SOBRE A NOVA MISSA: REPERCUSSÕES QUE O PÚBLICO BRASILEIRO AINDA NÃO CONHECE

Gregorio Vivanco Lopes

Antes da invenção do telégrafo, era normal e inevitável que o grande público só dificilmente e com muito atraso viesse a saber dos acontecimentos que se passavam em pontos distantes do globo. Mesmo em regiões não muito longínquas, podiam dar-se fatos de importância, que entretanto não chegassem ao conhecimento do homem comum.

Hoje, entretanto, com o telégrafo, o rádio, a televisão, os satélites de comunicação, não se concebe que acontecimentos de relevo deixem de ser divulgados em todas as partes. Mais ainda: constitui verdadeiro direito, principalmente do homem de cultura, ter a seu alcance um noticiário completo e veraz dos grandes acontecimentos em torno dos quais se traçam os destinos do mundo contemporâneo. O desrespeito sistemático desse direito nos países comunistas representa mesmo um sinal dos mais característicos da escravidão que neles impera.

O recente levante polonês, por exemplo, mal foi noticiado atrás da cortina de ferro, e, quando o foi, apresentaram-no em termos falsos, segundo versões criadas pelos partidos comunistas.

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Ora, a Igreja vive hoje uma crise sumamente grave — um verdadeiro processo de "autodemolição", segundo expressão de Paulo VI. Manter a opinião pública católica na ignorância sistemática dessa crise, ou falsear os seus aspectos de relevo, seria tão absurdo quanto tentar esconder ou minimizar o levante polonês aos olhos dos povos da cortina de ferro.

Dentro da crise religiosa contemporânea delineou-se ultimamente uma terrível questão de consciência, que vem provocando vastíssimas polêmicas em todo o orbe católico, e trazendo aflição de alma a inúmeros leigos e Sacerdotes. Esse problema de consciência teve como ponto de partida as amplas e profundas modificações introduzidas na liturgia da Santa Missa.

Entretanto, a imprensa brasileira ou não tem tratado desse assunto, ou o tem noticiado insuficientemente, de modo a não haver proporção entre o que nela se lê e a realidade.

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Nosso País adquire importância cada vez maior no concerto das nações ocidentais e cristãs. Cargos da Cúria Romana são confiados a conterrâneos nossos. Figuras do Clero e do laicato nacional — com frequência em ordem à promoção do esquerdismo e do terrorismo — adquirem nomeada mundial. Esses fatos, e tanto outros congêneres que poderiam ser aqui alegados, mostram à saciedade que teriam de responder ante o tribunal da História aqueles que procurassem manter o Brasil à margem dessa polêmica gravíssima que se desenvolve em torno do novo "Ordo Missae".

O Santo Sacrifício do altar constitui o centro da vida católica. A Sagrada Liturgia é, para a Igreja, o que o pulsar do coração é para a vida de um homem. Como, pois, se há de impedir a opinião católica brasileira de acompanhar os referidos debates, que envolvem questões tão sagradas e centrais na vida católica?

Manter um povo profundamente religioso na ignorância de tal crise seria mesmo uma falta de conformidade com o que a Providência permite que aconteça. Tal inconformidade impede nosso povo fiel de se manter ao corrente de um diálogo fecundo, do qual a verdadeira Fé sairá certamente engrandecida, como se deu na luta da Igreja contra o arianismo, o protestantismo, o liberalismo, etc. Os grandes problemas de consciência estão geralmente na raiz dos grandes lances históricos. Não se pode, pois, deixar de informar nossos meios católicos, de modo que lhes seja facultado conservar uma fé lúcida, corajosa e coerente em face de um problema de transcendental importância para os filhos da Igreja.

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"Catolicismo" está, pois, persuadido de que oferece um importante contributo para a formação da consciência religiosa do Brasil, publicando um número especial em que se dá uma visão global da crise surgida com a aplicação das modificações introduzidas na Santa Missa.

Com esse objetivo, um de seus redatores foi designado para fazer um levantamento geral e cuidadoso das dificuldades de caráter doutrinário e dos problemas de consciência que a nova Missa vem suscitando em círculos católicos do Exterior. O panorama que assim se desvendou surpreenderá por certo a muitos leitores, embora a imensa quantidade de documentos não tenha permitido a apresentação completa de todas as publicações que temos em mãos, ou de todas as particularidades da posição de cada autor.

