Frei, o Kerensky chileno
Fabio Vidigal Xavier da Silveira
As teses e as conclusões expostas no presente estudo são o resultado de uma longa sedimentação de dados veiculados pela imprensa ou adquiridos em contatos com chilenos das mais diversas categorias. A análise que de tais dados se faz, embora cuidadosa e desapaixonada, não exclui a possibilidade de alguma eventual imprecisão, atribuível a causas várias. O autor não nega que falhas deste gênero possam talvez ter ocorrido.
A refutação idônea de um trabalho como este, no entanto, não se pode limitar à contestação deste ou daquele pormenor, desta ou daquela apreciação de importância secundária, mas requer um pouco mais de seriedade. É preciso invalidar argumentos ou teses fundamentais. Sem isto, a refutação por si mesma se aniquila.
A finalidade que nos propomos é tornar evidente que a Democracia-Cristã chilena e seus homens são esquerdistas e estão conduzindo o Chile para o marxismo. Nesta ordem de pensamento, procuramos mostrar que o Presidente Frei está desempenhando no Chile o papel que teve Kerensky na Rússia: servir de chefe de um governo que, já socialista, faz a transição de uma ordem avessa ao marxismo para uma estrutura social totalmente marxista.
A quem deseje refutar o presente trabalho, impõe-se refutar segundo as normas da boa lógica esta tese.
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Várias vezes, ao longo destas páginas, terei necessidade de me referir ao direito de propriedade, e às mutilações que ele vem sofrendo da parte do governo Frei. Para maior precisão, parece-me necessário dizer como conceituo o direito de propriedade, no que consistem, a meu ver, as limitações que a função social deste direito por vezes lhe impõe, e no que estas limitações se diferenciam das mutilações confiscatórias com que o socialismo o quer matar progressivamente.
Entendo o direito de propriedade como ele foi magistralmente definido e explanado por Leão XIII, e, com sucessivas matizações, mantido e exposto pelos Papas que se seguiram até nossos dias.
Entretanto, parece-me importante notar que a afirmação de Paulo VI, na Encíclica "Populorum Progressio", de que esse direito não é absoluto mas está condicionado à sua função social, tem sido mal interpretada.
Com efeito, tal afirmação foi entendida em certos ambientes como se o direito de propriedade tivesse em si algo de enfermiço e débil. Como se nele houvesse algo de irremediavelmente tendente a colidir com o bem comum. De forma que, comparativamente aos outros direitos, ocuparia uma situação de última plana. E deveria ser, visto com antipatia e desconfiança pelos espíritos zelosos do bem comum.
Nada disto está escrito na "Populorum Progressio". Aliás, se o direito de propriedade é um direito — o que poucos se atrevem a negar de modo taxativo — é absurdo admitir que ele tenha qualquer coisa de visceralmente contrário ao bem comum, pois o bem comum consiste no exercício harmônico de todos os direitos, e deperece na medida em que estes são mutilados ou negados.
É bem certo que o direito que nos ocupa tem uma função social. Isto não constitui para ele o sintoma de uma intrínseca debilidade. Função social não a tem apenas a propriedade privada mas também o trabalho. Até a própria existência do homem tem uma função social. E é em nome desta que é lícito ao Poder Público convocar os seus súditos para a guerra.
Assim, o direito de propriedade nada tem de enfermiço ou de fundamentalmente anti-social.
Aliás, Leão XIII, na "Rerum Novarum", declara que a propriedade privada é necessária para que os bens da natureza atinjam o fim por que foram criados. De onde, já só pela sua existência, segundo aquele grande Pontífice, está a propriedade privada a exercer sua função social.
Além disso, é o destino social da propriedade privada que justifica certas restrições ao seu uso. De fato, a função social pode importar em restrições, por vezes até consideráveis, do direito de propriedade. Mas, estas só devem ser impostas quando certamente necessárias, na medida do indispensável, e por um espaço de tempo tão restrito quanto possível. Uma legislação que trate a propriedade privada de outra maneira mutila-a como instituição, e a faz fenecer no espírito do povo e na realidade da vida econômica.
