O nacionalismo argentino, uma incógnita em constante evolução
Gustavo Antonio Solimeo
Existe na Argentina uma força às vezes impalpável, mas sempre atuante e de grande influência no país: o nacionalismo. Liderado por uma elite de intelectuais e políticos conhecidos, e reunindo em suas fileiras elementos de destaque da iniciativa privada e da administração pública, o nacionalismo produziu uma obra literária considerável e desenvolveu uma intensa atividade durante os últimos cinquenta anos.
Apesar disso, o grande público argentino — e o mesmo acontece com muitos nacionalistas de base — não tem senão uma ideia incompleta desse movimento, cujo nome ele está habituado a associar vagamente ao campo doutrinário católico, tradicionalista e anticomunista. Isto decorre do fato de o nacionalismo não haver mantido ao longo de sua existência uma linha ideológica clara e definida, do mesmo modo que seus jornais e revistas (a maioria dos quais de escassa tiragem e existência efêmera) têm tomado atitudes por vezes contraditórias, e seus líderes políticos têm ocupado cargos em quase todos os governos, sem levar em conta a orientação destes.
Foi, pois, com grande interesse que o público esclarecido da Argentina, e também outros círculos cultos da América Latina, acolheram o livro recentemente lançado pela Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade sob o sugestivo título de "EL NACIONALISMO, UNA INCÓGNITA EN CONSTANTE EVOLUCIÓN" (Édiciones Tradición, Familia, Propiedad, Buenos Aires, 1970, 263 páginas). O livro foi escrito pela Comissão de Estudos da TFP argentina, presidida pelo Sr. Cosme Beccar Varela Hijo, e composta pelos Srs. Carlos F. Ibarguren Hijo, Jorge M. Storni, Miguel Beccar Varela e Ernesto P. Burini.
Obra de rara lucidez e objetividade, mantendo ao longo de suas páginas um tônus sempre digno e elevado, não hesita em apontar os nomes dos principais responsáveis pelos desvios do movimento nacionalista, entre os quais os Srs. Mario Amadeo, ex-Embaixador da Argentina no Brasil, Marcelo Sánchez Sorondo, César Pico — este recentemente falecido — o Pe. Júlio Meinvielle, e numerosos outros. Não há como negar o alto valor intelectual desse livro, sua densidade doutrinária e a abundância da documentação que apresenta, extraída das próprias fontes nacionalistas.
"Catolicismo" recomenda-o, pois, vivamente, a seus leitores.
Do nacionalismo à TFP
Os Autores traçam na Introdução desta obra seu próprio itinerário ideológico, o qual, partindo das fileiras do nacionalismo, conduziu-os até a fundação da Sociedade Argentina de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
Pertenceram todos eles ao corpo de redatores e propagandistas da revista "Cruzada", cujo primeiro número apareceu em julho de 1956. "Desde o primeiro momento — escrevem — "Cruzada" esteve em contato com o nacionalismo, dentro do qual existia, e do qual provinham quase todos os fundadores da revista. Por essa razão, em suas páginas foram acolhidos muitos artigos que denotavam a influência dos nacionalistas contemporâneos. Mas, também quase desde o primeiro momento — por razões que ultimamente chegamos a ver com toda a clareza — surgiu um mal-estar indefinido entre "Cruzada" e seus amigos nacionalistas, mal-estar este situado exclusivamente no campo das tendências e das doutrinas, já que, com os membros do nacionalismo, todos de trato pessoal distinto e ameno, nunca tivemos nenhum atrito" (p. 9). Não era raro que chefes nacionalistas procurassem dissuadir de ingressarem no movimento de "Cruzada" jovens sobre os quais tinham influência. Talvez lhes parecesse que a revista estava incorrendo em perigoso "desviacionismo" que era preciso reabsorver, e de fato foram sem conta as propostas para que o grupo de "Cruzada" se fundisse com alguma das numerosas organizações que o nacionalismo tinha criado ao longo dos anos. Alguns de seus redatores se deixaram seduzir por essas propostas e se incorporaram às atividades explicitamente políticas do nacionalismo. A revista, contudo, continuou no seu programa de luta pela verdade católica e pelas tradições da cristandade hispânica, sem enfileirar-se em nenhuma facção política nacionalista. À medida que "Cruzada" se ia definindo por uma posição nitidamente católica, hispânica e tradicionalista, iam-se acentuando os pontos de divergência com o nacionalismo, embora continuasse ela ainda, de algum modo, circundada pelo ambiente nacionalista. Alguns fatos foram tornando mais patentes as diferenças e até uma certa contraposição, percebida naturalmente por ambos os lados.
