OS CINCO GRANDES PECADOS NA HISTÓRIA
Atanasio Aubertin
A — LEI DO CRESCIMENTO DA SANTIDADE E LEI DO CRESCIMENTO DA INIQUIDADE NO TEMPO. PECADOS DE INDIVÍDUOS, NAÇÕES E CIVILIZAÇÕES.
A criatura humana, composta de um princípio substancial espiritual e de outro, material, é por este sujeita à temporalidade: sua formação espiritual, sua aquisição de conhecimentos, sua possessão de bens materiais e espirituais, enfim a constituição da personalidade do homem se realiza ao longo do tempo, mais lentamente ou mais rapidamente conforme o indivíduo.
Esta lei traz em si duas consequências:
a) Se o homem é dócil à graça de Deus, ele cresce em virtude e em conhecimento e entendimento da Fé. Deus o enriquece na graça.
b) Se não é dócil à graça divina, ele decresce em virtude, decresce nos dons do Espírito Santo e tende para a perda dos mesmos, e passa a crescer em iniquidade.
Quer dizer: pela lei da temporalidade a que está sujeita a natureza humana, o indivíduo não pode estacionar na virtude, ou estacionar no pecado.
Diz a Santa Bíblia: "Mas a vereda do justo é como a aurora, cujo brilho cresce até o dia pleno" (Prov. 4, 18). E isso também se aplica a Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo o Verbo de Deus humanado, é verdadeiramente homem, e, portanto, esteve na terra sujeito à lei do tempo. Por isso diz o Evangelho: "E Jesus crescia em sabedoria, em idade e graça, diante de Deus e dos homens" (Luc. 2, 52).
Do que foi visto acima cabe concluir que a causalidade ao longo do tempo é cumulativa: atos bons são condições e causas para novos atos bons, fortalecendo assim o habitus da vida virtuosa.
Mutatis mutandis, podemos dizer que para a iniquidade também funciona essa lei da temporalidade: a causalidade no domínio do pecado também é cumulativa. Sobre isso a Sagrada Escritura tem outros trechos não menos eloquentes. Diz São Paulo a respeito da iniquidade no mundo pagão: "De modo que são inescusáveis, porque depois, de terem conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus ou deram graças. Ao contrário, desvaneceram-se nos seus pensamentos e se lhes obscureceu o coração insensato, porque atribuindo-se o nome de sábios tornaram-se estultos e mudaram a glória do Deus incorruptível para a figura de um simulacro de homem corruptível e de aves e de quadrúpedes e de serpentes. Pelo que os abandonou Deus aos desejos dos seus corações, à imundície; de modo que desonraram seus corpos em si mesmos" (Rom. 1, 21-24). Este trecho de São Paulo mostra uma sequência cronológica na decadência dos povos pagãos: ingratidão para com Deus, pretensão, obscurecimento da inteligência, erro religioso da idolatria e vícios da carne. Assim exprime o Antigo Testamento esse caráter cumulativo do pecado: "Quem concebe o mal, gera o mal e carrega um fruto de decepção" (Jó 15, 35).