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São largamente conhecidas no Brasil as reações favoráveis ao "Ordo" de 1969. A bem dizer, são mesmo as únicas que se conhecem. Seria supérfluo e fastidioso insistir nelas. Assim sendo, nosso levantamento restringiu-se às reações contrárias à nova Missa. "Catolicismo" quer, aqui, apenas informar sobre uma grave questão que tem sido insuficientemente noticiada entre nós.

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Esta folha oferece o presente artigo sobretudo aos leigos, de ambos os sexos, e de cultura religiosa desenvolvida, que já os há muito numerosos em nosso País, e entre os quais se encontra a maior parte de seus leitores; mas se alegra com a perspectiva de que o trabalho possa também interessar a Sacerdotes e teólogos.

As informações preliminares aqui oferecidas podem ser úteis para algum largo e cordial diálogo a que o importante assunto possa dar ensejo.

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Por amor à brevidade, no documentário que publicamos a seguir não nos ocuparemos dos que objetam unicamente contra as traduções do novo "Ordo", acolhendo sem reservas o texto latino. Também não citaremos aqueles que manifestam dificuldades somente quanto a um ou outro ponto secundário do texto latino, aceitando-o, entretanto, no seu conjunto.

Impõe-se desde já uma observação sobre certos tópicos pouco respeitosos para com as Autoridades Eclesiásticas, ou muito apaixonados, ou de fundamentação doutrinária patentemente duvidosa, que reproduziremos adiante. Poderíamos tê-los omitido; não o fizemos, porém, porque dessa forma estaríamos dando a nossos leitores uma imagem deturpada ou pelo menos incompleta da oposição que a nova Missa vem encontrando. Por outro lado, não nos cabe analisar e criticar tais textos, uma vez que nosso objetivo não é defender uma tese, mas apenas informar. Aliás, estamos certos de que não faltará aos leitores de "Catolicismo" o discernimento necessário para distinguir entre o zelo ardente e a impaciência; entre a argumentação sólida e aquela que não tem por base senão a impetuosidade mal contida.

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Na apresentação da matéria, seguimos, na medida do possível, a ordem cronológica. Desse modo, poderemos acompanhar os acontecimentos em seu desenvolvimento histórico. A essa ordem, abriremos exceção apenas para certos casos em que se mostrou conveniente citar lado a lado documentos de épocas diversas mas logicamente conexos entre si.

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As notas de pé de página conterão exclusivamente indicações bibliográficas — e portanto só interessarão ao leitor desejoso de realizar novas pesquisas sobre a matéria.

NO “COURRIER DE ROME”. UM PANORAMA GERAL DO PROBLEMA

A Constituição Apostólica "Missale Romanum", que promulgou o novo "Ordo Missae", foi publicada pelo "Osservatore Romano" de 2-3 de maio de 1969, juntamente com a "Institutio Generalis Missalis Romani", longo e minucioso documento, de 341 artigos, que contém indicações de ordem catequética, pastoral e rubrical sobre a nova Missa. No mesmo dia, a Poliglota Vaticana deu a lume o texto do novo "Ordo".

Nos círculos antiprogressistas, as primeiras reações em face da nova Missa foram hesitantes e tímidas. Durante várias semanas, apareciam cá e lá manifestações de perplexidade, mas em termos genéricos e vagos.

Como diversos observadores fizeram notar, essa hesitação inicial dos atuais opositores da nova Missa se explica sobretudo pelo fato de que eles não adotavam uma posição de contestação e rebeldia contra a Autoridade Eclesiástica, mas eram detidos, em face da nova lei, por dúvidas de consciência. Perguntavam-se se ela não seria objetivamente inaceitável. Numerosos Sacerdotes e leigos chegaram a desejar sua ab-rogação, e nesse sentido exprimiram privadamente suas perplexidades às Autoridades competentes. Foi só a contragosto, e quando não viam mais meios de conciliar o silêncio com a fidelidade à doutrina da Igreja, que eles se decidiram a manifestar de público suas dúvidas de consciência.

Aos poucos, começaram então a aparecer análises mais amplas sobre os novos textos da liturgia da Missa.

Dentre esses estudos, destacam-se os trabalhos vindos a lume, a partir de junho de 1969, no boletim parisiense "Courrier de Rome", o qual tem larga penetração em meios católicos da França e da Europa em geral. Atualmente, o responsável pela parte teológica desse periódico é o Pe. Raymond Dulac, cujos trabalhos, publicados em revistas especializadas, sobretudo por ocasião do Concílio, lhe granjearam reputação internacional.