Finalmente, em 1967, resolveram os redatores e propagandistas de "Cruzada" desvincular-se formalmente do nacionalismo, fundando uma organização de inspiração francamente contra-revolucionária, a Sociedad Argentina de Defensa de la Tradición, Familia y Propiedad, com a qual iriam explicitar no campo cívico os ideais que os haviam animado desde o início.
A ruptura com o nacionalismo foi para o grupo de "Cruzada" o resultado de um longo processo de maturação e reflexão sobre o próprio itinerário ideológico, bem como de um estudo sério e profundo da doutrina nacionalista (tão multiforme em seus aspectos e tão cheia de contradições internas) através da análise cuidadosa dos escritos dos elementos mais representativos do movimento. Desse estudo resultou igualmente o livro de que nos ocupamos.
Cumpre esclarecer que a ruptura não atingiu as relações dos jovens de "Cruzada" com as bases nacionalistas (nem implicou em hostilidade pessoal contra as cúpulas): "[...] os contactos em plano de solidariedade ideológica e de colaboração entre "Cruzada" e a generalidade dos chefes nacionalistas cessaram, embora tenham continuado naturalmente as relações pessoais; ademais, no que chamaríamos as bases nacionalistas, "Cruzada" continuou tendo, até hoje, simpatias que nos confortam e honram" (p. 11). Essa atitude das bases deve-se ao fato de o nacionalismo, considerado em seus líderes, ter tido sempre uma doutrina aparente e outra real, como veremos adiante. Ora, as bases — especialmente os jovens — foram sempre atraídas pela doutrina aparente, representada pelo Catolicismo e pelo hispanismo, enquanto as cúpulas seguiam uma orientação relativista e dialética. Os fundadores da TFP argentina romperam com esta orientação, permanecendo fiéis aos princípios adotados pelas bases nacionalistas.
Divisão do livro
"El nacionalismo, una incógnita en constante evolución" está dividido em três partes, além de uma nota introdutória e de um opulento apêndice bibliográfico. As partes, por sua vez, subdividem-se em capítulos, cada qual precedido de um resumo substancioso, para facilitar a leitura de um texto necessariamente cheio de citações e referências.
Na primeira parte apresenta-se sumariamente a história do nacionalismo, desde suas origens; na segunda expõe-se a doutrina nacionalista, omitindo-se porém as citações, para tornar mais cômoda a compreensão da lógica interna dessa doutrina; finalmente, na terceira parte, são analisados textos de autores nacionalistas das diversas épocas, dos quais se depreendem as várias teses apresentadas na segunda parte.
História do nacionalismo
Distinguem os Autores três épocas na história do nacionalismo: a primeira vai desde as origens até o advento de Perón; a segunda corresponde à era peronista; e a terceira estende-se da queda do ditador descamisado até os nossos dias.
NASCEU NA DÉCADA DE 20
O movimento que depois tomou o nome de nacionalismo nasceu ao calor das primeiras labaredas do esquerdismo na Argentina. Três acontecimentos da história platina servem de marco à nova época, dentro da qual surgiu o nacionalismo: a promulgação da lei do sufrágio universal, que deu início à era dos movimentos de massa (1916); a Reforma universitária, que deveria contribuir para a formação de uma elite esquerdista (1918); e a "Semana Trágica", durante a qual agitadores proletários provocaram uma explosão anarquista, com inúmeros atentados a pessoas e propriedades (1919). Esses acontecimentos provocaram nos setores mais tradicionais da população argentina uma vigorosa reação, marcada pela tendência à reafirmação dos princípios católicos e da tradição hispânica.
Foi na década de 20 que se delineou com mais precisão o movimento
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"BALDEAÇÃO IDEOLÓGICA INADVERTIDA E DIÁLOGO"
TAMBÉM REPERCUTE ALÉM DA CORTINA DE FERRO
Nossos leitores se lembrarão, por certo, da polêmica que se travou em torno do ensaio "A LIBERDADE DA IGREJA NO ESTADO COMUNISTA'', entre seu Autor, Prof. PLINI0 CORRÊA DE OLIVEIRA, e o Sr. ZBIGNIEW CZAJKOWSKI, diretor do jornal "Kierunki", de Varsóvia. Nela intervieram também, do lado do Presidente do Conselho Nacional da TFP o Sr. Henri Carton, de "L'Homme Nouveau", e do lado do jornalista polonês o Sr. A. V., de "Témoignage Chrétien", ambos de Paris. Dessa polêmica demos amplo noticiário em, vários números desta folha, em 1964-1965 (1).
