P.06-07

O mundo novo que está para nascer não será socialista, mas católico: seu nome é Reino de Maria

(continuação)

porque ele lhes aparecerá incontestavelmente como a religião aliada aos exploradores" (p. 92).

“Se Marx tivesse vivido no tempo do Vaticano...”

Como se vê, o Arcebispo nordestino se expressa como se a revolta, a subversão, a atitude de protesto contra a atual ordem social fossem coisas brotadas espontaneamente do seio das massas. Estas, portanto, disporiam de dinamismo próprio, sabendo o que querem, quando o contrário é que nos ensina a verdadeira observação sociológica, tão bem expressa por Pio XII: a massa, incapaz de agir por si mesma, é sempre tangida de fora, por demagogos e agitadores que lhe são estranhos e que canalizam no sentido da Revolução universal seus instintos elementares.

Desse falso pressuposto nasce outro: as injustiças sociais é que seriam o motivo de a massa comunista se afastar da Religião. Com efeito, "a massa comunista ficará feliz quando compreender que não deve negar a Deus e a vida eterna para amar os homens e lutar pela justiça sobre a terra. A massa comunista considerará com atenção e simpatia a religião quando vir que esta tem a firme resolução de não servir de capa às injustiças absurdas cometidas em nome do direito de propriedade e da iniciativa privada" (p. 72). Mais ainda: "A massa comunista ficará agradavelmente surpresa quando souber que é perfeitamente evangélica essa sede de justiça que leva a desejar o fim da situação absurda na qual se acham os dois terços da humanidade que afundam cada vez mais no subdesenvolvimento e na fome" (p. 73).

Dessa falácia segundo a qual o comunismo seria fruto da revolta das massas contra as injustiças sociais, e não um fenômeno revolucionário muito mais profundo, que deita raízes no passado e procede de uma cúpula de celerados de aquém e além cortina de ferro — que não querem a tranquilidade da ordem emanada dos Evangelhos, mas a luta de classes, com a derrocada dos princípios básicos que fizeram a grandeza da civilização cristã — dessa clamorosa inversão da realidade que se desenrola perante os olhos de quem quer ver, parte D. Helder para afirmar outra enormidade: a de que a Igreja Se teria esquecido de sua missão, pactuando com os ricos e poderosos para massacrar os pobres, a ponto de levar Marx e seus prosélitos a condenar toda religião como alienante e ópio do povo! D. Helder, com sua demagogia desenvolvimentista, procura justificar o neopaganismo inviscerado no marxismo: "A religião é considerada pelos marxistas como a grande força de alienação. Ora, devemos ter a lealdade de reconhecer que, preocupados com a vida eterna, facilmente esquecemos a vida terrena" (p. 84). Mais ainda: se Marx "tivesse vivido no tempo do Vaticano II, que resumiu tudo o que de melhor se disse e o que ensina a teologia a respeito das realidades terrenas, certamente não teria apresentado a religião como o ópio do povo e a Igreja como alienada e causa de alienação" (pp. 126-127).

O II Concílio Vaticano conseguiria o que nem o Evangelho nem dois milênios de história do Cristianismo alcançaram, isto é, esclarecer o equivocado Marx... Mas a realidade é que D. Helder parece querer corrigir o Evangelho, insinuando que o conforto material está entre as bem-aventuranças, e contrariando assim o Sermão da Montanha, o qual nos ensina a procurar em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, tudo mais nos sendo dado como acréscimo. Mais ainda: Nosso Senhor Jesus Cristo não deveria ter qualificado, expressamente, como coisas de pagãos a preocupação com o que comeremos, com o que beberemos ou com o que vestiremos. (Mat. 6, 25-34), nem nos deveria ter ensinado o desapego dos bens terrenos, para confiantemente nos abandonarmos à Divina Providência, certos de que a procura do "único necessário" se sobrepõe a todas as preocupações materiais.

