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(continuação)

A VISÃO GNÓSTICA DOS BENS TERRENOS

de fortuna, para juntas tirarem da terra ou de outros meios de produção o que a umas e outras é necessário para a subsistência. E a participação nos benefícios, quando livre e espontânea, não é novidade de nossos dias, mas no passado foi frequente onde o capital e o trabalho harmoniosamente se uniam para a realização da mesma tarefa. Nada de injusto, porém, há na mera contratação de trabalhadores avulsos, mediante estipêndio previamente combinado. É o que nos mostra a parábola dos operários da vinha: "O Reino dos Céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu a contratar operários para a sua vinha. E, tendo ajustado com os operários um dinheiro por dia, mandou-os para a sua vinha. E, tendo saído cerca da terceira hora, viu outros, que estavam na praça ociosos. E disse-lhes: Ide vós também para a minha vinha, e dar-vos-ei o que for justo. E eles foram [...]. No fim da tarde o senhor da vinha disse ao seu mordomo: Chama os operários e paga-lhes o salário, começando pelos últimos até os primeiros. Tendo chegado, pois, os que tinham ido cerca da hora undécima, recebeu cada um seu dinheiro. E chegando também os que tinham ido primeiro, julgaram que haviam de receber mais; porém, também eles receberam um dinheiro cada um. E, ao receberem, murmuravam contra o pai de família, dizendo: Estes últimos trabalharam uma hora, e os igualaste conosco, que suportamos o peso do dia e do calor. Porém ele, respondendo a um deles, disse: Amigo, eu não te faço injustiça; não ajustaste tu comigo um dinheiro? Toma o que é teu, e vai-te; que eu quero dar também a este último tanto como a ti. Ou não me é lícito fazer [dos meus bens] o que quero? Porventura o teu olho é mau, porque sou bom?" ("Mat. 20, 1-15).

Pressuposto o justo salário a que faz menção a parábola, o resto, como por exemplo a participação nos lucros, será produto da mera liberalidade do contratador do serviço. O que ressalta com toda a clareza dessas palavras de Nosso Senhor é que nada existe de injusto ou de errado no regime do salariado, e que este já existia naquele tempo, não sendo, pois, característica exclusiva do regime capitalista (e assim se desmente a evolução apregoada pela esquerda-católica: servidão — salariado — participação).

A produtividade, da moeda

O lucro é outro cavalo de batalha da esquerda-católica, para quem o embolorado Marx é quem diz sempre a última palavra em matéria de economia. Se é verdade, como ensina o Apóstolo, que "os que querem enriquecer caem na tentação e no laço do demônio" porque "a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro" (1 Tim. 6, 9 e 10), é claro que isto se aplica sobretudo a um regime, como o socialista ou o comunista, que põe a vida da alma entre parênteses, quando a não proscreve às escâncaras, e vive exclusivamente para a conquista dos bens deste mundo, para a aquisição dos quais o dinheiro existe. Mas — pressuposta a moderação com que nos devemos valer dos bens terrenos, usando-os como se não usássemos, segundo manda o Apóstolo (1 Cor. 7, 31) — a moeda, entre os povos civilizados de todos os tempos, tem um valor de troca e um papel de denominador comum da riqueza, que em si mesmo nada oferece de pernicioso. A raiz de todos os males não se acha no dinheiro, mas no amor que lhe é desordenadamente dedicado. É bem verdade que há épocas e povos nos quais a moeda tem um uso bem circunscrito, sendo o benefício econômico caracterizado por outras modalidades de lucro, via de regra não provenientes diretamente da moeda, como se dava na economia medieval, onde o lucro se achava representado preponderantemente pela renda da terra.

