ESCREVEM OS LEITORES

RIO DE JANEIRO

Revmo. Pe. José Antonio Cirando Mariano, Corrêas: "Acuso recebimento do artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Rumo firme, na nau da indecisão". Espero poder merecer todos os escritos semanais deste nosso grande batalhador pela causa da Santa Igreja. [...].

Tomo a liberdade de lhes enviar as promessas de Nossa Senhora do Rosário aos devotos do terço. Procurei visitar a sede da TFP na Rua Martim Francisco, em São Paulo, onde jovens destemidos se revezam na recitação desta belíssima oração que tudo nos alcança da Virgem Mãe de Deus, mas infelizmente cheguei fora de hora. Então eu levava estas animadoras promessas a fim de estimular os bravos jovens a uma redobrada confiança na Senhora do Rosário. Quem sabe, no próximo mês de outubro poderiam ser publicadas no CATOLICISMO?".

■ O TEXTO das promessas é o seguinte: "As quinze promessas de Maria Santíssima aos devotos do rosário: 1) Quem constantemente Me servir recitando o meu rosário receberá alguma graça particular. 2) Prometo grandes graças e meu especial auxílio aos que devotamente recitarem o meu saltério. 3) É o rosário uma arma poderosa contra o inferno, ele extinguirá os vícios, dissipará o pecado e extirpará as heresias. 4) Fará reflorescer as virtudes e as boas obras, atrairá às almas pias copiosas bênçãos de Deus e substituirá nos corações dos homens, o amor de Deus e das coisas eternas ao amor vão do mundo. Oh! quantas almas não se hão de santificar por esse meio! 5) A alma que, por meio do rosário, recorrer a Mim não perecerá. 6) Quem devotamente recitar o meu rosário, considerando os sagrados mistérios, não será acabrunhado pelas desgraças, não morrerá repentinamente, mas converter-se-á se pecador, e conservar-se-á em graça, se justo, e merecerá a vida eterna. 7) Os verdadeiros devotos do meu rosário não morrerão sem receber os santos Sacramentos. 8) Quero que os que recitam o meu rosário recebam, em vida e na morte, o lume e a plenitude das graças, e assim na vida como na morte participem dos méritos dos bem-aventurados. 9) Eu cada dia tiro do Purgatório as almas dos devotos de meu rosário. 10) Os verdadeiros filhos do meu rosário gozarão grande glória no Céu. 11) Tudo o que se pedir pelo meu rosário alcançar-se-á. 12) Socorrerei todos os que propagarem o meu rosário, em todas as suas necessidades. 13) Eu alcancei de meu Filho que todos os confrades do rosário tenham por irmãos toda a Corte celeste, tanto em vida como na morte. 14) Todos os que recitam o meu rosário são filhos meus e irmãos de meu Unigênito Jesus Cristo. 15) É grande sinal de predestinação o ser devoto do meu rosário. (Com aprovação eclesiástica)."

BOLÍVIA

Revmo. Pe. Bernardino Santandreu, S. J., Uncía: "Al regresar de España, en donde he permanecido varios meses, veo diferentes Nos de su periódico, que agradezco. De un modo especial el N.° 220-1. En este doble están el IDO-C y el Profetismo. [...].

Esta corriente de desacralización la he notado hace tiempo, lo mismo que la igualdad en la vestimenta, la frecuentación de los cines y espetáculos públicos. Es una lástima que los autoprofetas sean tan soberbios y atrevidos, tan autosuficientes que quieran los "carismas" de todo orden, que entiendan tan a la perfección los "signos de los tiempos".

Nunca quería yo admitir la realidad de lo que se atribuye a Stalin: que hay que destruir a la Iglesia por medio de los jóvenes introducidos en ella. Se me hacía deficilísimo la posibilidad de que entraran en las Ordenes y Congregaciones Religiosas individuos que pudieran estar tantos años como supone la formación de un sacerdote, disimulando la hipocresía. Pero el ceño de estos progresistas, su audacia y constancia, su hipercrítica y sumisión a directivas extrañas parece confirmar lo que no pocos creían.

