DIRIGISMO ESTATAL: FAVORÁVEL OU NOCIVO À LIVRE INICIATIVA E À DIGNADE HUMANA – DIÁLOGOS SOCIAIS - 4

Um só patrão e todos proletários: ideal socialista

Oferecemos hoje aos leitores a tradução de mais um dos Diálogos Sociais editados em Buenos Aires pela Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, nos quais se encontra uma resenha substanciosa de temas de doutrina social largamente versados no público, apresentada na mesma linguagem de que eles se revestem nas conversas de todos os dias. Já publicamos anteriormente três “Dialoguitos” (como se tornaram conhecidos esses textos), nos seguintes números de "Catolicismo": no 207 — “A propriedade privada é um roubo?”; n° 210 — “Devemos trabalhar só para o Estado?”; no 211 – “É anti-social economizar para os filhos?”

Mendieta: dirigente sindical que luta pela instauração de um Estado coletivista
Aguirre: operário com prestígio entre seus companheiros, que sabe aplicar os princípios católicos, refutando Mendieta.

Sánchez operário sem idéias claras, a quem Mendieta gostaria de convencer.

Os últimos participantes da reunião do comitê, operário dispersavam-se lentamente pelo pátio da fábrica. Era a hora do almoço, e enquanto uma atmosfera de distensão se generalizava no imenso edifício, na sala de reuniões do comitê Uma discussão continuava ainda, sem pressa.

Participavam dela três dirigentes do comitê, Mendieta, Sánchez e Aguirre, que visivelmente continuavam tratando de temas relacionados com fatos concretos examinados durante a reunião. Mendieta, com cerca de cinqüenta anos, cabelos escassos e grisalhos, sanguíneo e de voz sonora, gesticulava:

A planificação estatista

Mendieta. — Isto não pode continuar assim! Ou o Estado faz um planejamento industrial meticuloso, no qual todas as indústrias se enquadrem como peças de um grande conjunto, dando-nos ao mesmo tempo as vantagens e garantias de que gozam os funcionários públicos, ou a produção não crescerá na proporção das necessidades do país e permaneceremos eternamente no subdesenvolvimento. E subdesenvolvimento, companheiros, significa "subsalário".

E apontando com um gesto para seus dois interlocutores, enquanto baixava a voz como para uma confidência decisiva e terrível...

Mendieta. — Sim, o "subsalário" para vocês, — para vocês e para mim!

Mais rubicundo que de costume, Mendieta sentou-se e respirou fundo, ao mesmo tempo que se regalava ouvindo os ecos de sua própria eloqüência e perscrutava nos olhos de seus amigos a admiração de que se julgava credor com evidentes títulos.

Sánchez e Aguirre calavam-se, pensativos. Sobretudo Aguirre, que parecia ter algo a dizer, deixava que se diluíssem no ar as vibrações das palavras de Mendieta. Quando isto se deu, começou a falar com uma voz pausada e quase surda que foi crescendo de tom, mas que nunca se tornou rápida nem declamatória. Com seu rosto alongado, fronte alta, cabelo e olhos muito pretos, lábios finos, era um tipo característico de homem voltado para o concreto, mas amigo da reflexão. Com pronúncia marcadamente saltenha, respondeu:

O homem será uma peça na grande máquina do Estado

Aguirre. - Essa máquina industrial que você pede, dirigida pelo Estado, parece imponente e a alguns pode inspirar confiança. Mas confesso que a mim essa imponência, em vez de confiança, me causa mal-estar. Se cada fábrica é um conjunto dirigido do alto, e cada secção da fábrica é o que a fábrica é no conjunto, parece-me que salta aos olhos uma consequência: que cada um de nós será na secção o que cada secção é na fábrica e o que cada fábrica é no gigantesco conjunto industrial que você propõe. Isto é, seremos simples peças também. Ora, a mim não me agrada ser uma peça e parece-me desumano este seu sistema no qual toda a Argentina industrial e comercial se transformará em peças de engrenagem dirigidas por uns poucos.