Tudo isto posto, levando em consideração o que Nosso Senhor ensinou sobre a avareza e sobre o modo como devemos encarar as riquezas, o emprego do dinheiro como veículo das atividades econômicas é uma coisa perfeitamente lícita, e disto nos dá exemplo a parábola dos talentos: o Reino dos Céus será "como um homem que, ausentando-se para longe, chamou os seus servos, e lhes entregou os seus bens. E deu a um cinco talentos, e a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade, e partiu imediatamente". Na volta, o que havia recebido cinco talentos lhe apresentou outros cinco que havia lucrado, e o que recebera dois talentos havia lucrado outros dois. Ambos foram louvados e galardoados pelo senhor. O terceiro, que recebera um só talento, devolveu-lhe esse mesmo talento, sendo repreendido como mau e preguiçoso, acrescentando o senhor: "devias, pois, dar o meu dinheiro aos banqueiros e, à minha volta, eu teria recebido certamente com juro o que era meu". E o servo inútil foi duramente castigado (Mat. 25, 14-30). O mesmo tema é abordado pela parábola dos dez marcos (Luc. 19, 11-28).

Destaquemos, nessas parábolas, dois fatos que Nosso Senhor trata como normais: o lucro que vem de negócios realizados por meio de dinheiro ou do capital, e os juros que nos podem advir desse mesmo dinheiro. Uma terceira consideração seria a de que é justo dar maior remuneração a quem se mostra mais diligente e industrioso ao manipular o dinheiro, e de que merece castigo quem permanece na ociosidade quando tem obrigação de fazer render o capital.

O uso do dinheiro para fins produtivos tem sido um dos temas mais visados pela demagogia dos católicos-esquerdistas e demo-cristãos. Condenam toda e qualquer atividade econômica decorrente da livre iniciativa, aquilo a que dão a denominação pejorativa de interesses privatistas, como se o fazendeiro ou o industrial, por exemplo, não concorressem para o bem comum com suas atividades lucrativas. Vemos, pelo contrário, que Nosso Senhor cita como coisa trivial o negociar com o dinheiro, dando-lhe aplicação produtiva e, portanto, com ele obtendo o lucro, o benefício que resulta das atividades econômicas.

O dinheiro, em si mesmo considerado, não é fértil. Mas desde que empregado na aquisição de terras, de implementos para a lavoura e para a indústria, para o transporte de mercadorias, etc., passa a ser realmente produtivo. É o que os teólogos e moralistas medievais já proclamavam, numa época em que a moeda tinha um papel muito restrito na vida econômica, ao reconhecerem os chamados títulos extrínsecos justificativos do interesse ou juro, os principais dos quais eram o dano emergente, o lucro cessante e o perigo da sorte. Isto é, "cada vez que no empréstimo concorresse alguma das circunstâncias indicadas, ou porque houvesse um risco na sorte do capital emprestado, ou porque o prestamista ao emprestar o dinheiro tivesse um perigo de dano, ou deixasse por isso de obter um ganho lícito com seu capital, podia, em virtude dessas razões, pedir um interesse em seu empréstimo" (Pe. Joaquin Azpiazu, S. J., "La Moral del Hombre de Negocios", Ed. Razón y Fe Madrid, 1944, p. 109). É o que estatui o Código de Direito Canônico ao dispor sobre os contratos relativos aos bens temporais da Igreja: "Se se entrega a alguém uma coisa fungível, de tal sorte que passe a ser sua e que depois seja necessário devolver outro tanto do mesmo gênero, não se pode perceber nenhum ganho por razão do mesmo contrato; mas ao emprestar uma coisa fungível, não é de si ilícito estipular o juro legal, a menos que conste que é excessivo, e até um juro mais alto, se há título justo e proporcionado que o cooneste" (cânon 1543).

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A verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua doutrina de salvação, que não é de ontem nem de hoje, mas de todos os tempos até a consumação dos séculos, qual nova Arca sobrenada nas águas revoltas da apostasia do mundo moderno.

Bem refletindo, é coerente que os pressupostos da vida econômica baseados direta ou indiretamente na lei natural sejam combatidos por aqueles que se acham a serviço da Revolução, toda ela mergulhada no orgulho e na sensualidade.