Essa não foi, porém, a única obra do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a repercutir além da cortina de ferro e a provocar reação por parte do mesmo Sr. Czajkowski.
Com os compreensíveis e inevitáveis atrasos, chegou-nos às mãos um exemplar do número de janeiro de 1968 de "LA VIE CATHOLIQUE EN POLOGNE REVUE DE LA PRESSE POLONAISE", editada em Varsóvia pela Associação "Pax" — a conhecida organização "católica" de fachada do regime comunista polonês (2). A revista parece destinada a informar o público ocidental sobre a vida religiosa naquele país e, particularmente, sobre as atividades do grupo "Pax".
Esse número de "La Vie Catholique en Pologne" dedica sete páginas da secção "Resenha do mês" a noticiar os ataques feitos em duas edições sucessivas do semanário "Kierunki" (n.os 51-52 e 53, de 1967) pelo Sr. Zbigniew Czajkowski, redator-chefe de "Zycie i Mysl", ao ensaio "BALDEAÇÃO IDEOLÓGICA INADVERTIDA E DIÁLOGO", do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Pela mesma revista ficamos sabendo que "Zycie i Mysl" é um "mensário filosófico e social", enquanto "Kierunki" é um semanário "destinado aos círculos da intelligentsia" polonesa (pp. 7-8), sendo ambos editados igualmente pela Associação "Pax".
Polêmica ou monólogo?
Da outra vez o Sr. Z. Czajkowski enviou ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira um exemplar do jornal no qual o atacava, acompanhado da respectiva tradução francesa. Ademais, para evitar extravio, remeteu idêntico material ao Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer, pedindo-lhe que o encaminhasse ao escritor brasileiro. Vê-se bem que o colaborador de "Kierunki" tinha então empenho em que suas críticas chegassem ao conhecimento de quem elas visavam. Desta feita, porém, nada recebeu o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira da parte do Sr. Czajkowski.
Assim, é bem de ver que jamais poderia o Sr. Z. C. intitular êste seu novo artigo de "No círculo de uma mistificação psicológica, ou seja, de uma polêmica com o Prof. Plínio de Oliveira — continuação", uma vez que a outra parte na pretensa polêmica só por acaso e muito tardiamente viria a ficar sabendo dos ataques de que era objeto. Quanto à palavra "mistificação", calha bem ao texto do próprio Sr. Czajkowski. Os leitores verão como o colaborador de "Zycie i Mysl" não se preocupa em refutar a argumentação do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, mas limita-se a transcrever, de modo escandalosamente deturpado e truncado, trechos do trabalho deste e a dirigir-lhe insultos pessoais, — o que não é de se estranhar por parte de um comunista, para quem os fins justificam os meios.
Daremos apenas algumas amostras dessa "técnica".
Deturpações escandalosas
À página 4 da 4.a edição brasileira de "Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo" (Editora Vera Cruz, São Paulo, abril de 1966), escreve o ilustre pensador brasileiro: "A causa da insanável inviabilidade da vitória comunista através das urnas está também, em alguma medida, na resistência que ao marxismo opõe o fundo de bom senso natural que constitui o patrimônio milenar e comum da humanidade. Este bom senso se choca com o caráter essencialmente antinatural que se mostra em todos os aspectos do comunismo".
Pois bem. Estas linhas tão claras e inequívocas, assim as "leu" — e apresenta entre aspas, como transcrição literal — o jornalista do grupo "Pax":
"As vitórias alcançadas nas urnas pelos comunistas são parcialmente devidas a exigências malsãs e exageradas (as dos capitalistas e da burguesia, Z. C.) e parcialmente ao fato de que o marxismo se baseia no bom senso que é uma Conquista secular comum a toda a humanidade" ("La Vie Catholique...", p. 63).
