(continuação)
informado de que chegou a justificar a limitação da natalidade por quaisquer meios. Não é de se estranhar, pois que no n.° 132, artigo "Signos del Tiempo" (pp. 429 e ss.), o diretor, Pe. Hernán Larraín, S.J., sustenta que os católicos não se devem opor a uma lei de divórcio "séria e severa", que não "fomente a desintegração da família" e não "atente contra o bem comum". S. Revma. não hesita mesmo em admitir que, em certos casos, o divórcio favorece o bem comum.
O Centro Belarmino, o DESAL e a revista "Mensaje" são os meios que certos Padres Jesuítas encontraram para uma penetração doutrinária e técnica de sentido profundamente esquerdista, nos círculos políticos e intelectuais, e na opinião pública. Os três são, no fundo, uma coisa só.
• 4 — O PROGRESSISMO NO CLERO E ENTRE OS SEMINARISTAS
O leitor poderia pensar que o autor destas notas tem algum preconceito contra os filhos de Santo Inácio. E que ele simplifica o problema ao carregar sobre Jesuítas do Chile tão grande responsabilidade pelos desvios doutrinários apontados. É com dor no coração que sou obrigado a fazer essas referências a filhos da Companhia de Jesus, a qual muito devo. Como ex-aluno dela, lamento muitíssimo ter que descrever o que constatei.
Na realidade, a doutrinação dos Jesuítas de esquerda encontra eco em uma larga faixa do Clero chileno. Muitíssimos Sacerdotes se deixam influenciar por ela e a endossam. E, infelizmente, até autoridades eclesiásticas de prestígio manifestam de quando em vez apoio às soluções progressistas dadas a certos problemas.
Papel relevante na Revolução Chilena desempenham diversos Seminários que, penetrados pelas ideias de esquerda, estão infelizmente formando uma massa de seminaristas que auxiliam de maneira pública e notória a ação comunizante do governo.
Com certa frequência esses jovens recebem licença para sair dos Seminários a fim de fazer agitação entre os camponeses de certas regiões. É notório, especialmente no Vale do Curacavi, que a revolta dos trabalhadores da terra foi em geral iniciada por organismos de agitação auxiliados pelos seminaristas. Em todo o Chile se sabe que alunos de Seminários prestam eficaz concurso às agitações preparadas artificialmente pelo Ministério do Interior. Quando tratarmos das agitações camponesas veremos isso claramente.
C - O papel dos tecnocratas
Estabelecida a base teológico-sociológica, uma série de técnicos competentes, preparados, hábeis e inteligentes aplica os princípios revolucionários à prática. Muitos são chilenos. Outros são importados para auxiliar o governo. Entre estes, alguns são exilados brasileiros, atualmente com os direitos políticos cassados.
Tais técnicos são prévia e intensamente doutrinados, sabem doutrinar e têm grande habilidade em aproveitar os mínimos pormenores da realidade para daí tirar ou forjar vantagem para seus interesses revolucionários. Em geral, baseados em estatísticas certas ou duvidosas, eles trabalham visando um objetivo único, muito bem coordenados. Em todos os setores, todos querem o mesmo.
As seguintes metas econômicas e sociais servem de fundo de quadro para a atividade desses tecnocratas: o "aumento da produção", o "desenvolvimento econômico", e a "integração" ou "promoção popular". Mas, essas metas são apenas pretextos. Prova disto são as conhecidas declarações que um técnico mexicano de reforma agrária fez recentemente em Valparaíso. Afirmou que, embora ele mesmo e seus colegas falem de aumento da produção, o que desejam, na realidade, não é isto. Desejam, por meio da reforma agrária, apenas transferir as terras para outros donos. Falam em aumento da produção, mas o que querem é, primordialmente, substituir uma classe social por outra, na propriedade da terra.
A presença em Santiago dos escritórios centrais da CEPAL auxilia muito os tecnocratas chilenos em sua obra revolucionária.
Como ninguém ignora, esse órgão da ONU está dominado por esquerdistas avançados, muitos dos quais são claramente marxistas. Ele exerce uma influência nefasta no Chile. Publica estudos, dados e estatísticas — falsos ou duvidosos — que o chileno médio tem escrúpulo em não aceitar como verdadeiros. O Senador Pedro Ibáñez mostrou, em discurso no Senado, que os dados da CEPAL sobre o Chile são falsos. O discurso não foi refutado, mas os dados continuam a ser apresentados como verdadeiros.