A harmonia social fundada nas lições hauridas tanto no Velho quanto no Novo Testamento não pode ser aceita por aqueles que partem de falsa doutrina de que a igualdade deve ser imposta aos homens. Depois de se ocupar dos diferentes afazeres dos que se dedicam sobretudo ao trabalho manual, assim conclui o Eclesiástico: "Todos estes têm confiança na indústria das suas mãos, e cada um é sábio na sua arte. Sem todos estes não se edificaria uma cidade; não se habitaria nela, nem se passearia; mas eles não entrarão nas assembléias. Eles não se assentarão na cadeira do juiz; e não entenderão as leis da justiça; não ensinarão as regras da moral, nem do direito, e não se acharão ocupados na inteligência das parábolas; mas só restauram as coisas que passam com o tempo, e os seus votos são para fazerem bem a obras da sua arte; eles aplicam nisto a sua alma, e procurara viver segundo a lei do Altíssimo" ( Ecli. 38, 35-39).

Estendendo seu amor a todos os homens, nosso Divino Salvador em suas parábolas não nos ensina o mesmo a respeito da sociedade orgânica?


TFP reza pela conversão da Rússia

Para obter da SSma. Virgem o quanto antes o cumprimento das promessas feitas na Cova da Iria no ano de 1917, especialmente a conversão da Rússia, hoje dominada pelo comunismo, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade promoveu em São Paulo, de 4 a 12 de maio p.p., uma novena em louvor de Nossa Senhora de Fátima.

Diante do oratório instalado na sede da entidade à Rua Martim Francisco, n."' 665-669, onde se acha exposta a imagem da Imaculada Conceição atingida por uma bomba terrorista em junho de 1969, sócios e colaboradores da TFP e grande número de devotos rezaram diariamente um terço e a ladainha lauretana, entremeados de cânticos.

O dia do início do novenário coincidiu com o primeiro aniversário da vigília de orações que — como já noticiamos em outra oportunidade — a TFP vem fazendo no mesmo local, das 18 horas de cada dia às 6 da manhã seguinte.

No encerramento da novena os sócios e militantes da entidade fizeram uma vigília extraordinária e solene, rezando todos juntos, com o Conselho Nacional à frente, desde as 22 horas do dia 12 às 6 horas do dia 13.

No dia 13 de maio, no qual se comemorava o 54.° aniversário da primeira das aparições da Cova da Iria e o 25.° da coroação pelo Legado pontifício da imagem de Nossa Senhora que se venera em Fátima, teve lugar diante do oratório da TFP um ato festivo, com a recitação do terço e da ladainha, com cânticos mariais pelo Coro São Pio X e com a leitura do relato da aparição.


TFP quer prazos amplos para os Códigos

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP, enviou ao Sr. Pereira Lopes, Presidente da Câmara dos Deputados, telegrama referente dilatação dos prazos para tramitação dos projetos de Códigos, solicitada pelo Deputado Ulisses Guimarães. É este o texto do despacho: "A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade pede ao ilustre Presidente da Câmara dos Deputados que empenhe seu prestígio e influência a fim de introduzir na tramitação dos projetos de Códigos prazos suficientemente folgados para permitir a participação de todas as forças vivas do País no momentoso assunto. A opinião pública, justamente desejosa de associar-se ao estudo da importante matéria, sentir-se-ia profundamente decepcionada com a aprovação de Códigos que não refletissem as aspirações das grandes correntes ideológicas e das várias classes profissionais da Nação".

Idêntico telegrama foi endereçado ao Sr. José Bonifácio, Presidente da Comissão de Justiça da Câmara.

Também ao Sr. Ulisses Guimarães

Ao Deputado Ulisses Guimarães; autor da iniciativa, o Presidente do Conselho Nacional da TFP telegrafou nestes termos: "Manifesto ao ilustre conterrâneo o aplauso dos sócios, militantes e simpatizantes desta Sociedade por sua lúcida e valorosa iniciativa pedindo a dilatação de todos os prazos para a tramitação dos projetos de Códigos na Câmara dos Deputados. Só através de largo debate, com a participação de todas as forças vivas da nacionalidade, poderão os novos Códigos exprimir O espírito autêntico do Brasil contemporâneo".