Lastima el alma observar cómo se oponen a la obediencia que un día prometieron, ver la libertad en el abuso de la Liturgia, la ceguera en la ignorancia que se hallan y se atreven a dar normas nuevas. No se tratará de un castigo del Señor? Gracias por haber publicado estos artículos valientes que ayudan a orientar a los feligreses" [carta de 2-9-1969].

STA. CATARINA

Revmo. Pe. Oneres Marchiori, Coordenador da Pastoral, Lajes: "Confesso não ser leitor assíduo do CATOLICISMO. Não concordo com a linha que segue. A verdade deve ser dita. Também as verdades esquecidas. Todavia, o maior preceito do Senhor: a caridade, nem sempre é observado. E sabemos que Deus está presente onde há caridade e amor. Onde não há...

[...] na página 4 do n.° 232, encontra-se uma resposta ao Snr. Nilo de Toledo, Campinas. O referido Sr. pede maiores explicações a respeito do "Bispo da orquestra de jazz". CATOLICISMO esclarece. E a resposta veio confirmar quanto foi facciosa a notícia publicada anteriormente. Se os Srs. se empenharam tanto em saber, na Espanha, notícias sobre o Mons. Arce Moya, por que não publicaram tudo o que souberam: ser ele um antigo Bispo da igreja brasileira, ser chileno (não espanhol), fotografia tomada na Televisão e não em "boîte". Por que não publicaram na primeira vez, a história toda? Lendo o esclarecimento que os Srs. deram agora, a coisa mudou muito de figura. — Este é um exemplo da facciosidade que se nota no CATOLICISMO. Não apresentam toda a verdade, em busca de argumentos que sirvam para provar as próprias ideias. Criticam tudo e todos. Por que não criticam D. Antonio de Castro Mayer, Bispo de Campos, que não comparece às reuniões da CNBB?

Conheço o jornal CATOLICISMO desde os tempos de Faculdade, quando estudei teologia. Sempre foi um sinal de desunião. Por quê? — Não seria tempo de fazer uma revisão? CATOLICISMO é um jornal bem impresso, apresentável. Está, de fato, a serviço da Igreja, no Brasil? (Naturalmente, dirão logo que sim! Mas, não seria bom ouvir outros pareceres?)".

■ Em nossa resposta ao Sr. Nilo de Toledo dissemos que a notícia — ilustrada com fotos — de que Mons. Arce Moya, Bispo católico da Espanha, fazia parte de uma orquestra de jazz e tocava em uma "boîte", fora publicada em três revistas de circulação internacional, entre as quais "Informations Catholiques Internationales", órgão que merece crédito de todos os progressistas. De uma dessas revistas é que reproduzimos a foto do Prelado tocando jazz, que estampamos em nosso n.° 220-221, de abril-maio de 1969, acompanhada de uma legenda explicativa. Também deixamos dito, na mesma resposta ao Sr. Nilo de Toledo, que os novos pormenores nesta última apresentados a respeito de Mons. Arce Moya, nós os obtivéramos na Espanha depois de termos publicado sua foto, e os obtivéramos exatamente para atender ao pedido de esclarecimentos de um leitor. — Aliás, a publicação da foto do Bispo tocando jazz, em nossa referida edição de abril-maio de 1969, servia apenas para ilustrar o ideal sacerdotal que pretendem o IDOC e os "grupos proféticos", cuja atuação dentro da Igreja era denunciada naquele número de CATOLICISMO.

Consignemos que, pela carta do Sr. Pe. Oneres Marchiori, o fato de um Bispo católico que toca numa orquestra de jazz não tem grande importância, desde que anteriormente o Bispo tenha sido da igreja católica-brasileira, apareça tocando numa foto tirada não em "boîte" mas na televisão, e não seja espanhol mas chileno.

Consignemos igualmente que para o Sr. Pe. Oneres Marchiori não é falta de caridade (nem de justiça) apresentar CATOLICISMO como um jornal de maníacos que criticam tudo e todos.

BAHIA

Revmo. Pe. Geraldo Freire, Caculé: "Venho parabenizá-los pelo grande e intrépido mensário".