Descabido paralelo com a invasão dos bárbaros

Mas, além de suas falácias do ponto de vista doutrinário, o conhecido Prelado comete outra não pequena, do ponto de vista histórico, ao procurar tecer um paralelo entre o encontro do mundo cristão com o mundo socialista e o confronto do mundo cristão com o mundo bárbaro nos primeiros séculos de nossa era. Diz ele:

"Quando, depois de três séculos de perseguições, o mundo greco-latino se tornou em grande parte cristão, e quando os cristãos saíram das catacumbas para encontrar o esplendor perigoso das basílicas e da corte imperial, começou a correr o rumor de que "bárbaros" estavam chegando. Divertida expressão essa, de "bárbaros"! Ela traduz toda a vaidade greco-romana e ao mesmo tempo o temor de ver desaparecer uma civilização que parecia insuperável.

Nada mais característico do que o temor de Santo Agostinho, o qual, no fim da vida, se sentia devorado de angústia pelo advento dos "bárbaros": apesar de seu gênio, ele não discerniu o sentido final dos acontecimentos de sua época; embora lhe parecessem catastróficos, marcavam, pelo contrário, o início de um mundo novo.

A lembrança desse episódio histórico nos vem à memória paralelamente à atitude que o mundo ocidental tem assumido em face do mundo socialista" (p. 76).

Em primeiro lugar, se houve Santo que não teve nenhuma ilusão quanto à civilização greco-romana foi Santo Agostinho, que através das imortais páginas da Cidade de Deus tão magistralmente a estudou, mostrando suas hipocrisias e suas vilezas pagãs, e comparando-a à beleza da civilização cristã. Portanto, o que encheu o Bispo de Hipona de amargura no fim de sua vida, não foi o esboroar daquele estado de coisas em grande parte ainda pagão, mas os sofrimentos do Ocidente cristão, sobretudo da Cristandade norte-africana, objeto especial de sua solicitude e zelo pastorais. Na passagem do 16.° centenário do nascimento de Santo Agostinho, ocupamo-nos do assunto e dizíamos em artigo sob o título de "Santo Agostinho, fulminador das heresias e oráculo dos séculos" ("Catolicismo", n.° 44, de agosto de 1954) :

"Não presenciou Santo Agostinho aqui na terra o florescer dessa civilização para a qual tanto contribuiu. Pelo contrário, morreu amargurado durante o assédio de sua cidade episcopal pelos vândalos. E nenhuma invasão de bárbaros superou em brutalidade, em destruição, em devastação, a que sofreu o Norte da África.

Tem-se dificuldade em compreender que a Providência punisse tão severamente uma região em que havia tantas e tão ativas Igrejas, com uma numerosa Hierarquia, tantas vezes congregada em solenes e doutos Concílios para decidir sobre a vida espiritual dessas comunidades. Os autores católicos do tempo nos explicam por que isso aconteceu. Todos eles encaram essa desolação como um castigo merecido. Os vândalos mesmo diziam que não era de seu próprio movimento que usavam de tanta crueldade, mas que sentiam uma força interior que os arrastava apesar de sua disposição. Com efeito, nos diz a História, jamais os bárbaros apareceram mais sensivelmente como ministros da vingança divina. Excetuado um pequeno número de servidores de Deus, a Cristandade africana inteira era uma sentina comum de todos os vícios e de todas as capitulações diante da impiedade. [...] Com Santo Agostinho deixou de viver, de certo modo, a África cristã e civilizada. Porque, depois dessa época e até expirar sob o ferro dos muçulmanos, sua existência não foi senão uma longa agonia.

A semente da boa nova, que Santo Agostinho tanto ajudou a conservar, iria germinar em outras plagas, onde o terreno lhe seria propício. E não foi por simples acaso que a Cidade de Deus constituiria, três séculos mais tarde, a leitura preferida de Carlos Magno, espada e escudo da Igreja e fundador do Sacro Império Romano do Ocidente".

Contradição a respeito da Idade Média e do feudalismo?