Posteriormente o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira enviou ao Deputado José Bonifácio Neto, da Guanabara, o seguinte telegrama: "Felicito calorosamente V. Excia. pela apresentação de anteprojeto propondo seis meses de debate na Câmara para cada Código. Parece-me impossível deliberar sobre o importante assunto em período menor".

Aplauso direção da ARENA

Aplaudindo a atitude da direção nacional da ARENA, que considerou questão fechada a repulsa ao mais recente projeto divorcista do Senador Nelson Carneiro, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira enviou telegrama ao Presidente da Comissão Executiva daquela agremiação, Deputado Batista Ramos, bem como aos líderes do mesmo partido no Senado e na Câmara Federal, respectivamente Senador Filinto Müller e Deputado Geraldo Freire.

Eis o texto da mensagem: "A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade felicita V. Excia. pela patriótica atitude assumida em face do projeto divorcista Nelson Carneiro. Quando do memorável abaixo-assinado em que a TFP colheu 1.042.359 assinaturas em cinquenta dias, o povo brasileiro já exprimiu, insofismavelmente, sua repulsa ao divorcismo. A atitude da direção nacional da ARENA foi, assim, recebida com alívio e alegria pela maioria antidivorcista do País".


Calicem Domini Biberunt.

MORRE EM VIENA O PADRE LUIGI VIRGINIO

Fernando Furquim de Almeida

A 2 de dezembro de 1804, Napoleão foi sagrado imperador pelo Papa Pio VII na Catedral de NotreDame, em Paris. Seu poder parecia consolidado para sempre. Vencera duas coligações das grandes potências europeias, e só a Inglaterra ousava ainda combatêlo abertamente. O próprio governo inglês, apesar do poderio naval de que dispunha, mostravase menos agressivo do que antes, porque a opinião pública de seu país já não acompanhava com a mesma decisão os líderes políticos que sustentavam a necessidade de continuar combatendo os erros revolucionários que os exércitos de Napoleão semeavam por toda parte.

Aproveitandose dessas condições favoráveis, concebeu o imperador dos franceses o projeto de invadir as Ilhas Britânicas, e deu logo início aos preparativos para um desembarque. Sua marinha era insuficiente para assegurar o transporte das tropas, mas o Rei da Espanha, Carlos IV, que se tornara seu aliado, consentiu em ceder a frota espanhola para o auxiliar na invasão. O sonho de vencer a Inglaterra, sempre acalentado por Napoleão, parecia ter agora possibilidades de êxito.

Os desastres navais francoespanhóis de 1805 vieram dar novo alento aos países do continente. A Áustria, a Rússia, o Reino de Nápoles e a Prússia formaram a terceira coligação contra a França. Mas em 15 de outubro de 1805 o exército austríaco era derrotado em Ulm, deixando abertas as portas de Viena, que foi facilmente conquistada pelo inimigo. Seis dias depois, Napoleão sofria um grave revés. O Almirante Nelson desbaratava completamente a esquadra francesa na batalha de Trafalgar, tornando impossível, desde então, a conquista da Inglaterra. Animada pela vitória inglesa, a Áustria, auxiliada pelos russos, continuou a resistir, apesar da perda de Viena, mas foi novamente derrotada a 2 de dezembro, em Austerlitz.

O Imperador Francisco II, forçado a negociar a paz, conseguiu recuperar sua capital, mas teve que renunciar a qualquer influência na Alemanha, bem como ceder Veneza ao Reino da Itália, que então se formara, e consentir na deposição dos Bourbons de Nápoles, substituídos no trono por José Bonaparte. O Sacro Império Romano Alemão, já combalido, perdia com essas negociações os últimos domínios que ainda conservava fora dos territórios austrohúngaros. No ano seguinte Napoleão impôs a sua extinção e Francisco II passou a intitular-se apenas Imperador da Áustria. A Revolução conseguira, assim, destruir em pouco tempo o império que mil anos antes a Igreja instaurara com a coroação de Carlos Magno.