GUANABARA

Sr. Gabriel Lima Reis, pelo Presidente da Congregação Mariana Nossa Senhora da Glória, Matriz de Nossa Senhora da Glória (Largo do Machado), Rio de Janeiro: "Ótimo jornal, muito apreciado por todos os Congregados".

R. G. DO NORTE

Sr. Felipe Neri de Andrade, Natal: "Nesse ensejo, envio cordiais saudações a todos os que fazem e trabalham pela difusão de tão notável veículo da pura doutrina católica, assegurando as minhas orações e votos a Deus pela sua prosperidade".

MINAS GERAIS

Dr. João Gilberto R. da Cunha, Uberaba: "Recebi hoje a visita do jovem que veio procurar-me para renovar a assinatura de CATOLICISMO. Em conversa, expus-lhe algumas críticas ao estilo de combate do jornal, mais voltado ao desamor que à caridade. Ele pediu-me uma explicação, e disse-lhe então do meu desgosto de certas atitudes, entre as quais apontei as de sua secção ["Escrevem os leitores"]. Solicitado a uma citação mais prática, lembrei-me de um comentário no número 233, de maio p.p. Ali estava — e nós a relemos juntos — uma carta do Sr. Antonio de Assis Nogueira, de Belo Horizonte, pedindo esclarecimentos sobre o celibato sacerdotal, em seis itens. A sua resposta, ao invés de atacar o problema ou simplesmente indicar argumentos, preocupou-se simplesmente com o espezinhar o Sr. Antonio — apresentando a sua "deficiência visual pós-operatória" como causa de suas dúvidas, mas na realidade sugerindo que a sua deficiência seria mais que visual. Não sei aonde se teria faltado mais à caridade: se em relembrar-lhe o defeito físico (de que não tem culpa), se em sugerir-lhe a curteza de inteligência ou raciocínio. De qualquer forma, ficou bem evidente que o senhor redator é pelo menos de péssimo gosto para fazer espírito ou ironia — e que a caridade cristã não é certamente a sua maior virtude. Aliás, eu poderia mostrar-lhe mais algumas respostas de sua secção, comprovando isto. Não tenho tempo, felizmente, nem vocação para estas buscas, e creio que qualquer coisa que lhe diga jamais conseguirá mudar a sua maneira de pensar ou agir. Somente os caridosos, os amantes do próximo, conseguem o coração de carne. Os inteligentes apenas — preferem mostrar que o são, à custa dos que acham que são menos.

Se tomei um certo tempo para lhe escrever, foi por pedido do jovem que gentilmente esteve aqui, e achou que isto poderia ter algum valor. Queira Deus que ele esteja mais certo que eu.

Acredite-me quando lhe digo que aprecio o seu estilo; retire a agressividade, a ironia, o espírito superior, humanize-se — ou melhor, cristianize-se, que é como deve ser quem escreve Catolicismo. Rezarei para isto.

Um abraço em Cristo".

■ O autor desta carta lamenta o usarmos nas nossas respostas uma linguagem que ele reputa descaridosa, mesmo desumana. Como exemplo, cita a ironia com que respondemos a uma carta vinda de Belo Horizonte, com a qual, diz, humilhamos o missivista, servindo-nos de um defeito físico para inculcar análoga carência moral. Como nosso leitor exemplifica apenas com a ironia, limitar-nos-emos a considerar este caso, não sem observar, de modo geral, que tanto uma linguagem forte, como as invectivas podem ter lugar em polêmicas religiosas. Nosso Divino Modelo, Jesus Cristo, deu disso vários exemplos, ao chamar frequentemente de "hipócritas" aos escribas e fariseus, e em outras circunstâncias.

Assim, dizemos que, em princípio, não se deve excluir o uso da ironia, como faltosa da caridade, quer em escritos quer em palestras, mesmo religiosos. No limiar do mundo, e da Bíblia, encontramos nos lábios do próprio Deus a ironia, que é assim que interpretam aquela frase do Senhor, após a queda: "Eis que Adão se fez um de Nós, conhecendo o bem e o mal!" (Gen. 3, 22). E tão longe estava o Senhor de manifestar nesta ironia qualquer falta de caridade, que ela aparece precisamente no momento em que Ele cuida de enviar o Redentor e a nova Eva, que esmagará a cabeça da serpente, tornando-se a nova Mãe de todos os viventes.

