A conferência que apresentamos nesta página foi pronunciada pelo Sr. PAUL VANKERKHOVEN na sessão inaugural conjunta dos Congressos promovidos em Bruxelas, em novembro do ano passado, pelo European Freedom Council (Conselho Europeu para a Liberdade) e pelo Anti-Bolshevik Bloc of Nations.
Com sede na capital da Bélgica, o EFC congrega as principais entidades anticomunistas da Europa, sendo presidido atualmente pelo Sr. O. B. Kraft, representante dos países nórdicos.
O Anti-Bolshevik Bloc of Nations — mais conhecido pela sigla ABN — foi fundado para representar no mundo livre os povos europeus subjugados pelo comunismo, e é dirigido pelo Sr. e a Sra. Y Stezko, os quais têm recebido ataques diretos e nominais do Cremlim por suas atitudes desassombradamente antimarxistas.
O EFC reúne anualmente em uma das capitais do Velho Mundo destacadas personalidades anticomunistas europeias, para analisarem a situação política mundial e fixarem metas comuns de ação. A TFP foi uma das poucas entidades não europeias convidadas para o certame de 1970.
O Sr. Paul Vankerkhoven representou nesse congresso a Ligue Internationale pour la Liberté, a qual realiza em numerosos países um intenso trabalho de formação ideológica da juventude, especialmente estudantil, e promove a divulgação de obras de caráter antimarxista. S. Sa. é igualmente Presidente-Diretor do Cercle des Nations, prestigiosa entidade que tem à testa de seu Comitê de Honra o Príncipe François de Mérode, e inclui entre seus objetivos principais "a promoção da vocação internacional de Bruxelas pelo estabelecimento de contatos culturais, diplomáticos, políticos e econômicos internacionais", como se lê em seus estatutos. Consagrado escritor e conferencista, dirige ainda o Sr. Vankerkhoven o jornal "Damocles".
Traduzimos do francês o texto da conferência que ele pronunciou na sessão de abertura dos Congressos do EFC e da ABN (os subtítulos são desta redação).
COORDENAR ESFORÇOS, FORMAR ELITES, TAREFA URGENTE NESTA CRISE DE CIVILIZAÇÃO
Paul Vankerkhoven
"Sr. Presidente, minhas Senhoras, meus Senhores,
Desejo começar minha exposição pelo cumprimento de um grato dever, que é o de dar as boas-vindas ao solo belga às numerosas delegações estrangeiras, procedentes de todos os quadrantes. A Bélgica orgulha-se da missão que lhe confiam a História e a Geografia; ela é uma terra de encontros e intercâmbios, na encruzilhada da Europa, no coração do Ocidente. Este dever de hospitalidade é-me tanto mais grato quanto vós que sois nossos hóspedes hoje, vós pertenceis todos à grande comunidade dos homens livres, a esta família espiritual que sob a pressão da necessidade procura refazer sua unidade, a fim de salvaguardar as liberdades e a dignidade humanas onde elas vicejam ainda, e a fim de levar uma mensagem de esperança às nações opressas sob o peso do totalitarismo marxista, falso em seus princípios, odioso nos seus métodos.
Que nossa família espiritual esteja à procura de sua unidade, que ela deseje coordenar suas iniciativas, nossas conferências, entre outras, dão disso um testemunho reconfortante, contribuindo para romper o clima de decadência moral e de terrorismo intelectual no qual submergem as sociedades ocidentais. Cumuladas de benefícios e de riquezas materiais, atravessam elas uma crise sem precedentes e dão-se o luxo malsão de se entregarem à sedução do niilismo, à atração do nada.
Para compreender esta crise de civilização cumpre examinar, de um lado, as linhas de força, o patrimônio, o potencial intelectual de nossa civilização em crise e, de outro lado, as ideias que lograram quebrar a coesão espiritual desta civilização. O assunto, que é complexo, exigiria um amplo desenvolvimento. Resumi-lo é necessariamente empobrecê-lo. Que os especialistas me perdoem por ignorar aqui as múltiplas nuances que ele requer.
Rejeitando o princípio de não-contradição
Herdeira da sabedoria grega e da coerência romana desenvolvidas e sublimadas na ordem cristã, a civilização ocidental foi edificada sobre o princípio aristotélico de não-contradição, segundo o qual uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e do mesmo ponto de vista. Ela foi forte e fecunda enquanto suas elites reconheceram à inteligência humana, não o direito de criar verdades efêmeras ao sabor de intuições subjetivas, mas o poder de opor o ser ao nada, de descobrir o real e de o exprimir adequadamente distinguindo nele o contingente do necessário, o particular do universal, e o acidental do essencial. "A primeira convicção fundamental [...] de todo o pensamento humano anteriormente aos dois últimos séculos, escreveu Jean Daujat, é que a afirmação humana tem um sentido, é que sim e não são palavras que têm um sentido e não podem ser permutadas uma pela outra, é que sim é sim e que não é não, é que não se pode dizer num dia o contrário do que se disse na véspera sem estar errado pelo menos uma das duas vezes, é, em uma palavra, que existe uma verdade e um erro que não se confundem" ("Connaitre le communisme", Ed. La Colombe, Paris, 1962).