Esses graves acontecimentos não podiam deixar de repercutir nas Amicizie, todas localizadas nas regiões em que eles se passavam. Apesar de serem secretas, a ação contrarevolucionária que desenvolviam no terreno das ideias chamava sobre elas a atenção do invasor, o que as obrigava a maiores cautelas em seu apostolado. Além disso, questões das mais urgentes, suscitadas pelas desordens que o exército francês disseminava por toda parte, exigiam dos Amigoscristãos um desperdício de energias que os desviava do principal objetivo das Amicizie. Na Itália, o Padre Lanteri soubera contornar a situação, e os sodalícios da península foram menos prejudicados pelos acontecimentos políticos. Em Viena, porém, as conseqüências foram catastróficas não só para o apostolado, como também para a vida interna da Amicizia, cujas reuniões não puderam continuar com a frequência, a regularidade e o impulso com que até então eram realizadas. Todos esses males culminaram com a morte do Padre Luigi Virginio.

A exemplo do que fizera o Padre Diessbach em Nice, logo que se instalaram em Viena hospitais destinados a tratar dos soldados franceses feridos em combate o Padre Virginio se apresentara para cuidar do corpo e da alma desses infelizes. As péssimas condições de higiene que reinavam nesses estabelecimentos de emergência favoreciam a eclosão de epidemias. O Padre Virginio foi atingido pelo tifo que irrompeu no hospital em que trabalhava, vindo a falecer a 31 de dezembro de 1805. Os Amigoscristãos sepultaramno no cemitério de Maria Enzersdorf, onde já repousava seu mestre, o Padre Nicolau de Diessbach.

Morrendo aos 49 anos, o Padre Luigi Virginio deixava ainda incompleta a obra iniciada pelo Padre Diessbach, à qual dedicara toda sua vida. Sua excelente formação teológica, seu zelo infatigável pela Igreja e suas virtudes eram, porém, conhecidos por todos, e todos reconheciam ter sido ele um dos principais propulsores da Amicizia e de todo o bem que ela conseguira até então realizar.

"Missionário" desde os primórdios da sociedade, seus relatórios sobre as possibilidades de fundação de núcleos nas cidades que visitava eram preciosos pela perspicácia das observações, e era exímio seu trabalho de preparação do terreno para o apostolado. Foi o fundador das prósperas Amicizie de Milão e Florença, e o próprio "L’Ape", um dos primeiros jornais católicos que apareceram na Europa, muito deve ao seu estimulo e ao entusiasmo que conseguiu transmitir aos seus fundadores. Sua modéstia levouo a redigir muito sinteticamente a relação de sua estada em Paris, onde desenvolveu um notável apostolado. Além de fundar ali a Amicizia, depois destruída pela Revolução, foi eficiente colaborador do Padre de La Clorivière, cujo nome é bem conhecido na história do Catolicismo francês do século XIX. Quando a Revolução impediuo de continuar o trabalho pela Amicizia, Virginio uniuse aos sacerdotes que, vivendo na clandestinidade, enfrentavam o ódio dos revolucionários para continuar exercendo o ministério.

Nada melhor do que o depoimento de São Clemente Maria Hofbauer para medirmos bem o valor do Padre Luigi Virginio. Assim se referiu a ele o Santo redentorista, em carta aos superiores: "O sacerdote de Deus, cuja carta envio com esta, é um digníssimo varão de nossos tempos. Na verdade, não o conheço pessoalmente, mas mantenho com ele uma assídua correspondência; no trato dos interesses da Igreja, já há anos, existe entre nós uma união profunda. Grande é seu zelo, admirável sua prudência, notável sua ciência; e sua humildade, virtude que não costuma ser frequente em literatos, é sumamente digna de imitação. É tão profundo em Filosofia, e especialmente em Teologia, que hoje em dia mal haverá na Europa quem o supere. É sinceríssimo amigo e benfeitor de nossa Congregação, e grande devoto de nosso Venerável Pai".