Não é escandaloso? Mas há mais ainda. Adiante escreve o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Ganhou ele [o comunismo], é verdade, a eleição polonesa de 1957, mas esta eleição, é evidente, careceu de liberdade. Os católicos sabiam que se derrotassem Gomulka, exporiam sua pátria a uma repressão russa no estilo da que sofrera a gloriosa e infeliz Hungria. Por isto, embora constituindo na Polônia maioria decisiva, optaram eles pelo que se lhes afigurou o mal menor, elegendo deputados "gomulkianos". Não nos pronunciamos aqui sobre a liceidade dessa manobra, nem sobre o seu acerto do ponto de vista estritamente político. Sublinhamos, entretanto, que de nenhum modo se pode afirmar ter sido eleito livremente pelo ínclito povo polonês um congresso majoritariamente comunista. A maioria comunista existente no parlamento da Polônia não constitui, pois, argumento contra o que acabamos de afirmar" (ed. cit., p. 4).
Eis como o jornalista polonês "transcreve" — e sempre entre aspas — esta passagem: "É verdade que os comunistas poloneses ganharam as eleições de 1957, assim como é verdade que essas eleições transcorreram em uma atmosfera de liberdade (...). Sublinhamos que o parlamento comunista polonês foi eleito em eleições livres pela grande maioria dessa magnífica nação. Ê, por isso que a existência de uma grande maioria comunista no parlamento polonês não constitui tampouco um argumento contra nossa tese" ("La Vie Catholique...", p. 63).
Não é possível ser mais desleal ao fazer citação de um Autor que se pretende refutar.
Depois de passar por alto sobre a introdução e o primeiro capítulo da obra, o redator-chefe de "Zycie i Mysl" salta todo o capítulo II, sobre "A baldeação ideológica inadvertida", o III, intitulado "A palavra-talismã, estratagema da baldeação ideológica inadvertida", fala muito ligeiramente a respeito dos sentidos talismânicos da palavra "diálogo", que são objeto do capítulo IV, o mais longo do livro — e o mais importante para se compreender o seu contexto — e passa logo à Conclusão, apresentando truncada uma passagem na qual o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira aponta, apenas a título de exemplo, como os do grupo "Pax" encaram o diálogo de modo relativista e admitem uma evolução no pensamento social da Igreja, capaz de torná-lo flexível a ponto de aceitar o marxismo.
A esse respeito afirma o Sr. Czajkowski: "Não é "Pax" quem "insinua", Sr. Professor, que o pensamento social evolui e, como o Sr. escreve, dá mostras de flexibilidade em relação ao socialismo; esta tendência é confirmada pelos decretos do Vaticano II, tal como pelas Encíclicas sociais de João XXIII e Paulo VI" ("La Vie Catholique...", p. 67).
Depois de tudo isso, o jornalista de "Pax" atreve-se ainda a dizer que o livro do pensador brasileiro ignora "todas as leis da lógica" e tende "a falsear e a confundir os fatos, os acontecimentos e as conclusões", não passando de um "amontoado de verdades e contraverdades" (revista citada, p. 63).
O que mais importa
O que importa destas notas não é tanto ver como os comunistas se servem dos métodos mais desleais para combaterem os que se opõem aos seus desígnios sinistros. O importante é o fato de que um elemento qualificado dentro da Associação "Pax", a qual constitui dócil instrumento do governo comunista polonês, tenha julgado oportuno alertar os círculos intelectuais de seu país contra mais este trabalho do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Isso é sinal de que o comunismo receia que "Baldeação Ideológica Inadvertida e Diálogo" lhe acarrete sério dano em seus próprios domínios de além cortina de ferro.
1) Ver: "Atrás da cortina de ferro", cm "Catolicismo", n.° 161, de maio de 1964; "Carta aberta para além da cortina de ferro", por Plinio Corrêa de Oliveira, n.° 162, de junho de 1964; "Jornal católico francês responde à carta aberta publicada em Kierunki", n.° 165, de setembro de 1964; "Continua acesa a polêmica em torno de A liberdade da Igreja no Estado Comunista", n.° 166, de outubro de 1964; "Resposta à carta aberta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira / 2.a carta aberta do Sr. Zbigniew Czajkowski, publicada nos periódicos Kierunki e Zycie i Mysl, de Varsóvia"; e "Diálogo, coexistência e hecatombe termonuclear / 2.a carta aberta para além da cortina de ferro", por Plinio Corrêa de Oliveira, n.° 170, de fevereiro de 1965.
2) Ver "O grupo Pax e Informations Catholiques Internationales", por Cunha Alvarenga — "Catolicismo", n.o 164, de agosto de 1964.
