe. Deen que, se o celibato não tivesse origem apostólica, seria impossível introduzi-lo como lei obrigatória, tanto é ele contrário à tendência natural do homem; depois desse argumento, passa o Autor em revista os textos aduzidos como prova de que somente a partir do século IV foi imposta na Igreja a lei do celibato eclesiástico. Empenha-se o Autor em refutar, de modo particular, a Vacandard, que no "Dictionnaire de Théologie Catholique" sustenta essa tese, e se constituiu, assim, a fonte de todos os demais fautores da mesma opinião.
Mostra o Autor como, quer os Concílios do Século IV (Elvira, na Espanha, 300; Cartago, na África, 390), quer os Padres da mesma época (São Sirício, Papa, Santo Epifânio, São Jerônimo, etc.) não criaram a lei do celibato, mas urgiram o cumprimento de uma lei já existente. Fale, por todos, Santo Agostinho, no comentário ao cânon 33 do Concílio de Elvira: "O que a Igreja Universal mantém, e o que não foi instituído por Concílios, mas o que sempre se observou, crê-se transmitido, sem nenhum erro, pela autoridade apostólica".
Num segundo capítulo, o Autor opõe à protestante a exegese tradicional de vários trechos da Sagrada Escritura, especialmente 1 Cor. 9, 5, 1 Tito 3, 2, e Tito 1, 6. De fato, segundo Clemente de Alexandria, São Jerônimo e os Padres em geral, lendo o texto e o contexto dos lugares citados, entende-se 1 Cor. 9, 5 não de esposas, mas de, como diríamos hoje, empregadas domésticas, indispensáveis para o cuidado da casa e de minúcias que escapam ao pregador preocupado com a evangelização; e a expressão de Timóteo e Tito, "unius uxoris vir", aplicada ao Bispo, Diácono e Presbítero, como excluindo do altar os que tiverem contraído núpcias mais de uma vez, bem como obrigando à continência perfeita os ministros do Senhor, ordenados depois de casados. De maneira que, desde os tempos apostólicos, era lei a continência perfeita em todos os ministros maiores do altar, isto é, Diáconos, Presbíteros e Bispos. O Autor cita como prova o fato do piedoso Sinésio que recusou a ordenação porque, casado, não queria separar-se de sua esposa. Igualmente, o exemplo de Antônio, Bispo de Efeso lá por 399, que foi acusado de ter vivido maritalmente com sua esposa depois de Bispo, confirma a tese da existência de uma lei obrigando os ordenados em ordens maiores a manter perfeita continência.
As provas acima são suficientes para evidenciar a origem apostólica da lei do celibato eclesiástico. Assim, no capítulo III, o Pe. Deen examina o silêncio de Vacandard sobre o cânon 3 do Concílio de Nicéia (325), cânon que supõe indubiamente a lei do celibato, e a aceitação por parte do mesmo autor da fábula da intervenção do Bispo Pafnúncio a favor da vida marital dos eclesiásticos casados.
Argumenta Vacandard com o fato de que não consta a existência de uma lei impondo a continência perfeita aos Presbíteros e Bispos casados. Pelo visto, desejaria Vacandard achar um Código de Direito Canônico da Igreja primitiva, onde se lesse o cânon: "Os ordenados Diáconos, Presbíteros e Bispos devem observar a continência perfeita". É muito exigir, ou é muita má fé. O dito acima sobre o Concílio de Elvira e os Padres do Século IV mostra sobejamente que a lei do celibato existia já nos primeiros séculos.
Dizemos muita exigência, ou muita má fé, porque o Pe. Deen mostra, no seu opúsculo, que Vacandard dá interpretações falsas a textos antigos com o intuito de caucionar sua tese.
Resta a dificuldade oriunda da praxe diversa vigente na Igreja Oriental. Notemos, desde logo, que a Igreja Oriental não permite aos Padres e Diáconos que se casem; apenas aos que se ordenam já casados, ela hoje não impõe, como impunha nos primeiros séculos, a continência perfeita. De onde veio semelhante mudança na disciplina eclesiástica do Oriente? Tal mitigação foi introduzida primeiro por Justiniano, cujas leis (mais ou menos 528-530) não puniam mais os Subdiáconos, Diáconos e Presbíteros que, casados antes da ordenação, não observavam a continência perfeita. Em 692, o Concílio chamado "in trullo" (a grande sala dos Imperadores de Bizâncio) transformou a indulgência de Justiniano em lei, fixando a atual disciplina da Igreja Oriental, que a Santa Sé tolerou (é sabido que a parte disciplinar do Concílio "in trullo" não foi aprovada por Roma).
O opúsculo do Pe. Henri Deen chega em boa hora, porquanto evidencia como os Padres anticelibatários, sejam do Brasil, da Holanda ou de qualquer parte, não podem apelar a seu favor um costume inexistente na Igreja primitiva, uma vez que vedado por lei eclesiástica.