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OS CINCO GRANDES PECADOS
paganismo antigo uma sociedade estruturada segundo essa filosofia, não obstante a existência de uma escravização da classe sacerdotal e dos poderes temporais a essa filosofia do desespero e do orgulho. Era como que impossível ao demônio quebrar na natureza humana o senso da diferenciação e da hierarquia, que é consequência da vivência dos princípios supremos do ser, da verdadeira metafísica. O que o demônio não logrou realizar de modo eficiente no paganismo, ele o realizou em grande parte com a apostasia do mundo moderno. A antimetafísica do igualitarismo, a velha gnose, o panteísmo das religiões antigas, passou a operar na sociedade apóstata. O pecado contra Cristo iniciado com a Renascença está culminando num repúdio quase total, e total no comunismo, dos princípios da ordem do ser na sociedade. É o pecado contra a Verdade na ordem natural, acrescido ao pecado contra a Fé na ordem sobrenatural. O Papa João XXIII disse que hoje existe "uma conspiração diabólica contra a verdade" e um "antidecálogo atrevido e insolente" (Alocução de Natal de 1960), caracterizando assim a iniquidade no mundo moderno. E Paulo VI descreve a situação hodierna da Igreja nestes termos espantosos: "A Igreja está caminhando para sua autodemolição. A igreja chegou perto do ponto de naufrágio" (discurso a mestres e alunos do Seminário Lombardo de Milão, em 7 de dezembro de 1968).
A caracterização do pecado da cristandade nos mostra que ele é uma semelhança do pecado do deicídio, pois estão procurando matar o Corpo Místico de Cristo que é a Igreja. Nestes termos se pode dizer que o pecado de Revolução é de certo modo um complemento ao pecado do povo judeu, pois os gentios incorporados ao Corpo Místico, pelo fato de serem herdeiros da aliança com Abraão — como nos mostra São Paulo (Rom. 11, 11-21) — tornaram-se uma semelhança do povo judeu. Por participar da vida de Jesus Cristo, o católico é, num sentido espiritual, da mesma raça de Cristo, e, portanto, é herdeiro também da aliança de Deus com Abraão. Se o católico se volta contra o Corpo Místico e entrega-se à apostasia, ele passa a participar da iniquidade do povo de Israel, e, portanto, prolonga, de certo modo, o crime do deicídio.
"Por fim meu Imaculado Coração triunfará", disse Nossa Senhora em Fátima. A filha de Sion interferirá nos acontecimentos modernos dando fim ao pecado de Revolução, trazendo todos os povos, judeus, gentios e hereges, para o grande triunfo do Reino de Maria, realizando assim as grandiosas profecias de Isaías e São João a respeito da Nova Jerusalém.
E - A TERCEIRA E ÚLTIMA IDADE DA HISTÓRIA, ERA DO ESPÍRITO SANTO, DEVERÁ ENCERRAR-SE APÓS UM PECADO UNIVERSAL CONTRA A TERCEIRA PESSOA. ÊSTE FIM SERÁ CONSEQÜÊNCIA DA DECADÊNCIA DO GRANDE E MAIS ALTO APOGEU DE SANTIDADE DA IGREJA. SEGUNDA E ÚLTIMA OFENSA À TERCEIRA ALIANÇA.
Sabemos que São Luís Maria Grignion de Montfort profetiza o Reino de Maria como sendo o esplendor da Igreja. Diz ele que esse reinado — o qual será a Nova Jerusalém anunciada pelos Profetas de Israel, em especial Isaías, e por São João no Apocalipse — será a última época da História, em que deverão entrar na Igreja a totalidade dos gentios, os hereges e o povo judeu: haverá um só redil e um só Pastor ("Oração abrasada"). Essa profecia de São Luís Grignion de Montfort é plenamente conforme a Sagrada Escritura, e vemos na Epístola de São Paulo aos Romanos claramente expresso que a plenitude dos gentios só entrará no Corpo Místico com a conversão do povo judeu. Citemos o Apóstolo: "Digo pois agora: rejeitou Deus acaso seu povo? Não, por certo. [...] Digo pois: acaso tropeçaram eles para que caíssem? Não, por certo. Mas pelo pecado deles a salvação veio aos gentios, para incitá-los à imitação. Pois se o seu pecado são as riquezas do mundo, e o seu abatimento as riquezas dos gentios, quanto mais a sua plenitude! [...] Pois se a perdição deles é a reconciliação do mundo, que não será o seu restabelecimento, senão uma ressurreição dentre os mortos? [...] Não quero, irmãos, que ignoreis este mistério: que a cegueira sobreveio em parte a Israel até que haja entrado a plenitude dos gentios e que assim todo Israel se salve como está escrito [...]. É verdade que, quanto ao Evangelho, eles agora são inimigos por vossa causa. Mas quanto à escolha divina, eles são muito queridos por causa de seus pais. Pois são imutáveis os dons e a vocação divina" (Rom. 11, 1-29).