Sánchez, para quem a ideia era nova, deu uma risada, voltando-se para Mendieta como para pedir uma explicação. Em seu rosto redondo e carnudo, com olhos inexpressivos, nariz pequeno e boca larga, o riso marcava uma alegria intensa e passageira que era logo substituída pela costumeira falta de expressão. Mas a interpelação muda não era necessária, Mendieta tinha a resposta na ponta da língua.

Mendieta. — Se você vem com essa poesia de não querer ser uma peça, todo o esforço econômico se divide e entra em colapso. Ou um supercomite de técnicos estatais e representantes dos operários dirige tudo ou cairemos no caos.

Sánchez. — E com os proprietários, o que é que você vai fazer? Vai cortar a cabeça deles?

Mendieta. — Se eles fizerem absoluta questão disso, poderão ter, durante algum tempo, uma representação no Comitê Supremo, ou no comitê da fábrica. Talvez isso seja até bom como transição.

Sánchez. — Mas como! Acabar então com a propriedade?

Abolição da propriedade privada

Mendieta. — Aqui entre nós, que ninguém nos ouve, acho que os únicos proprietários das fábricas devemos ser nós mesmos. Uma fábrica que pertença a um só indivíduo ou a uma só família, goza por isso mesmo de uma autonomia em face do poder supremo que se traduz em capricho e em dispersão.

Sánchez. — É a primeira vez que vejo você falar assim. Não pensava que você fosse tão longe.

Mendieta. — Não vá você agora trair-me contando o que ouviu. Porque até na assembleia geral os colegas seriam capazes de cair em cima de mim se soubessem que penso assim! Como é conservadora e atrasada a classe operária deste país! Para olhos fracos, a luz tem que aumentar de brilho pouco a pouco. Porém, se aos nossos companheiros eu falo de greves, reivindicações salariais, etc., não é para tornar-lhes a vida mais confortável neste sistema, mas para criar neles uma indignação crescente que lhes faça abrir os olhos para ver o mal do sistema considerado como um todo.

Aguirre. — Sempre gostei de franqueza. E aconselho que você seja franco com todos, não só conosco. Pois você não pode tratar os nossos companheiros como se fossem bobos ou menores de idade, aos quais se vai ensinando aos poucos o b-a-ba.

Mendieta. — Em matéria de luta de classes eles são menores de idade, e compete à CGT transformá-los lentamente em homens adultos.

A ditadura sindical

Aguirre. — Esse é um ponto fundamental em que discordo de sua opinião. Para você, a Argentina se compõe de duas categorias de homens: uma minoria que sabe tudo e que deve dirigir tudo: os líderes da CGT, os representantes dos operários que ela consegue designar nos vários comitês e os técnicos que estão dispostos a concordar com ela. O resto é a massa que deve ser dirigida como um rebanho. Pior, deve ser obrigada a obedecer aos impulsos vindos de cima, como humildes engrenagens de uma máquina.

Mendieta. — Já vem você de novo com poesia! Se tudo isto te dá pão, que mais você quer?

A concepção materialista do homem, característica do socialismo

Sánchez [voltando-se para Aguirre com uma nova risada]. Ele tem razão; se você e sua família não passarem fome, se você tiver estabilidade e viver sem preocupações, que mais poderá querer?

Aguirre. — Quero algo que um materialista não comprende, porque para ele o ventre cheio é o único ideal da vida. Quero dignidade. Se Deus concedeu a cada homem inteligência e vontade, foi para que tivesse certa porção de liberdade no traçar o próprio destino E em prover a suas necessidades. Acho degradante vender essa prerrogativa a troco de um pedaço de pão; ou de mil pedaços de pão, se você preferir.

Mendieta. — Deus! Dignidade! O que faz você com isso quando sente fome? O seu bem-estar não vale mais?

Aguirre. — Nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus, diz o Evangelho.

Sánchez. — Nisto não deixa de haver uma certa verdade. Mas, em todo caso, a fome...