Isto dizíamos há dezesseis anos atrás, mas D. Helder, ao ouvir falar em Sacro Império Romano do Ocidente, seria capaz de rasgar as vestes, horrorizado. Entretanto, que "mundo novo" iria nascer das cinzas da civilização greco-latina senão o que é conhecido pelo nome genérico de Idade Média? Aqui encontramos o que à primeira vista parece uma contradição nas afirmações do Arcebispo de Olinda e Recife. Ao mesmo tempo em que empresta a Santo Agostinho uma adesão ao mundo greco-romano completamente estranha ao grande Doutor, diz que este, destituído das antenas "proféticas" do progressismo hodierno, não teria discernido o sentido dos acontecimentos de sua época, isto é, não teria visto a invasão dos bárbaros como "início de um mundo novo". É claro que o mundo novo que nasceu desses escombros, não na África, mas na Europa, foi o mundo medieval. Acontece que nosso Autor não se mostra persuadido da grandeza dessa época, pois frequente e indiscriminadamente a ela se refere de modo injurioso: "Nos países subdesenvolvidos achamo-nos quase sempre ainda em plena Idade Média; apesar de algumas exceções louváveis, encontram-se ainda ricos que têm a mentalidade dos senhores de outrora" (p. 41). À página 68 se fala de "patrões que estão ainda como que na Idade Média". A exemplo da Igreja, a sociedade medieval se distinguia por sua organização feudal, e D. Helder emprega a expressão "feudal" em sentido pejorativo. Ao falar sobre o "colonialismo interno" que seria exercido por "um pequeno grupo de privilegiados do próprio país, cuja riqueza é mantida à custa da miséria de milhões de concidadãos", acrescenta: "É ainda um regime semifeudal: aparência de vida patriarcal, mas na realidade ausência dos direitos da pessoa, situação infra-humana e verdadeira escravidão" (p. 153).

Parece, portanto, que estamos em face de uma contradição: ao mesmo tempo que se refere ao "mundo novo" que veio substituir com vantagem a civilização greco-romana, até então considerada insuperável, o Sr. D. Helder Câmara nada acha de pior para comparar às misérias que vê no chamado mundo subdesenvolvido contemporâneo, do que essa mesma Idade Média e o regime político-social que lhe serviu de base. — Mas, se a invasão dos bárbaros do século IV marcou o início de um "mundo novo", quem sabe se a plena eclosão deste, ao ver de D. Helder, somente se dará após essa segunda invasão de bárbaros para a qual nos procura ele preparar? Neste caso, não nos acharíamos diante de uma contradição, mas de algo que é coerente com a linha de pensamento do nosso Autor.

Uma falácia mais perigosa do que todas as outras

Há, porém, uma diferença essencial entre essas duas espécies de bárbaros. Os primeiros saíram do paganismo, os de hoje caíram da altura do Evangelho, isto é, são filhos da apostasia do mundo moderno e, portanto, se acham em um estado pior do que o dos bárbaros que ainda não se tinham convertido ao Cristianismo. É uma barbárie científica, que assume aspectos ideológicos com raízes nas heresias gnósticas que vêm flagelando a Santa Igreja através dos séculos mais que qualquer invasão de vândalos ou hunos.

E ao passo que uma das grandezas da civilização católica medieval veio da inteira assimilação do elemento bárbaro pela sua conversão à verdadeira Fé, é uma das misérias dos tempos atuais o fato de que, em vez de cogitar da conversão do mundo comunista, os meios católicos progressistas, antes mesmo da invasão do Ocidente por essas novas hordas, lhes abrem as portas e lhes assimilam os erros. — A que perigos não nos expõe isso?

Console-nos, em meio a tamanhas calamidades, o que sabemos do mundo novo que está para nascer: ele será o reino de Maria, e portanto não poderá ser nem comunista nem socialista, mas adamantinamente católico. O domínio universal do comunismo, com seu arcabouço totalitário ou socialista, será talvez o castigo de nossos dias, nunca a solução. Esta só pode ser o Grande Retorno, razão pela qual nos é lícito resumir toda esta série de falácias do Arcebispo Helder Câmara em uma única: a de não considerar a questão social como problema eminentemente moral e, portanto, religioso. A imaculada conceição das massas, eis uma falácia paralela esposada pelos que, nos meios católicos, fomentam a luta de classes e toda sorte de capitulações diante do inimigo, em vez de procurarem a volta de todos os homens Aquele que nos oferece palavras de vida eterna e não um duvidoso e miserável prato de lentilhas.


Calicem Domini Biberunt.