Baseados em estudos econômicos discutíveis, e atribuindo todos os males do país a defeitos de estrutura, os tecnocratas da DC querem "destruir tudo e começar tudo do zero".
Fundados em dados duvidosos, querem destruir direitos adquiridos, líquidos e certos. Para que? Para solucionar um problema que em certa medida existe, mas que eles exageram, e querem resolver com açodamento e demagogia.
Vejamos agora o que estes técnicos, sustentados pela Democracia-Cristã, assistidos pelos Sacerdotes-sociólogos e financiados pelo governo, fazem de concreto no Chile.
III - A POLITICA DO GOVERNO EDUARDO FREI
O governo Frei não é um governo como outro qualquer: é diferente. Subiu com uma auréola de idealismo e de esperança nova, até então desconhecida. E procurou aplicar uma política una, voltada em todos os setores para um mesmo fim.
Poucos governos conseguiram ordenar toda sua burocracia, todos os recursos do poder, para a consecução de fins tão unissonamente colimados. Os Ministérios, os órgãos públicos, os funcionários, todos trabalham para uma mesma política, estudada em seus mínimos pormenores.
A - A "Promoción Popular"
Para se entenderem os diversos setores da política do governo demo-cristão do Chile, é necessário examinar em primeiro lugar o organismo estatal criado para aplicar na prática os princípios da misteriosa "promoción popular", invenção — como vimos — do Centro Belarmino e assim batizada pelo Pe. Veckemans. O organismo tomou o mesmo nome mágico: chama-se igualmente Promoción Popular.
O organismo Promoción Popular está ligado diretamente à Presidência da República. Seu chefe, Sérgio Ossa, tem a posição de um Ministro de Estado. Consta que seus funcionários são os mais bem pagos do Chile.
Conforme a significação atribuída à expressão "promoción popular" no cap. II, item A, n.° 2, designa esta um processo constante de dois elementos: capacitação e organização. A primeira consiste em fazer o povo tomar consciência dos direitos e deveres de cada pessoa e das obrigações que todos têm que cumprir em comunidade.
A publicação intitulada "Aportes para un Programa de Promoción Popular" (editada por DESAL, 1966 — pp. 31 ss.) trata da capacitação, mostrando que é necessário dar aos marginalizados uma "educação fundamental e de líderes".
A "educação fundamental" (que "capacita o homem para descobrir-se na plenitude de seu ser e dignidade, e para atuar eficazmente nas relações primárias com o mundo do espírito e com o mundo material, de maneira que possa contribuir para o progresso de seu meio social" — definição, aliás, passavelmente confusa!) diz respeito ao cidadão "como pessoa", "como membro da família" e "como membro da comunidade". A "educação de lideres" (para "dirigentes e militantes" das organizações comunitárias que se quer formar) tem três aspectos: "formação pessoal" — do homem como "dirigente"; "formação geral" — como "membro de uma comunidade e cidadão do país"; e "formação geral" — como "membro de determinada organização".
Poder-se-ia perguntar que diferença há entre vários itens desses. Quanto a nós, não saberíamos responder. Paira uma não pequena confusão nas publicações sobre "promoción popular". Confusão irremovível que tornou difícil a própria redação do presente capítulo.
Para a efetivação da "promoción popular" foi criado o organismo com status de Ministério, a Promoción Popular, ao qual está subordinada uma série de órgãos inferiores, aparentemente não relacionados com ele, com fins semelhantes aos seus e agindo todos em conjunto. Promoción Popular tem uma existência de fato. Uma lei ora em tramitação no Parlamento, se aprovada, dar-lhe-á caráter legal.
