D. Mayer toma posição ante os aplausos e críticas suscitados por sua pastoral
O Sr. Bispo diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, qualificou de "evasivas e superficiais" as críticas que vêm sendo feitas à sua Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade. Afirmou S. Excia.: "As objeções não entraram no mérito da questão, mas tentaram desviar o debate para temas secundários. Não chegou ao meu conhecimento nenhuma crítica séria que, segundo as boas regras, analise e refute os documentos e a argumentação que apresento a respeito dos Cursilhos".
Devido à extraordinária repercussão alcançada em todo o País pelo pronunciamento do Exmo. Revmo. Sr. D. Antonio de Castro Mayer sobre os Cursilhos de Cristandade, procuramos ouvi-lo acerca do momentoso assunto. S. Excia, Revma, é um dos vultos mais conhecidos na atualidade religiosa brasileira. Seu renome como teólogo projetou-se muito além de nossas fronteiras, pois é ele conhecido nos círculos católicos não só das duas Américas, como da Europa. Muitas de suas obras — todas elas consagradas à defesa da doutrina tradicional da Igreja contra o chamado progressismo — foram traduzidas para várias línguas estrangeiras e alcançaram numerosas edições no Brasil e no Exterior. Durante o II Concílio Vaticano, salientou-se como um dos líderes da corrente conservadora. Foi um dos coordenadores das petições de centenas de Padres Conciliares em prol da consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e da condenação explícita do comunismo e do socialismo pelo Concílio. Sua recente Carta Pastoral, publicada pela Editora Vera Cruz e reproduzida no número de dezembro desta folha, está sendo difundida em todo o País pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade.
"O movimento de Cursilhos de Cristandade - prosseguiu o entrevistado - inspira preocupação, quer devido aos seus aspectos negativos, quer em virtude daquilo que há de precário nos seus aspectos bons. Tanto mais quanto estes aspectos maus aparecem em publicações oficiais e de peso, emanadas, em boa parte, da própria raiz dos Cursilhos, isto é, seu centro mundial, localizado na Espanha. A mistura de bem e de mal, quando procede da raiz, é de molde a comprometer todos os frutos.
Minha Carta Pastoral apresenta mais de cinquenta documentos cursilhistas, que mostram haver no movimento tendências passíveis de censura. Não poucos dentre esses documentos revelam uma grave simpatia que certos meios cursilhistas manifestam para com o marxismo e mesmo, em alguns casos, a adesão plena a teses marxistas".
Toda uma gama de críticas sem conteúdo
D. Antonio de Castro Mayer observou que, nas últimas semanas, toda uma gama de vozes se fez ouvir em defesa dos Cursilhos, que vai desde o pronunciamento de um Cardeal, de prelados e de Sacerdotes, até o de leigos, entre os quais não é o menos caloroso o de um sentenciado da Casa de Detenção de São Paulo. "Houve também pronunciamentos de apoio e de incentivo à minha Pastoral. Quanto a estes, manifesto aqui meu agradecimento. Quanto aos primeiros, vejo-me na obrigação de prestar — em nível de sereno diálogo — um esclarecimento".
S. Excia. declarou que não podia falar sobre o conteúdo dessas críticas "uma vez que, a bem dizer, elas não têm conteúdo". "Uma crítica realmente digna desse nome — observou —consistiria numa análise rigorosa, segundo as boas regras da hermenêutica e da lógica, da interpretação que dei às dezenas de textos cursilhistas citados em minha Carta Pastoral. Seria preciso provar, desta forma, que os erros por mim apontados não existem nos referidos documentos dos Cursilhos, ou que existem, porém não são erros. Entretanto, nada disso fizeram os partidários dos Cursilhos".