Essa lei do crescimento da santidade e do crescimento da iniquidade no tempo vale também para as famílias como para as nações. Os homens se constituem hierarquicamente em sociedade, pois tudo que é se constitui em ordens de participação de ser, e ordem só é tal numa estrutura hierárquica. Em outros termos: a vida dos menores é uma participação da vida dos maiores. Consequência: as virtudes dos indivíduos superiores, assim como das famílias superiores, induzem como causa formal, extrínseca, como exemplo, a virtude dos inferiores. Bispos e Príncipes santos são bênçãos de Deus para os povos e nações. Pelo contrário, a iniquidade dos maiores é a maior desgraça de uma nação. O Espírito Santo, falando pelo Profeta Elias, assim amaldiçoa o Rei Acab de Israel: "Eis que farei cair o mal sobre ti e arrancarei a tua posteridade, e matarei todos os indivíduos do sexo masculino da casa de Acab [...] porque Me provocaste à ira, e fizeste pecar Israel" (3 Re. 21, 21-22). O pecado dos grandes é particularmente grave, pois além da culpa ser maior pelo simples fato da maior responsabilidade inerente a essas pessoas, é consideravelmente agravada por se tornar ocasião e causa exemplar para povos e nações inteiras caírem na iniquidade. Vejamos com que palavras o Papa São Leão II (século VII), décimo Sucessor do Papa Honório I, invectiva este por ter prestigiado o Patriarca herege Sérgio e favorecido a heresia na Cristandade. Diz o santo Pontífice de gloriosa memória: "Anatematizamos também os inventores do novo erro: Teodoro, Bispo de Pharan, [...] e também Honório, que não ilustrou esta Igreja Apostólica com a doutrina da tradição apostólica, mas permitiu, por uma traição sacrílega, que fosse maculada a fé imaculada" (Denz.-Sch. 563).
Os pecados de povos e nações estão ligados a pecados de indivíduos e famílias colocados nos altos postos da hierarquia espiritual e da hierarquia temporal. Pecados de Papas, de Reis, de Bispos e Príncipes, pecados de superiores, induzem muitas vezes processos de decadência ao longo da História. Nunca o pecado de uma nação, ou de uma cristandade na História, deixou de estar ligado a uma grave iniquidade de pessoa ou família de alta categoria.
B — PECADO ORIGINAL: PECADO DA HUMANIDADE. A PRIMEIRA ERA TERMINA COM O DILÚVIO, CASTIGO CONTRA O SEGUNDO GRANDE PECADO NA HISTÓRIA. TERMINA A PRIMEIRA ERA, ERA DA PESSOA DO PAI.
São Tomás de Aquino (S. Th. I, q. 39, a. 8) mostra em que sentido se aplica a determinada Pessoa divina um atributo que é da essência de Deus. Assim, por exemplo: a criação, a redenção e a santificação, que são obras da Santíssima Trindade, são atribuídas respectivamente às Pessoas do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Essa atribuição se faz por uma analogia entre as obras consideradas e as propriedades das Pessoas divinas. A criação é atribuída ao Pai por analogia com o fato de que dEle procedem o Filho e o Espírito Santo; a reparação do gênero humano é atribuída ao Verbo porque Ele restaurou a ordem perturbada pelo pecado; a santificação é atribuída ao Espírito Paráclito porque Ele procede do Pai e do Filho como relação volitiva. Essa atribuição é dita "por apropriação", pois a criação, a redenção e a santificação são absolutamente, completamente, obra das três Pessoas. É só, pois, por apropriação que se atribui respectivamente essas obras a cada Pessoa. Também nessa linha de apropriação se pode dizer que o pecado de fraqueza ofende a Pessoa do Pai, o pecado de ignorância (ignorância culposa) ofende o Verbo e o pecado de malícia ofende o Espírito Santo.
Com essa doutrina teológica se pode compreender porque São Luís Maria Grignion de Montfort ("Oração abrasada") divide a história da humanidade em três idades, caracterizadas pelas três Pessoas da Santíssima Trindade. São as seguintes as idades:
a) Era do Pai, que começa com a criação do homem e o pecado original e termina com o pecado da humanidade antediluviana e o dilúvio;
b) Era do Filho, que começa com Noé e termina com o pecado do povo judeu;
c) Era do Espírito Santo, que começa com o pecado do povo judeu e o Pentecostes, e termina com um universal pecado contra o Espírito Santo e com a parusia.