Entre esses organismos salientamos:
a) Juntas de Vecinos ("Juntas de Munícipes"). Vários quarteirões se unem para formar um novo grupo social. São verdadeiros municípios dentro do município, muito embora sejam independentes das municipalidades; segundo declarações de alguns entusiastas, tender-se-ia mesmo à eliminação das municipalidades. Segundo consta, já estariam constituídas mais de mil Juntas de Vecinos.
b) Organizações comunitárias: Centros de Madres (já existiriam 3 mil), Centros Juveniles, Clubes Deportivos, Centros Culturales y Artísticos, Centros de Padres y Apoderados, etc.
c) Organizações sindicais: especialmente no setor agrícola procura-se formar sindicatos, agrupações "comunales" e federações. Existem associações aparentemente distintas entre si, mas muito ligadas ao governo e à Igreja, que promovem a sindicalização rural. E as mesmas associações fomentam agitação entre os camponeses. Entre estas citamos: UCC — Unión de Campesinos Cristianos; ANOC — Asociación Nacional de Obreros Campesinos; MCI — Movimiento Campesino Independiente; Federación Campesina Indígena de Chile (é marxista e pertence à FRAP). Até a data da redação do presente trabalho, comentava-se em círculos bem informados que já haviam sido constituídos 500 sindicatos agrícolas, com existência de fato mas não de direito, por não estar prevista em lei.
d) CONCI — Comando Nacional contra la Inflación: sua finalidade é arregimentar o povo para que êste se incorpore realmente ao processo econômico. Organiza comandos de consumidores para controlar os preços e as cooperativas de consumo.
e) Outras organizações, relacionadas especialmente com a construção civil, como a Cooperativa de Autoconstrução de Moradias,
O organismo Promoción Popular está intimamente entrosado com os diversos setores governamentais, para coordenar a ação das entidades que vimos de mencionar. Todos os Ministérios colaboram com ele. Por exemplo, o Ministério do Interior controla veladamente as organizações sindicais agrícolas, coordena e põe em prática planos de greves e lhes garante proteção policial.
Outros órgãos do governo também colaboram com a Promoción Popular. Por exemplo, o INDAP — Instituto de Desarollo Agropecuário. Possui "promotores" capacitados que percorrem os campos explicando os direitos dos camponeses.
Algumas novas leis em andamento no Congresso interessam especialmente à Promoción Popular: a Ley de Juntas de Vecinos y Organizaciones Comunitarias, que a transformará em Ministério; a Ley de Sindicalización Campesina, que legalizará uma situação de fato; e outras mais.
A Ley de Junta de Vecinos, à qual o governo empresta enorme importância, tem por fim, segundo declarações oficiais, dar um estatuto jurídico às chamadas "organizações comunitárias" (Centros de Madres, etc.) e às próprias Juntas de Vecinos. Atribui a estas últimas uma estrutura de progressiva amplitude, para culminar em uma Confederación Nacional de Juntas de Vecinos.
As Juntas serão supervisionadas pelo Ministério do Interior (Ministério político).
O projeto define-se como "organizações comunitárias territoriais representativas das pessoas que vivem em uma mesma unidad vecinal", e esta é... o "território jurisdicional de uma Junta de Vecinos". A unidad vecinal deve corresponder a uma pequena aglomeração populacional em que convivem os vecinos. O Presidente da República fixará em regulamento o número mínimo e máximo de habitantes de cada unidade, atendendo às características particulares da região e às necessidades de planificação social.
As atribuições das Juntas são amplas: regularizar títulos de domínio, preparar plano anual de obras públicas, promover o espírito de solidariedade entre seus membros, formar cooperativas, colaborar na fiscalização dos preços, na distribuição e venda de artigos de primeira necessidade e de uso e consumo habituais. Podem as Juntas fiscalizar a prestação de serviços de utilidade pública, e, se estes forem mal executados, é-lhes permitido solicitar a aplicação das sanções cabíveis.
Cabe perguntar se o que se visa com estes órgãos intermediários entre o indivíduo e o Estado não é criar um sistema odioso de domínio dos cidadãos por meio da delação e do controle policial. Uma publicação editada em espanhol pelo governo da Alemanha Ocidental ("Boletín semanal de asuntos alemanes publicado por el Departamento de Prensa y Información del Gobierno Federal alemán" — Bonn, número de 10 de fevereiro de 1966) informa da existência, na Alemanha comunista, de um organismo que, na tradução feita pelo boletim, chama-se Comunidad de Vecinos. Este órgão, entre outras funções, tem a de controlar os passos dos cidadãos. Quem na Alemanha Oriental permanecer mais de três dias em uma casa deverá ter seu nome registrado em livro competente, denominado "Livro Domiciliar". O não cumprimento dessa obrigação será punido com multa. Não será que algo parecido se deseja fazer no Chile com as Juntas de Vecinos, as quais, talvez por mera coincidência, têm um nome tão semelhante ao da Comunidad de Vecinos da Alemanha comunista?