Dizei uma só palavra...
Plinio Corrêa de Oliveira
O Sr. Nelson Carneiro declarou à imprensa que o fato de haver sido eleito senador pela Guanabara constitui uma aprovação da opinião pública nacional à sua atuação divorcista na Câmara dos Deputados. De onde concluiu que, na Câmara Alta, deve dedicar-se, mais do que nunca, a derrubar a indissolubilidade do vínculo conjugal.
O raciocínio do agitado parlamentar é o seguinte:
a) se ele, divorcista notório, foi eleito pela Guanabara, é porque os seus eleitores desejavam o divórcio;
b) ora, como a Guanabara “é o espelho do país”, o Brasil inteiro quer o divórcio;
c) logo, ele, Nelson Carneiro, não faz senão obedecer à opinião nacional, continuando em sua luta pela causa divorcista.
— Claro? Lógico? — Sim... nas nuvens. Na realidade concreta, as coisas são bem outras.
Há longos anos, o Sr. Nelson Carneiro se vem fazendo notar como o D. Quixote do divórcio. Brada, clama, agita-se, e o divórcio não é aprovado. Se não me engano, o mais recente de seus feitos parlamentares — em matéria de divórcio, esclareço, pois, S. Excia. também é autor de feitos em outros assuntos — foi, sem dúvida, o esforço baldo que desenvolveu em prol do projeto de Código Civil enviado ao Congresso pelo pranteado presidente Castelo Branco. Não sei quem, talvez o próprio Sr. Nelson Carneiro, convenceu o valoroso cabo de guerra de que o divórcio seria bem aceito no país. Presumivelmente por isto, figurava ele no projeto, sob a forma de uma ampliação dos casos de anulação de casamento.
Todos se lembram de que, a essa altura — corria o ano de 1966 — a TFP organizou um abaixo-assinado antidivorcista que, em 50 dias, obteve 1.042.359 assinaturas coletadas em 142 cidades.
Castelo Branco compreendeu a voz do povo. Antes de a campanha chegar a seu término, retirava ele o projeto. E a investida divorcista, apesar de tão aplaudida pelo Sr. Nelson Carneiro, ruiu por terra.
Em consequência, formou-se no público a persuasão da inviabilidade do divórcio, e da inocuidade das investidas quixotescas do Sr. Carneiro.
* * *
Isto explica facilmente que muitos eleitores antidivorcistas da Guanabara tenham dado seus votos ao líder divorcista. Não os moveu, de modo algum, o desejo de ver aprovado o divórcio, mas a simpatia pelo MDB, e talvez pela pessoa do Sr. Nelson Carneiro, que dispõe inegavelmente, em vários órgãos da imprensa escrita e falada, de ótima acolhida para sua propaganda pessoal.
Eis — do ponto de vista da questão do divórcio — a verdadeira história da eleição do Sr. Nelson Carneiro.
* * *
Ao lado deste fator houve outro. A opinião antidivorcista compareceu ao pleito inteiramente desorientada, desestimulada e desconexa. Nenhum moralista católico genuíno há, que não ensine ser grave obrigação de todo eleitor católico recusar seu voto a um candidato divorcista. Se de todos os púlpitos isto tivesse sido dito e proclamado estou certo de que o eleitorado, que displicentemente votou pelo Sr. Nelson Carneiro, lhe teria negado o voto.
E estou certo de que, nesse caso, ele não teria sido eleito.
O silêncio unânime, ou quase unânime, de tantos pregadores ante a eleição para o Senado de um candidato estrepitosamente divorcista implicou razoavelmente, aos olhos do público, num verdadeiro “agreement” em favor dele. Ou num certificado de inocuidade.
Qual a razão desse “agreement”? — É, para mim, um perfeito e insondável mistério. Mas o fato aí está. Na imprensa não encontrei notícia de um só sermão contra a candidatura do Sr. Nelson Carneiro. Procurei informar-me com amigos cariocas bem a par do assunto: nada lhes constava. Se algo houve, foi como se não tivesse havido.
* * *
Da impopularidade do divórcio tem, aliás, inteira consciência o Sr. Nelson Carneiro. Tanto é que, em sua citada entrevista, afirma ser “muito difícil” obter a introdução explícita do divórcio em nossa legislação, por meio de uma emenda constitucional. Haveria muito risco de não se alcançar, para isto, a maioria necessária.