É precisamente assim que age o governo Frei. Como o leitor verá, o espírito democrata-cristão que norteia o atual governo chileno, e a atuação que êste último vem desenvolvendo, tendem a impor ao instituto da propriedade privada, por tempo indeterminado, restrições cuja necessidade social não está de nenhum modo demonstrada, e que são até lesivas ao interesse público. E isto de tal forma que, ao cabo de alguns anos desse sistema, o Chile se terá cubanizado. É que o conceito demo-cristão chileno de desenvolvimento parece considerar como meta última não a prosperidade nem a tutela de todos os direitos, mas a igualdade entre todos os homens...
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E vem agora mais uma consideração preliminar. É sobre o problema da igualdade entre os homens.
Professo a doutrina católica sobre a matéria. Todos os homens são fundamentalmente iguais por natureza. E também o são na ordem sobrenatural enquanto remidos por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Entretanto, esta igualdade fundamental não exclui, na ordem natural, uma enorme diferença de predicados morais, intelectuais, físicos, etc.
Nestas diferenças acidentais se fundam as legítimas desigualdades de patrimônio, condição social, educação, e outras. Esta imensa desigualdade dos homens na ordem acidental é um bem, e concorre para a vantagem de todos, grandes e pequenos. Ela existe também na ordem sobrenatural e constitui na outra vida um dos mais belos adornos da Corte celeste.
Tal desigualdade só é um mal quando priva os que são menos das condições de existência morais e materiais a que todos os homens têm igual direito.
Para o autor, o fim do desenvolvimento não é, pois, uma igualdade completa entre os homens, mas uma desigualdade harmônica de indivíduos, famílias e classes, no escrupuloso respeito aos direitos naturais de todos.
Um tal regime permite a cada classe ir melhorando gradualmente suas condições de existência. E proporciona às pessoas ou às famílias de uma capacidade ou de uma perseverança relevante, a possibilidade de ascender rápida ou paulatinamente na hierarquia social. Pelo que, de nenhum modo se confunde com o regime de castas.
INTRODUÇÃO
O Chile é uma terra provada e, ao mesmo tempo, abençoada por Deus.
As inúmeras guerras e questões fronteiriças ocorridas ao longo de sua história deram como resultado a geografia estranha de um país estreito e longo, espremido entre a cordilheira e o mar.
O chamado Chile continental ocupa uma área de 800 mil quilômetros quadrados, com aproximadamente oito milhões e meio de habitantes. Seus 200 quilômetros de largura média, seus 4 mil quilômetros de comprimento, que se estendem através de regiões de altitudes e características variadíssimas, transformam-no em um país de contrastes. Lá existe a seca e a excessiva umidade, a fertilidade e o deserto, o frio rigoroso e o calor ardente. Terremotos e maremotos frequentes completam este quadro.
Com um clima em geral temperado, o Chile se salienta pelas suas belezas naturais. O estranho e majestoso Pacífico — tão diferente, não sei em que, do nosso Atlântico — que por centenas de quilômetros banha suas costas, a cordilheira altaneira e insondável, os vales centrais cultivados magnificamente, que fazem lembrar as mais civilizadas paisagens europeias, os lagos fantásticos do Sul — lagos de contos de fada — os vulcões misteriosos, alguns dos quais fumegam perenemente, o gelo eterno, os icebergs, o enigmático Estreito de Magalhães, tudo isto faz lembrar a transcendental grandeza de Deus que paira por cima dos cataclismos tão frequentes que lá embaixo assolam o território andino.