Se bem que o projeto em andamento no Congresso chileno preveja receita própria para as Juntas (doações, rifas, etc.), o grosso dos recursos desses órgãos são financiamentos oficiais, o que os reduz à dependência do governo.
As Juntas e demais organizações reconhecidas da comuna podem constituir-se em Cabildo Comunal, que terá por objetivo — nos termos do art. 62 do projeto — expressar sua "vontade soberana". Esse Cabildo pode ser convocado pelo alcalde (prefeito), por acordo dos regidores (vereadores), ou a pedido da Unión Comunal de la Junta de Vecinos, e só poderá ocupar-se das matérias incluídas na convocatoria.
É um novo poder popular que nascerá, na dependência do Ministério do Interior e da Presidência da República, passando por cima dos poderes constituídos locais. Algo de parecido com os Clubs Jacobinos que representaram na França revolucionária, em todas as cidades, um governo extralegal que se sobrepôs virtualmente aos organismos locais e desencadeou o Terror.
Em estreita relação com isto se encontra a Consejería de Promoción Popular, diretamente subordinada ao Presidente da República. Entre os poderes amplíssimos que a esta devem caber, está o de participar da política de desenvolvimento social do país, no sentido de favorecer a incorporação de todos os setores da população à plenitude da vida política, econômica, social e cultural. E pretende-se mesmo facultar-lhe propor a criação ou reforma de estruturas e instituições, com o objetivo de permitir, em todos os níveis, a efetiva participação de todos os setores do povo na gestão, decisão e execução da política econômica, social e cultural do país.
Pode a Consejería de Promoción Popular propor demandas e tomar parte em processos em que tenham interesse as organizações populares. Seu estatuto jurídico será o de uma instituição autônoma do Estado, pessoa jurídica de direito público, com patrimônio distinto da Fazenda Nacional, integrada na administração descentralizada, e com relações diretas com o governo, através do Presidente da República.
É esta uma organização feita, em tese, para não atuar em política. Mas, na realidade, atuará enormemente. As Juntas de Vecinos que existem hoje (embora ainda não previstas por lei) já têm tido clara atuação política. Na chegada de Frei da viagem a Bogotá, Caracas e Lima, por exemplo, promoveram elas uma grande concentração no Palácio presidencial de La Moneda. Durante quinze dias todos os funcionários da Promoción Popular se dedicaram a preparar a recepção de Frei. Nessa concentração, a que assisti pessoalmente, apareceram desde crianças de colo até anciãos apoiados a bengalas. Enquanto os líderes democratas-cristãos se dirigiam à massa, esta berrava frenèticamente, somando ameaças a reivindicações, reclamando a aprovação da Ley de Juntas de Vecinos. Para uma pessoa menos avisada, seria difícil entender que misterioso fascínio existe em um projeto de lei que o povo inculto parecia desejar ardentemente, a ponto de exigir sua aprovação, e que, entretanto, é tão extenso e complexo que, sem sério estudo, não pode ser devidamente entendido pelos próprios técnicos. É a prova da demagogia.
Sob a aparência de reerguimento de uma classe marginal, o que se está fazendo é uma politização de índole revoltada, ameaçadora, reivindicatória, que será manejada pelos líderes da esquerda. E assim, constituída a massa populacional em organismo paralelo ao Estado, conseguir-se-á, na realidade, formar um quarto poder.
Nenhuma potência econômica, nenhum político, nenhum governo conseguirá dominar órgãos populares aos quais se atribui "vontade soberana" e se sujeita inteiramente à demagogia.
Para onde se quer levar este pacífico povo chileno? Quer-se levá-lo para uma ditadura popular que arrase as elites e os líderes atuais, fazendo nascer assim uma República Popular ou uma República Sindicalista, inteiramente igualitária e sem classes.
B - A reforma agrária e a reforma constitucional relativa ao direito de propriedade
Depois de se entender o conceito de promoción popular e a função do organismo Promoción Popular, é mais fácil compreender o programa reformista do atual governo chileno.