"Todas as críticas à minha Carta Pastoral - lamentou o Sr. Bispo, sorrindo - versaram sobre assuntos não doutrinários, mas perfeitamente colaterais. Parecem todas empenhadas, não em provar ao público que estou errado em minha Pastoral, mas em evitar que esta seja lida. Para isto, dão-na por inoportuna e errônea a priori. Não penso que esse gênero de crítica oblíquo impressione favoravelmente aos Cursilhos o nosso povo, tão desejoso de ver as coisas no cerne".
Reação do Secretariado dos Cursilhos
"O fato que mais diretamente chama a atenção, na reação cursilhista à minha Pastoral —afirmou S. Excia. Revma. — é a atitude do Secretariado Nacional dos Cursilhos. Posta em causa a organização que este dirige no Brasil, cabia-lhe defendê-la. Isto de nenhum modo importaria em desconsideração para com minha qualidade de Bispo da Santa Igreja. Pois, segundo as mais básicas normas da justiça, toca aos Cursilhos de Cristandade, como a quem quer que se sinta objeto de uma apreciação infundada, o direito à legítima defesa. Ademais, os termos da Carta Pastoral constituem um implícito convite a um diálogo inteiramente franco e cortês. É estranhável que esse convite não seja aceito.
Foi, portanto, com surpresa para mim que o presidente do Secretariado Nacional dos Cursilhos do Brasil, Sr. Luís Leite Neto, limitou-se — no tocante à minha Carta Pastoral — a escrever à Comissão Episcopal e Pastoral da CNBB "solicitando providências". Por que escudar-se, assim, atrás desse organismo? Tanto mais quanto, nessa carta, o referido presidente diz à Comissão — aliás sem aduzir provas — o que teria sido normal que ele dissesse a mim e documentadamente".
Apanhando um recorte, prosseguiu o Prelado: "Cito textualmente suas palavras, publicadas no suplemento "Fim de Semana" da "Folha da Tarde", de Porto Alegre, em 2 de dezembro: "Existe na referida Carta Pastoral uma distorção completa de textos e até de palavras de documentos, conduzindo a conclusões totalmente falsas sobre a posição e os objetivos do Movimento". — Onde a "distorção" de textos e até de palavras? perguntou o Bispo de Campos. Quais as "conclusões totalmente falsas"? Que me conste, a CNBB não lho perguntou. Mas a pergunta fica em suspenso no ar, e qualquer leitor tem o direito de a apresentar ao Sr. Luís Leite Neto. Com efeito, em que página, a propósito de que documento citado em minha Pastoral, achou ele as referidas distorções e conclusões falsas? Tratar-se-á acaso das observações que fazemos a respeito do caráter subversivo de textos que se encontram em publicações cursilhistas? Ou a respeito do item "Jesus Cristo, nosso Chefão"? ou de qual, enfim?
Dar resposta a essas perguntas constitui, para o Sr. Luís Leite Neto, uma obrigação. Pois se ele escolheu para a defesa dos Cursilhos a ingrata via das acusações, toca-lhe fundamentá-las".
Paulo VI aprovou os Cursilhos
"A tônica do coro pró-Cursilhos, para evitar que seja lida minha Pastoral, tem sido o argumento de autoridade: já que Paulo VI e a CNBB têm aprovado os Cursilhos de Cristandade, a Pastoral deveria a priori, e sem mais análise, ser tida por sediciosa e injusta.
Sobre este ponto, convém lembrar que o movimento francês intitulado "Le Sillon" foi aprovado por São Pio X, em 1904. Alguns anos depois, em 1910, foi ele severamente condenado pelo mesmo Papa, na célebre Carta Apostólica "Notre Charge Apostolique". Nesse Documento afirmou o santo Pontífice que o Episcopado e a Santa Sé haviam aprovado "Le Sillon" enquanto o "fervor religioso pôde encobrir o verdadeiro caráter do movimento sillonista" (AAS, vol. II, 1910, p. 609). O Papa São Pio X, com efeito, não estava informado, a princípio, sobre todos os aspectos desse movimento. Por isto depositara esperanças nele. Mas acrescentou: "Nossas esperanças foram em grande parte ludibriadas" (ibidem).