A Cordilheira árida e gelada, inóspita e legendária, é uma provação para o Chile. É inaproveitável e inexpugnável. Para contrabalançar esta provação, a Providência deu a esse país vales fertilíssimos na zona central, que receberam por séculos a aluvião benfazeja descida dos contrafortes dos Andes. Mas — e surge aí outra prova — estes vales extremamente férteis são secos e necessitam absolutamente de irrigação. Chove apenas quatro meses por ano nessa zona. Ao contrário, no Sul a chuva é abundante, é demasiada. Aqui, as terras, fracas, mas ótimas para a pecuária e para certa agricultura, são excessivamente úmidas. E o Norte é ocupado, em parte, por desertos.
A inteligência, o senso prático, o espírito empreendedor do homem chileno conseguiram realizar magnificamente obras faraônicas como a irrigação dos vales centrais, o domínio de zonas difíceis e a proeza de transpor a Cordilheira.
Fatores tão adversos como os que apontamos deram ao povo que lá se formou acentuada capacidade para a luta, tranquilidade no enfrentar as adversidades e a ideia de que a provação é normal na vida. Desenvolveram-se assim, sob o sol do Novo Mundo, virtudes que o colonizador espanhol já trazia consigo.
Sete séculos de árdua luta pela retomada do solo ibérico aos muçulmanos formaram no povo espanhol uma decidida firmeza de princípios e uma invejável constância. Esse valioso patrimônio moral, adquirido de geração em geração, a Espanha não o guardou dentro das suas fronteiras.
Mal terminava a Reconquista, quando o grande genovês entrega aos Reis Católicos terras muito mais vastas. Nelas a Espanha prosseguiu sua cruzada. Longas lutas, penosos trabalhos, duras provações — nada conseguiu abalar o ânimo do colonizador espanhol e católico. A região agreste e difícil que veio a receber o nome de Chile era um estímulo para a sua tenacidade. E ele conseguiu formar ali uma civilização autêntica, com uma aristocracia culta e refinada, de nítida influência europeia, profundamente católica. As classes mais altas, ligadas às melhores famílias espanholas e hispano-americanas, souberam fazer para si uma adaptação feliz da cultura cristã europeia. E todo o Chile se beneficiou dessa destilação cultural.
O povo chileno se manteve por séculos fiel à tradição católica.
Mas a astúcia da Serpente conseguiu elaborar um método para conduzir o país ao comunismo. E o povo valoroso que enfrentou com galhardia terremotos e maremotos começa agora a sucumbir diante das tramas de uma revolução marxista.
Os homens arregimentados no Partido Comunista chileno, que tomaram a peito levar o Chile ao marxismo, e por esse meio deteriorá-lo, iniciaram uma agitação franca e declarada. Pouco resultado obtiveram. Exultaram, no entanto, quando lá se formou um partido destinado a introduzir, por um processo sorrateiro, os mesmos princípios que os marxistas tout court não haviam conseguido fazer vingar às claras. Seu nome inclui a chave para vencer todas as naturais barreiras do povo chileno contra o comunismo: o nome "cristão". Denominou-se Partido Democrata-Cristão.
E assim vai avançando a REVOLUÇÃO CHILENA. Suscitada por idéias de âmbito internacional, difundida por técnicos e teóricos ditos católico-socialistas, e abençoada por um certo Clero progressista.
No presente trabalho, o que se deseja é mostrar como nasceu, como cresceu, como se desenvolve hoje, e qual o desfecho a que pretende chegar o processo chamado REVOLUÇÃO CHILENA.
I — A HISTÓRIA DA DEMOCRACIA-CRISTÃ CHILENA
Para que se compreendam melhor os acontecimentos que se desenrolam no Chile, faremos um breve relato da origem das diversas correntes partidárias do país.
A — O nascimento dos partidos políticos
Os primeiros esboços de partidos políticos com tendência definida e estável ocorrem nos albores da república, mais precisamente com a queda da ditadura do General Bernardo O'Higgins (1823). O poder se organiza como tal só em 1830, com a ascensão do General Dom Joaquín Prieto à chefia do Estado.