Da ironia se aproximam várias maneiras de agir do próprio Jesus Cristo. Assim, quando Ele zomba da pouca inteligência dos herodianos que não percebiam que a efígie de César na moeda era sinal do domínio exercido sobre os judeus pelo Imperador romano (Mat. 22, 18), ou quando, com o convite "vai buscar o teu marido", o Mestre humilha a Samaritana desvendando-lhe a vida sumamente irregular (Jo. 4, 16).

Em nenhuma destas circunstâncias, como, aliás, na vida toda do Mestre, não faltou nunca a caridade, até mesmo, quando irado expulsou com azorrague os vendilhões do Templo (Mat. 21, 12). E em todos estes casos, teve sempre o Redentor em vista o bem espiritual dos seus interlocutores. A humilhação ficou estéril junto aos herodianos, mas frutificou na Samaritana. Tanto é verdade que castigar os que erram constitui uma obra de misericórdia.

De maneira que no uso da ironia, depende da intenção de quem a emprega, ser ela boa ou má, caridosa ou não. Como depende das disposições dos ouvintes ou leitores ser ela eficaz ou não para o bem da alma. Nem sempre as circunstâncias objetivas marcam de modo insofismável a bondade ou malícia que há na utilização desta figura literária.

Descendo ao caso citado pelo nosso missivista. É certo que a resposta poderia ser dada sem o emprego da ironia. E confessa nosso correspondente que, da parte dele, seu emprego, no caso, não iria sem falta de caridade. Contestamos, no entanto, que assim objetivamente seja para qualquer um. Em outras palavras, julgamos que, no caso, cabia a ironia. Tratava-se de repelir uma impertinência contra uma disciplina eclesiástica que remonta aos Apóstolos. Ademais, semelhante objeção, pulverizada desde que apareceram os protestantes no mundo, tinha acabado de ser novamente elucidada no mesmo CATOLICISMO, n.° 230, de fevereiro de 1970. Nosso modo de agir, neste caso, pode ser aproximado do que teve Elias, quando zombeteiramente ridicularizou as dificuldades em que se achavam os sacerdotes de Baal, a clamarem por que seu deus resolvesse incendiar miraculosamente o altar do sacrifício. -- "Gritai mais alto, assim Elias, talvez vosso deus esteja em passeio, ou em alguma hospedaria, ou mesmo dormindo!" (3 Reis 18, 27). Não creio que nosso correspondente, à vista das palavras de Elias, o julgue por isso de coração de pedra. Não vemos porque o exemplo do Profeta não possa ser imitado.

Com esta resposta, esforçamo-nos por mostrar como a ironia, longe de ser sempre uma falta de caridade, pode e muitas vezes deve ser empregada, para dar no interlocutor uma sacudidela mais enérgica, que talvez o desperte para melhores sentimentos. Embora, ao escrever, tomemos o cuidado de nos ater às normas que devem seguir os jornalistas católicos, e que constam da tradição da Igreja, especialmente da maneira como agiram os Santos Padres não pretendemos, contudo, a infalibilidade; por isso, não rejeitamos liminarmente as observações que nos fazem, como parece supor nosso missivista.


Calicem Domini Biberunt.

MORRE O INFATIGÁVEL "EMBAIXADOR DE DEUS"

Fernando Furquim de Almeida

Os acontecimentos políticos que impediram o pleno desenvolvimento das Amicizie na Itália não abateram o ânimo do Padre Diessbach. Auxiliado pelo Barão Von Penckler e por outros "Amigos" austríacos, ele continuou o seu benéfico apostolado, evitando que o sodalício desaparecesse. Apesar das dificuldades que encontrava, a obra prosseguia sem esmorecimento e o Padre Diessbach desdobrava-se, atendendo a tudo em que estivesse interessada a maior glória de Deus.