Muitos são os trechos dos Profetas que falam da restauração de Israel, e é tema central do livro de Isaías a Nova Jerusalém, esplendor dos judeus e de todos os povos da terra. O mistério do povo judeu na História e sua futura conversão é um dos temas mais grandiosos da Sagrada Escritura, cuja análise e exposição transbordam dos limites de um simples artigo. Apenas mencionaremos alguns outros trechos significativos dos Livros inspirados, que podem ser os seguintes: Ecli. 48, 10, Mal. 3, 23-24, Apoc. 7, 3-8, Apoc. 15, 3-4.
A humanidade ao longo dos tempos, segundo a lei do crescimento da santidade, recebe os dons do Espírito Paráclito em intensidade crescente quando corresponde à graça, até atingir a plenitude nessa época futura de esplendor da caridade e, portanto, plenitude do dom de sabedoria. Como por Maria se iniciou nossa redenção, por Maria deverá terminar a obra de glorificação de Deus no tempo, como considera São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção. É pelo seu Coração Corredentor (cf. nosso "O Imaculado Coração de Maria e sua imolação corredentora" —"Catolicismo", n.° 205, de janeiro de 1968) que virá a plenitude da Igreja com a conversão dos judeus e todos os gentios.
A decadência dessa época é que irá trazer a intervenção da Justiça Divina para encerrar a História e realizar o julgamento final da humanidade.
Considerando-se que a última decadência do gênero humano verificar-se-á depois de Deus ter gratificado o homem com as excelências supremas dos dons do Espírito Santo, e que essa decadência será de ordem a exigir o castigo do fim da História, é razoável concluir que o último grande pecado da História, o quinto grande pecado, será uma ofensa contra a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Deverá ser uma porfiada e universal oposição ao Espírito Santo.
Qual será a natureza desse pecado coletivo? Até agora tratamos dos grandes pecados do passado e do presente. O quinto grande pecado, por estar no futuro, escapa a um conhecimento mais específico. Esse último pecado contra o Espírito Santo será um tédio sistemático e universal das coisas espirituais, ou uma oposição sistemática contra a Fé? Uma resposta a esta pergunta, ainda em termos de probabilidade, exigiria uma investigação de exegese bíblica e teologia da História que foge ao escopo do presente trabalho. Sobre esse pecado há trechos da Sagrada Escritura. Vamos citar alguns entre os mais interessantes.
Nosso Senhor diz o seguinte sobre o estado de espírito dos homens no fim da História: "Como aconteceu nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do Homem. Porque assim como, nos dias que precederam ao dilúvio, estavam os homens comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e não o entenderam enquanto não veio o dilúvio e os levou a todos, assim também será a vinda do Filho do Homem" (Mat. 24, 37-39).
São Paulo diz isto: "Porém, quanto ao tempo e momento [do fim da História], não haveis mister, irmãos, que vos escrevamos. Porque vós sabeis muito bem que assim como um ladrão costuma vir de noite, assim será o dia do Senhor. Porque quando disserem "paz e segurança", então lhes sobrevirá uma morte repentina, como a dor a uma mulher grávida, e não escaparão" (1 Tess. 5, 1-3).
São Pedro adverte o seguinte: "Em primeiro lugar sabei que nos últimos tempos virão impostores cheios de artifício, que viverão segundo suas próprias concupiscências, dizendo: "Onde está a promessa ou a vinda d'Ele? Pois desde que morreram nossos pais tudo continua na mesma como desde o princípio da criação". [...] Por estas coisas o mundo de então pereceu na água. Mas os céus e a terra que agora existem serão pela mesma palavra reservados cuidadosamente para o fogo no dia do julgamento e da ruína dos homens ímpios" (2 Ped. 3, 3-7).