Havendo no Chile, no modo de ver dos revolucionários de lá, uma pequena minoria de "herodianos" (os proprietários) que dominam e exploram uma massa enorme de seus concidadãos, é indispensável despojar aqueles de seus bens e derrubá-los do poder, tudo em benefício dos outros.
Assim sendo, em primeiro lugar se deve pensar em reforma agrária.
O Chile possui — como dissemos — um território difícil de ser explorado. Apenas uma pequena parte do território continental pode ser aproveitada para agricultura e pecuária, e é mínima a porcentagem de terra arável.
Mas, a técnica agrícola acha-se altamente desenvolvida no país. O índice de mecanização, embora não tenha atingido o ponto considerado ideal, é bem elevado em comparação com o de outras nações da América Latina.
| TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE CRESCIMENTO | ||
|---|---|---|
| (PERIODO: 1950-1960) | ||
| Instituto de Economia | Depto. Econ. Agrária | |
| Produção agrícola | 3,57% | 4,7% |
| Produção pecuária | 0,68% | 0,5% |
| Produção agropecuária | 2,29% | 2,7% |
| População total | 2,71% | 2,6% |
| Fontes — Instituto de Economia da Universidade do Chile: "La economia en el período 1950 al 1963" — 1963. — Departamento de Economia Agrária do Ministério da Agricultura: "La agricultura chilena en el quinquenio 1956-1960" — 1963. |
||
Conforme o quadro que aqui apresentamos, proveniente de fontes conceituadas, no período que vai de 1950 a 1963 o aumento da produção agrícola foi muito superior ao aumento da população. Apenas o aumento da produção pecuária deixa a desejar, tendo sido menor que o crescimento populacional.
Entretanto, segundo uma das fontes citadas, o Inst. de Economia da Universidade do Chile, a produção pecuária havia crescido durante o decênio 1940-49 à taxa de 3,2%, a qual diminuiu depois. A crise pecuária parece ter surgido nas duas últimas décadas.
Estes dados parecem demonstrar que o que existe no Chile é principalmente um problema de baixa produção pecuária. E, para solucioná-lo, se deveria fazer em boa medida uma política de auxílio às grandes propriedades, as que melhor podem dedicar-se economicamente à pecuária.
Poderiam os agro-reformistas fanáticos alegar que o aumento da produção agropecuária nacional é ainda pequeno. Talvez tenham razão, comparando-o com o de outros países ditos desenvolvidos. Mas, mesmo que se admita que esse aumento é insatisfatório, pode-se só por isso desapropriar terras e extinguir a classe dos atuais proprietários, sem antes, dar a estes os incentivos que lhes têm faltado para uma maior produtividade?
No Brasil, por exemplo, o governo nascido do movimento de 31 de março de 1964 — o mesmo que fez a aliás malfadada lei de reforma agrária — deu algum estímulo e alguma facilidade de crédito à agricultura. Isto, aliado a certo clima de segurança e tranquilidade que esse governo criou, produziu um rápido e grande aumento da produção agrícola, que se fez notar logo em 1965, e continua muito satisfatório.
A verdade é que os agro-reformistas não desejam resolver problemas, mas apenas promover a subversão das estruturas.
Eles partem da ideia de que a pequena propriedade, especialmente a de tamanho familiar, é o ideal, é a panacéia para os problemas do campo, a única capaz de produzir. Na realidade, é sabido que os pequenos, os médios e os grandes imóveis rurais devem coexistir em uma boa estrutura agrária. A existência só de pequenas propriedades agravará o problema da produção. Muito facilmente, para evitar os males do latifúndio improdutivo, se criará o minifúndio igualmente improdutivo.
• 1 — A LEI ALESSANDRI DE REFORMA AGRÁRIA E O QUE FREI JÁ FEZ BASEADO NELA
No entender dos agro-reformistas chilenos, a única responsável pela baixa produtividade é a atual estrutura agrária (e os proprietários, evidentemente). Por isso, já no tempo do governo anterior, o movimento agro-reformista havia tomado corpo.