O PADRE DIESSBACH ADVERTE COM FIRMEZA O IMPERADOR

Fernando Furquim de Almeida

Depois de tratar pormenorizadamente do jansenismo, o Padre Diessbach, em sua mensagem, exorta Leopoldo II a governar como um verdadeiro príncipe católico, seguindo os princípios do Evangelho e todos os ensinamentos da Igreja. Lembra, a propósito, que o jansenismo é apenas um episódio de uma conjuração muito mais vasta, dirigida contra a Igreja por homens que não titubeiam em adotar qualquer meio para conseguir os seus objetivos. É a Revolução e a maçonaria que ele passa a focalizar:

* * *

“Não duvido que um partido soberanamente ativo, intrigante e audacioso, que cerca já a maior parte dos tronos, procure envolvervos em seus planos insidiosos, por todos os meios que a sagacidade lhe sugerir. Oxalá vos seja dado conhecêlo bem e julgálo como ele é na realidade. É composto de homens que, no fundo, não têm outro interesse senão o seu próprio, outro Deus que suas paixões, outro oráculo senão Voltaire, outro paraíso senão a vã esperança de serem aniquilados.

“O ódio que eles votam à Igreja é total e violento, e em todas as suas atitudes revelam o desejo de se aproveitarem de tudo para conseguirem o seu objetivo. Apoiam os protestantes, não porque deem crédito aos erros grosseiros de Lutero, mas porque esse heresiarca combateu o jugo sagrado da Igreja e proclamou a licença das opiniões. Além disso, a fraqueza das seitas protestantes conduz as almas, lenta porém continuamente, para um vago deísmo. Como os jansenistas envolvem esses mesmos erros de Lutero numa linguagem mais cultivada, mais inteligente e hábil, apresentandoos com um estilo brilhante e sob uma forma literariamente mais perfeita, esses homens esposam a doutrina de Jansênio e protegem os seus sequazes, para dar nova vida àqueles erros. Enfim, eles se fariam até maometanos, e seriam indulgentes mesmo com o paganismo, desde que houvesse nisso algum proveito a tirar em favor da luta anti-católica em que estão empenhados.

“A razão desse ódio pertinaz é que a Igreja incomoda muito. A incompreensibilidade de seus mistérios choca o espírito humano. Sua marcha firme e sua doutrina inflexível — que em nome de um Deus infinitamente santo, justo e onipotente anuncia sem hesitação e sem atenuações recompensas eternas para a virtude, e punições também eternas para o vício, e mesmo para aqueles que se opõem ao sexto e ao nono mandamentos — desolam e irritam os viciosos obstinados. Sua hierarquia visível, que exige de todos os homens mortais uma submissão religiosa, sob pena de excluir irrecorrivelmente do número das ovelhas de Jesus Cristo a quantos não queiram submeterse, fere o orgulho dos soberbos. Os meios de santificação que ela coloca à disposição dos homens são tão fortes, tão íntimos a tão divinos, que tornam indesculpável o pecador impenitente, nada concedendo ao seu amor próprio. Eis as fontes do ódio implacável que lhe votam os homens profundamente corrompidos, que aos vícios do coração unem um espírito depravado e sutil, e é daí que procede essa guerra cruel movida contra a Igreja Católica".

* * *

É interessante notar que, embora escrevesse já em pleno desenrolar da Revolução Francesa, o Padre Diessbach, tal como os seus contemporâneos, não compreendeu bem a extrema gravidade do que se passava na França. A continuação da análise da mensagem e o estudo dos documentos deixados pela Amicizia Cristiana demonstrarão cabalmente que, se bem que considerassem graves os acontecimentos, nenhum dos dirigentes do sodalício soube avaliar o passo decisivo que estava dando a Revolução. Todos esperavam, a todo momento, uma reação natural que não se deu. Num homem como o Padre Diessbach, que era lúcido a detectava muito bem certos filões revolucionários bastante profundos, essa insuficiência de visão é mais surpreendente. Para não interrompermos a apresentação da Mensagem, voltaremos mais tarde a esse assunto, procurando investigar as razões dessa deficiência.