Este modo de pensar, natural e tradicional, a filosofia dita moderna renegou-o progressivamente. Para Hegel o mundo não será mais que o reflexo do pensamento, e não existirá senão pelo movimento desse pensamento entre uma tese e uma antítese destinadas a se confundirem em uma síntese da qual nascerá necessariamente uma nova evolução contraditória. Assim se sistematiza no hegelianismo a confusão das noções de verdade e de erro, de afirmação e de negação, de bem e de mal. Cedendo ao orgulho e não mais obedecendo senão a suas próprias leis, a inteligência humana não mais se refere ao real: ela fabrica artificialmente valores arbitrários e momentâneos cuja contradição lhe alimenta o movimento frenético.
O papel que Hegel atribuía às ideias, Marx não fará mais que confiá-lo às forças materiais para acelerar a crise de civilização em que estamos e da qual o fenômeno contestatário constitui a mais recente manifestação, a versão mais avançada.
Uma vez que nada mais é verdadeiro, uma vez que nada mais é falso, uma vez que para Marx só a contradição das forças materiais cria o homem e a História, o universo não deve ser conhecido na sua verdade, mas deve ser transformado. Para forjar o futuro, isto é, o movimento, para acelerar o "sentido da História", a dialética revolucionária exacerba e exaspera todas as forças capazes de assegurar pelo seu antagonismo sempre renascente a mutação ininterrupta do universo. Assim se desenvolve a "revolução permanente": ela se opõe a toda ordem, ela derruba os mais altos valores e as mais fecundas tradições. Encontrando em si mesma sua única finalidade, ela identifica o ser e o nada numa subversão perfeita cujas devastações se alastram e que não poupa nada, nem os costumes, nem as instituições civis, nem a universidade, nem a Igreja.
Ao pensamento ocidental, como às mais altas manifestações do espírito humano universal que se fundam na existência de verdades objetivas, de valores permanentes, de leis naturais que a inteligência é capaz de perceber e que ultrapassam as vontades individuais arbitrárias e instáveis, o marxismo opõe a teoria e a prática da evolução histórica, multiforme e cheia de contradição, segundo a qual, como o dirá por exemplo Fidel Castro, "a verdade enquanto entidade [...] enquanto categoria filosófica [...] não existe" (Fidel Castro, "A Revolução Cubana", Maspero, 1968). Será, portanto, verdadeiro, será moral segundo o pensamento marxista, tudo o que contribuir para a destruição da sociedade "burguesa" e para o advento da ditadura do "proletariado". Seja qual for a facção marxista que se considere, a mesma herança filosófica aparece. Marx e Engels dirão que "nas diferentes fases da luta [...] os comunistas representam por toda parte e sempre os interesses do movimento integral" ("Manifesto do Partido Comunista"), ao passo que Mao Tsé-tung sustentará que "a lei da contradição [...] é a lei fundamental da dialética materialista" (Mao Tsé-tung, "A propósito da contradição", 1937). Há, pois, uma unidade dialética fundamental entre todos os movimentos marxistas, sejam eles soviéticos, maoístas, cubanos, trotstistas, anarquistas, situacionistas ou "cristãos", e quaisquer que sejam por outro lado as suas divergências, e mesmo seus antagonismos.
Quando o movimento integral torna-se a lei suprema, quando o objetivo da ação política reside em acelerar a História colocando em oposição dialética grupos, pessoas, ideias, quando a própria existência das realidades objetivas se vê irremediavelmente recusada, as palavras, a linguagem — das quais os espíritos ocidentais se servem para exprimir essas realidades objetivas da maneira mais adequada e precisa — não constituem mais do que outros tantos slogans cujo conteúdo variará segundo a oportunidade do momento, segundo as necessidades mutáveis da ação.
Exemplo concreto da ambiguidade marxista
Assim — e eu desço agora a exemplos concretos — a noção de paz traduz no pensamento tradicional a ausência de violências ou de constrangimentos físicos e morais. Na dialética marxista, tal noção significa a supressão, mesmo violenta, de qualquer obstáculo que refreie o movimento revolucionário e o "vento da História".