“Muito difícil” por que, perguntamos, se todo o mundo quer o divórcio? Então, o Congresso, que “muito dificilmente” aprovaria o divórcio, não representa o país? E se representa, como afirmar então, que o país quer certamente o divórcio?
É que o clero não quer o divórcio, diria alguém, e tanto o Executivo quanto o Legislativo não desejam contrariar o clero. Admitamos a hipótese, para argumentar. Se assim é, pergunto por que não desejam nossos homens públicos contrariar o clero. Evidentemente, pela raiz que a Igreja tem em nossa população católica. Mas, então, essa população quer romper com a Igreja e, eventualmente, com seus Pastores, para seguir o Sr. Nelson Carneiro?
Há mais. O senador divorcista apresenta, em suas declarações, como o modo mais direto de implantar o divórcio, fazer aprová-lo... às escondidas!
Sim. Assevera ele que se o próximo projeto de Código Civil — sem pronunciar a palavra divórcio — ampliar consideravelmente os casos de anulação de casamento, então sim, estará derrubada a indissolubilidade do vínculo, porque, acrescenta, “as consequências da anulação do casamento são praticamente as mesmas do divórcio”.
Veja o leitor a comicidade da tese do Sr. Carneiro. A opinião pública quer o divórcio, o Executivo o quer, o Legislativo o quer. Mas o único jeito de ele ser aprovado é disfarçadamente!
* * *
A meu ver, o divórcio, mascarado de anulação, só passaria, no Brasil, por um golpe de surpresa, isto é, se fosse imposto pelo Executivo em um projeto de lei que o Congresso tivesse de aprovar a toque de caixa. De tal maneira que se negasse à opinião pública o tempo necessário para tomar conhecimento do perigo, e manifestar-se contra ele.
Não me sinto, aliás, no direito de prognosticar como provável que as coisas se passem assim. Pois há circunstâncias que parecem dizer o contrário.
Com efeito, há tempo que a reforma do Código Civil está em pauta. O general Médici sabia que, cedo ou tarde, teria de abordar a importante matéria. E que seu braço direito, para isto, teria de ser forçosamente o ministro da Justiça. Se o chefe do Estado quisesse — segundo aspira ser o Sr. Nelson Carneiro — aproveitar a feitura de um novo Código Civil para fazer entrar o divórcio pela porta dos fundos de nossa legislação, não escolheria, como ministro da Justiça, o Sr. Alfredo Buzaid. Pois, como professor de Direito, por certo repugnará a este o truque recomendado pelo líder divorcista. E, dado que o titular da Pasta da Justiça se preza de católico praticante, em sã lógica não é admissível que ele se solidarize com um projeto de Código Civil que, segundo o próprio Sr. Nelson Car-neiro, implicaria na derrubada do princípio cristão da indissolubilidade do matrimônio.
* * *
De minha parte, e como presidente do Conselho Nacional da TFP, tenho um conselho a dar.
É desairoso para o divórcio entrar em nossa legislação por um vulgar passa-moleque.
Se, pois, o Sr. Nelson Carneiro, ou outro prócer divorcista qualquer, deseja o divórcio, proponha-o de público, com toda a clareza, e desencadeie uma consulta ao povo.
Neste caso, tocará à CNBB publicar largamente um pronunciamento tanto quanto possível conciso e peremptório contra o divórcio (e a anulação paradivorcista).
Em seguida, dê-se tempo para um largo debate sobre a matéria em todo o País.
E, por fim, proceda-se a um plebiscito.
Se não se quiser o plebiscito, os divorcistas recolham adesões para suas listas de assinatura, e a TFP paralelamente promoverá outro abaixo-assinado antidivorcista.
Ver-se-á, então, quanto se enganam os que imaginam que o Brasil é divorcista.
* * *
Isto dito, volto-me para a CNBB.
Sabem os Srs. Bispos que a indissolubilidade do casamento foi instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, e que lei humana alguma tem o direito de a abolir. Sabem também que a eles, mais incomparavelmente mais do que à TFP, ou a quem quer que seja, cabe velar por que as leis civis não atentem contra o que Jesus Cristo instituiu.