Este célebre antecedente histórico já bastaria, por si, para provar que continua lícito controverter os Cursilhos sem em nada desacatar a autoridade do Santo Padre ou a palavra da CNBB".
"Além disto — prosseguiu D. Antonio de Castro Mayer — há ainda outro antecedente histórico bastante significativo e ocorrido no Brasil. Se alguns dizem atualmente que Paulo VI é o "Papa dos Cursilhos", é oportuno lembrar que Pio XI foi chamado analogamente o "Papa da Ação Católica". Entretanto, a Carta escrita pelo então Monsenhor Montini, hoje Paulo VI, em nome de Pio XII, em fevereiro de 1949, elogiando o livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, "Em Defesa da Ação Católica", confirmou as teses defendidas nessa obra, que apontava vários desvios naquela organização de apostolado leigo.
Estes dois fatos históricos comprovam o princípio teológico, segundo o qual os encorajamentos dados pela Santa Sé ou pela Hierarquia a movimentos de apostolado não envolvem ipso facto a afirmação de que não contenham estes um ou outro aspecto censurável que — excepcionalmente — tenha passado despercebido ao zelo da autoridade competente".
Bispos de Goiás parecem não ter lido
Os Bispos da Região Centro-Oeste da CNBB, em sua recente assembleia em Anápolis, dirigiram uma carta ao presidente do Secretariado Nacional dos Cursilhos de Cristandade, Sr. Luís Leite Neto, a propósito da Pastoral de D. Mayer, a qual, segundo os Prelados goianos, motivou "comentários negativos de órgãos de opinião pública".
A missiva foi transcrita pelo "Boletim de Imprensa", n.° 71-72, de 12 de dezembro, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
"Podemos constatar em nossas Dioceses — afirmam os Prelados reunidos em Anápolis — as falanges de leigos que encontraram o sentido de sua vida cristã e tomaram consciência das suas responsabilidades batismais, graças ao movimento dos Cursilhos de Cristandade".
"Quem alega esse argumento, em defesa dos Cursilhos, visando opô-lo, à minha Carta Pastoral, parece que não a leu, — observou D. Antonio de Castro Mayer. Pois, uma vez que a Pastoral afirma que não são todos os Cursilhos que estão afetados pelos erros por ela apontados, reconhece implicitamente a possibilidade de Cursilhos bons produzirem frutos bons".
"O pó da estrada"
"Uma apologia fogosa dos Cursilhos de Cristandade, publicada presumivelmente a propósito de minha Pastoral — acrescentou o entrevistado — alegava que não se deve levantar "suspeitas baseadas apenas no pó da estrada". Se tal afirmação diz efetivamente respeito à minha Pastoral, parece-me oportuno acentuar que existe aí, pelo menos, um grande equívoco. Não levanto suspeitas apenas, mas também aponto claramente erros, citando de modo explícito as publicações em que me baseei. Quanto ao "pó da estrada", a imagem parece-me pouco feliz. Será que erros graves em matéria de doutrina, e atitudes censuráveis a respeito da adorável Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, constituem migalhas sem importância, menos do que isto até, mero "pó da estrada?"
As afirmações que se seguem, por exemplo, extraídas de revistas cursilhistas, seriam apenas "pó da estrada?" — "Em Política já não ensinamos mais que o comunismo é mau", é o que se lê na revista "Alavanca", órgão dos Cursilhos do Brasil. Ou como diz o Pe. Edgard Beltrán, em declaração reproduzida por "Trípode", revista dos Cursilhos da Venezuela: "As mudanças estruturais na América Latina devem ser rápidas, urgentes, totais". Ou seria destituído de importância o fato de se apresentar, como o faz uma cursilhista em "Alavanca", Nosso Senhor Jesus Cristo com o perfil de um "hippy"?"