A célebre Glosa atribuída a São Jerônimo apresenta as sete Igrejas do Apocalipse como sete épocas da era cristã. Na sétima Igreja, que seria a última época — conforme essa exegese, que é seguida também por Santo Alberto Magno e o Bem-aventurado Holzhauser (cf. "El Apokalipsis", Leonardo Castellani, Ediciones Paulinas, B. Aires, 1963), temos as seguintes palavras de Nosso Senhor dirigidas aos que seriam os da última época: "Conheço as tuas obras; sei que não és frio nem quente. Oxalá foras frio ou quente! Mas porque és morno, e nem frio nem quente, começarei por vomitar-te da minha boca. Porque dizes: "Rico sou, pois, e estou enriquecido e de nada tenho mister", e ignoras que és um infeliz, miserável, pobre, cego e nu. [...] Eis que estou Eu à porta e bato" (Apoc. 3, 15-20).
Verdades esquecidas
NADA AFOITA TANTO OS MAUS, COMO A PUSILANIMIDADE DOS BONS
LEÃO PP. XIII
Da Encíclica "Sapientiae Christianae", de 10 de janeiro de 1890:
Neste enorme e geral delírio de opiniões que vai grassando, o cuidado de proteger a verdade e de extirpar o erro dos entendimentos é a missão da Igreja, e missão de todo o tempo e de todo o empenho, posto que à sua tutela foram confiadas a honra de Deus e a salvação dos homens. Mas quando a necessidade é tanta, já não são somente os Prelados que hão de velar pela integridade da Fé, senão "que cada um tem a obrigação de propalar a todos a sua Fé, já para instruir e animar os outros fiéis, já para reprimir a audácia dos que não o são" (São Tomás, S. Teol., 2-2, q. X a. 2, q. ad 2). Recuar diante do inimigo, ou calar-se quando de toda parte se ergue tanto alarido contra a verdade, é próprio de homem covarde ou de quem vacila no fundamento de sua crença. Qualquer destas coisas é vergonhosa em si; é injuriosa a Deus; é incompatível com a salvação tanto dos indivíduos, como da sociedade, e só é vantajosa aos inimigos da Fé, porque nada tanto afoita a audácia dos maus, como a pusilanimidade dos bons.
O túmulo do Apóstolo São Tiago em Compostela
G. A. S.
Terá uma visão deformada da História — observa um historiador espanhol — aquele que não aceita senão os fatos para os quais encontra facilmente uma explicação lógica, e imagina que os acontecimentos se sucedem da maneira corrente e vulgar do nosso viver cotidiano. Não. Para chegar à verdade completa devemos admitir o maravilhoso, que não consta da letra fria e morta dos documentos e inscrições, às vezes tão enganadores. E um desses fatos que os espíritos hipercríticos, geométricos e cartesianos não chegam a compreender, é que os veneráveis despojos do Apóstolo São Tiago, o Maior — martirizado em Jerusalém no ano 44 de nossa era, como nos relatam os Atos dos Apóstolos (12, 1-2) — vieram a repousar na longínqua Hispania, o Finis Terrae do mundo antigo (cf. Marques de Lozoya, "La Catedral compostelana", Barcelona, p. V).
A certeza de tal fato, porém, repousa em antiquíssima e sólida tradição, não só no mundo hispânico, mas em todo o orbe católico, do que nos dá testemunho já no século IV o grande São Jerônimo. Da pregação de São Tiago na Espanha, temos o testemunho anterior do Padre da Igreja Dídimo, o Cego, de Alexandria, que escreveu em meados do mesmo século. A esses documentos da tradição vêm-se unir cerca de trezentos pronunciamentos de Papas a partir de São Leão III, no século IX, proclamando a presença do sagrado corpo do Apóstolo na Catedral de Compostela.
