INTERPELADOS NA COLÔMBIA, POR "CREDO", OS PADRES DE GOLCONDA

Luiz Sérgio Solimeo

Conforme noticiou esta folha em seu número de agosto do ano passado, a opinião católica colombiana tomou conhecimento, estarrecida, de um manifesto assinado em 13 de dezembro de 1968 pelo Administrador Apostólico da Diocese de Buenaventura, Mons. Gerardo Valencia Cano, e por 46 Sacerdotes colombianos (ou pelo menos residentes no país), dois argentinos e um equatoriano, propugnando a luta pela "instauração de uma sociedade de tipo socialista" (alguns deles foram presos depois, como subversivos). Um fato novo, de extraordinária importância, veio acrescentar-se à polêmica travada em torno desse documento e das atitudes concretas tomadas por seus signatários.

Em outubro último, O GRUPO TRADICIONALISTA DE JOVENS CRISTÃOS COLOMBIANOS, de Medellin, utilizando-se do método de propaganda que já se tornou clássico das TFPs brasileira, argentina, chilena e uruguaia — com as quais mantém estreita e fraternal amizade — saiu às ruas de Bogotá para divulgar o número especial de sua revista "Credo", contendo uma INTERPELAÇÃO AOS SACERDOTES DE GOLCONDA.

Impossível a indiferença

Depois de mostrar que não poderiam permanecer indiferentes ante "o aparecimento, atividades e postulados do chamado grupo sacerdotal de Golconda", expõem os jovens tradicionalistas cristãos o que confessam querer esses Padres: "O referido grupo sacerdotal tornou pública sua intenção de procurar a alteração radical, e em sentido socialista, das estruturas político-social e econômica da Colômbia, e de — para tal fim — alterar as próprias estruturas religiosas".

Para o observador mais atento, manifestações de tal gênero não são fatos isolados, mas se enquadram perfeitamente num conjunto de acontecimentos tanto mais graves quanto mais generalizados no Ocidente.

Diante disso, os integrantes do Grupo Tradicionalista de Jovens Cristãos Colombianos, como católicos e como cidadãos, têm "o direito de sair a público para inquirir, dentro dos limites da mais estrita legalidade, sobre algo que se refere ao futuro político-social de nossa Pátria e, portanto, nos diz respeito diretamente, bem como, em nossa condição individual de católicos, preocupa-nos profundamente, a saber, que o devastador incêndio religioso que se levanta em outras nações possa vir a atear-se aqui com igual força". Com as vistas postas nos princípios da civilização cristã, a cuja causa dedicam o melhor de seus esforços, perguntam os jovens tradicionalistas, exprimindo a inquietação de milhares de seus compatriotas: "Para onde se quer conduzir nossa Pátria? Que se pretende fazer com as verdades inestimáveis que através do Magistério da Igreja nos foram ensinadas?"

Com todo o respeito à investidura sacerdotal, mas também com toda a franqueza que as circunstâncias exigem, os signatários da interpelação convidam — excluindo Mons. Cano, em virtude de pronunciamento seu posterior — os de Golconda a esclarecerem publicamente quatro pontos de sua atuação e de seu pensamento.

■ Primeiramente, em seu mencionado documento de 13 de dezembro de 1968 os referidos eclesiásticos apresentam "a realidade colombiana como o produto puro e simples de um período histórico em que uma classe de exploradores subjugou uma classe de explorados", e asseveram "que se trata em suma de provocar uma revolução na qual a classe de explorados combata e suplante os exploradores".

Pois bem, prossegue a interpelação, "têm V. Revmas. consciência de que esta afirmação de índole histórica, político-social e econômica envolve questões que são inteiramente opinativas para os católicos, de modo que a nós, como a qualquer outro, é inteiramente lícito pô-la em dúvida, ou até discordar dela inteiramente?"

"Em caso afirmativo — continua a interpelação do GTJCC — não compreendemos (máxime nesta época em que se fala de maturidade do "laicato desalienado") como V. Revmas. se sentem à vontade ao fazer tal afirmação, desacompanhada de qualquer prova. A prova, entretanto, seria particularmente necessária, tendo-se em vista que V. Revmas. colocam sua concepção histórica, político-social e econômica como justificativa de um processo revolucionário para o qual precisamente querem colaboração".