Fora do contexto
"Outra objeção que já se fez à Pastoral — continuou o Exmo. Sr. Bispo — é a de "descobrir deficiências para apontá-las ao público fora do seu contexto global e verdadeiro".
É claro que ao fazer as citações não transcrevo livros nem revistas inteiras. Se, no entanto, a acusação significa que, ao retirar frases do contexto, eu desvirtuo seu sentido, então é preciso que isso seja provado, pois a acusações feitas no ar nada se pode opor: "quod gratis asseritur, gratis negatur" — o que gratuitamente é afirmado, gratuitamente é negado.
Asseverou-se ainda que minhas ponderações seriam baseadas em impressões menos adequadas, procedentes "de quem não possui autoridade para representar o movimento".
Ora, se as revistas e demais publicações oficiais dos diversos Secretariados Nacionais de Cursilhos de Cristandade, se o Bispo Mons. Juan Hervás, tido como o grande promotor do movimento, se os próprios "rolhos", que constituem a base do tríduo cursilhista, não possuem autoridade para representar os Cursilhos, então chegar-se-ia à conclusão de que o movimento não possui nenhuma pessoa e nenhuma publicação que o represente".
"Um apologista dos Cursilhos — lembrou o entrevistado — chegou a asseverar que é absurda a simples "suspeita de esquerdismo", em relação àquele movimento.
Seria o caso de perguntar a quem enunciou essa exaltada opinião, se se deu ao trabalho de ler as várias afirmações cursilhistas não somente de sabor esquerdista, mas declaradamente marxistas, que cito na Pastoral. Para dar apenas um exemplo, veja-se na referida revista "Trípode", o artigo intitulado "En qué coinciden marxistas y cristianos?" Nesse trabalho aceitam-se vários pontos de "coincidência" entre marxismo e Cristianismo. Dentre esses pontos, saliento a afirmação de que "o regime de propriedade deverá ser transformado por uma intervenção enérgica da autoridade pública, nacional e internacional". Em outro trecho do mesmo artigo, diz-se que a revolução poderá ser violenta, se não puder realizar-se pacificamente".
Argumentos e não insinuações
"Numa apaixonada defesa dos Cursilhos —continuou D. Antonio de Castro Mayer —houve quem afirmasse, em presumível tomada de posição contrária à minha Pastoral: "Se as críticas contra os Cursilhos são sérias, isto é, feitas por quem estudou a fundo os Cursilhos e encontrou falhas que devam ser sanadas, tais críticas poderão ajudar num trabalho de revisão".
Com essa afirmação parece querer negar-se que minhas críticas são sérias, como também que eu tenha estudado a fundo os Cursilhos. Será que a apresentação e a análise de mais de cinquenta documentos, entre os quais as conferências dos tríduos cursilhistas, não serão suficientes para qualificar minha Pastoral de um estudo sério e que vá "a fundo?"
Mas o presumível e ardoroso crítico de meu trabalho vai além, afirmando que, se "as críticas partem de quem sistematicamente vive descobrindo erros nos outros e compondo catálogos de heresias, o melhor é sofrer com paciência e rezar".
O que é preferível, pergunto eu: não "descobrir erros", quando eles serpenteiam em determinados ambientes, ou enunciá-los a fim de que — para empregar as expressões do mesmo extremado defensor dos Cursilhos — tais críticas partem de quem sistematicamente vive que se abraça com humildade e alegria, por amor à verdade e à sinceridade"? Em qualquer hipótese é sempre nocivo às almas deixar que os erros continuem serpeando entre os fiéis.