Analisando pormenorizadamente certos aspectos doutrinários da nova Missa, o "Courrier de Rome" escreveu:

"Enganar-se-ia tragicamente quem reduzisse a reforma litúrgica, que há quatro anos experimentamos, a uma simples manipulação administrativa de rubricas, em última análise admissível, como dizem alguns. — Sim, isso seria um erro trágico:

Essa reforma é, quer ser e se confessa uma REVOLUÇÃO" (1).

A seguir, a revista põe em relevo a responsabilidade que tem nessa Revolução o Revmo. Pe. Bugnini, atualmente Secretário da Sagrada Congregação para o Culto Divino. E observa que tal responsabilidade não é só dele. Cita a título de exemplo a seguinte declaração, feita em 1967 por Mons. Dwyer, Arcebispo de Birmingham, na qualidade de porta-voz do sínodo Episcopal: "A liturgia forma o caráter, a mentalidade dos homens que se defrontam com os problemas da pílula, da bomba e dos pobres. A reforma litúrgica é, num sentido muito profundo, a CHAVE do Aggiornamento. Não vos enganeis: é aí que começa a REVOLUÇÃO" (2).

Sobre o objetivo dessa reforma da Missa, o "Courrier de Rome" escreveu:

"Vamos deixar que um protestante declare qual é esse OBJETIVO da reforma do Missal. Um protestante "moderado": o Sr. Max Thurian, "irmão de Taizé". Em artigo (dizemo-lo bem: ARTIGO) estampado em "La Croix" [periódico católico francês], de 30 de maio de 1969, intitulado "O novo ordinário da missa orienta-se num sentido profundamente ecumênico", chega ele à seguinte conclusão: "o novo ordinário da missa, quaisquer que sejam suas imperfeições relativas, devidas ao peso da colegialidade e da universalidade, é um exemplo desse empenho fecundo de unidade aberta e de fidelidade dinâmica, de verdadeira catolicidade: um de seus frutos será talvez que comunidades NÃO CATÓLICAS poderão celebrar a Santa Ceia com as MESMAS ORAÇÕES que a Igreja católica. TEOLOGICAMENTE, isso é POSSÍVEL".

Ouçamos, agora, um dos motivos capitais da adesão desse protestante à nova Missa. Motivo que nos parece o mais característico de todos: trata-se do que se continuaria a chamar de Ofertório depois de o ter destruído: "Esse ofertório simplificado — disse o Sr. Thurian - não se apresenta mais como uma duplicação da prece eucarística (= Cânon), nem como um ato sacrifical antecipado; atenuam-se assim as dificuldades que o antigo ofertório criava para a pesquisa ecumênica" (3).

Sobre as afinidades que certos meios protestantes afirmam sentir para com o novo Ofertório, o "Courrier de Rome" diz:

"Sabe-se que, desde o início, os protestantes de todas as filiações lançaram-se furiosamente contra as orações e as cerimônias do Ofertório. Por quê? — Porque elas exprimiam, sem sombra de dúvida, o sacrifício da Igreja: indicavam um ato sacerdotal pessoal, real, atual, e não apenas a comemoração puramente NARRATIVA da Ceia da Quinta-feira Santa.

Ora, o novo Ordo DESTRÓI o Ofertório, e o faz expressamente:

1.° — As novas rubricas que se referem a essa passagem (n.o, 49 a 53 da "Institutio") têm por título: "PREPARAÇÃO dos dons". Aí não se diz, de maneira alguma, que esses "dons" são OFERECIDOS, oferecidos num ato de OBLAÇÃO propriamente sacerdotal: eles são trazidos ("afferuntur"); apresentados ("praesentantur" - que latim!); a seguir são colocados ("deponuntur") sobre o altar (quer pelo Padre, quer por um Diácono) [...].

Vem depois o Lavabo; o "Orate fratres"; a antiga Secreta; o Prefácio e o que o segue, que já não se denomina Cânon, mas sim "prece eucarística". — E, de fato, poder-se-ia ainda denominar "Cânon", como o denominaram Santo Ambrósio, Santo Optato e São Gregório, aquilo que cessou de ser uma "regra" imutável?