Na plataforma política de Jorge Alessandri em 1958, quando ele subiu ao poder com amplo apoio do povo chileno, um dos itens principais era não fazer reforma agrária. Mas a pressão foi demasiadamente intensa. Dizem que o próprio governo norte-americano pressionou Alessandri a fim de fazer votar uma lei nesse sentido. Comenta-se que, quando Stevenson esteve no Chile, nessa época, exigiu que se fizesse ali a reforma agrária, ao que, irritado pela insistência do político yankee, o Presidente chileno teria respondido: Se os Srs. querem que o meu governo roube terras dos particulares, desapropriaremos primeiramente as minas de cobre que os norte-americanos possuem no Chile. Mas, ainda no período de Jorge Alessandri foi votada pelo Congresso uma lei de reforma agrária, tida por moderada. Por essa lei poderiam ser desapropriadas apenas as terras abandonadas ou mal exploradas.
O governo criou então a Corporación de la Reforma Agraria — CORA, dirigida hoje pelo Sr. Rafael Moreno, político de orientação nitidamente esquerdista.
Ao lado da CORA existe o INDAP — Instituto de Desarrollo Agropecuario. Em tese é um órgão técnico. Seu responsável principal é hoje o Sr. Jacques Chonchol, homem legendário, uma das principais peças do regime. É democrata-cristão e marxista. Já vimos que foi UM DOS MAIS IMPORTANTES FAUTORES DA REFORMA AGRÁRIA CUBANA. Ele, aliás, não o nega. Quando o acusam disso, defende-se dizendo ter trabalhado apenas como técnico da FAO.
O INDAP — conforme mostraremos na parte em que tratarmos da agitação camponesa — em vez de ensinar técnicas agropecuárias prepara demagogicamente os trabalhadores rurais para fazerem reivindicações sociais e pedirem terra, salário, porcentagem, participações, etc. A CORA faz as desapropriações, divide as terras, instala nestas as novas famílias.
Até outubro de 1966, valendo-se unicamente da lei Alessandri, a CORA já havia desapropriado 232 imóveis rurais, segundo declarações do Sr. Rafael Moreno ("El Mercurio", de 8 de outubro de 1966), num total de 585 mil hectares. E isto foi feito em aproximadamente vinte meses da administração Frei. O que dá uma média mensal de quase 30 mil hectares desapropriados.
Em um discurso mais recente do Presidente chileno ("El Mercurio", de 22 de dezembro de 1966), aparecem dados que atualizam os fornecidos pelo Sr. Moreno:
Segundo o Sr. Eduardo Frei, até a data do seu discurso já haviam sido desapropriados 332 imóveis (tidos por abandonados ou mal explorados, e alguns oferecidos voluntariamente à CORA). A superfície aproveitada para a reforma agrária alcança 980 mil hectares, que correspondem a 230 mil hectares de terras do Servicio Nacional da Salud, e 750 mil hectares expropriados a particulares.
A serem verdadeiros os dados apresentados pelo Sr. Moreno e pelo Sr. Frei, até 8 de outubro de 1966 haviam sido desapropriados 585 mil hectares, e até 22 de dezembro do mesmo ano, 750 mil hectares. Em apenas dois meses e meio, portanto, foram expropriados 165 mil hectares. Isto dá uma média de quase 66 mil hectares por mês, ou seja, 2.200 hectares por dia.
Até a data das declarações do Sr. Rafael Moreno, já haviam sido instaladas 5 mil famílias de novos proprietários. E o plano é de instalar um total de 100 mil famílias. Para isto a CORA tem um escalonamento, que é o seguinte:
- 10 mil famílias em 1967
- 12 mil famílias em 1968
- 15 mil famílias em 1969
- 15 mil famílias em 1970
- 18 mil famílias em 1971
- 18 mil famílias em 1972
88 mil
Creio que o Sr. Moreno cometeu um pequeno erro de soma, porque este total de 88 mil, com as 5 mil já instaladas, não dá as 100 mil famílias de que falou.
Outro erro do chefe da CORA é o de esquecer-se de que o mandato de Frei termina em 1970, e já apresentar planos para 1971 e 1972. Ou estará o Sr. Rafael Moreno certo de que a Democracia-Cristã está irreversivelmente instalada no poder? Talvez o açodamento agro-reformista lhe esteja proporcionando a amnésia para certos dados que é útil considerar...
É provável que agora, após ver a derrota do seu partido nas eleições municipais de abril do corrente ano, não tenha ele ânimo de fazer previsões tão otimistas quanto à permanência pretensamente irreversível da Democracia-Cristã no poder.