Este advogado dos Cursilhos evoca, a seguir, a cena evangélica da adúltera que ia ser apedrejada, comentando que se tratava de "uma pecadora mesmo", e aduz a palavra de Nosso Senhor: "Aquele dentre vós que estiver sem pecado, atire a primeira pedra". Será que este presumível crítico de minha Pastoral, lembrando a cena, quis fazer uma aproximação entre os apedrejadores e eu? Neste caso, não seria mais honesto que falasse às claras, e apontasse quais são os "pecados" do autor da Carta Pastoral? Caso ele não tenha nada a apontar, a analogia não é válida e a acusação é improcedente e caluniosa. Em minha obra, limitei-me
"LE SILLON", CURSILHOS E SUBVERSÃO
D. Antonio de Castro Mayer, Bispo Diocesano
Após a condenação do marxismo pela Encíclica "Rerum Novarum", surgiu, na França, um movimento social católico denominado "Le Sillon" cuja intenção era reerguer as classes operárias. Em outras palavras, realizar o ideal preconizado por Leão XIII. Mas, "Le Sillon" pretendia trilhar caminhos novos, de maneira a reconstruir a sociedade sobre novo plano. No fundo, "Le Sillon" não passava de uma repetição do que habitualmente se deu na Igreja depois da condenação de algum erro ou heresia, a saber, o empenho de certas pessoas em procurar um meio termo, conciliando a nova mentalidade, implicada no erro ou heresia, com a ortodoxia católica. Certas de que todo erro contém uma parcela de verdade, tais pessoas não apreciam os que, por temor de desvio na Fé, se apegam à doutrina tradicional, precisamente quando a Igreja Se pronuncia sobre pontos doutrinários. Pois julgam que a doutrina tradicional pode evoluir, e assim assimilar, captar o grão de verdade carreado pela heresia.
"Le Sillon" congregou considerável parte, e das mais sadias, dos católicos franceses, que, levados pelo ardor religioso, proclamado pelos sillonistas sem respeito humano, a ele aderiram de corpo e alma. Obteve mesmo "Le Sillon" o apoio entusiasta da imprensa católica da França como também as bênçãos e aprovações dos Bispos e dos Papas Leão XIII e São Pio X.
No entanto, a nova organização escondia no seu íntimo o que depois se patenteou ser sua característica. Estava ela imbuída dos erros do socialismo. Era igualitária, laica, subversiva. Colimando uma aliança da Igreja com as aspirações da nova filosofia social, serviu para contrabandear nos meios católicos o vírus marxista. Denunciou-o São Pio X, cm 1910, seis anos depois de haver abençoado e encorajado o movimento.
Qual é o verdadeiro alcance da aprovação papal
— Como pôde a Santa Sé enganar-se aprovando um movimento nocivo?
A resposta que São Pio X dá a esta dúvida, é uma lição que confirma as condições estabelecidas pelo I Concílio do Vaticano para que o julgamento papal seja infalível, e que nos alerta, não venhamos a dar às palavras do Papa alcance maior do que elas têm.
São Pio X declarou que "os encorajamentos e as aprovações que não lhe [ao Sillon] regatearam o Episcopado e a Santa Sé" duraram "enquanto o fervor religioso pôde encobrir o verdadeiro caráter do movimento sillonista" (Carta Apostólica aos Cardeais e Bispos da França, em 25 de agosto de 1910 — AAS, vol. 2, p. 609 ss. Citamos pela tradução de "Vozes", onde o trecho se encontra no n.° 3).
Destas palavras de São Pio X, concluímos que, quando a Santa Sé aprova e abençoa um movimento religioso ou apostólico, não tem ela a pretensão de conhecer e a intenção de canonizar todas as ideias que ele envolve. A bênção e o encorajamento atingem o movimento, segundo ele se apresenta, ou seja, conforme pode ser julgado por uma primeira observação, ainda que atenta. Não significam uma sentença definitiva. Esta exige mais detido exame de tudo quanto está latente na organização. Eis que uma investigação mais profunda pode desvendar tendências ou ideias dignas de reprovação. Foi o que se deu com "Le Sillon".
"Le Sillon" e Cursilhos
Tais considerações sobre um movimento católico do início do século se tornam atuais, quando se difunde entre os fiéis um outro movimento igualmente de apostolado, que tem com "Le Sillon" muita analogia: os Cursilhos de Cristandade.