O Padre Virginio deixou como sucessor em Viena o Padre Wagner, que quase não conhecemos. Pouco antes de morrer, fora informado pelo Prior Ricasoli de que a Amicizia de Florença estava em sérias dificuldades financeiras, o que o levou a deixar em testamento certa quantia para ser dividida entre ela e sua coirmã de Turim.

O Barão Von Penckler escreveu ao Padre Lanteri comunicando o falecimento do Padre Virginio. Entre ambos se estabeleceu então uma correspondência que, por razões que desconhecemos, foise espaçando até cessar por completo. Talvez as dificuldades políticas tenham impedido uma ação comum entre os núcleos sediados em regiões da Europa divididas pelas guerras contínuas que Napoleão manteve até 1815. A Amicizia vienense não tardou em desaparecer, mas a semente lançada por ela na Áustria frutificou. Mais tarde florescerá em Viena o admirável apostolado de São Clemente Maria Hofbauer, também discípulo do Padre Diessbach e antigo Amigocristão, que continuará a obra de seu mestre e do eficiente colaborador deste, Padre Luigi Virginio.


NOVA ET VETERA

UMA TENTAÇÃO QUE VEM DE MUITO LONGE

J. de Azeredo Santos

A Santa Igreja Católica Apostólica Romana sociedade perfeita fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo para distribuir aos homens os frutos da Redenção trazida ao mundo através do Sacrifício do Calvário. Luzeiro das nações, nada Lhe falta para cumprir essa missão, e, muito embora sejam distintos os campos em que o Poder espiritual e o Poder temporal desenvolvem sua ação, têm os Estados não somente o dever de não cercear a liberdade da Esposa de Cristo, mas também de favorecer por todos os meios o desempenho de seu divino mandato.

Implantada no mundo cristão a peste do laicismo, não tardou a surgir a espécie daqueles que — não conformados com a marginalização da Igreja e, por falta de espírito de fé, não capacitados de que Ela traz dentro de Si própria a divina seiva de vida — acham que a solução para a Esposa de Cristo é agarrar-se aos regimes políticos e sociais vigentes, como uma trepadeira que não pode passar sem algum suporte a ela estranho, para expandir-se e vicejar.

Tivemos, assim, no século passado o liberalismo, que causou verdadeiras devastações nas hostes do laicato e do Clero. Os católicos-liberais tudo fizeram para que a Igreja Se apoiasse às muletas fornecidas pelos princípios de 1789, não poupando insultos e toda sorte de golpes para reduzir ao silêncio aqueles que, sob a bandeira do ultramontanismo, isto é, da fervorosa adesão à Santa Sé e à doutrina católica, rejeitavam essa espúria aliança entre a Igreja e a Revolução. Paladino da causa da ortodoxia, eis como Louis Veuillot era tratado pelo liberal Bispo de Orleans, Monsenhor Dupanloup: "Vós vos concedeis, na Igreja, um papel que não mais é tolerável. [...] Acuso vossas usurpações sobre o Episcopado e vossas perpétuas intrusões nos mais graves e mais delicados negócios. [...] Acuso-vos de acusar, de insultar e de caluniar vossos irmãos na Fé: a palavra dos Livros Santos, "accusator fratrum", ninguém a merece mais "do que vós" (apud Emmanuel Beau Loménie, "La Restaura. tion Manquée", Ed. des Portiques, Paris, 1932, p. 42).

E apesar do "Syllabus" e da Encíclica "Quanta Cura" de Pio IX, da Encíclica "Libertas" de Leão XIII, e de inúmeros outros ensinamentos e condenações emanados do Supremo Magistério da Igreja, a praga do liberalismo continuou a grassar entre os católicos, com lamentáveis repercussões em primeiro lugar na vida das almas e, em segundo lugar, na vida política, social e econômica dos povos.

É fácil de demonstrar, e os fatos históricos o corroboram, que através do liberalismo a doutrina de 1789 tendia ao estatismo e ao próprio socialismo, isto é, a sufocar a legítima liberdade dos filhos de Deus, como aliás não se cansaram de advertir os Soberanos Pontífices que se ocuparam dos erros liberais.