Em Viena, os padres que o apoiavam pregavam missões e serviam na Minoritenkirchen, igreja de propriedade do Barão Von Penckler, onde era atendida a colônia italiana da cidade, sendo mesmo conhecida entre os vienenses como a capela dos italianos. Os membros leigos da Amicizia ajudavam esses sacerdotes a manter o funcionamento da sociedade, nessa época tão conturbada, e a assegurar o contato com os membros que se tinham dispersado.

* * *

Um exemplo típico desse novo gênero de atividades é o caso de São Clemente Maria Hofbauer. Antigo membro da Amicizia com seu íntimo amigo Thadeu Hübl, os dois a tinham deixado para entrar na Congregação dos Redentoristas. Depois de ordenados, foram enviados à Polônia pelos superiores. Fundaram uma casa redentorista em Varsóvia, a qual, apesar da oposição que lhes moviam os revolucionários, em pouco tempo era o centro de uma intensa vida católica. Grande amigo do Padre Diessbach, a quem considerava seu mestre, São Clemente Maria Hofbauer fundou na Polônia associações semelhantes àquela a que pertencera em Viena, e na qual conhecera os métodos novos de apostolado empregados pelo Padre Diessbach. De Varsóvia mantinha contato com os dirigentes da Amicizia, deles recebendo conselhos e animandoos a se conservarem fiéis na tormenta.

O Padre Diessbach, no entanto, não permaneceu em Viena senão pouco tempo em toda essa última década do século XVIII. Ele mesmo se chama “o infatigável embaixador de Deus”. Viajava continuamente, visitando as Amicizie das várias cidades, procurando pessoas que pudessem fundar novos sodalícios. Onde não as encontrava, trabalhava pela formação de um ambiente que favorecesse mais tarde o aparecimento de alguém capaz de iniciar esse apostolado.

* * *

Em 1797 foi a Friburgo, lá se hospedando na casa do Cônego Claude Gendre. A humildade do fundador da Amicizia e a perseguição que lhe moveram os revolucionários, mesmo depois de morto, não permitiram que chegassem até nós muitos fatos importantes da sua existência. Felizmente temos um relato resumido da sua estada em Friburgo, escrito pelo Cônego Claude Gendre e publicado pelo Pe. Candido Bona em seu livro sobre a Amicizia. Esse relato nos permite desvendar um pouco da vida do impertérrito apóstolo da ContraRevolução.

A visita a Friburgo deveria ser curta, mas os acontecimentos se precipitaram e o Padre Diessbach passou um ano e meio na casa do Cônego Gendre. De fato, a 28 de março de 1798 tropas francesas invadiram a Suíça, e os cantões organizaram exércitos para opor resistência à ocupação. Eram forças pequenas, que iam enfrentar valentemente os revolucionários franceses, mas seriam logo derrotadas. Suíço de nascimento e antigo oficial, o Padre Diessbach incorporouse como capelão às tropas de Friburgo. Quando estas foram obrigadas a recuar, ele acompanhouas na volta para Friburgo. Ali passou a trabalhar no hospital de sangue, e não se afastava dos soldados feridos senão quando as forças lhe faltavam. Conta o Cônego Gendre que, certa vez, seu hóspede passou dois dias e duas noites consecutivas trabalhando sem cessar. Ao voltar extenuado para casa, na terceira noite, queria ainda rezar o breviário, pois não se julgava legitimamente dispensado.

Não era só aos militares que socorria. Não raro, os soldados franceses percorriam os campos, pilhando as propriedades e cometendo toda sorte de tropelias. Com risco da própria vida, o Padre Diessbach procurava os camponeses, tentando remediar os prejuízos que tinham sofrido e consolandoos na desgraça que sobre eles se abatera. Se lembrarmos que uma de suas pernas apresentava uma chaga que o fazia sofrer muito, teremos uma noção mais precisa de como era heroica sua assistência aos camponeses. Não lhe foi poupada nem a brutalidade da soldadesca. O Cônego Gendre relata o caso:

“Tendo sido surpreendido pelos franceses fora da porta de Berna, foi tratado da maneira mais indigna. Despojado de seu dinheiro e de numerosos papéis muito importantes, voltou para casa sem chapéu, com a batina suja e rasgada, a custo se mantendo em pé. Consternado por vêlo nesse estado, perguntei o que lhe tinha acontecido. ‘Fui um pouco maltratado — respondeu — mas não é nada, não falemos disso’. Eis a única resposta que me deu”.