■ Passando ao segundo ponto, frisa o documento ser próprio à propaganda demagógica o dar por evidentes certos fatos a partir dos quais se tenta impor uma solução confusa, que os próprios demagogos não têm coragem de enunciar de início, a fim de não assustar o povo. Foi assim que procedeu Fidel Castro, que ostentava até um terço no pescoço ao iniciar na Sierra Maestra sua confusa pregação reformista. O GTJCC pede aos Padres de Golconda que definam, com clareza e precisão, a natureza das reformas e da ação revolucionária que propugnam com uma ambiguidade inadmissível quando se toca em questões de moral da maior importância.

Sobre o fato de esses Sacerdotes pleitearem a instauração de uma sociedade socialista, perguntam os autores da interpelação: "Não sabem V. Revmas., que, segundo o ensinamento do imortal Pio XI, "SOCIALISMO E CATOLICISMO SÃO TÊRMOS QUE SE REPELEM"? Por que então falam como Sacerdotes, para reivindicar uma ordem de coisas que os Sacerdotes não podem aprovar?"

■ Para chegar à mudança de estruturas, de tipo socialista, os Padres de Golconda — e esse é o terceiro ponto — declaram-se "solidários, sem qualquer discriminação, com todos os que lutam por essa mudança", e fazem um apelo para a formação de uma "frente revolucionária", na qual os revolucionários de todos os matizes não abandonariam "suas organizações, seus anseios e suas lutas". Ora, perguntam os jovens colombianos, "nessa estranha frente revolucionária desejada por V. Revmas., os comunistas teriam lugar? Em caso afirmativo, que concessões desejam V. Revmas. que se lhes faça para obter sua colaboração? Em que medida V. Revmas. estariam dispostos a resistir-lhes no caso de, segundo o invariável hábito do comunismo internacional, o Partido Comunista Colombiano pretender utilizar essa aliança para implantar entre nós uma tirania ateia e confiscatória a serviço de Cuba, Pequim ou Moscou? Por outro lado, a ação revolucionária desejada por V. Revmas. é violenta como foi a do infeliz apóstata Camilo Torres, que V. Revmas. glorificam escandalosamente?"

■ Passando ao último dos quatro pontos que se propusera focalizar, lembra o documento a afirmação do "Manifesto de Golconda", de que a revolução socialista para a Colômbia "é inseparável de nossa tarefa litúrgica, evangelizadora e de direção da Comunidade eclesial". O texto dos Sacerdotes progressistas deixa claro que essa "tarefa" não fica subordinada a princípios morais absolutos, a serem aplicados à realidade concreta, mas, pelo contrário, subordina-se às exigências fluidas dos desígnios de implantar naquela nação cristã os padrões de vida socialistas.

"Qual é precisamente — indaga a interpelação — a concepção de liturgia que têm V. Revmas.? Estranha concepção que parece transformar o culto público da Igreja em método de formação das massas para serem enquadradas em algum partido socialista ou comunista".

Posição doutrinária

Depois de enfrentar em duas palavras a previsível tentativa dos Padres de Golconda, de ilidir a interpelação invocando o recente documento do CELAM, finalizam: os jovens católicos tradicionalistas indicando qual é sua posição doutrinária:

"Para que V. Revmas. não tenham dúvida quanto à posição doutrinária na qual nos situamos na análise de seu documento, afirmamos nossa inteira solidariedade com a parte doutrinária da monumental obra "Reforma Agrária — Questão de Consciência", de autoria dos Exmos. Srs. D. Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina, D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, Dr. Plínio Corrêa de Oliveira, catedrático da Universidade Católica de São Paulo (duas vezes elogiado pela Santa Sé), e economista Luiz Mendonça de Freitas, da qual enviamos a V. Revmas. um exemplar da edição recentemente dada a lume em Madrid.

Não bastará responder que talvez sejamos reacionários. Pedimos a V. Revmas. que neste caso nos indiquem o que consideram errôneo ou perempto na doutrina desse livro".

E concluem: "Agradecendo antecipadamente a resposta que V. Revmas. deem à presente, desejamos acentuar que conhecemos bem nossa pouca idade, mas temos consciência de que, nesta época na qual se dá uma atenção até exagerada a todos os gritos enlouquecidos procedentes das fileiras da juventude, é impossível, em rigor de justiça, recusar o direito de pensar e de interpelar, a jovens animados pelo nobilíssimo lema de: TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE".

Excepcional repercussão

A imprensa diária noticiou com destaque a iniciativa do Grupo Tradicionalista de Jovens Cristãos Colombianos, e publicou várias entrevistas concedidas pelo seu dirigente, Sr. Gustavo Cuartas Izasa, estudante de Direito, de 23 anos.