Depois de mostrar o papel do orgulho e da sensualidade nas ações dos homens que se empenhavam em destruir a Igreja, passa o autor a descrever as principais heresias que nesta apareceram ao longo dos séculos, mostrando que todas "enquanto fracas pediram para serem toleradas; quando se tornaram mais fortes, combateram a Igreja com violência; e, ao dominarem, a oprimiram sempre com todo o poder de que dispunham, e com tanto maior injustiça quanto mais indecisos e arbitrários eram os seus próprios princípios".

* * *

Passando a estudar a política dos governos protestantes da época, mostra o Padre Diessbach que não perdiam oportunidade nenhuma de oprimirem os católicos: “Quanto a estes, basta observar o que acontece na França e na Áustria, para perceber que eles não têm a mesma combatividade e não sabem impedir a difusão do erro”.

É esta uma das poucas referências à França. Logo a seguir a mensagem descreve os males causados dentro das fronteiras do Império pelo josefismo e pelo febronianismo, mostrando como ambos foram prejudiciais, mesmo aos interesses imediatos de José II. E termina com esta apreciação sobre esse Monarca: "Passou rapidamente esse príncipe infortunado. A Europa inteira já o julgou por suas ações civis, militares e políticas, que deram grandes lições aos soberanos capazes de ler a sua história. Deus já o julgou na ordem moral, e com sua mão paterna o visitou nesta terra, abatendo seus projetos e destruindo as obras de suas mãos, pois Ele o fez beber lentamente, porém com sentimentos de religião, o cálice da humilhação, da dor, da morte, do abandono das criaturas e dos terrores da eternidade iminente. Ousamos esperar por ele. Morreu na comunhão da Igreja e munido de seus sacramentos. Infelizmente subsistem os tristes efeitos dos males que causou à Igreja".


NOVA ET VETERA

PSIQUIATRA DE CRIANÇAS OPINA SOBRE CRISE

J. de Azeredo Santos

No que diz respeito à natureza do homem, em que pesem todas as conquistas da ciência e da técnica, "não há nada novo debaixo do sol, e ninguém pode dizer: eis aqui está uma coisa nova, porque ela já existiu nos séculos que passaram antes de nós" (Ecle. 1, 10). No campo das relações entre pais e filhos, manda a ordem natural que, já tendo recebido educação de seus maiores, por sua vez os pais a transmitam a seus filhos, e nisto se cifra a verdadeira tradição familiar. Por isso observa a Divina Sabedoria: "Aquele que ama o seu filho, castiga-o com frequência, para que se alegre com isso mais tarde, e não vá mendigar às portas dos outros. Aquele que instrui o seu filho será louvado nele, e nele mesmo se gloriará entre os seus conhecidos" (Ecli. 30, 1-2).

Ordena a voz da sabedoria e da prudência que sigamos a experiência dos mais velhos: "Frequenta a reunião dos velhos prudentes, e une-te de coração à sua sabedoria" (Ecli. 6, 35). Não basta, porém, a idade, "porque a velhice venerável não é a longa vida, nem se mede pelo número de anos, mas a prudência do homem é que supre as suas cãs, e a idade da velhice é uma vida imaculada" (Sab. 4, 8-9). Essa a razão pela qual devemos seguir, não simplesmente os "velhos", mas os "velhos prudentes", pois em épocas de decadência a insensatez é aberração que costuma surgir mesmo entre os anciãos. O normal, porém, é que a voz da experiência proceda das gerações mais entradas em anos, e é o que dá a entender a Sagrada Escritura ao afirmar: "Desgraçada de ti, terra, cujo rei é um menino" (Ecle. 10, 16). Não poderiam ser expressos de melhor maneira os males da imaturidade.

* * *

Ora, entre os inequívocos sinais de decadência de nossa época, se acha a superstição do novo pelo novo, a obsessão de ser "pra frente", a idolatria do "poder jovem". Põem-se os pais, mestres e Sacerdotes progressistas literalmente de cócoras diante dos "hippies" e jovens contestadores, tecendo loas a todos os seus desatinos, dando-lhes a liderança social e até pedindo-lhes conselhos.

Diante deste triste quadro que se acha ao alcance dos olhos de quem quer ver, não é de admirar que tenha havido em São Paulo um congresso para analisar a crise nas relações de família. Nele tomou parte o médico Haim Grunspun, professor de Psiquiatria Infantil na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e conselheiro da Escola de Pais, entidade que promoveu o certame. A "Folha de São Paulo", em sua edição de 31 de maio, fez referência ao pensamento de S. Sa. sobre o assunto, em apanhado do qual queremos destacar os tópicos principais.