Não devemos pensar que a divisão da História em três idades apresentada por São Luís Grignion de Montfort seja a única. O grande Santo utilizou um critério teológico e que por isso é dos mais elevados. Outros critérios de divisão da História são possíveis, como por exemplo os de natureza cultural e artística. Também outros critérios teológicos podem ser invocados, como por exemplo o do crescimento dos dons do Espírito Santo ao longo do tempo. Isso implica diferentes modos de se dividir e subdividir a história da humanidade. Sabemos que no domínio da arqueologia o critério para dividir e subdividir as épocas pré-históricas é dado em função da cultura lítica encontrada nos estratos arqueológicos (cf. nosso "A Revolução, a filogênese humana e o Padre Teilhard de Chardin" — "Catolicismo", n.° 149, de maio de 1963), ou também segundo o critério das distintas fases climáticas da era glacial nas quais viveu a humanidade antediluviana. Pode-se também, em outro exemplo, subdividir a era cristã segundo o critério da relação entre o Poder espiritual e o Poder político, e isso levaria a uma divisão diferente daquela em sete épocas sugerida pela Glosa na interpretação das sete Igrejas do Apocalipse.
Assim pois a divisão da História dada por São Luís Grignion de Montfort, e que nos interessa presentemente, não é exclusiva.
A primeira idade, ou era, da humanidade começa com Adão, obra-prima do poder criador de Deus, feito à sua imagem e semelhança. Adão representa em sua natureza composta de um princípio espiritual e um princípio material, toda a criação: o universo material e as hierarquias angélicas. Apesar de ser inferior ao Anjo, o homem tem algo que falta a um puro espírito: o poder de representar a universalidade da criação. Aqui reside uma das razões para o Verbo de Deus Se ter unido hipostaticamente à natureza humana e não a alguma natureza angélica. Cristo é o sumário de todas as criaturas, como disse São João Crisóstomo (apud São Luís Grignion de Montfort, "O Amor da Sabedoria Eterna").
Adão testemunha o poder criador de Deus. Portanto, por apropriação Adão é obra de Deus Padre, e a era da humanidade que se inicia é a era do Pai. Essa era se inaugura com uma aliança entre Deus e o homem, o que está contido nestas palavras do Gênesis: "E Ele lhe ordenou dizendo: de toda árvore do paraíso tu comerás. Mas da árvore da ciência do bem e do mal não comerás" (Gên. 2, 16-17). É a primeira aliança. Aliança que se pode atribuir por apropriação à Pessoa do Pai.
O pecado original é violação da primeira aliança, pecado de desobediência, que, por ser do primeiro homem, é, como ensina a teologia, pecado da humanidade toda. Este pecado, em certo sentido, dirige-se contra a Pessoa do Pai, pois contrariou a primeira aliança, que é atribuída à Primeira Pessoa da Santíssima Trindade. Nossos primeiros pais, seduzidos pelo demônio com as palavras "sereis como deuses", caíram no pecado de pretensão e orgulho, fraqueza inicial na natureza humana que deu começo àquele processo de decaimento do homem, apontado por São Paulo em Rom. 1, 21-24.
Vemos em Gên. 6, 1-7 a humanidade atingir aquela degradação de vícios apontada em Rom. 1, 21-24, como resultado do processo de causalidade cumulativa do mal desde a queda original. O pecado de Adão trouxera a ruína para toda a raça humana. Vemos em Gên. 6, 1-3 que o pecado coletivo nessa época é o pecado de luxúria. Sendo de modo geral, tal tipo de pecado, caracterizado mais pela fraqueza do que pelo orgulho — não significando, é claro, que este não leve à luxúria — podemos dizer que o pecado coletivo dessa época era um pecado de fraqueza, e como tal ofendia em particular a Pessoa do Pai. Este é o segundo grande pecado coletivo da História, e com ele e o castigo do dilúvio é encerrada a era do Pai.
Deus anuncia em Gên. 6, 7 a exterminação da humanidade. Só por causa de Noé é que não realiza tal castigo merecido. Assim como Adão trouxe a ruína e a morte para toda a humanidade, Noé foi a salvação desta, libertando-a da morte total. Assim como o pecado de um leva muitos à ruína, a virtude de um pode ser a salvação e santificação de muitos.