Em 1879, o Cardeal Arcebispo de Compostela, Payá y Rico, querendo confirmar a autenticidade dessas relíquias, nomeou uma comissão de peritos altamente qualificados, que submeteram o assunto a rigoroso processo, com a intervenção de doutos e eminentes historiadores, arqueólogos, antropólogos, médicos e canonistas.
Recebido o parecer da Comissão, baixou o Arcebispo um solene decreto no qual declarou, canonicamente, pertencerem verdadeira e realmente aos corpos do Bem-aventurado Apóstolo Tiago e de seus santos discípulos Atanásio e Teodoro as sagradas relíquias veneradas em sua Catedral. Todavia, para mais inteira segurança, e para maior glória dos Santos e edificação do mundo católico, submeteu as atas do processo canônico à aprovação do Pontífice então reinante, Leão XIII.
Atendendo ao pedido do Arcebispo compostelano e do Rei Afonso XII, constituiu o Papa uma Comissão de Cardeais e Prelados competentes, a qual, com todo o rigor, examinou o processo, ordenou novas inquisições e testemunhos. Por fim, Leão XIII, pela Bula "Deus Omnipotens", de 1.° de novembro de 1884, ratificou e confirmou nos seguintes termos a sentença do Cardeal Payá y Rico: "Também Nós, acabadas todas as dúvidas e controvérsias, de ciência certa e motu proprio aprovamos e confirmamos com autoridade apostólica a sentença de Nosso Venerável Irmão o Cardeal Arcebispo de Compostela, sobre a identidade dos corpos sagrados do Apóstolo São Tiago, o Maior, e dos seus santos discípulos Atanásio e Teodoro, e decretamos tenha ela força e valor perpetuamente". Ao mesmo tempo, mandou aos Bispos de todo o mundo que comunicassem essa decisão a seus fiéis (Côn. Emílio Silva, "O Caminho de Santiago", 1966, pp. 13-14).
As escavações que desde 1946 vêm sendo feitas no subsolo da Basílica compostelana vieram confirmar, mais uma vez, o fato da presença dos santíssimos despojos do Apóstolo Tiago, proclamada já por documentos antigos e veneráveis tradições, e crido piedosamente por aqueles milhões de peregrinos de toda a Europa que, desde o Mar Negro até Portugal, e dos confins da Escandinávia até o Reino de Nápoles, passando por terras de França, se deslocaram através do "caminho de Santiago" — indicado no céu pela Via Láctea — nos séculos de esplendor da civilização cristã, chamados de "doce primavera da fé", em demanda da cidade de Compostela.
Calicem Domini Biberunt.
PIO VII CEDE PARA NÃO PERDER: PERDE
Fernando Furquim de Almeida
O agravamento da perseguição religiosa desencadeada por Napoleão, depois de um período de boas relações com a Santa Sé, levou a Amicizia Cristiana a tomar um papel de grande relevo na reação católica que então se organizou. Ela enfrentou corajosamente a polícia do império para assegurar ao Papa Pio VII um mínimo de condições para continuar a dirigir a Igreja do fundo de sua prisão em Savona, e sobretudo foi ela que possibilitou ao Soberano Pontífice fazer ouvir o seu protesto nas grandes questões criadas pelo imperador ao tentar impor a sua vontade à Igreja, infelizmente com a colaboração de vários eclesiásticos.
Essa luta, a Amicizia a empreendeu ao lado de organizações católicas francesas. Assim sendo, para melhor se compreender o desenvolvimento dos fatos, somos obrigados a suspender a narrativa que estávamos fazendo, a fim de recordar brevemente os acontecimentos políticos que culminaram com a prisão do Papa e dar um resumo da história dessas célebres Congregações Marianas francesas que se uniram à Amicizia para impedir o completo domínio de Napoleão sobre a Igreja.
A heroica fidelidade de muitos católicos durante a Revolução Francesa levou mártires ao cadafalso. Apesar das numerosas defecções do episcopado e do clero em geral, que deram ao mundo o espetáculo vergonhoso da formação da igreja constitucional e da atuação de eclesiásticos apóstatas transformados em corifeus da Revolução, preservou também a opinião pública do visgo dos erros revolucionários. Assim é que o próprio Napoleão, na época do Diretório, percebeu que suas espetaculares vitórias militares não eram suficientes para consolidar os frutos da Revolução, pois a grande maioria dos franceses continuava fiel à Igreja Católica, e, cessado o Terror, tinha esperanças de um próximo desaparecimento dos princípios que já tinham causado tantos males à França e ao mundo.