Paralisia de inteligência e da vontade

Aguirre. — Se um paralítico em sua cadeira de rodas é um infeliz porque sofre o enorme mal-estar de não poder mover seus membros, muito mais infeliz é o homem dirigido em tudo por outro, para o qual o pensar e o querer se transformaram em funções inúteis, E que, como um animal, vive só para comer. A paralisia do espírito produzirá, Mendieta, no seu paraíso mecânico, um descontentamento mil vezes mais profundo do que a insuficiente satisfação das necessidades de nosso corpo. Porque o homem não é principalmente corpo, mas nele o fator principal é a alma.

Mendieta. — Você fala como um burguês! Para o operário existe apenas matéria, fome e necessidade.

Sánchez. Ei! Que história é essa?! A que é que você reduz a gente? Somos simples animais? Os burgueses têm o monopólio das coisas do espírito? Não compreendo que um líder operário pense assim e ache que com isso beneficia nossa classe.

Aguirre. — Olha, Sánchez, a coisa, é mais grave ainda, pois se ele quer acabar com os burgueses é por que quer que o mundo inteiro viva unicamente em função da fome e da matéria. Não sou filósofo, mas me parece que quanto mais caminharmos nessa direção, tanto mais nos animalizaremos. Isso é a barbárie!

Mendieta. — Portanto, na opinião de vocês o melhor é o caos! Dignidade, liberdade, caos e miséria! É esta a fórmula de vocês para aliviar os sofrimentos do povo argentino?

Aguirre. — De modo algum! É uma pena que você não leia as Encíclicas. São muito mais acessíveis a homens como nós, sem grande instrução, do que geralmente se pensa.

“Mater et Magistra”

Sánchez. — Ah, sim! Já li a "Mater et Magistra", que o jornal chama de "Carta de alforria da classe operária mundial, em relação aos patrões ambiciosos e desapiedados".

Aguirre. — Em relação à ambição e dureza de alguns patrões. Mas a "Mater et Magistra" garante também a liberdade dos operários, como a de todos, contra a tirania sindical e o totalitarismo burocrático.

Mendieta [com uma gargalhada]. — Conheço alguns dirigentes da Juventude Operária Católica, a JOC, e nunca os ouvi falar assim. Não concordam inteiramente comigo, mas estão longe de me combater como você.

Princípio de subsidiariedade

Aguirre. — No entanto, basta abrir a "Mater et Magistra". Está lá a definição do princípio de subsidiariedade, no qual está a melhor conciliação da autoridade com a liberdade.

Mendieta. — Não complique as coisas!

Aguirre. — Não. As coisas às vezes são complexas, mas as boas explicações as simplificam. Pelo princípio de subsidiariedade, cada um deve ter uma responsabilidade pessoal pelo seu destino e pelo de sua família. Nas coisas em que naturalmente se exijam forças maiores que as do indivíduo e da família, devem atuar as associações, inclusive as de classe. No que exceder as forças destas, deve atuar analogamente o município, e assim, passando pela província, chegamos ao poder supremo do país. Desta maneira a liberdade se conjuga com a obediência. Não formamos uma máquina de peças inertes, mas um organismo em que cada homem e cada grupo social é um membro vivo, o qual contribui com sua originalidade própria para o bem comum.

Povo e massa

Mendieta. — Acho que minha máquina vale muito mais do que essa sua organização para o bem do povo. Para mim, você está interpretando mal João XXIII.

Aguirre. — Como é que você pode achar isso se nunca o leu? Além disso, as peças da sua máquina não constituem um povo, mas uma massa. Tenho aqui uma passagem de Pio XII publicada em "Cruzada"... Você já ouviu falar de "Cruzada"?

Mendieta. — Já, eu sei que uns rapazes católicos editam essa revista em Buenos Aires. Todos os meus companheiros de ideologia a detestam. Dizem que ela é contra o povo.

Sánchez. — Não simplifique! Eu a leio às vezes; é muito bem escrita e mais de uma vez estive de acordo com ela.