Noé é uma das grandes prefiguras de Nosso Senhor Jesus Cristo. Pois, tal como pelo Verbo Encarnado toda a humanidade foi chamada para participar da vida divina, libertando-se assim da morte do pecado e do império de Belial, também pela virtude do Patriarca Noé a humanidade foi salva da morte. Noé representa, pois, a prefigura de Cristo como Salvador dos homens. Ao longo dessa era pré-cristã se sucedem as pessoas que são suscitadas pela Providência como prefiguras de Cristo. Dessas pessoas, são ainda das mais significativas as seguintes:
- Melquisedec, a prefigura de Cristo como o Sacerdote (Heb. 5, 1-10);
- Abraão, Patriarca do povo eleito, prefigura de Cristo como o Pai da nova humanidade redimida;
- Moisés, Legislador do povo eleito, prefigura de Cristo como o Verbo de Deus;
- Elias, como Profeta modelo, prefigura de Cristo como o Rei das Idades, como o Profeta, Aquele que realiza os acontecimentos da História, pois Ele, pelo seu holocausto, recebeu do Pai o poder para abrir os selos das sete fases da era cristã, os sete selos do livro da História (Apoc. 5, 1-10);
- Davi é a perfeita prefigura de Cristo como Rei. Um dos títulos de Nosso Senhor é o de Filho de Davi. Davi encarna a realeza e simboliza a perfeita realeza da Pessoa sacratíssima e adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Assim, pois, Noé, como figura antecipativa do Verbo feito homem, Salvador, inaugura a era do Filho. Essa era começa com uma aliança antecipativa da segunda aliança de Deus com os homens, a aliança com Abraão, a promessa do Redentor que deveria nascer do povo de Israel. Está escrito no Antigo Testamento: "Disse Deus a Noé e a seus filhos com ele: Eis que vou fazer a minha aliança convosco e com a vossa posteridade" (Gên. 9, 8).
Essa aliança, porém, não se concretizou com toda a humanidade descendente de Noé. Os homens, depravando-se novamente, trincaram esse cristal da promessa recebida por Noé.
Vemos em Babel (Gên. 11, 1-9) o pecado da pretensão do homem de querer com suas próprias forças atingir o céu. Ali, conforme aquelas palavras de São Paulo em Rom. 1, 21-24 (citadas atrás), os homens foram levados da pretensão ao embotamento da inteligência e à ignorância, tornando-se estultos. De onde a confusão das línguas de que fala Gên. 11, 1-9. Isso tem a característica de pecado contra a verdade, e como tal é pecado contra a Pessoa do Filho, tendo-se em mente que essa atribuição é por apropriação, visto que o Filho de Deus é o Verbo de Deus. Babel é prefigura do atual pecado contra a verdade.
Como consequência disso, a segunda aliança, Deus a faz não com toda a humanidade, mas com o povo descendente de Abraão através de Israel.
C — O PECADO DO POVO JUDEU, PECADO CONTRA A SEGUNDA PESSOA DA SANTÍSSIMA TRINDADE. ÊSTE TERCEIRO GRANDE PECADO NA HISTÓRIA ENCERRA A SEGUNDA ERA, A ERA DO FILHO. VIOLAÇÃO DA SEGUNDA ALIANÇA.
Devido ao privilégio da aliança de Deus com o povo judeu, as infidelidades deste têm uma nota de pecado coletivo à semelhança do pecado de Adão. Por isso diz a Sagrada Escritura: "Mas eles como Adão violaram a aliança" (Os. 6, 7). As infidelidades e prevaricações dos descendentes de Israel foram crescendo ao longo da História, culminando com a espantosa iniquidade da condenação e morte do Filho de Deus. Nosso Senhor nos mostra no Evangelho esse crescimento de iniquidade do povo judeu na parábola dos maus vinhateiros: esses homens receberam em arrendamento uma vinha; o senhor da vinha enviou várias vezes seus servos para receberem o fruto de sua propriedade, sem nenhum resultado; das primeiras vezes, os servos foram espancados; depois os vinhateiros passaram a assassinar os servos; por último, o senhor envia seu próprio filho, que é também assassinado (Marc. 12, 1-10). É a história do comportamento do povo judeu em relação aos Profetas de Deus que eram perseguidos e assassinados, e que culmina no assassínio do Filho de Deus.