Bonaparte não chegara a essas conclusões por intuição política. Eram elas o resultado de uma pesquisa de opinião pública que ordenara, e que demonstrava à saciedade a profunda convicção católica das populações de todas as regiões da França. Por outro lado, o conhecimento da situação da Itália, que suas expedições militares lhe proporcionaram, ainda mais o convenceu de que a Revolução correria graves riscos se ele não conseguisse estabelecer um acordo com a Santa Sé.
Em 1802, quando já estavam adiantadas as negociações com Roma, o então Primeiro Cônsul foi obrigado a revelar claramente o plano que elaborara. Disse ele num discurso pronunciado para convencer os seus opositores: “Sem efusão de sangue, sem agitações, só o Papa pode reorganizar os católicos da França sob a obediência republicana. Eu pedi isto a ele. Uma vez submetido o catolicismo pelo afeto, poderei suprimir o intermediário estrangeiro, conciliador entre a República a os eclesiásticos. A direção destes últimos ficará então inteiramente nas mãos do governo. Tais são minhas intenções. Não podeis confiar em mim?”
Pouco depois da batalha de Marengo, Napoleão deu início à execução desse plano, pedindo ao Cardeal Bispo de Vercelli que sondasse a Santa Sé sobre a possibilidade de negociações. Com a sua costumeira falsidade, não declarou logo que queria que o Papa aceitasse os princípios revolucionários, e que seu objetivo último era conquistar para a Revolução o que considerava "a mais prodigiosa alavanca da opinião do resto do mundo", como confessou posteriormente. As condições impostas, no entanto, já eram muito onerosas para a Igreja: a aceitação da venda dos bens eclesiásticos, feita pelos sucessivos governos revolucionários, e a completa remodelação do episcopado francês.
A ocasião era a mais oportuna para essa proposta de negociações. Pouco antes fora eleito em Veneza o Cardeal Chiaramonti para suceder ao Papa Pio VI, que falecera na França, prisioneiro da Revolução. O novo Pontífice escolhera o nome de Pio VII.
O Cardeal Chiaramonti pertencia à nobreza italiana e fora beneditino. Nomeado Bispo de Tívoli, e mais tarde de imola, quando as tropas revolucionárias invadiram esta última diocese, procurou impedir qualquer resistência, sob o pretexto de evitar o derramamento de sangue. Mais tarde, numa Carta Pastoral, chegou a afirmar que não havia oposição entre os princípios revolucionários e os ensinamentos do Evangelho.
Um dos primeiros atos do novo Pontífice foi nomear Monsenhor Ércole Consalvi para Secretário de Estado. Inteligente, hábil, muito capaz, sabendo adaptarse a qualquer ambiente, esse prelado teve sobre Pio VII, durante muito tempo, um ascendente quase completo. Elevado ao cardinalato pouco depois, o prestígio que soubera conquistar durante o conclave de Veneza e as novas honras que recebia permitiramlhe dar início a uma remodelação dos Estados Pontifícios de acordo com as novas ideias, das quais era, pelo menos, um admirador entusiasta. Era natural, pois, que encarasse com satisfação a possibilidade de um diálogo com Bonaparte.
Em resposta à sondagem do Primeiro Cônsul, Pio VII enviou a Paris o Arcebispo de Corinto, Monsenhor Spina, e o Padre Caselli. Essa missão, que era secreta, entabulou negociações que foram longas e difíceis, tanto mais que Napoleão ia aos poucos tornando claro seu desejo de que o Papa aceitasse a Revolução e se submetesse em tudo à sua vontade.
Não vamos acompanhar a sequência das impertinências, mentiras e ameaças com que Napoleão procurou forçar a situação, colocando a Santa Sé diante do falso dilema de ceder ou perder. O fato é que, depois de vinte e seis projetos e de uma viagem apressada do Cardeal Consalvi a Paris, afinal se chegou a acordo e foi possível a celebração de uma concordata.