Nesse ambiente sobressaem duas correntes: a dos pelucones, formada pela antiga aristocracia castelhano-basca, de forte tendência religiosa e sentido tradicionalista, que logo gerou o Partido Conservador; e a dos pipiolos, que, embora em sua grande maioria pertencessem também à aristocracia, encontravam-se profundamente embebidos das ideias enciclopedistas e revolucionárias chegadas da França em fins do século XVIII e início do século XIX. Estes vieram a constituir mais tarde o Partido Liberal.
Em 1830 se consolidou definitivamente no poder o General conservador Dom Joaquín Prieto, tendo como seu principal Ministro Dom Diego Portales.
Podemos dizer que, desde esse momento, o Chile inicia sua vida como nação politicamente organizada, com um sistema jurídico, institucional e político definido.
O regime conservador não se fundamentou em grandes declarações de princípios. Foi principalmente uma observação cuidadosa da realidade que o levou a criar um governo forte, mas não opressor; organizado, mas não burocrático.
Todavia, enquanto esse tipo de governo procurava levar o país ao desenvolvimento, ignorava ou não queria ver os fortes ventos revolucionários que agitavam os meios intelectuais, e em especial a juventude, entusiasmada com os movimentos sociais que abalavam toda a Europa.
Em 1857 produz-se a primeira divisão das forças conservadoras.
A partir dessa divisão, o governo cairá progressivamente em mãos da ala liberal avançada. A juventude desorientada toma em suas mãos os destinos da nação.
O Partido Conservador inicia, nessa época, um ciclo histórico de defesa heroica dos princípios católicos. Seu horizonte é o da proteção da Igreja e de seu patrimônio espiritual, precisamente durante o apogeu do laicismo, quando as forças liberais, embriagadas de poder, pretendiam fazer tábula rasa da causa católica e das ideias tradicionalistas.
Essa luta, que começou antes de 1860, prolongou-se na História até nosso século. Foi a luta que imprimiu na causa conservadora seu mais profundo sentido religioso. O conservadorismo chileno fez sua a causa da Igreja; seu objetivo era implantar a doutrina católica no campo temporal.
Em 1879, quando essas pugnas político-religiosas estavam em seu ponto culminante, estoura repentinamente a Guerra do Pacifico, em que se defrontam as forças chilenas e as da aliança Peru-Bolívia. Disso decorreu naturalmente um abrandamento nos conflitos internos.
Antes que as tropas vitoriosas regressassem, foi eleito Presidente da República Dom Domingo Santa Maria (1881), anticlerical notório, ativo militante do Partido Liberal, produzindo-se como consequência o agudo recrudescimento das lutas religiosas. Fácil e breve resultou para Santa Maria a aprovação de todas as reformas anticatólicas, em torno das quais se vinha lutando durante longo tempo. As leis promulgadas pela ação ditatorial do governo previam a exclusão absoluta da Igreja em matérias tais como a celebração do matrimônio, o registro de nascimentos, as cerimônias fúnebres, etc.
Anos mais tarde, em 1891, deflagra no Chile uma sangrenta guerra civil, na qual é derrubado o então Presidente José M. Balmaceda, liberal. Sua queda não trouxe maiores mudanças de sentido ideológico, pois o governo que se seguiu fundava-se em princípios semelhantes aos do deposto.
Daí em diante o Partido Conservador volta ao poder em repetidas ocasiões. Embora seus princípios não tivessem variado, seu espírito de luta já não era o mesmo. Já dentro dele germinavam idéias revolucionárias.
Por volta de 1938, a Juventude Conservadora, que se fazia chamar Falange Nacional, foi expulsa do Partido por não ter apoiado o candidato conservador à Presidência da República. A forte influência e doutrinação constante desenvolvidas dentro da Falange Nacional pelos eclesiásticos avançados começavam a pesar. As idéias maritainistas e as reivindicações sociais com laivos de luta de classes transformavam-se em bandeiras desses jovens. Uma das razões pelas quais foram eles expulsos do Partido foi que se mostravam já socialistas.