Para a defesa do vínculo, caso venha este a ser ameaçado por algum truque do Sr. Nelson Carneiro, peço aos Srs. Bispos tão somente um documento revestido das características pouco acima enumeradas. E a este propósito lhes dirijo, como católico, ligeiramente adaptada, a súplica do Centurião: dizei uma só palavra, e nossa pátria estará salva. Pois aos Srs. Bispos não é necessário que se movam nem que se esforcem. Bastará que falem, mas falem deveras, para que os leigos façam o resto, e levem à derrota às hostes divorcistas.
— Teremos ou não teremos o divórcio? Esta pergunta redunda em outra: falarão ou não falarão contra ele nossos Bispos, num pronunciamento da CNBB, compacto e sem discrepâncias?
Se — como de direito — emitirem a palavra salvadora, o laicato católico do Brasil sobressaltará. E qualquer iniciativa clara ou veladamente divorcista morrerá “in ovo”.
Não quero crer que, essa palavra, eles a recusem. Se a recusassem, o desalento no laicato católico poderia ser bem grande. Pois em tão surpreendente hipótese se lhes poderia aplicar a frase de Camões: “um fraco rei faz fraca a forte gente”.
Se, em tal caso, o divórcio vencesse, o causador capital desta vitória não seria o Sr. Nelson Carneiro.
Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 21/2/71
Em Alcácer-Quibir exortava os soldados à luta
Frei Tomé de Jesus, o autor do texto que apresentamos na página 3, nasceu em Lisboa em 1529. Eremita de Santo Agostinho, depois de ocupar vários cargos de sua Ordem e de proceder à reforma da mesma em Portugal, fundou uma Província à parte, para recolher os Religiosos que, como ele, desejavam viver segundo o antigo rigor da Regra. No silêncio do claustro compôs várias obras em latim e em vernáculo.
Em 1578 El-Rei Dom Sebastião, conhecedor de suas virtudes e zelo das almas, fê-lo deixar o santo recolhimento, rogando-lhe que o acompanhasse na expedição à África. Durante a batalha de Alcácer-Quibir — na qual pereceria o Rei, e com ele a flor da nobreza lusa — percorria Frei Tomé as linhas dos combatentes com o Crucifixo à mão, exortando-os a pelejarem com denodo pela glória de Cristo Jesus.
Derrotados os portugueses, Frei Tomé de Jesus, malferido de um golpe de lança, foi feito prisioneiro e vendido mais tarde como escravo a um marabuto, isto é, a um desses eremitas muçulmanos tidos em conta de santos pelos de sua seita.
Não tinha outro intento o mouro que o de perverter Frei Tomé e fazê-lo apostatar do Santo Nome de Jesus que levava no coração e por apelido.
Assim, tratou-o de início de modo cordial e ameno, mas ao ver que o Religioso agostinho não só não se deixava seduzir por suas falácias, senão que antes o procurava demover do erro em que cego se achava, mostrando-lhe as imposturas da doutrina de Mafoma, irou-se e, pouco se importando de sua própria condição de marabuto, ou seja, de "santo" entre os seus, meteu-o em duro cárcere onde, segundo um biógrafo, davam-lhe mais açoites que alimento.
Na lôbrega enxovia em que o havia posto o infiel — sem mais luz que a que lhe entrava pelas gretas e buracos das paredes, como conta ele mesmo em sua famosa "Carta à Nação Portuguesa" — e sem outra fonte de inspiração que as meditações, e os muitos padecimentos que experimentava, compôs Frei Tomé a sua obra-prima, "Trabalhos de Jesus".
Liberto, ao cabo de alguns anos de cativeiro, por mediação do Embaixador de Portugal junto ao potentado do Marrocos, não quis Frei Tomé de Jesus regressar à pátria, ainda que doente e alquebrado, preferindo ali permanecer na Berberia para pregar aos cristãos cativos e aos mesmos infiéis, bem como aos judeus, numerosos naquelas partes. Vencido pelas muitas fadigas, morreu entre eles em 1582.
Na literatura mística portuguesa do século XVI não há autor que se lhe compare, sendo mesmo chamado de "o Kempis lusitano". Clássico de grande autoridade, foi, ademais, o autor português mais traduzido a outros idiomas nos séculos XVII e XVIII. Os seus "Trabalhos de Jesus" (que ele escrevera sem intenção de os publicar, e que só foram impressos depois de sua morte, por iniciativa de um confrade) percorreram a Europa e o mundo, vertidos para o latim, o francês, o italiano e, sobretudo, o espanhol e o inglês, sendo que de cada uma destas duas línguas se conhecem onze traduções.