No dia 15 de agosto de 1801, com a Encíclica "Ecclesia Christi", Pio VII anunciava essa concordata ao mundo católico, mas o governo francês demorou para ratificála, só o fazendo depois de incorporar ao seu texto os chamados artigos orgânicos, que modificavam o que fora combinado e sujeitavam a Igreja ao poder coercitivo do governo. De nada valeram os protestos de Pio VII. O governo francês refugiouse na desculpa de que seria impossível conseguir a aprovação legislativa da concordata sem os artigos orgânicos, e com isso se criou uma situação ambígua.
Uma das exigências de Napoleão foi a demissão de todo o episcopado francês. A aceitação dessa imposição sem precedentes na História e outras concessões feitas pela Santa Sé causaram grande escândalo.
O povo romano exprimiu bem a impressão geral causada pela concordata, escrevendo na base de uma estátua mutilada de Roma o seguinte verso: "Pio [VI] per conservar la fede / Perdè la Sede. / Pio [VII] per conservar la Sede / Perdè la fede".
O Papa logo verificará que a política de ceder para não perder conduz à perda completa. Incontentável, Napoleão exigirá cada vez mais, até que, não podendo mais ceder, Pio VII também será aprisionado e só não perderá tudo porque, derrotado pelos exércitos coligados, o imperador não poderá exigir mais.
O que sobretudo espanta em todo esse triste episódio é que Napoleão nunca fez segredo de que só negociava com a Santa Sé porque a maioria dos franceses era católica, e portanto por precisar do apoio da Igreja. Na época em que abria as negociações com Roma, declarou ele: "Minha política é governar os homens como a maioria quer ser governada. É esse, na minha opinião, o modo de reconhecer a soberania do povo. Foi tornandome católico que acabei com a guerra da Vendéia; tornandome muçulmano é que me instalei no Egito; fazendome ultramontano ganhei os espíritos na Itália. Se eu governasse um povo de judeus, reconstruiria o Templo de Salomão".
NOVA ET VETERA
NOVIDADES QUE JÁ TEM DUZENTOS ANOS
J. de Azeredo Santos
Segundo o progressismo, "o poder da Igreja não vem do alto, mas de baixo; não reside em seu Chefe, mas em seus membros, e são estes que o delegam aos superiores. A Igreja conserva sempre uma parte de seu poder originário, porque sua constituição é essencialmente republicana. Aqueles a quem ela o comunica não são em suma senão mandatários. O próprio Papa não é senão o mais elevado de seus servidores; ele também é um filho da Igreja".
E os progressistas não titubeiam em tirar as conclusões desses erros:
"De onde se segue que a Igreja não tem poder legislativo, em particular em questões de casamento, as quais são todas de alçada exclusiva do Estado.
"De onde se segue também que a Igreja sai de seus limites e se arroga direitos que não tem, quando se permite exercer um poder administrativo em seu próprio grêmio. Mesmo aí, os sucessores do Bom Pastor deveriam limitar-se a persuadir, a aconselhar e a exortar, mas nunca mandar, com mais forte razão nunca punir.
"Eis porque não há mais lugar para medo de excomunhão. Devem-se considerar as ameaças de castigo por parte do Papa como aquelas vindas dos muftis ou dos bonzos.
"Ainda mais condenável é a extensão que a Igreja pretende dar a seu poder nas coisas exteriores, em outros termos, o catolicismo "político", o "belarminismo", o "hildebrandismo". [...].
"Por isso nunca será demais insistir sobre o princípio de que o poder da Igreja é puramente espiritual. É desejo de todos os bons cristãos que ela seja reconduzida a essa concepção, e deve-se saudar com reconhecimento tudo o que é de molde a reintegrá-la em seus limites naturais, ainda que seja uma revolução como a Revolução Francesa".
Investe o progressismo contra o dogma, contra a moral, contra as devoções populares, contra o Breviário, contra a devoção ao Coração de Jesus, contra o culto dos Santos e especialmente contra a devoção à Santíssima Virgem, a Quem ousa referir-se como "ser intermediário entre Deus e os Santos, que servia de alimento ao que monges visionários chamavam de culto de hiperdulia". O assalto dos "grupos proféticos" vem sendo também desferido contra tudo o que a Igreja estabeleceu para a solenidade do culto divino no curso dos tempos.