A acolhida do público à interpelação foi extraordinária. Basta dizer que nos três dias que durou a campanha, somando um total de apenas cinco horas de trabalho, foram vendidos 1.500 exemplares do jornal. Cabe mencionar que o brilho desse êxito foi empanado por um incidente deplorável. No dia 27 de outubro, quando a campanha se encontrava no auge, o Sr. Gustavo Cuartas Izasa foi inopinadamente preso em plena rua por três policiais armados de metralhadora, permanecendo detido durante sete horas, sob a acusação de estar fazendo agitação a favor dos Sacerdotes de Golconda! Esclarecidos afinal os fatos, o diretor de "Credo" foi libertado.

Dois pronunciamentos episcopais vieram confirmar a oportunidade da interpelação.

Decorrida uma semana do lançamento desta pelos jovens de "Credo", o Exmo. Arcebispo de Cali, Mons. Alberto Uribe Urdaneta, e seu Bispo Auxiliar davam a público um documento no qual acusam o Pe. Manuel Alzate — um dos Padres de Golconda — de usar métodos de agitação comunista para introduzir a subversão entre os fiéis da Diocese. Como observa "Credo", "quem age como comunista é óbvio que pensa como comunista", de onde se pode concluir que a denúncia dos dois Prelados encerra, implicitamente, uma acusação de ordem doutrinária contra um membro do Grupo de Golconda.

Um mês mais tarde, o Exmo. Revmo. Mons. Anibal Mitrioz Duque, Administrador Apostólico de Bogotá e Presidente da Conferência Episcopal Colombiana, emitiu comunicado determinando que dois outros Sacerdotes de Golconda devolvessem as paróquias a eles confiadas. Alega S. Excia. Revma., entre outros motivos, que tais eclesiásticos pregavam a luta de classe e o emprego de quaisquer meios — sem excluir a violência — para obter a mudança das estruturas; estavam criando um clima de tensão que favorecia a luta de classe e a violência; procuravam transformar o sacerdócio em instrumento de luta política; estavam ligados a grupos subversivos que vinham semeando o ódio e a morte entre os colombianos; introduziram elementos marxistas na vida paroquial; apresentavam o Evangelho de maneira deturpada ou mutilada, segundo seus próprios fins.

No dia 31 de outubro, o jornal "El Tiempo", de Bogotá, publicou uma declaração do Pe. Luis Antonio Gallardo, em nome do Grupo de Golconda, com referência ao documento dos jovens do GTJCC. Diz ele que, estando os dirigentes do Movimento de Golconda encarcerados em virtude do que chama de "delito de opinar, dissentir, criticar com fundamento, educar e organizar o povo", não podem "responder por ora ao grupo de tradicionalistas".

Entretanto, depois de outras considerações adianta o Pe. Gallardo: "É certo que Golconda apóia decididamente a plataforma da Frente Unida do Povo publicada por Camilo Torres em março de 1965". E prossegue: "Sim, temos aceitado a colaboração de alguns marxistas independentes", mas "o trabalho com marxistas independentes não implica, de nenhuma maneira, em compromissos doutrinários".

Como se vê, também essa resposta confirma o quanto foi oportuna a interpelação do Grupo Tradicionalista de Jovens Cristãos Colombianos.

Legenda:
No centro de Bogotá o GTJCC ergue seus estandartes para vender ao público a separata especial do seu jornal. "Credo". Que interpela os Padres progressistas do Movimento de Golconda.


VERDADES ESQUECIDAS

A muita severidade pode coexistir com a misericórdia

São Bernardo

Da carta a um Abade, sobre o modo de tratar certo Monge que fugira do seu mosteiro:

Depois de, pela dureza de coração que demonstrara, ter repreendido severamente o irmão que abandonou vosso mosteiro, pareceu-me mais acertado enviá-lo de novo ao lugar de onde fugiu; porquanto não posso, segundo nossos costumes, retê-lo em casa sem o consentimento de seu Abade. Convém que também o admoesteis com muita severidade, que o induzais a dar completa satisfação por sua culpa, e que depois disto o animeis com a carta que, em seu favor, escrevi ao seu Abade. ["Obras Completas del Doctor Melifluo San Bernardo, Abad de Claraval" — trad. do Pe. Jaime Pons, S.J. — Ed. Rafael Casulleras, Barcelona, 1929, vol. V. "Epistolario", p. 791, carta 452].