O pecado do deicídio é pecado contra a segunda aliança e Nosso Senhor nos diz isso neste trecho do Evangelho: "Porventura Moisés não vos deu a lei? Entretanto ninguém de vós cumpre a lei" (Jo. 7, 19). "Não penseis que Eu vos hei de acusar diante do Pai; o mesmo Moisés, em quem vós tendes esperança, é o que vos acusa; porque se vós acreditásseis em Moisés, talvez também acreditásseis em Mim, porque ele escreveu a meu respeito" (Jo. 5, 45-46).
Ao não crer em Jesus Cristo que é a Verdade de Deus, o povo judeu enquanto tal cometeu um pecado de ignorância e de embotamento do espírito, que se opõe a dois dons do Espírito Santo, a saber: o dom de ciência e o dom de entendimento. Por isso Nosso Senhor cita o Profeta Isaías quando este disse: "Chegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que não vejam com os olhos e não compreendam com o coração, para que não se convertam e Eu os sare" (Jo. 12, 40). Então, o pecado do povo judeu, por isso, e porque este povo matou Jesus Cristo, é um pecado contra a segunda Pessoa da Santíssima Trindade. O que não quer dizer que não houvesse entre os judeus, entre os membros mais elevados da hierarquia social, cultural e sacerdotal, o Sanhedrim, o pecado contra o Espírito Santo. Pois vemos no Evangelho Nisso Senhor acusar os judeus desse pecado (Mat. 12, 31-32).
O pecado do povo eleito, pecado tremendo e espantoso, não é entretanto, irremissível. Nosso Senhor nos disse que os pecados contra a Pessoa do Pai e a Pessoa do Filho podem ser perdoados, o que não acontece com a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mat. 12, 31- 32). A Sagrada Escritura nos fala sobre a futura conversão de Israel. O Profeta Zacarias descreve o profundo e completo arrependimento dos judeus quando reconhecerem ter matado o Messias. Citemos este santo Profeta: "E suscitarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de graça e de prece, e eles voltarão os seus olhos para Mim. Farão lamentações sobre Aquele que transpassaram, como se fosse um filho único; chorá-Lo-ão amargamente como se chora um primogênito" (Zac. 12, 9-10). Pois Deus não Se esquece dos filhos de Jacó, conforme diz o Profeta Isaías: "E ainda que ela esquecesse [que a mãe esquecesse o filho], Eu não Me esquecerei de ti" (Is. 49, 15).
D — O PECADO DE REVOLUÇÃO: PECADO DA CRISTANDADE. É OFENSA A DEUS FILHO CONSUBSTANCIADA NA REVOLTA CONTRA O CORPO MÍSTICO. É UMA CERTA CONTINUAÇÃO DO PECADO DO POVO JUDEU E É VIOLAÇÃO DA TERCEIRA ALIANÇA. A REVOLUÇÃO ENCERRA UMA FASE DA TERCEIRA ERA, A FASE DA ERA CRISTÃ QUE VAI ATÉ AO FIM DA IDADE MÉDIA.