Quando seus serviços não foram mais necessários em Friburgo, o Padre Diessbach foi para Praga, onde esteve dois meses. Voltou em pleno inverno para Viena, e ali faleceu a 23 de dezembro de 1798.

* * *

Oficialmente a causa de sua morte foi uma febre pulmonar, que rapidamente progrediu por encontrálo enfraquecido pelo excesso de trabalho e pela áspera viagem de Praga a Viena, feita durante o rigoroso inverno de 1798. No entanto, a Amicizia e os meios ligados a São Clemente Maria Hofbauer sempre afirmaram que inimigos do fundador o haviam maltratado também durante essa viagem, e que ele morrera mártir dessa feroz perseguição que durara toda a sua vida.

Foi sepultado no cemitério de Maria Enzersdorf, paróquia dependente do Castelo de Liechtenstein, de propriedade do Barão Von Penckler. Nesse mesmo cemitério, mais tarde foram enterrados muitos dos seus discípulos e vários grandes nomes do préromantismo católico de Viena. Durante muito tempo, ao lado do túmulo do Padre Diessbach repousou o corpo de São Clemente Maria Hofbauer, que, ao morrer, pedira para ser inumado perto de seu antigo mestre e inspirador da grande obra que realizara em Viena depois de expulso da Polônia (e que lhe valeu ser declarado apóstolo daquela cidade). Hoje, o corpo de São Clemente Maria Hofbauer está na Igreja dos Redentoristas de Viena, para onde foi trasladado.


NOVA ET VETERA

TUDO O QUE FAVORECE A REVOLUÇÃO É MORAL

J. de Azeredo Santos

A legião dos adeptos da chamada terceira-força e o não menos significativo contingente das hostes progressistas têm uma enorme facilidade em esquecer aquilo que não convém a suas quimeras de um futuro róseo para a humanidade obtido através da fusão do comunismo oriental com o capitalismo ocidental. Com o martelar de seus slogans balofamente otimistas, acabam eles por exercer perniciosos efeitos sobre a imensa maioria que assiste distraída ao desenrolar dos fatos políticos e sociais, bem como aos avanços e recuos táticos da Revolução; por isso é oportuno relembrar aqui algumas verdades velhas, mas facilmente esquecidas, as quais dizem respeito ao juízo que se deve fazer dos reiterados propósitos de paz e concórdia manifestados pela ala "pombo" do Kremlin.

A menos que sejamos irresponsáveis partidários do contubérnio entre o sim e o não, ou queiramos regredir à confusão da Torre de Babel, havemos de convir em que a honestidade de propósitos deve estar presente em qualquer espécie de acordo ou de convenção entre os homens. Seja a mesma a linguagem entre as partes contratantes e inequívoco o sentido dado às palavras por elas emitidas.

Os cristãos admitem a existência de princípios morais imutáveis e eternos, que derivam da própria natureza das coisas. Assim, por exemplo, os Dez Mandamentos são uma clara explicitação da lei natural emanada de Deus, Autor de toda a natureza criada.

* * *

Ora, perguntamos, em um pacto ou acordo com os comunistas, no qual por um imperativo de nossa consciência vamos sinceramente imbuídos desses princípios, do outro lado encontraremos uma exata correspondência àquilo que estamos visando? Relembremos sumariamente o que vem a ser a "moral" comunista. Diz Michel Bakounine (em seu tristemente célebre "Catecismo do Revolucionário") que o revolucionário "despreza a opinião pública. Despreza e odeia a moral social atual em todos os seus instintos e em todas as suas manifestações. Para ele, é moral tudo o que favorece o triunfo da revolução, é imoral e criminoso tudo o que a entrava" (apud "Le Contrat Social", revista histórica e crítica dos fatos e das ideias, Paris, maio de 1957, vol. I, no 2, p. 123).

