CATOLICISMO apresenta hoje a seus leitores um notável documento, que vem alcançando ampla repercussão nos meios culturais, sociais e religiosos do País. Trata-se da luminosa CARTA PASTORAL SOBRE CURSILHOS DE CRISTANDADE, do nosso egrégio Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, a qual já se tornou um marco na história religiosa do Brasil.
A inteligência e cultura do Exmo. Sr. Bispo de Campos, seu arrojo em circunstâncias difíceis da vida da Igreja, tornaram-no célebre não só dentro de nossas fronteiras, mas nas Américas e na Europa. Vários de seus trabalhos publicados têm sido autênticos acontecimentos eclesiásticos e culturais. A recente coletânea — "Por um Cristianismo autêntico" — na qual ele enfeixou suas onze principais obras, torna isto patente para qualquer estudioso.
A nova Carta Pastoral versa sobre um tema atual e candente.
Baseado em farta documentação — D. Antonio de Castro Mayer cita mais de cinqüenta textos extraídos de livros, opúsculos e periódicos cursilhistas — S. Excia. Revma. demonstra que as tendências doutrinárias dos Cursilhos de Cristandade são heterogêneas: verdade e erro, bem e mal têm livre curso nas publicações oficiais do movimento. Com isso, muitas pessoas de reta intenção, confiadas no que viram de bom e louvável em reuniões cursilhistas a que estiveram presentes, não discernem as concepções perigosas e mesmo errôneas que circulam em certas áreas do movimento. Tanto mais quanto essas concepções vêm expressas, não raras vezes, numa linguagem subtil, e seu sentido profundo escapa assim aos fiéis menos avisados, ou menos versados em dogma e moral.
As observações do ilustre Bispo Diocesano referem-se, pois, ao movimento enquanto tal, e não às pessoas bem intencionadas que nele se poderá encontrar. Tais cursilhistas, não obstante — adverte a Pastoral — podem sofrer um processo de baldeação ideológica a curto ou longo prazo, de uma maneira talvez subconsciente e imperceptível, para adotar os erros que afetam seriamente ponderáveis setores do movimento.
HUMANISMO. Entre os desvios que se notam nos Cursilhos de Cristandade, patenteia-se uma perspectiva humanista na maneira de encarar a ordem sobrenatural e a finalidade da vida nesta terra. Não se vê, com efeito, no conjunto das publicações cursilhistas, o reconhecimento claro e inequívoco da justa hierarquia das coisas, pela qual o fim último e supremo de tudo não é o homem, sua perfeição e sua felicidade, mas é a glória de Deus. Há, por exemplo, um opúsculo oficial do movimento, publicado pelo Secretariado Nacional da Espanha, sob o título de "Graça habitual", o qual chega a sustentar que Jesus Cristo veio ao mundo só para o bem do homem — "só para isso", "para nada mais", diz expressamente o texto. Em outro documento — a contribuição da Colômbia para o III Encontro Latino-Americano de Cursilhos de Cristandade — lê-se: "O grupo cristão deve buscar a solução do problema fundamental do homem: a felicidade. [...] A felicidade do homem não se pode alcançar sem Deus, porém a fé não trata primeiramente de Deus-em-si, senão do homem e seu aperfeiçoamento nEle".
Tal sentido humanista cria o perigo de uma desmesurada valorização do homem e de sua perfeição, em detrimento do seu fim último, a glória de Deus. Com isso, as mentalidades ficam expostas a óbvias deformações num ponto fundamental.
FÉ E CONVERSÃO. Entre as concepções do movimento que causam mais sérias apreensões, está a que diz respeito à fé e à conversão. Nos Cursilhos se preconiza, com efeito, uma "fé vivencial" e esta é concebida de modo a minimalizar o papel da inteligência, e a exaltar ao mesmo tempo, exageradamente, o papel da sensibilidade. Se estudarmos certos escritos cursilhistas a respeito da "vivência" e da "fé vivencial", veremos que dificilmente se ajustam ao que foi definido pelo I Concílio do Vaticano quanto ao papel fundamental da inteligência no ato de fé. Os Cursilhos insistem consideravelmente mais sobre a "vivência", isto é, a experiência pessoal, o contato vivo, a atração entusiasta causada pela figura de Jesus Cristo, do que sobre o conhecimento intelectual das verdades reveladas. É assim que esperam obter a conversão do indivíduo.
HILARIDADE. Nas conferências do tríduo de formação cursilhista, bem como em todo o desenvolvimento deste, apela-se fortemente para o lado emotivo, procurando-se levar os participantes a sentirem e gozarem a felicidade da graça, e a experimentarem uma alegria transbordante. Tal ambiente, no qual a excitação da sensibilidade desempenha um papel proeminente, procura criar as condições para que o neófito sinta a presença de um Deus-Amigo e se converta. Essa é a orientação de muitos roteiros de conferências — que os cursilhistas chamam "rolhos" — e manuais do movimento. E ex-cursilhistas atestam que o fator emotivo tem realmente um papel absolutamente capital no tríduo. Por outro lado, os dirigentes procuram provocar um ambiente de espontaneidade, alegria, camaradagem, intimidade, etc. Para isso recomendam que se contem anedotas, particularmente à hora das refeições.