A análise da "coexistência pacífica" revela melhor ainda a ambiguidade fundamental da linguagem marxista. Enquanto para os ocidentais esse conceito exprime a existência de dois ou mais sistemas políticos e econômicos que se desenvolvem paralelamente sem procurarem entrar em conflito, para os marxistas o mesmo conceito, nascido do impasse atômico, não exprime senão uma mudança de tática na procura de um objetivo imutável, no caso a extensão do comunismo ao mundo inteiro. "A coexistência pacífica deve ser bem compreendida, dirá Kruchev em discurso pronunciado em Novosibirsk em 10 de outubro de 1959. É o prosseguimento da luta entre dois sistemas sociais. É para nós uma luta econômica, política e ideológica", E diante da Comissão Central de seu Partido, suas ameaças faziam-se mais claras, uma vez que ele, o artífice e o teórico da "coexistência pacífica", precisava nestes termos, para uso dos regimes comunistas instalados, os limites intransponíveis dela: "Consentir na coexistência pacífica entre as ideologias comunistas e burguesas, é [...] contribuir para a deterioração da consciência popular. Temos lutado até o presente não só contra a ideologia burguesa mas contra seus agentes entre nós [...]. Há pessoas que se deixam apanhar pelo anzol da propaganda burguesa, que procuram desprezar a teoria e a prática da edificação do comunismo. Não podemos e não devemos admitir tais fatos. Devemo-nos opor resolutamente àqueles que tentam solapar a confiança que o povo tem no Partido. Isto é dito como advertência. É melhor não esperar que as coisas se agravem a tal ponto, que uma advertência já não seja suficiente".
Era lembrar aos países oprimidos que os ditos distensivos e os equívocos da coexistência pacífica não eram senão um produto de exportação, uma propaganda dulçurosa destinada a entreter a euforia e a letargia ocidentais.
O povo checo esqueceu esta advertência frequentemente repetida por Kruchev e seus sucessores. Este foi seu erro, pago com lágrimas e sangue, ante os olhos estupefatos do mundo livre. O espantoso, contudo, não foi a intervenção do Cremlin. O espantoso é que o mundo se tenha espantado tão unanimemente, uma vez que essa intervenção se inseria com lógica implacável no processo dialético marxista que analisamos acima, bem como no plano das ambições imperialistas da União Soviética.
Desde a "primavera de Praga", as vozes checas ávidas de liberdade foram reduzidas ao silêncio uma após outra. Na própria União Soviética, o Estado totalitário responde às veleidades de independência da "intelligentsia" por uma repressão crescente, pela escalada das perseguições e das prisões arbitrárias. E apesar disso, apesar da penetração soviética no Mediterrâneo e no Oriente Médio, apesar da pressão maoísta sobre os povos livres da Ásia, apesar da agitação e da chantagem esquerdista na Europa e nos Estados Unidos, apesar da guerrilha larvada e da subversão mental que reina em nossas universidades, os partidários ocidentais de um diálogo de simplórios com Pequim e de negociações temerárias com Moscou, falam novamente alto e forte.
Vítimas de suas quimeras, os mais inocentes, enganam-se a si mesmos. Os mais conscientes; enganam a opinião pública por cumplicidade, complacência ou covardia.
Coordenar esforços, formar elites
Sr. Presidente, Senhoras, Senhores,
Até aqui só os promotores da revolução marxista tiveram uma ação verdadeiramente coordenada e verdadeiramente permanente. O tempo urge. Se queremos salvar os valores espirituais e morais da humanidade, se queremos limpar nossas cidades dos flagelos que as maculam, se recusamos para nós mesmos, para nossas famílias, para nossas nações, a demissão a humilhação e a capitulação final, é urgente coordenar todos os esforços e formar, principalmente entre a juventude, as elites intelectuais, morais e políticas que hão de resistir na tempestade.
Que dominando as rivalidades pessoais e as divergências secundárias, essas elites se ergam, que elas se apoiem mutuamente em ações concretas, que à força de coragem moral e de perseverança elas quebrem a palavra de ordem do silêncio graças à qual uma informação manipulada ou atemorizada condiciona a opinião, e então a maioria até agora silenciosa das pessoas de bem, a multidão ignorada das inteligências claras e das consciências retas não deixará de reconhecer como seus e de seguir esses novos cavaleiros de uma nova cruzada.
Sem nossa união, sem a coesão internacional de todas as forças sadias, a subversão triunfante pode destruir as nossas mais caras liberdades, os nossos mais preciosos tesouros espirituais. Mas, na beira do abismo em que estamos, nossos esforços conjugados podem ainda tudo salvar. Depende de nós, de nossa vontade de unidade, que a escuridão se torne mais espessa, ou, pelo contrário, que uma nova aurora se levante no Ocidente e sobre os países oprimidos.
A tarefa é árdua, mas ela não é ingrata. No fim da noite veremos a luz.
Nos clichês, aspectos da sede do Cercie des Nations, de Bruxelas, cujo presidente é o Sr. Paul Vankerkhoven