2.° — As três orações que exprimiam a oblação, feita pelo Padre, do pão e do vinho ("Suscipe ... hanc immaculatam hostiam..." - "Offerimus tibi calicem salutaris..." — "Veni, sanctificator...") foram supressas. Substituiu-as uma fórmula ambígua, que pode igualmente exprimir uma oblação ou uma simples oferta: como a dos primeiros frutos da colheita, ou a de uma vela. Exemplo, referente ao pão: "Bendito sois, Senhor, Deus do universo, pelo pão que recebemos de vossa bondade, fruto da terra e do trabalho das mãos do homem, que agora Vos oferecemos e do qual far-se-á para nós o pão da vida".

O mesmo para o vinho.

Que devoto de Ceres e de Baco não estaria pronto a subscrever tais fórmulas? — Que digo! Que adepto do "Grande Arquiteto do Universo"! — Onde pois se encontra expresso não somente o sacrifício "de ação de graças", mas o sacrifício propiciatório pelos pecados, que renova, mística, mas realmente, sobre o altar da Igreja, o Sacrifício da Cruz?" (4).

Para caucionar suas acusações, o "Courrier de Rome" enumera oito teses doutrinárias dos protestantes, em direção às quais teriam sido feitas, pelo novo "Ordo", concessões inadmissíveis. Essas oito teses são enunciadas nos termos seguintes:

"1 — O Padre não é senão o PRESIDENTE de uma assembleia.

2 — Não há Missa sem ASSEMBLÉIA (condenação das missas "privadas").

3 — Predominância da "PALAVRA" sobre os "atos" rituais: daí decorre a necessidade do vernáculo.

4 — Exclusão de tudo aquilo que pode significar OBLAÇÃO (no sentido próprio da palavra).

5 — Negação da "PRESENÇA REAL" de Cristo sob as espécies do pão e do vinho.

6 — Em consequência, não há presença "permanente" de Cristo fora da Missa. —Supressão do "culto eucarístico" (tabernáculos; procissões; exposições do Santíssimo...).

7 — Como tudo se passa no domínio dos sinais e dos sentimentos individuais subjetivos, não há TRANSUBSTANCIAÇÃO.

8 — Não se concebe Missa pelos defuntos (abstração feita da negação do Purgatório e mesmo de uma sobrevida, professadas por muitos protestantes). — Também não há Missa pelos ausentes" (5).

Considerando que a nova Missa é aceita por católicos e protestantes, o Pe. Dulac chegou mesmo ao ponto de referir-se a ela como "um Ordo Missae POLIVALENTE: meio católico, meio protestante" (6).

Essa noção se explica melhor pelo texto seguinte, que lemos no "Courrier de Rome" de 25 de junho de 1969:

"O novo "Ordo Missae" introduz ou favorece um conceito novo de UNIDADE RELIGIOSA.

Ele permite, com efeito, exprimir com PALAVRAS IDÊNTICAS, IDÉIAS DIFERENTES. Evidentemente, se isso se tornou possível, ou foi porque as palavras são equívocas, ou porque as ideias são imprecisas.

Em ambos os casos, como se pode continuar a denominar a Missa de "o mistério da Fé"? — Onde está o mistério, e de que fé se trata?

Além disso, como fica o artigo do Símbolo, segundo o qual a "UNIDADE" é o sinal (a "Nota") que permite reconhecer a verdadeira Igreja de Jesus Cristo, distinguindo-A assim das falsas?

Enfim, onde fica a fórmula (atribuída ao Papa Celestino I) e transformada em "lugar comum teológico": "Que a regra da Oração determine a regra da Fé"? De uma "Missa" celebrada tranquilamente por um calvinista resolvido a permanecer calvinista, que dogma pode doravante tirar o fiel, ou que aprofundamento pode tirar o teólogo?

Assim - perguntamos - o ato mais sublime do homem religioso não se apresenta, à vista dessa indeterminação, rebaixado ao nível de uma convenção diplomática, tornada bastante vaga para que as duas partes contratantes possam, a qualquer momento, dela abrir mão?

Mas então — e essa é a questão que resume e domina todas as outras — a Missa é um ato do Culto divino, ou um gesto de fraternidade humana?" (7).

Chegando à conclusão de que não é possível aceitar a nova Missa, o "Courrier de Rome" escreve:

"Quando todos os recursos à autoridade legítima se revelaram inúteis e vãos, não resta ao fiel senão um meio de se manifestar, — um meio extremo, grave, deplorável: a RECUSA.