Seguindo São Luís Grignion de Montfort, podemos dizer que a terceira era da História é a era do Espírito Santo. Na segunda era, que foi desde Noé ao nascimento de Jesus Cristo, a santidade foi concedida aos homens em intensidade muito limitada, posto que o povo de Israel tinha o privilégio de ser detentor da verdade, enquanto que os outros povos eram dominados pelas religiões do demônio. Pois disse São João com respeito ao paganismo antigo: "o mundo todo está assentado na iniquidade" (1 Jo. 5, 19). Os santos dos tempos antigos, os Patriarcas, os Profetas e outros, constituíam uma exceção extremamente restrita dentro do mundo de sonhos, fábulas e vícios das civilizações pagãs. Poder-se-ia dizer que Deus concedeu os dons do Espírito Santo para a humanidade pecadora em termos de extraordinária parcimônia. Nosso Senhor Jesus Cristo em seu holocausto resgatou a humanidade do império do demônio e fez chover superabundantemente sobre as nações os dons do Espírito Santo que provêm de seu Sacratíssimo Coração. São Pedro, falando no dia de Pentecostes ao povo judeu e aos gentios, disse o seguinte sobre a vinda do Paráclito: "Mas isso é o que foi dito pelo Profeta Joel: E acontecerá nos últimos dias que Eu derramarei meu Espírito sobre toda a carne" (At. 2, 16-17). Pentecostes inaugura a terceira e última era ("últimos dias"), a história cristã, era do Espírito Santo. O Paráclito é quem "ensina toda a verdade" (Jo. 16, 13). Jesus Cristo enviou a Terceira Pessoa, cuja missão de santificação tornou possível ao homem, não apenas o conhecimento e o entendimento da ordem sobrenatural, como também o da ordem natural, que, pelo pecado original, era quase inatingível nas civilizações pagãs antigas. Não só os Mandamentos não eram perfeitamente conhecidos e muito menos praticados, como também era absurdo ou falho o conhecimento científico e filosófico da ordem visível que nos cerca. A cultura pagã antiga procurava explicar a ordem material nos termos ridículos da mitologia de deuses absurdos e depravados (cf. Henry Franckfort, "Myth and Reality", no volume "Before Philosophy" — Pelican Book).
Por mais excelentes que tenham sido as cogitações da filosofia grega — espantosa exceção no mundo de sonhos do paganismo antigo — ela foi uma realização enormemente incompleta. Assim, por exemplo, o conceito de ser enquanto ser não foi profundamente focalizado antes de São Tomás no século XIII, e o conceito de mal como não-ser não o foi antes de Santo Hipólito no século III. Graças ao trabalho especulativo dos grandes Doutores da Igreja que desenvolveram a filosofia grega e a teologia, graças ao ensinamento da Igreja, foi possível ao homem a posse de uma cosmovisão, a realização de sua natureza como imagem e semelhança de Deus. A Tradição da Igreja permitiu ao homem conhecer não só a ordem teológica e filosófica, mas também os nexos causais do mundo material, e ver nessas leis mais gerais do mundo material o funcionamento dos princípios metafísicos que regem o universo (cf. Fernando M. Gomide, "Os princípios fundamentais da ontologia na física e astrofísica" — "Revista Brasileira de Filosofia", vol. 20, p. 28, 1970), bem como o reflexo da divindade (Fernando M. Gomide, "O conceito de Deus à luz das leis básicas da física e astrofísica" — "Revista Portuguesa de Filosofia", vol. 26, p. 121, 1970). Pois foi a filosofia medieval que permitiu o desenvolvimento posterior do conhecimento científico da ordem material, como muito bem observa Sir Edmund Whittacker, célebre matemático e astrônomo britânico falecido há uns anos atrás. Eis suas palavras sobre o tema em apreço: "Há uma afinidade natural entre ciência e a filosofia eterna [filosofia escolástico]: verdadeiramente, como nós vimos, a linha de descendência do físico moderno deve ser vista, não a partir dos humanistas da Renascença [o que se pensa comumente], mas a partir dos escolásticos dos séculos XII e XIII, que traduziram em latim as versões árabes das matemáticas e ciências gregas" (E. Whittacker, "L'Espace et L'Esprit", Maison Marne, 1952). A filosofia escolástica permitiu, pois, criando as condições da disciplina lógica e a preocupação com a indagação das causas, que o homem ao longo dos séculos pudesse conhecer os nexos causais que subjazem à ordem visível que nos cerca, e, assim, lograsse conhecer melhor as intenções da Sabedoria divina na ordem criada, libertando-se portanto dos mitos e fantasias néscias da cosmologia pagã. A Idade Média, o segundo esplendor da civilização cristã (o primeiro foi Bizâncio), compreendeu muito melhor a realidade de ser o homem imagem e semelhança de Deus.