Pois bem, não apenas por via de oposição a estes erros no campo econômico, mas sobretudo como decorrência deles no campo religioso e filosófico, nosso século viu surgirem os horrores do comunismo, que, a partir da Rússia, viria a ameaçar todo o orbe.

Como sempre acontece nas fases violentas da Revolução, houve então grandes cristalizações na opinião pública mundial, seguidas de promissores ímpetos de reação contra-revolucionária. Para desviar cavorteiramente essa legítima reação antiesquerdista, surge primeiro o fascismo e em seguida o nazismo como movimentos que se diziam organizados para oporem um dique à expansão vermelha. Surdos à voz daqueles que alertavam a opinião pública quanto ao fundo socialista, e portanto totalitário, tanto do fascismo quanto do nazismo, os partidários das muletas oferecidas por essa falsa direita empreenderam a mais violenta e a mais venenosa ofensiva para fazer calar os que se mostravam fiéis à doutrina católica, vale dizer, aos dados que nos são perenemente fornecidos pela Revelação e pela lei natural.

Quem quiser conhecer importantes lances dessa triste fase da história contemporânea da Igreja, poderá compulsar uma coleção do "Legionário" durante o tempo em que o jornal da Arquidiocese de São Paulo esteve sob a sábia e brilhante direção do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, ou seja, no período que vai de 1934 a 1947. Exemplares do "Legionário" devolvidos à redação acompanhados de inflamadas e descorteses cartas de clérigos furibundos, cenas vexatórias de Sacerdotes que rasgavam ou pisoteavam o jornal, campanhas ora de silêncio, ora de difamação, eis o eloquente florilégio de fatos que podemos ofertar aos nossos leitores como exemplo da atuação dos católicos partidários da fórmula "trepadeira", nesse período em que o mundo correu o perigo de se ver dominado pela falsa direita pseudo-anticomunista.

Terminada a segunda guerra mundial, no número do "Legionário" em que resumimos toda a atuação do jornal durante o conflito, proclamamos que, uma vez esmagados os exércitos do Eixo e passada a onda nazifascista, estávamos dispostos a enfrentar o inimigo que então surgia, com aspecto cada vez mais ameaçador, no horizonte: o comunismo com toda a sequela das várias gamas dos movimentos esquerdistas. Citamos, aliás, mais de uma feita, o discurso pronunciado por Goebbels poucos dias antes da queda de Berlim, no qual ele dizia que o nazismo, embora derrotado pelas armas, acabaria por dominar o mundo através do socialismo. Com efeito, só a mais completa cegueira ou má fé seria capaz de levar uma pessoa a aceitar o embuste grosseiro de serem o nazismo e o fascismo armas adequadas para o combate ao comunismo.

Estamos agora em plena fase em que os adeptos da fórmula "trepadeira" tudo fazem por ver a Igreja arrimada ao regime comunista, seja ele maoísta, trotskista, titoista, fidelista, ou allendista, e apoiada até em movimentos terroristas, para ajudar a implantar no mundo o que querem fazer crer seja o ideal da mais pura justiça social propugnada pela doutrina católica.

Tal como ao tempo do chamado Catolicismo liberal, os novos Monsenhores Dupanloup surgem de dedo em riste para alertar os fiéis contra o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e a TFP, que não têm delegação para falar em nome da Igreja e não podem usurpar funções que, de direito, cabem ao Episcopado. Em vão explicamos, nós da TFP, que nunca nos arrogamos o papel de mandatários da Sagrada Hierarquia, mas que agimos como simples leigos, sem ocultar, embora, o glorioso título de católicos em nossas atividades no seio da convulsionada sociedade de nossos dias.

À luz dos princípios que aprendemos no amoroso regaço de nossa Mãe a Santa Igreja, repudiamos todas essas alianças espúrias, denunciamos todas essas tentativas veladas ou abertas de atrelar a Esposa de Cristo ao carro da Revolução Igualitária e gnóstica, seja qual for o disfarce com que esse monstro surja para enganar as almas.