Dir-se-á que tal "Catecismo do Revolucionário é de Bakounine e não de Marx (embora ambos houvessem sido aliados), e pertence aos tempos violentos da Revolução que agora se acha em fase dialogante. Mas não está na mesma linha o amoralismo de um Lenine, de um Stalin ou de seus seguidores? O marxismo-leninismo nega todas as nossas concepções religiosas e morais, bem como a própria noção de lei natural e de direito natural. Tudo isso não passaria, na concepção comunista, de mera superestrutura que muda de acordo com as variações da estrutura econômica da sociedade humana. Lenine diz claramente: "Negamos a moral pregada pelos burgueses, e deduzida dos mandamentos de Deus. E aqui naturalmente declaramos nossa descrença em Deus" (ensaio "Sobre a Religião"). E concorda plenamente com Bakounine ao acrescentar: "Afirmamos que nossa ética depende em tudo e por tudo dos interesses da luta de classes do proletariado" (obra citada), vale dizer, do Partido. Mais claramente: "Moral é o que é útil e serve ao Partido Comunista. Para fornecer atividade comunista de qualquer forma, é preciso estar pronto para qualquer sacrifício, e também para usar métodos ilegais e esconder a verdade" (Lenine, "O Radicalismo").

Isto posto, que pensar dos propósitos de liberalização do comunismo soviético, de que tanto se tem falado ultimamente? Um dos indícios desse fenômeno seria a atitude "contestadora" de determinados intelectuais russos.

Como primeiro dado, notemos o seguinte: se as notícias sobre essas contestações ideológicas saem em tão grande número para fora da cortina de ferro, quando é certo que o governo soviético sujeita os meios de comunicação a rigorosa censura, exercida através de uma onipresente polícia política, não quer este simples fato dizer que o Kremlin tem interesse na difusão de tais boatos no Ocidente?

Em segundo lugar, devemos frisar que as críticas formuladas por esses intelectuais, se bem as examinarmos, se cingem a aspectos superficiais do regime comunista. Não lhe tocam na essência, isto é, todos os "contestadores" permanecem fiéis ao ideal revolucionário de uma sociedade sem classes e coletivista.

Estamos, portanto, diante de mais uma impostura da propaganda comunista, que seria facilmente redutível às suas verdadeiras proporções, não fosse o apoio e a difusão que tais notícias recebem por parte de extensos setores dos que manipulam a opinião pública no Ocidente, sobretudo aqueles que se acham a serviço do progressismo.

Há pouco se noticiava que um organismo seria criado na Rússia comunista para pugnar pela preservação da dignidade da pessoa humana e de seus impostergáveis direitos. Ora, que pensar disso se, em matéria de liberdade religiosa, por exemplo, esse organismo se limitar a exigir a tolerância para a pregação e o culto, mas concordar em ver proibida a essa mesma pregação qualquer alusão à liceidade teórica e à imprescindível necessidade prática da propriedade privada e da liberdade econômica em seu sentido lato, isto é, no sentido que abrange a liberdade de escolher e exercer profissão e de dispor de seus bens e serviços sem a totalitária intervenção do Estado e de seus agentes? Tal organismo seria apenas mais um meio para abrir caminho ao comunismo em ambientes que lhe têm estado fechados, e tal liberdade religiosa seria simplesmente uma burla. Do tema se ocupou com riqueza de detalhes o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu nunca assaz citado trabalho "A liberdade da Igreja no Estado comunista". A Igreja fundada por nosso Divino Salvador é guardiã não somente da Revelação, mas também da lei natural e de seus reflexos sobre a família, sobre a propriedade, sobre a educação, sobre a profissão.

* * *

Eis porque Lenine, e com ele todos os revolucionários que se mantêm irredutíveis em sua adesão ao cerne e não à mera casca do comunismo e do socialismo, são levados a negar "a moral pregada pelos burgueses, e deduzida dos mandamentos de Deus". Bem sabem eles que a Santa Igreja, por isso mesmo que protetora da legítima liberdade, será sempre a adversária por excelência, da Revolução igualitária e gnóstica, em que pese o vozerio com que em sentido contrário os falsos profetas procuram aturdir e confundir o povo fiel.