O objetivo da reforma agrária, segundo palavras do mesmo Sr. Moreno, é a "promoção do trabalhador do campo" (promoción popular aplicada no setor agrícola) e "que a terra seja de quem trabalha". Os slogans de sempre...
Comentários recentes de um colaborador do "Diário Ilustrado" (artigo intitulado "CORA y sus cifras") mostram que, fazendo-se a divisão da área disponível pelo número de famílias que a deverão habitar, a ÁREA MÉDIA POR FAMÍLIA SERIA DE 12,8 HECTARES.
Qualquer pessoa mediocremente informada a respeito das coisas do campo, em qualquer país do mundo, sabe perfeitamente que 12,8 hectares podem sustentar uma família se se tratar de terra boa e de certos tipos de exploração. Uma tal área, se aproveitada para exploração horti-granjeira, por exemplo, poderia dar o suficiente para a subsistência de uma família. Mas, se destinada a outros tipos de exploração agrícola, ou à pecuária extensiva, absolutamente não daria para tanto, podendo facilmente levar seu proprietário a cair na penúria em que estão muitos atuais donos de minifúndio, penúria da qual os agro-reformistas dizem querer tirá-los. Para evitar algo vão criar êste mesmo algo.
Criando estas pequenas propriedades, aptas para exploração hortigranjeira, os agro-reformistas chilenos talvez estejam querendo fazer o povo andino aprender a só se alimentar de alface, couve, ovos e carne de frango...
Conforme o mesmo articulista do "Diário Ilustrado", acima citado, existe uma série de imprecisões no que se refere ao custo total da reforma agrária do Presidente Frei. Segundo as aludidas declarações do Sr. Moreno, ficará ela, até 1972, em 1.610.000.000 de escudos, ou seja, aproximadamente 270 milhões de dólares. Por outro lado, afirma o mesmo Sr. Moreno que a instalação de cada família custará 40.250 escudos. Isto multiplicado por 100 mil (famílias) dá a astronômica cifra de 4.025.000.000 de escudos, mais de três vezes o custo total previsto para os próximos cinco anos. Poder-se-ia alegar que os futuros proprietários pagarão à CORA as terras adquiridas, e isto representaria uma receita além do custo acima indicado. Mas, a venda é feita a prazo de vinte anos. Apenas uma pequena parcela do preço entraria até 1972, uma vez que os compradores estariam, então, ainda no início do pagamento.
E assim, com esses dados confusos, a CORA, o Sr. Moreno, o Sr. Frei e o Sr. Chonchol vão caminhando a todo vapor...
Uma vez desapropriadas as terras, a CORA constrói as benfeitorias necessárias para instalar nelas as famílias que deverão explorá-las, as quais passam a receber salários e participações. Forma-se assim uma cooperativa, chamada asentamiento, que é uma sociedade feita entre os camponeses que aí foram instalados e a CORA. Mas quem recebe a terra é o asentado. Depois de um prazo de experiência, a CORA resolve se lhe dará ou não o título de propriedade.
• 2 — A REFORMA CONSTITUCIONAL RELATIVA AO DIREITO DE PROPRIEDADE
À lei Alessandri era tida por moderada. Com ela pouco poderia fazer o agro-reformismo. Os agro-reformistas não se satisfazem em desapropriar as terras abandonadas ou mal exploradas. Querem desapropriar todas, e preferivelmente as bem exploradas. O Sr. Frei considerou necessário atacar pela base o direito de propriedade e preparar o caminho para ele e os futuros governos — certamente mais esquerdistas — poderem aplicar reformas mais radicais.
Conforme declarações do frio e cínico Sr. Chonchol, "o se paga la tierra, o se hace reforma agraria". Os arditi explicitam o que os mais calculistas evitam dizer: era necessário arranjar uma maneira de tomar as terras sem pagar. A maneira seria modificar o artigo X, § 10, da Constituição do Chile, onde se assegura a todos os habitantes da República "la inviolabilidad de todas las propiedades, sin distinción alguna...". O projeto nesse sentido apresentado pelo governo, introduzindo modificações substanciais naquele parágrafo, já está aprovado pela Câmara e pelo Senado, mas recebeu um estranho veto quando voltou ao Executivo para ser sancionado.