Como "Le Sillon", desejam Cursilhos ser um "instrumento de renovação cristã" (cf. Carta Pastoral de D. Juan Hervás sobre Cursilhos), especialmente após o II Concílio do Vaticano. Como "Le Sillon", Cursilhos enaltecem a pessoa de Jesus Cristo, como ponto central que vivifica toda formação cristã. Como "Le Sillon", Cursilhos insistem sobre a ação da Graça na atividade apostólica. Como em "Le Sillon", assim em Cursilhos a renovação propugnada é também social. Como "Le Sillon", Cursilhos aliam a renovação social a uma ação religiosa, a uma renovação interna da consciência.
Como se vê, as analogias entre "Le Sillon" e Cursilhos convidam a um estudo comparativo sobre os dois movimentos. Pois, embora surgidos em épocas distintas, podem ambos envolver a mesma tendência doutrinária. Ensaiemos, pois, neste artigo, uma comparação, cotejando a Carta Apostólica de São Pio X sobre "Le Sillon" com publicações autorizadas, onde se podem encontrar as ideias e a mentalidade cursilhistas.
Semelhança de método
Como método, "Le Sillon" procura despertar o entusiasmo, deixando na penumbra a clareza das ideias. Fala mais ao sentimento: — "sob aparências brilhantes e generosas, diz São Pio X, muitas vezes, carecem [as teorias sillonistas] de clareza, de lógica e de verdade" (n.° 1).
Também Cursilhos não são amigos das ideias precisas, exatas. Pois declaram-se na linha kerigmática, e por isso, propositadamente são incompletos na: parte doutrinária (veja-se "Manual de Dirigentes", p. 100, nota). E ao definirem o kérigma, alinham-se como "Le Sillon", preponderantemente na via do entusiasmo: "o kérigma, lê-se em publicação cursilhista, é uma experiência afetiva, "sente-se" que se anuncia a verdade, apesar de que não saibamos explicar o seu porquê" (Carlos Mantica, "Inserção do Movimento de Cursilhos na Pastoral de Conjunto, e Conversão e Cursilhos", ed. do Secretariado Nacional de Cursilhos de Cristandade do Brasil, 1970, p. 2).
Pescadores em águas turvas
Semelhante orientação "experimental", "afetiva", ou "vivencial" como dizem os cursilhistas, não é afirmada assim rotundamente em "Le Sillon". Não obstante, há, também neste ponto, analogia entre os dois movimentos. Segundo São Pio X, mais do que ensinar suas doutrinas, desejam os chefes do Sillon que seus membros vivam as mesmas: "Elas [as doutrinas] são ensinadas à juventude católica, E, BEM MAIS DO QUE ISSO, PROCURA-SE VIVÊ-LAS" (n.° 25 — destaque nosso).
É esse misticismo, "misturado com um tanto de iluminismo" como diz São Pio X de "Le Sillon", que obscurece a inteligência e leva cursilhistas a afirmarem que quem não faz cursilho não pode saber o que ele é, e explica a acusação lançada por certos autores de que cursilhos são uma espécie de lavagem de cérebro, ou seja, um método de levar a pessoa mais pelo entusiasmo e o sentimento do que por via lógica, por argumentos que falem à inteligência.
De onde se percebe que ambos os movimentos, "Le Sillon" como Cursilhos, gostam de pescar em águas turvas.
A dignidade humana
Quanto aos princípios básicos dos sistemas, tanto "Le Sillon" como Cursilhos exaltam a dignidade humana. Concebem-na, porém, à sua maneira. "Le Sillon" acha que a obediência a um superior é contrária à dignidade do homem. Toda "obediência [é] uma degradação" (n.° 21). O indivíduo só deve obedecer a si mesmo: "O homem — assim os sillonistas —só será verdadeiramente homem, digno deste nome, no dia em que adquirir uma consciência esclarecida, forte, independente, autônoma, podendo dispensar os mestres, só obedecendo a si próprio" (n.° 24).