* * *

"As dificuldades no relacionamento familiar — escreve o redator do matutino paulista — podem ser resumidas, segundo o Dr. Haim Grunspun, na falta de condições para a comunicação das pessoas. As ideias estão-se formando com uma rapidez cada vez maior, as culturas formam padrões numa velocidade impressionante, diferenciando sensivelmente a faixa dentro da qual agem os pais e os filhos". Trocando por miúdo, quer o Dr. Grunspun dizer que há falta de convivência entre pais e filhos em virtude da sedução do mundo exterior, cujos padrões mudam num ritmo que distancia uma geração da outra. Continua ele: "Quando os pais, há alguns anos, transmitiam quaisquer informações a seus filhos, elas tinham as mesmas características fundamentalmente mantidas por todas as gerações que os antecederam. Neste século, entretanto, a família está precisando reeducar-se para manter sua estrutura, porque nunca foi tão necessária a capacidade de adaptação dos mais velhos ao mundo dos jovens — bem diferente daquele [de] quando os pais atravessaram a juventude". Por outras palavras, devem ser desprezados dois mil anos de tradição da educação cristã, continuadora das lições do Velho Testamento, e as gerações mais velhas devem adaptar-se ao mundo dos "hippies" e "beatnicks".

Ocupando-se das modificações sociais que se refletiram diretamente na família, cita em primeiro lugar o professor de Psiquiatria Infantil da PUC: "Está sendo modificado o aspecto formal das religiões. Elas continuam a existir, mas houve uma rebelião contra seus formalismos e a família foi gradativamente colocada diante de novas normas que [já não são as que antes] a religião impunha. Em outras palavras, as ideias adquiriram preponderância sobre a forma pela qual se manifestavam, com reflexo no relacionamento familiar". Embora seja importante assinalar que o Dr. Grunspun atina com a primeira causa da decadência da vida familiar, que é de ordem religiosa, temos a acentuar que não é apenas o aspecto formal da Religião Católica que se está procurando modificar, mas também seus princípios fundamentais. São dogmas como o do pecado original e noções básicas como a da responsabilidade moral que estão sendo negados e substituídos por uma moral-nova relativista, empenhada em justificar a desordem das paixões que tomou de assalto as novas gerações.

Na parte final do resumo do pensamento do Prof. Haim Grunspun, lê-se que a essa diferença das culturas em que pais e filhos se formaram, segue-se "a insegurança na estrutura tradicionalmente existente para que eles se relacionassem". Tal insegurança "provoca uma crise, que não quer dizer desagregação, mas sim a necessidade de se tomar novas posições diante dos fatos". — Por que só agora a estrutura tradicional se teria tornado insegura? Por que não analisar se os males não provêm da "nova cultura"?

Termina o Prof. Grunspun por citar as experiências de educação fora do âmbito familiar, levadas a efeito na União Soviética e no Estado de Israel, onde o assunto está sendo reformulado "a partir da observação dos resultados negativos causados em uma primeira geração que foi criada fora da família. A manutenção das condições familiares para o desenvolvimento das crianças está sendo mais uma vez defendida. A família deve ser modificada e não extinta". Ora, se o ideal coletivista moderno é que deu "resultados negativos", por que modificar os lineamentos tradicionais da família fundada na autoridade paterna?

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Depois de comer as bolotas do filho pródigo, a humanidade, voltando à casa paterna, repetirá as palavras da Divina Sabedoria: "Não há nada novo debaixo do sol, e ninguém pode dizer: eis aqui está uma coisa nova, porque ela já existiu nos séculos que passaram antes de nós" (Ecle. 1, 10). Não se jogam impunemente pela janela dois mil anos de ação benfazeja da Santa Igreja. Ao mundo cada vez mais concentracionário e ateu de hoje, podemos aplicar as palavras dirigidas por Nosso Senhor ao povo de Israel: "Eis que será deixada deserta a vossa casa. Porque Eu vos digo: desde agora não Me tornareis a ver, até que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor" (Mat. 23, 38-39).