O esplendor medieval foi obscurecido pelo pecado que veio a ser o terceiro grande pecado da História: o pecado da cristandade, ou pecado de Revolução. Houve um obscurecimento da verdade na cristandade, como diz a Sagrada Escritura: "foi ferida a terça parte do sol, a terça parte da lua e a terça parte das estrelas, de maneira que a terça parte deles se obscureceu" (Apoc. 8, 12). Lembremo-nos de que na exegese tradicional as estrelas simbolizam a Hierarquia Eclesiástica, o sol o Pontificado Romano, e a lua o Poder temporal (cf. Padre Hermann Kramer, "The Book of Destiny", Buchler Pub. Co., 1955). Esse obscurecimento da cristandade começou com a Renascença: retorno ao vômito do paganismo. E esse pecado, que é o começo da transferência de uma civilização teocêntrica para uma civilização antropocêntrica, a substituição da Cidade de Deus pela cidade do homem, é um pecado contra o Corpo Místico de Cristo, a Igreja Católica, portanto contra a Pessoa de Cristo, que é espelhada na Igreja. A História dá testemunho de que os maiores responsáveis pelo processo renascentista da dessacralização da Igreja foram — fato muito doloroso — Papas, em especial Nicolau V. A grande falta de zelo desses Papas renascentistas, fato tristíssimo e não suficientemente lamentado, é simbolizado pelo Apocalipse no texto mencionado, como "um terço do sol obscurecido". Os grandes pecados da História estão de ordinário associados às quedas morais dos maiores.
Essa ofensa à Pessoa de Cristo não parou no humanismo e naquela arte naturalista teatral e sensual que se espraiou pelos templos católicos. Pois, conforme a lei do crescimento da iniquidade, que se verifica quando os homens recusam os dons do Espírito Santo, a iniquidade foi-se processando num crescendo até a cacofonia dos tempos atuais. Esse processo apresenta três explosões nesses últimos cinco séculos, apontadas pelo Papa Leão XIII de ilustre memória, e que são as seguintes: revolução protestante, revolução francesa e revolução comunista (Encíclica "Parvenu", de 19 de março de 1902). A análise da conexão lógica entre essas três revoluções e sua marcha processiva é magistralmente apresentada no ensaio "Revolução e Contra-Revolução" do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira ("Catolicismo", n.° 100, de abril de 1959). O egrégio pensador católico descreve a crise da civilização moderna em função do processo revolucionário e explicita que ela é universal, una, total e dominante. Isto é importantíssimo, pois significa que o caos moderno é algo de radicalmente novo na História.
Com respeito a este caráter novo da crise moderna podemos citar o Papa Leão XIII, quando esse grande Pontífice aludia aos "princípios e fundamentos de um "direito novo" até então desconhecidos" (Encíclica "Immortale Dei", de 1.° de novembro de 1885). O Papa referia-se ao liberalismo filosófico, base do Estado moderno proveniente da Revolução Francesa. Esse "direito novo até então desconhecido" é a antimetafísica do igualitarismo, filha do panteísmo, a filosofia do orgulho. É algo de novo na História, não quanto à filosofia em si, pois esta vicejava nas religiões satânicas do paganismo antigo, mas quanto à sua aplicação na ordem político-social. O demônio não tinha conseguido realizar no
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São Luís Maria Grignion de Montfort profetiza o Reino de Maria como sendo a era do supremo esplendor da Igreja e a última época da História. Assim como por Maria se iniciou nossa redenção, por Ela deverá completar-se a obra da glorificação de Deus no tempo. A decadência dessa era trará o quinto grande pecado e a intervenção da Justiça Divina, que encerrará a História com o Juízo Final. - No clichê, Nossa Senhora com os atributos de sua realeza, pelo Maitre de Moulins (século XV) - Catedral de Moulins, França