Já que a regra do Pe. Anibal Bugnini e de seus cartagineses é a de realizar "experiências", por que não lhes oferecer uma experiência que eles jamais fizeram até aqui: a da RESISTÊNCIA dos DÓCEIS?

Esses senhores cuidavam diligentemente de se cobrir apenas em seu flanco esquerdo, persuadidos de que "os fiéis da Tradição" jamais ousariam resistir a uma revolução, desde que legalizada pela "Autoridade". — Ademais, quem ousaria expor-se aos epítetos de integrista, de imobilista? — Quem, portanto, ousaria recusar-se a parecer "jovem"?" (8).

Embora manifestando-se favorável a uma "resistência radical" (9) à nova Missa, o "Courrier de Rome" faz, entretanto, questão de frisar que sua atitude não é de contestação ou de rebeldia contra a legítima Autoridade Eclesiástica. Eis suas palavras:

"A necessidade (qualquer que ela seja), a obrigação (se alguma existe) de celebrar essa nova Missa devem ser revogadas pela Autoridade que as criou. Nós não pedimos a "liberdade" de celebrar nossa última Missa da mesma maneira como celebramos a primeira; afirmamos nosso DIREITO, tal como ele nos foi conferido em nome da Igreja pelo santo Bispo que nos chamou às Ordens, e em conformidade com uma tradição de quinze séculos.

Consideraríamos como a maior graça de nossa vida sacerdotal o podermos, pela presente declaração, levar um Padre, ainda que um só, a imitar nossa recusa.

E submetemos esta declaração ao Pontífice reinante, em presença de Cristo que julgará a ele e a nós mesmos.

Para nós, a aceitação ou a recusa do "Ordo" de Paulo VI não é um assunto de calendário, mas uma questão de dogma. Cremos que nossa salvação eterna está nisso envolvida" (10).

OUTRAS REAÇÕES AO LONGO DO SEGUNDO SEMESTRE DE 1969

Ao longo do segundo semestre de 1969, foram-se multiplicando as manifestações de perplexidade em face da nova Missa.

■ Em trabalho intitulado "O novo Ordo da Santa Missa — A unidade na heresia", o escritor francês Pierre Tilloy assim se pronunciou: "Em virtude do laço íntimo e ontológico que, de fato e de direito, ligou sempre a TRADIÇÃO DEFINIDA e a TRADIÇÃO PROFESSADA, [...] dizemos que a atual reforma litúrgica nos ensina um evangelho diferente daquele que. Pedro, sempre vivo nos seus Sucessores, havia professado até agora; e nos anuncia outro evangelho, que já não é aquele que até aqui havíamos recebido" (11).

No mesmo trabalho, escreve ainda o Sr. Pierre Tilloy:

"Será necessário redigir uma conclusão para esta segunda parte [do artigo], na qual queríamos mostrar que o novo "Ordo Missae" e o novo "Calendarium Romanum" não são católicos? Essa conclusão só poderá repetir que a Missa recentemente promulgada se aproxima mais da Ceia narrativa e comemorativa da Reforma, do que do Santo Sacrifício da Igreja Católica; que a "Liturgia da palavra" agora instaurada inaugura em nossos santuários católicos o culto protestante da "Sola Scriptura"; que o "Calendarium Romanum" há pouco instaurado e promulgado abate a machado a árvore multissecular do Calendário da Igreja Católica, para substituí-la pelo tronco morto, ressequido pelo vento glacial do racionalismo, das revoluções litúrgicas empreendidas pelas heresias do passado.

Para empregar uma expressão de outrora: dizemos que "esta nova mudança, mais do que imprudente, é temerária e escandalosa, e não pode escapar à suspeita de favorecer os hereges" (cf. D. Guéranger, "Inst. Liturg." I, pp. 434, 440, e 11, p. 542)" (12).

• No artigo "A mini Missa contra o dogma", publicado em "Lo Specchio", de 29 de junho de 1969, o teólogo italiano Mons. Domenico Celada refere diversas manifestações de Sacerdotes de seu país contra a nova Missa, e observa:

"A promulgação de um novo "ordo" — isto é, o abandono do venerável Missal Romano, agora substituído por outro, sobre cuja ortodoxia muitos teólogos ilustres têm feito amplas reservas — é um fato que provocou verdadeiro drama nas consciências sacerdotais.