Idêntico conceito se encontra em "Trípode", revista do Secretariado de Cursilhos da Venezuela (maio de 1972, n.° 92, p. 11). Aí se diz que a obediência deve proceder de "uma entrega espontânea por íntima convicção", pois hoje o mundo "já não aceita mais a autoridade pelo simples fato de ser autoridade". O mesmo pensamento divulga "Alavanca", órgão do Secretariado Nacional de Cursilhos do Brasil. À página 17 do n.° 57, junho de 1971, lê-se: "Antes a gente apelava para a autoridade doutrinal de Platão, de Aristóteles, de Santo Tomás de Aquino, ou então podia justificar-se com a frase [...] "a Igreja ensina..." Hoje em dia todas as verdades têm de ser provadas para se ver se elas ainda se aplicam à vida moderna tão diferente" (citado do livro de Louise Rinser, "Um diálogo, um horizonte"). Em substância, é sempre o problema da dignidade humana, como a concebem Cursilhos, e como a entendiam os sillonistas: o homem é juiz de si mesmo. Não deve atender a superiores. Só deve seguir seu critério.
Subversão na Igreja
Consequência de tão estranho conceito de dignidade humana — conceito, diz São Pio X, que não conheceram os Santos, que se distinguiram precisamente pela obediência onímoda, nem conheceu Jesus Cristo poderíamos dizer nós, que, no Getsêmani, à sua, prepõe a vontade do Padre Eterno, "non mea voluntas sed tua fiat" — consequência de semelhante conceito, declara São Pio X, é a subversão na Igreja. Observa o Papa que os sillonistas se davam a uma "surda oposição" aos Bispos (n.° 26), naturalmente àqueles que não concordavam com eles.
— Além disso, "Le Sillon" subverte a ordem na Igreja que, por direito divino, é eminentemente hierárquica, ou seja, constituída por duas classes, o Clero e o povo. Pois, "Le Sillon" parifica Sacerdotes e leigos: "não existe hierarquia no Sillon", observa São Pio X. "Os estudos aí se fazem sem mestre, quando muito com um conselheiro [...] A camaradagem mais absoluta reina entre os membros, e põe em total contato suas almas. [...] Mesmo o Padre, quando nele ingressa, abaixa a eminente dignidade de seu sacerdócio e, pela mais estranha inversão de papéis, se faz aluno, se põe no nível de seus jovens amigos e não é mais do que um camarada" (n.° 25).
Círculos cursilhistas seguem a mesma ordem de ideias. Com efeito, estabelecem os princípios que "a hierarquia não condena os fiéis à condição de inferioridade" ("Encontro Mundial de Delegados Nacionais de Cursilhos de Cristandade, Temas do 3.° Dia", edição do Secr. Nac. de Curs. de Crist. do Brasil, São Paulo, 1970, p. 12), que "sacerdotes, bispos, religiosos" e leigos "participam de uma mesma missão comum", que "os leigos são igualmente responsáveis pela Igreja mesma, embora seja verdade que há uma diferença funcional entre clero e laicato" ("Testimonio", órgão de Cursilhos da Guatemala, n.° 45, pp. 63-64; trabalho do México, especialmente elogiado pelo III Enc. Lat.-Americ. de Deleg. Nac. de Curs. de Crist. — cf. "Alavanca", n.° 67, p. 33). E para que não houvesse dúvida que semelhante concepção da Igreja é nova, não é a tradicional, envolve, portanto, uma subversão com relação ao que sempre ensinou a Igreja, o mesmo trabalho, que é a contribuição do México ao citado III Encontro de Delegados de Cursilhos, realizado em Itaici, 1972, se incumbe de censurar a ideia que "durou tantos séculos", segundo a qual o leigo é aquele que obedece ao Clero e o honra (p. 63).