"Fiel a seu espírito de ódio contra a Idade Média e contra a escolástica — o qual, sob pretexto de não admitir senão o histórico, relega ao ostracismo mil anos de História, e considera como doutrina da Igreja unicamente o que se acha mencionado a esse respeito nos escritos concernentes a suas mais remotas origens — o progressismo não admite da vida religiosa a não ser o que ele descobriu no tempo das catacumbas. Um galpão de madeira, no qual há lugar para uma dúzia de pessoas, uma sala subterrânea sem luz, sem ornamentos, com as paredes caiadas, uma mesa que se transforma em altar e sobre a qual se colocam duas velas fumacentas, tal é seu ideal da Igreja e do culto divino, ideal pelo qual ele se entusiasma. Mas as igrejas grandes e claras, os quadros, os candelabros, as velas numerosas, o incenso, o canto, tudo isso lhe faz mal à cabeça e ao coração, tudo isso é uma prova de que a Igreja se mundanizou no tempo da escolástica, e afastou-se do espírito da antiguidade, bem como da pura religião.
Um só altar em cada igreja, uma só Missa, ou melhor ainda, nada de Missa durante a semana, e eis a reforma da Igreja pronta e acabada. Sobretudo, nada de procissões, nada de devoções extraordinárias, nada de peregrinações, esses pretextos piedosos para alegres piqueniques; nada de dias santos, que causam tão grandes prejuízos à indústria e à piedade".
Igualmente chocante para os progressistas é o celibato eclesiástico. Uma multidão de escritos sai a lume contra ele. "A introdução do casamento dos Padres é uma necessidade premente de nossa época, se não se quiser pôr em risco a moral, a religião e o bem dos Estados. Nem a razão, nem a Escritura, nem a antiguidade cristã falam a favor dessa instituição. Foi somente Gregório VII quem a introduziu. Nossos tempos são bem diferentes dos tempos antigos, e nossos eclesiásticos atuais têm outra instrução que esses monges para quem o celibato pode ter sido salutar".
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Dirão nossos leitores: tudo isso são coisas infelizmente ultra sabidas e que podem ser encontradas nos inúmeros livros, revistas e jornais a serviço do progressismo, do IDOC e dos "grupos proféticos". Responderemos: é verdade, mas desta vez nossa fonte de informação é velha de cerca de duzentos anos. Tudo o que acima se lê não passa de resumo ou de transcrição literal de trechos do capítulo VI do livro "O Perigo Religioso" do conhecido pensador católico Padre A. M. Weiss, O. P., versão francesa do original alemão (P. Lethielleux, Libraire-Editeur, Paris, 1906, pp. 236-253). Trata o autor nesse capítulo do "neocatolicismo" ou "catolicismo reformador", mistura de galicanismo, jansenismo, febronianismo, josefismo, livre-pensamento, que encontrou sua mais completa expressão no sínodo de Pistóia (1786), "mistura que foi o último trabalho preparatório da dissolução geral, no fim do século XVIII, e à qual não podemos dar outro nome senão o de segunda Reforma" (p. 227). Além de resumir alguns trechos, limitamo-nos a mudar os verbos do passado para o presente, e a substituir os nomes de "catolicismo reformador" ou "neocatolicismo", por seus correspondentes hodiernos, que são "progressismo" e "grupos proféticos".
Termina o autor o referido capítulo com as seguintes palavras, que também se aplicam, ponto por ponto, aos nossos dias: "Compreendemos porque, no fim do século XVIII, a Igreja desmoronou tão subitamente na França e na Alemanha. Seus inimigos externos nunca teriam podido derrubá-La. De fato, Ela resistiu ao poder de Voltaire, ao de Robespierre e ao de Napoleão. Mas, quando a guerra civil se implantou em seu seio e os traidores de dentro deram a mão aos inimigos de fora, sua perda foi inevitável. Já os Padres da Igreja tinham observado que as perseguições têm por efeito fortificar a Igreja, mas que uma causa de debilitação para Ela é a diminuição da fé, do amor a Ela e da vida sobrenatural em seus membros" (pp. 261-262).
A História se repete e novo vagalhão revolucionário estruge agora sobre a Cristandade.