Aguirre. — Escutem então esta passagem de Pio XII sobre povo e massa, que eu vou ler em "Cruzada":

"O Estado não contém em si e não reúne mecanicamente num dado território uma aglomeração amorfa de indivíduos. Ele é, e na realidade deve ser, a unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo.

"Povo e multidão amorfa, ou, como se costuma dizer, "massa" são dois conceitos diversos. O povo vive e se move por vida própria; a massa é de si inerte, e não pode ser movida senão por fora. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais — em seu próprio posto e a seu próprio modo — é uma pessoa consciente das próprias responsabilidades e das próprias convicções. A massa, ao invés, espera o impulso de fora, fácil joguete nas mãos de quem quer que desfrute seus instintos ou impressões, pronta a seguir, vez por vez, hoje esta, amanhã aquela bandeira. Da exuberância de vida de um verdadeiro povo a vida se difunde, abundante, rica, no Estado e em todos os seus órgãos, infundindo-lhes com vigor incessantemente renovado a consciência da própria responsabilidade, o verdadeiro senso do bem comum. Da forma elementar da massa, habilmente manejada e utilizada, o Estado pode também servir-se: nas mãos ambiciosas de um só, ou de vários que as tendências egoísticas tenham agrupado artificialmente, o mesmo Estado pode, com o apoio da massa, reduzida a não mais que uma simples máquina, impor seu arbítrio à parte melhor do verdadeiro povo; em consequência, o interesse comum fica gravemente e por largo tempo atingido e a ferida é bem frequentemente de cura difícil" (Pio XII, Radiomensagem de Natal de 1944).

Mendieta. — Mas isso está superado! João XXIII mudou todos os ensinamentos de Pio XII.

Sánchez. — Também aqui você está exagerando. Eu li um trecho de João XXIII no qual ele, pelo contrário, confirmava expressamente tudo quanto os outros Papas disseram.

Mendieta. — Então foi Paulo VI ou o Concílio que revogaram Pio XII; pelo menos foi o que eu ouvi dizer.

Aguirre. — No entanto, a verdade é que o Concílio e também Paulo VI afirmaram que mantinham a doutrina de todos os Papas anteriores.

Mendieta. — Bom! Isto poderá ter algum valor para você. Para mim o bem do povo consiste em transformar-se no que Pio XII chamou de "massa", porque sómente assim ele estará satisfeito.

Aguirre. — Já que para você a liberdade degenera instantaneamente em anarquia e ninguém se pode salvar da anarquia senão pela tirania sindical e burocrática, vamos falar só em termos de interesse material. Nego que esse interesse seja preponderante, mas ele existe e a ele correspondem direitos sagrados que devem ser tutelados com todo o cuidado.

Mendieta. — Há pouco você estava defendendo os patrões e agora vira-se contra eles, proclamando que os operários também têm direitos.

Aguirre. — Claro! Pio XII e depois dele todos os Papas...

Mendieta. — Já vem você de novo com os seus Papas!

Sánchez. — Escuta, Mendieta, é preciso ter bom senso. A imensa maioria dos operários argentinos é católica. Ou você prova a eles que tudo quanto você diz está de acordo com os Papas, ou dificilmente eles te acompanharão.

Mendieta. — Diante desse argumento tático, concordo em interessar-me pelo que dizem esses Papas.

Aguirre. — O argumento tático de Sánchez é bem interessante. Contudo, falo como católico, movido não pela tática, mas pela fé.

Mendieta [dirigindo-se a Sánchez]. — Que poeta incorrigível é esse aqui! [Voltando-se novamente para Aguirre] Enfim, solta lá o teu discurso!

O justo salário

O direito de associação e de greve

Aguirre. — Como eu já disse, os Papas proclamam o direito do trabalhador a um salário que dê tanto para ele como para sua família viverem suficiente e decorosamente, e que corresponda, além disso, ao justo valor de seu trabalho. Para fazer valer esse direito, os trabalhadores podem e devem organizar-se em associações de classe e, conforme o caso, podem chegar até a greve.

Mendieta. — Ah, muito bem! Você já passou para o outro lado!