O processo de destruição da liturgia é agora tristemente conhecido. Em menos de cinco anos foram desmanteladas as estruturas milenares do culto divino [...]" (13).

• Pronunciamento do reputado teólogo romano Mons. Francesco Spadafora, professor da Pontíficia Universidade Lateranense:

"No novo "Ordo Missae" atenta-se contra o próprio dogma. É um ato arbitrário, realizado não se sabe bem por quem e porque, contra o pensamento da própria Sagrada Congregação dos Ritos e da maioria absoluta dos Bispos. Ato arbitrário, injustificado e injustificável" (14).

• O boletim católico norte-americano "The Reign of Mary", de Idaho, tem publicado numerosas críticas à nova Missa, entre as quais se encontram citações do "Courrier de Rome", do Pe. de Nantes, de Mons. Celada, etc. É particularmente indicativa da posição da revista a seguinte nota: "Mons. Bryan Houghton, de Suffolk, Inglaterra, preferiu renunciar publicamente ao seu cargo [de Pároco], a usar a "nova liturgia"; e lamentou o fato de que, se aceitasse as diretrizes oficiais dos Bispos e de Roma, não poderia mais dizer a Missa no rito para o qual foi ordenado. Coragem, Monsenhor, pois NÃO estais isolado!" (15).

• Palavras da Dra. Elisabeth Gerstner, diretora do Centro Europeu do Movimento Tradicionalista Católico, sediado na Alemanha Ocidental:

"[...] nenhum católico fiel pode em consciência tomar parte no estrago, na amputação, na perversão terríveis que devem começar a 30 de novembro [data em que entrou em vigor o "Ordo" de Paulo VI].

[...] Seja como for, neste caso nossa resistência será granítica" (16).

• A 29 de setembro de 1969, um grupo de canonistas assinou em Paris um documento, divulgado posteriormente, sobre a nova Missa. Dele traduzimos as passagens que seguem:

"Desde que foi publicado, o Missal de Paulo VI suscitou no mundo católico, um pouco por toda parte, reservas e mesmo objeções capitais. [...].

Numerosos fiéis, Padres e Bispos encontram-se hoje, como podemos aqui testemunhar, diante de uma perplexidade terrível: ou recusar o "Ordo" de Paulo VI, correndo assim o risco de parecer resistir a uma lei pontifícia; ou aceitá-lo, obrigando-se então a fechar os olhos diante de objeções suficientemente graves para que alguns tenham podido falar de uma Missa "polivalente", uma Missa que, por sua ambiguidade evidente e confessada, pode ser celebrada por luteranos" (17).

• De 10 a 15 de outubro de 1969, estiveram reunidos em Roma representantes de várias associações católicas da Europa e da América, com o objetivo de estudar o novo "Ordo Missae". As conclusões a que chegaram foram divulgadas, na íntegra ou parcialmente, em diversos países. Encontramo-las, por exemplo na revista parisiense "La Pensée Catholique", e no periódico belga "Bulletin Indépendant d'Information Catholique".

Das referidas conclusões destacamos os seguintes tópicos:.

"[...] as reformas litúrgicas que se vêm sucedendo desde o fim do Concílio acabam de chegar a um novo Ordinário da Missa que, segundo em geral se admite, apresenta-se como um amálgama da ceia luterana e da Missa católica.

[...] os golpes dados até aqui contra grande parte do tesouro litúrgico, e que eram propostos à Igreja como sacrifícios toleráveis, adquirem doravante, em vista da promulgação do novo "Ordo Missae", seu verdadeiro significado, tornando assim intolerável toda a reforma litúrgica PÓS-CONCILIAR.

[...] torna-se agora evidente que, mais do que a Liturgia, é toda a economia sacramental, e particularmente o sacerdócio, que estão gravemente comprometidos.

[...] todas as inovações de ordem disciplinar, resumidas no que se tem chamado de transformação do "estatuto sacerdotal", constituem o resultado direto da referida reforma.

[...] passo a passo, é toda a instituição da Igreja visível e hierárquica que está igualmente comprometida.

[...] ao mesmo tempo, são também o dogma, a moral e a espiritualidade católicos que estão ameaçados.

[...] todas as previsões que se poderiam fazer sobre esses perigos são quotidianamente confirmadas por fatos de constatação universal. Em consequência, as Associações acima

(continua)

Notas na pág. 8