Posteriormente, em 1948, produz-se uma nova divisão, iniciada por um grupo conservador chamado social-cristão. Parte desse grupo voltou depois a integrar-se no Partido Conservador, e o resto se uniu à Falange Nacional para formar o Partido Demócrata-Cristiano.
Para completar a resenha, devemos acrescentar que no ano de 1865 nasceu o Partido Radical, de linha nitidamente maçônica, e encarnação do espírito anti-religioso. Sua vida, vacilante inicialmente, adquire força a partir de 1925.
Por último, no ano de 1912 nasce o primeiro esboço de partido comunista, com o nome de Partido Obrero Socialista, para posteriormente, em 1922, aderir definitivamente à Terceira Internacional Comunista. Em 1948 foi dissolvido pela Ley de Defensa Permanente de la Democracia, e só pôde reintegrar-se na vida política após a derrogação de dita lei, obtida em 1958 graças à ação solícita do Partido Democrata-Cristão.
Aqui temos uma breve história dos principais partidos chilenos. Para os objetivos deste trabalho são dispensáveis as referências aos outros, de menor vulto.
Quanto à orientação política deles em relação à temática direita-esquerda, ou marxismo-antimarxismo, poderíamos fazer a seguinte gradação, a partir dos mais antimarxistas:
Partido Conservador e Partido Liberal
Partido Radical
Partido Democrata-Cristão
Partido Socialista
Partido Comunista.
Os dois primeiros poderiam ser chamados — cada qual a seu modo — partidos de direita. O Radical seria de centro. Os três últimos são esquerdistas. Recentemente o Partido Conservador e o Liberal se uniram em uma nova agremiação de oposição ao governo, o Partido Nacional.
B — A ascensão da Democracia-Cristã e o falso dilema Allende-Frei
Após ter visto brevemente a história e a posição hodierna dos diversos partidos existentes no Chile, vejamos alguns dados que favorecem a compreensão do que se passou com a atual Democracia-Cristã, analisando sua ascensão progressiva.
Para isto é necessário voltarmos a seu nascedouro, descrever algumas etapas de sua história e, por fim, tratar do que poderíamos chamar de falso dilema Allende-Frei fórmula hábil que se conseguiu para levar este último à Presidência da República.
Como vimos, a Democracia-Cristã nasceu do Partido Conservador.
Este, apresentando-se oficialmente como o partido dos católicos, acolheu em seu seio, lá pela década de 30, os jovens católicos da ANEC (Asociación Nacional de Estudiantes Católicos). Preocupados com problemas teológicos, filosóficos e sociais, congregavam-se nas famosas reuniones de los lunes quase todos os homens da equipe do atual governo. Aí nasceu a heresia dentro do Partido Conservador. Começaram a sentir a política de maneira diferente, deixaram-se influenciar pelas idéias novas que chegavam da Europa. Aí imaginaram descobrir um novo pensamento nas Encíclicas e nos Evangelhos.
Pouco tempo foi necessário para que a Juventude Conservadora começasse a se revoltar contra o Partido. Um dos líderes novos, Ricardo Boizard, dizia então: "Nosso grito, no sentido elevado da palavra, não é de paz nem de concórdia. Pelo contrário, é um grito de revanche".
Era o ódio que começava a surgir e a se arrogar direito de cidadania, pretendendo apoiar-se na doutrina do Evangelho. O tradicional e secular Partido Conservador era desafiado por jovens que mal haviam dado os primeiros passos na política. Os veteranos da agremiação não quiseram, de início, expulsar os mais novos. Comenta-se que o líder marxista Allende chegou mesmo a perguntar a estes últimos, da tribuna da Câmara dos Deputados, por que não se retiravam do Partido Conservador, pois já eram tão avançados quanto eles, marxistas.