Em resumo, o projeto estabelece o seguinte:
— a lei ordinária estabelecerá o modo de adquirir a propriedade e de usar, gozar e dispor dela, bem como limitações e obrigações que assegurem sua função social e façam-na acessível a todos;
— a função social compreende tudo quanto exigem os interesses gerais do Estado, a utilidade e saúde públicas, o melhor aproveitamento do trabalho e das energias produtivas no serviço da coletividade, e a elevação das condições de vida do comum dos cidadãos;
— quando o interesse da comunidade o exigir, poder-se-á reservar ao Estado o domínio exclusivo dos recursos naturais, bens de produção e outros;
— ninguém pode ser privado de sua propriedade, a não ser em virtude de lei geral ou especial que autorize a expropriação por motivo de utilidade pública ou interesse social, definido pelo legislador;
— o valor da indenização e suas condições de pagamento serão estabelecidos tomando-se em consideração os interesses da coletividade e o dos expropriados;
— a lei determinará as normas para fixar a indenização, o tribunal que conheça das reclamações sobre seu valor, a parte dela que deva ser paga à vista, o prazo e as condições em que se pagará o saldo, se o houver, a ocasião e modo da imissão do expropriante na posse do bem expropriado;
— no caso de imóveis rurais, a indenização será equivalente à avaliação fiscal vigente para efeito de imposto territorial, mais o valor das benfeitorias não computadas; poder-se-á pagar uma parte à vista e o saldo em prestações com prazo não superior a trinta anos (!);
— a lei poderá reservar ao Estado o domínio de todas as águas existentes no território nacional, e expropriar as que pertencerem a particulares;
— os imóveis rurais de pequena área e trabalhados diretamente por seu proprietário não poderão ser expropriados.
Este projeto de reforma constitucional é de tal modo draconiano, que deixa aos caprichos do legislador ordinário a faculdade de privar de um legítimo direito o proprietário, de fixar indenização, prazo e modo de pagamento, etc.
Isto equivale a transformar o direito de propriedade em uma mera concessão do Estado, transformar em direito meramente positivo o que é de Direito Natural. Uma simples maioria ocasional no Congresso pode determinar a desapropriação em massa de todas as terras (exceto as de pequena área, quando trabalhadas diretamente pelos seus proprietários).
Este projeto, aprovado pelo Congresso, foi encaminhado ao Presidente, que o vetou, causando com isso profunda surpresa em todo o país. A razão alegada para o veto foi a seguinte: o Presidente queria que fosse reservada ao Executivo a iniciativa de propor o que se refere ao valor e ao prazo de pagamento das indenizações.
Na realidade, o que se comentou é que a reforma constitucional provocara tanta reação contrária na opinião pública, que o governo se via obrigado a voltar atrás, adiando-lhe a promulgação. Teria sido um veto político do Chefe do Estado.
Quanto ao pagamento a prazo, Frei quis com seu veto que a reforma lhe conferisse poder discricionário a respeito. O veto foi impugnado como inconstitucional pelo Senado. A Contraloria, órgão incumbido de apreciar a constitucionalidade das leis, decidiu que a reforma constitucional fosse promulgada, mas se esquivou de pronunciar-se sobre o espinhoso problema do pagamento a prazo.
• 3 — A NOVA LEI DE REFORMA AGRÁRIA
Foi recentemente aprovada pelo Congresso uma nova lei de reforma agrária, longuíssima, difícil de ler e examinar. Para esta lei entrar em vigor, era necessário que fosse antes aprovada a reforma constitucional.
Um folheto impresso pelo governo, intitulado "La verdad sobre la reforma agraria", dá um resumo do novo diploma legal. Para nossa análise utilizaremos esse folheto, diversos artigos da imprensa a respeito, e o projeto primitivo apresentado pelo Executivo, que talvez tenha sofrido modificações nas tramitações parlamentares.
Para evitar que alguns tenham o supérfluo e outros estejam sem terra, estabeleceu-se um limite máximo para a superfície que um proprietário agrícola pode cultivar bem: 80 hectares de riego básico (riego são terra irrigadas). Este limite pode aumentar nas terras piores, ou no caso de o proprietário ter mais de cinco filhos. Mas, como pode haver "agricultores muy eficientes", a lei prevê para estes privilegiados uma reserva máxima de 320 hectares de riego básico (!).
Poderão ser expropriados, entre outros, os imóveis abandonados ou mal trabalhados,