Aguirre. — Não. Nestes casos o católico não está colocando uma parte contra a outra, mas sim querendo justiça e caridade tanto dos patrões para com os operários, quanto reciprocamente,

Mendieta. — Ah, sei, que engraçado, não?! Caridade do operário para com o patrão!

Aguirre. — Caridade não é apenas, nem principalmente, auxílio na necessidade material. É amor fraterno por amor a Deus. Eu já sei, Mendieta, que você chama isso de poesia.

Mendieta. — É verdade. Eu só acredito na luta do proletariado e na direção da democracia pelos operários, e na força da polícia para fazer cumprir as leis promulgadas em defesa dos trabalhadores.

Aguirre. — Pois eu creio na justiça e na caridade para todos, na existência de classes sociais harmônicas, na livre iniciativa dos homens dentro de um regime em que o princípio de subsidiariedade assegure a todos, segundo a sua posição, liberdade e ordem, sob a ação de uma autoridade sábia e forte, mas prudente.

Mendieta. — Mas como é que pode haver liberdade onde há patrões que mandam na gente, e que é preciso chamar a toda hora à Justiça do Trabalho para que cumpram seus deveres para conosco?

Um Estado-patrão, juiz e polícia: ideal socialista

Aguirre. Este, Mendieta, é um dos seus erros mais evidentes. Hoje em dia o patrão pode ser constrangido a cumprir seu dever por um poder mais forte do que ele e com interesses distintos dos dele. Por isso, como você diz; a qualquer momento o patrão pode ser chamado por nós à Justiça para a aplicação das leis que o Poder público promulgou a nosso favor, e não a favor do patrão. Suprima o patrão, sem o qual as empresas não podem subsistir, e você verá que clara ou veladamente o Estado passará a dirigi-las. Teremos então outro patrão, que será o Estado. Nosso patrão será nosso legislador, nosso juiz e nosso chefe de polícia. Temos hoje um patrão incomparavelmente menos forte do que o Estado-Patrão. Você quer submeter-nos a um Estado-Patrão. É a isto que você chama aumentar as prerrogativas do operário na empresa?

Sánchez. Mendieta, confesse que você não esperava por essa objeção!

Desigualdade e obediência: ambas queridas por Deus

Mendieta. — Agora há pouco você falava de dignidade. Você acha que é digno de um homem obedecer a outro, igual a ele? Pelo menos, obedecendo ao Estado, a gente obedece a algo superior...

Aguirre. — Estou vendo que você não respondeu à pergunta de Sánchez e passa para o terreno da poesia, no qual até há pouco você estava dizendo que não queria entrar. Respondo, todavia, de bom grado. Os homens são todos iguais por sua natureza. Acidentalmente, uns têm mais que outros na ordem da virtude, do talento...

Mendieta. — Isso eu sei, e já estou vendo que agora você vai dizer que os proprietários podem mandar em seus empregados...

Aguirre. — Sim, porque se Deus quis dispor as coisas desse modo, os empregados estão obedecendo, em última análise ao próprio Deus.

Sánchez. — Esta agora é muito boa! Obedecer a um mau patrão é obedecer a Deus?

Aguirre. — Obedecer no que é devido não importa em renunciar à defesa de seus legítimos direitos. Esclarecido isto, deve-se obedecer a um mau patrão, como a um mau governo, como, ainda, em outra ordem de coisas, a um mau Sacerdote. Jesus Cristo disse dos escribas e fariseus: "Fazei o que eles dizem, mas não façais o que eles fazem".

A hora ia avançada. Mendieta parecia especialmente empenhado em terminar a discussão. Aguirre disse a seus companheiros:

Promovendo o bem privado promove-se o bem comum

Aguirre. — Olha que a gente acaba perdendo o último turno para o almoço! Mas antes de terminar, quero lembrar um fato palpável. O bem-estar da Argentina depende de que todos desenvolvamos o mais possível nossa capacidade de trabalhar no plano intelectual ou manual. Pois bem, a capacidade de cada homem se aguça de modo estupendo quando ele cuida diretamente de seu próprio interesse. Vejam como até as pessoas pouco inteligentes são subtis para perceber qualquer coisa capaz de ferir ou de agradar a vaidade delas. É que o interesse pessoal está em jogo! Se queremos estimular a produção econômica, estimulemos a iniciativa individual. Com isto o operário produzirá mais e o patrão também.