Funda-se depois a Falange Nacional — que se apresenta às eleições de 1937 — constituída pelos meninos rebeldes. Sua insígnia era uma flecha vermelha atravessando duas barras horizontais, a significar a revolução — a flecha vermelha — vencendo as barreiras dos extremistas da esquerda e da direita, simbolizadas pelas duas barras. Declaram-se posteriormente partido de fato e de direito.
Em 1957 a Falange Nacional se une a um outro ramo herético do Partido Conservador, o Partido Conservador Social Cristiano. E os dois unidos passam a se chamar Partido Demócrata-Cristiano.
O PDC cresceu ràpidamente. Seus principais líderes — Tomic, Frei, Leighton, Gumucio e outros — já eram políticos conhecidos quando ele surgiu.
Entram na linha da Revolução pura e simples. Defendem a luta de classes e a mudança de estruturas. Fazem elogios velados a Marx. Exploram a fundo o apoio de um forte setor clerical que lhes bendiz a trajetória política malsã.
Essa trajetória dos democratas-cristãos da primeira hora é extremamente rápida. Muitos conquistam logo cadeiras na Câmara e no Senado. Em 1958 apresentam Frei como candidato à Presidência da República, que ele perde para Alessandri. Foi, no entanto, uma derrota prestigiosa.
Nas eleições de 1964 são três os candidatos à Presidência da República:
— Julio Duran, do Partido Radical, que é apoiado inicialmente, em forma oficial, pelos conservadores e liberais. É antiesquerdista, mas seu êxito nas urnas é improvável.
— Eduardo Frei, democrata-cristão (escolhido como candidato em lugar de Tomic porque êste, considerado por alguns como o mais importante homem da DC, era extremamente avançado). Frei é esquerdista, com grandes possibilidades de sair vitorioso.
— Salvador Allende, que fará as vezes de espantalho, é apresentado pela FRAP (liga que agrupa o Partido Comunista, o Socialista e outros grupos esquerdistas menores). Declara-se maçon e marxista. Suas possibilidades de vitória também são consideráveis.
O terror de ver o Chile conduzido rapidamente para o marxismo pelo espantalho Allende fez com que os Partidos Conservador e Liberal deixassem de apoiar Duran, que tinha pouca força eleitoral, e entrassem totalmente na campanha a favor do candidato demo-cristão.
Em 4 de setembro de 1964 Eduardo Frei Montalva foi eleito com larga maioria. De dois milhões e meio de eleitores, teve quase um milhão e quinhentos mil votos.
Os conservadores ficaram satisfeitos, porque se reputavam salvos do marxismo. Frei assumiu o poder e fez em pouco tempo o que Allende levaria muitos anos para fazer. Hoje, muitos se perguntam se a vitória de Allende não teria sido mal menor. Conseguiria ele o apoio de certas correntes centristas, que Frei conseguiu para fazer exatamente aquilo que os conservadores não queriam que fosse feito?
A alternativa Frei-Allende foi um falso dilema habilmente criado, que trouxe como consequência o apoio eleitoral de numerosos direitistas ao marxismo velado da DC.
Vimos, aqui, como foi rápida a ascensão do esquerdismo e da Democracia-Cristã. A título ilustrativo, seria útil considerar como foi também rápida a decadência eleitoral da direita no Chile. Para isto, é significativo registrar o número de deputados feitos pelos dois partidos direitistas nas eleições correspondentes aos últimos períodos presidenciais. Apresentamos a relação abaixo (segundo os dados de que dispomos):
Eleição de 1957: período Ibañes | Eleição de 1961: período Alessandri | Eleição de 1965: período Frei | |
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Partido Conservador | 28 | 18 | 3 |
Partido Liberal | 32 | 26 | 6 |
O Presidente Alessandri foi eleito em 1958 pela coalizão dos dois partidos, que era considerada, na época, a primeira força política do país.