Essa ênfase concedida ao fator emotivo traz o grave risco de conversões entusiastas, mas sem a necessária solidez. Além disso, as piadas, os chistes, o ambiente de camaradagem, etc., como é natural, prejudicam facilmente a compostura, a seriedade e o recolhimento que devem reinar em qualquer reunião católica.
A Carta Pastoral exprime muito receio pelos resultados de tal sistema.
CRISTO, NOSSO "CHEFÃO". Podemos aquilatar a deformação de mentalidade que produzem os erros existentes em ambientes cursilhistas, observando o tratamento que em certos cursilhos do Brasil se dispensa a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Como deve um católico considerar a figura majestosa e humilde, enérgica e serena do Divino Mestre? Certamente com toda a confiança em sua bondade infinita, que nos leva até à intimidade com Ele, mas também com todo o respeito e veneração que a criatura deve ao Criador. São os sentimentos que nos inspira, por exemplo, a Sagrada Face do Sudário de Turim. Pois bem. Nos cursilhos do Brasil se ensina a chamar Jesus Cristo de "Chefão", como se pode constatar no livro "Temas do II Encontro Nacional de Secretariados Diocesanos de Cursilhos de Cristandade do Brasil".
Esse tratamento trivial e grosseiro é também usado para com Nosso Senhor no artigo "Meu papo com Cristo", publicado no órgão oficial dos Cursilhos brasileiros, a revista "Alavanca". Nesse artigo, redigido por uma cursilhista, se lê: "Hoje quero bater aquele papo com Cristo [...] Cristo está aqui ao meu lado, sentado na minha cama. Sua figura me agrada logo: "super-prá frente", calça lee azul marinho e túnica azul clara. Nos pés, um par de tênis também azul e, ao redor do pescoço, uma corrente dourada onde vejo pendurada uma cruz. Da cabeça saltam, pacificamente, cabelos claros e lisos que vão até os ombros. Como o meu Cristo é bárbaro!"
Como se vê, para uns tantos cursilhistas esse seria o perfil do Homem-Deus, — bem diverso daquele fixado nos Evangelhos. Quanto o espírito católico deve estar deformado num movimento, para que nele circule esta imagem de um "hippy" como sendo a de Jesus Cristo!
MARXISMO E SUBVERSÃO. Das mais importantes, na Carta Pastoral de D. Antonio de Castro Mayer, é a Parte III, que tem como título: "Cursilhos e a subversão". Nela, o egrégio Pastor denuncia um ponto que considera particularmente grave: a simpatia que certos meios cursilhistas manifestam para com o marxismo, e, mesmo, a adesão plena a teses marxistas, em mais de uma publicação do movimento.
Um artigo da revista "Trípode" — órgão dos Cursilhos da Venezuela — intitulado "En qué coincidem marxistas y cristianos?" e assinado por José Maria de Llanos, indica vários pontes de "coincidência" entre marxismo e Cristianismo. Segundo o articulista, o fundamento de uma nova estrutura, de uma nova humanidade, é de ordem econômica. E para se conseguir a nova ordem, será necessário passar pela revolução, a qual poderá ser violenta, se não puder realizar-se pacificamente. Lê-se ainda nesse trabalho: "o regime de propriedade deverá ser transformado por uma intervenção enérgica da autoridade pública, nacional e internacional". Desta forma, convergem a transformação marxista da propriedade e a transformação desejada pelo órgão oficial cursilhista...
É também sintomática a preferência pelo regime socialista, que manifesta um importante mentor de Cursilhos, o Pe. Augustinovich. Veja-se esta comparação entre o capitalismo e o socialismo, que ele faz em seu livro "Vivencia de la Iglesia Comunidad", publicado na Espanha: "Nem tudo é mau no capitalismo, nem tudo é bom no socialismo". Para esse autor, portanto, o capitalismo é mau em sua maior parte, tendo embora algo de bom. E o socialismo, em sua maior parte, é bom, ainda que apresente algo de mau.
Chama ainda a atenção o fato de a revista "Alavanca", órgão, dos Cursilhos do Brasil, recomendar o livro "Um Diálogo, um Horizonte", o qual, depois de apontar como condição do progresso o aceitar sempre o que for novo, declara que uma dessas novidades é a seguinte: "Em Política já não ensinamos mais que o comunismo é mau". "Alavanca" transcreve do livro, precisamente o trecho em que figuram tais conceitos.
É, pois, forçoso reconhecer uma tendência esquerdizante em meios cursilhistas. Em nossos dias os católicos já vivem assediados por um sem número de ideias comunistizantes e subversivas, que lhes são apresentadas mais ou menos disfarçadamente pelo Clero progressista. Como não recear, em face dessa circunstância, que a mistura de ortodoxia e esquerdismo que se encontra em Cursilhos venha realmente a destilar um espírito comunistizante nos meios católicos, favorecendo assim a causa da subversão?
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O ilustre Antístite de Campos — considerado a justo título como um dos maiores teólogos do Brasil — escrevendo esta admirável Carta Pastoral prestou um assinalado serviço à Igreja e à nossa Pátria. "Catolicismo" rejubila-se em poder colaborar na difusão do importante documento.
Edição de 10 páginas