Sánchez. — Mas se o operário ganha um salário de fome, como é que ele pode progredir?

O verdadeiro progresso

Aguirre. — Trabalhando para que a empresa seja próspera e exigindo que o salário corresponda aos princípios que já enunciei. E depende dele o fazer essas exigências com bastante força para ser atendido e com bastante justiça para evitar que se pense que ele quer destruir a classe patronal. Assim não haverá nenhum pretexto para qualquer perseguição contra ele. Se você atuasse assim, Mendieta, seria muito mais eficiente do que com a sua luta de classes.

Mendieta. — Bom, vamos andando! E, sobretudo, insisto: nossa conversa foi íntima; não é preciso contá-la para todo mundo.

Sánchez. — Tenho toda a boa vontade, mas não garanto que consiga ser discreto.

Equilibrada participação dos empregados

Aguirre. — Enfim, completando-se o regime do salariado — em várias circunstâncias que podem ocorrer na prática — com uma equilibrada participação do trabalhador nos lucros da empresa, ou na propriedade das ações da mesma, ou ouvindo-se os operários sobre assuntos de direção da empresa em que pela natureza de suas funções eles possam dar opiniões valiosas, nada faltará ao operário para elevar-se, e por suas economias chegar a ser alto funcionário da empresa, ou até o fundador de uma empresa nova.

Mendieta [saindo já da sala]. — Você quer, então, que uma lei imponha isso?

Mentalidade totalitária e estatista dos socialistas

Aguirre. — Quero que a lei favoreça ou estimule; que imponha, não. Sabe, Mendieta, você precisava largar mão dessa ideia de que governar é só impor, que os homens são autômatos e que tudo se resolve só por imposição.

Sánchez ria com gosto, enquanto fechava a porta à chave.

O CAPITALISMO NÃO É CONDENÁVEL EM SI MESMO, MAS UNICAMENTE POR SEUS ABUSOS

PIO XI — Foi esta espécie de economia [a capitalista] que Leão XIII procurou com todas as veras regular segundo as normas da justiça; de onde se segue que de per si não é condenável. E realmente, de sua natureza, não é viciosa: só viola a reta ordem quando o capital escraviza os operários ou a classe proletária para que os negócios e todo o regime econômico estejam nas mãos dele e revertam em sua vantagem própria, sem se importar com a dignidade humana dos operários, com a função social da economia e com a própria justiça social e o bem comum.

(Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 38).

PIO XI. — E primeiramente os que dizem ser de sua natureza injusto o contrato de trabalho e pretendem substituí-lo por um contrato de sociedade, dizem um absurdo e caluniam malignamente o Nosso Predecessor que na Encíclica “Rerum Novarum” não só admite a legitimidade do salário, mas procura regulá-lo segundo as leis da justiça.

(Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 27).

AS DESIGUALDADES INDIVIDUAIS E SOCIAIS, FONTE DE BELEZA E HARMONIA

JOÃO XXIII. — De fato, "assim como no corpo humano os diversos membros se ajustam entre si e determinam essas relações harmoniosas a que chamamos simetria, da mesma forma a natureza exige que na sociedade as classes se integrem umas às outras e por sua colaboração mútua realizem um justo equilíbrio. Cada uma delas tem necessidade da outra; o capital não existe sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital. Sua harmonia produz a beleza e a ordem" (Leão XIII, Encíclica “Rerum Novarum”). Quem ousa, pois, negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza.

(Encíclica "Ad Petri Cathedram", de 29 de junho de 1959 — AAS, vol. LI, n. 10, pp. 505-506).