C — A Falange, predecessora da DC, foi sempre esquerdista; as censuras públicas feitas pelo então Cardeal de Santiago
Seria interessante salientar que a Falange Nacional e os atuais homens da primeira linha da Democracia-Cristã sempre foram esquerdistas e nunca procuraram esconder isto, embora sempre apresentassem seu esquerdismo sob a capa de Cristianismo. Já no seu nascedouro, desde seus primórdios, a Falange mostrou-se simpática às posições marxistas. Disto resultou, como veremos, mais de uma censura pública feita pela Autoridade Eclesiástica.
Por volta de 1938 — já o dissemos — a Falange foi expulsa do Partido Conservador, por causa de divergências doutrinárias. Já era socialista. Suas tomadas de atitude públicas claramente marxistas surgiram um pouco depois.
Em 1945 fez um pacto eleitoral com o Partido Comunista. Foi, também, favorável à formação da CUT — Central Única de Trabajadores, de finalidade totalmente subversiva e marxista.
Em 10 de dezembro de 1947, o então Arcebispo de Santiago, Cardeal José Maria Caro, para prevenir seus fiéis contra o esquerdismo da Falange, publica uma censura em documento oficial que teve enorme repercussão, mas que não foi ouvido por aqueles a quem visava. Nesse documento o Purpurado censurava os falangistas, atuais pedecistas, por serem favoráveis ao reatamento das relações com a Rússia soviética, por terem admiração por esta e pelo comunismo, por não serem suficientemente anticomunistas.
O fato mais escandaloso talvez da história da organização precursora da DC foi o ter ela sido a maior responsável pela revogação da Ley de Defensa de la Democracia. Esta lei anticomunista, que tornava o PC ilegal, foi votada em 1948 com o apoio de quase todos os setores políticos, entre os quais, evidentemente, não se encontrava, além do próprio PC, a Falange. Não contente de se opor à lei antes de votada, passou o falangismo, posteriormente, a reunir forças para revogá-la. E, em 1958, os atuais democratas-cristãos conseguiram formar um bloco parlamentar que tinha como um de seus principais objetivos a abrogação da lei. E a conseguiram.
Nessa ocasião o Cardeal Caro, Arcebispo de Santiago, fez uma nova declaração pública na qual recordava as normas fixadas pelo Santo Ofício sobre as relações com o comunismo. E o Secretário do Arcebispado publicou um documento no qual anunciava que ficariam privados dos Sacramentos os que favorecessem a derrogação da lei. Mas nada pôde impedir que os democratas-cristãos, talvez apoiados na opinião de outros eclesiásticos, votassem nesse sentido.
Hoje o Partido Comunista do Chile é legal, e seus membros têm direito de cidadania para conspirar contra a pátria e a civilização cristã, graças aos ingentes esforços dos cristianíssimos membros do Partido Democrata-Cristão.
Os homens da Falange continuaram, apesar dessa censura pública, a caminhar na mesma trilha revolucionária. Numa época em que o Chile não tinha relações diplomáticas com a URSS, passaram a defender o reatamento delas. Quando subiu ao poder na Guatemala o governo pró-comunista de Jacobo Arbenz, a Falange foi sua grande defensora no Chile. Quando esse governo foi deposto, organizou-se uma marcha de protesto em Santiago, encabeçada pelo Sr. Eduardo Frei e pelo Sr. Juan de Dios Carmona (atual Ministro da Defesa). Se tivessem escutado a voz de seu Pastor, não teriam possivelmente chegado os democratas-cristãos de hoje aos tristes absurdos a que chegaram.
II — FUNDAMENTOS DA REVOLUÇÃO CHILENA
A Revolução, com "R" maiúsculo, na terminologia empregada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no ensaio "Revolução e Contra-Revolução" ( Boa Imprensa Ltda., Campos, 1959), é o conjunto de crises por que vem passando, há cinco séculos, o