NÃO EXISTE UM DIREITO À CO-PROPRIEDADE NEM À CO-GESTÃO DA EMPRESA

PIO XII. — Por isso a doutrina social católica se pronuncia, entre outras questões, tão conscientemente pelo direito de propriedade individual. Aqui estão também os motivos profundos por que os Papas das Encíclicas sociais, e Nós mesmo, Nos recusamos a deduzir, quer direta, quer indiretamente, da natureza do contrato de trabalho o direito de copropriedade do operário no capital da empresa e, consequentemente, seu direito de codireção. Importava negar tal direito, pois por trás dele se enuncia um problema maior. O direito do indivíduo e da família à propriedade é uma consequência imediata da essência da pessoa, um direito da dignidade pessoal, um direito onerado, é verdade, por deveres sociais; não é, porém, exclusivamente uma função social.

(Radiomensagem de 14 de setembro de 1952 ao "Katholikentag" de Viena — "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XIV, p. 314),

A TIRANIA SINDICAL OPRIME O OPERÁRIO

PIO XII. — Possa, enfim, Nossa Bênção ajudar a classe trabalhadora cristã da Bélgica a sair sã e salva do perigo que, precisamente agora, ameaça um pouco por toda parte o movimento operário. Queremos nos referir à tentação de abusar [...] da força da organização, tentação tão temível e perigosa quanto aquela de abusar da força do capital privado. Esperar de semelhante abuso a obtenção de condições estáveis para o Estado e a sociedade, seria, de uma parte como da outra, uma vã ilusão, para não dizer cegueira e loucura; ilusão e loucura ademais duplamente fatais ao bem e à liberdade do operário, que se precipitaria a si mesmo na escravidão.

(Alocução de 11 de setembro de 1949 ao "Movimento Operário Cristão da Bélgica" "Discorsi e Radiomessaggi", vol. XI, p. 208).

O IGUALITARISMO COLETIVISTA É NOCIVO AO OPERÁRIO

LEÃO XIII. — [...] a conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda esperança e toda possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação.

(Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 6).

A SUPRESSÃO DA INICIATIVA PARTICULAR GERA A TIRANIA POLÍTICA

JOÃO XXIII. — Aprendemos pela experiência que, onde falta a iniciativa privada, se instala a tirania política; mais ainda, nos diferentes setores econômicos muitas coisas ficam paralisadas e desse modo vêm a faltar os bens de consumo, assim como as utilidades relacionadas, não apenas com as exigências materiais, mas principalmente com as espirituais. Na obtenção desses bens e utilidades, exercem-se e estimulam-se de modo especial o talento e a habilidade de cada um.

Onde, porém, falta ou é deficiente a devida ação do Estado em matéria econômica, ali se veem os países cair em irreparáveis desordens, e os mais poderosos, destituídos de escrúpulos, abusarem indignamente da miséria alheia para o próprio lucro; estes, infelizmente, como o joio entre o trigo medram em todo tempo e lugar.

(Encíclica "Mater et Magistra"' de 15 de maio de 1961 — in "Catolicismo". n.° 129, de setembro de 1961, p. 3).

NEGADA A PROPRIEDADE PRIVADA, TODOS OS DIREITOS INDIVIDUAIS FICAM SUBMETIDOS AO ARBÍTRIO DESPÓTICO DO ESTADO

PIO XI - Ao indivíduo, em relação à coletividade, nenhum direito natural da personalidade humana é reconhecido, sendo a mesma, no comunismo, simples roda e engrenagem do sistema (...). Por isto mesmo deverá ser destruída radicalmente tal natureza de propriedade particular [dos bens da natureza e dos meios de produção], como fonte primordial de toda a escravidão econômica.

(Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, pp. 7-8).

O ESTADO DEVE RESPEITAR OS ORGANISMOS INFERIORES E OS INDIVIDUOS, E NÃO OS ABSORVER

PIO XI. — Permanece, contudo, imutável aquele solene princípio da filosofia social: assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e indústria, para o confiar à coletividade, do mesmo modo passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir, é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não destruí-los nem absorvê-los.

(Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 — Editora Vozes Ltda., Petrópolis, p. 31).