Na ordem prática Cursilhos fazem como "Le Sillon". Nos seus tríduos, recomenda-se que os Sacerdotes se misturem "num plano de total igualdade com seus companheiros, até chegar ao detalhe de nem sequer ocupar lugar preferencial na capela, nem na sala onde se lhes fala, e nem mesmo nos lugares que ocupam no refeitório" (D. Hervás, "Interrogantes y Problemas", p. 377). O "Manual de Dirigentes" dá idêntica recomendação.
Dessacralização da pessoa de Jesus Cristo
A subversão da ordem tradicional na Igreja, tanto em "Le Sillon" como em Cursilhos, atinge mesmo a pessoa adorável de Jesus Cristo. Os sillonistas, declara São Pio X, foram impelidos, inclusive por seu iluminismo, a "um novo evangelho, no qual julgaram ver o verdadeiro Evangelho do Salvador, a tal ponto que ousam tratar Nosso Senhor Jesus Cristo com uma familiaridade soberanamente desrespeitosa" (n.° 37).
Em Cursilhos, Jesus é o "Chefão" ("Temas do II Enc. Nac. de Secr. Dioc. de Curs. de Crist. do Brasil", p. 55). "Alavanca" no seu n.° 63, de 1972, pp. 20-21, traz um artigo com o título "Meu papo com Cristo", escrito por uma cursilhista, que ilustra bem o desrespeito de que falava São Pio X. Leiamos um trecho: "Hoje quero bater aquele papo com Cristo. Mas um papo que não exija "cuca", que não exija esforço maior do que o descanso absoluto que espero encontrar, hoje e sempre, na minha própria fé nEle. / Cristo está aqui ao meu lado, sentado na minha cama. Sua figura me agrada logo: super-prá frente, calça lee azul marinho e túnica azul clara. Nos pés um par de tênis também azul e, ao redor do pescoço, uma corrente dourada onde vejo pendurada uma cruz. Da cabeça saltam, pacificamente, cabelos claros e lisos que vão até os ombros. Como meu Cristo é bárbaro!"
Tinha razão São Pio X em denunciar que "Le Sillon" apela para "um Cristo desfigurado e diminuído" (n.° 7). Jesus veio para elevar nossa natureza, para torná-la mais polida, de maneira que sobressaísse a dignidade do homem como rei da Criação, e filho adotivo de Deus. Prerrogativas que pedem uma apresentação exterior correspondente. A articulista de "Alavanca" faz o inverso. Desfigurado assim o Divino Salvador, compreende-se que seja tratado como um "chefão" qualquer. Mas, estamos longe do espírito e da letra dos Santos Evangelhos.
O mais alarmante — e nisto está o verdadeiro escândalo — é que muitos católicos vão-se habituando a essa maneira blasfema de tratar o Filho de Deus feito homem.
Igualitarismo absoluto
Corolário da ideia que faz da dignidade humana, "Le Sillon" é por um igualitarismo absoluto entre todos os homens. Se cada homem só salva sua dignidade, quando não se submete a ninguém, mas só obedece a si mesmo, é natural que deseje a supressão de todas as desigualdades, porquanto são estas que discriminam os homens em superiores e inferiores, segundo a classe em que se encontrem.
Semelhante consequência aceitam-na os sillonistas explicitamente, conforme o testemunho de São Pio X: "Toda desigualdade de condição, opinam eles, é uma injustiça ou, pelo menos, uma justiça menor" (n.° 22). Para iludir incautos, "Le Sillon" não fala em abolir a autoridade. De fato ele a reduz a nada, uma vez que a "quer partilhar, ou melhor, multiplicar de tal maneira que cada cidadão se tornará uma espécie de rei" (n.° 14). Todos seriam soberanos, não haveria súditos.
Semelhante fantasmagoria levou São Pio X a dizer que "Le Sillon" se consome numa miragem da cidade futura, onde a autoridade fosse tão tênue que poderia ser dispensada. Comenta o Papa que é um ideal só viável, quando se mudasse a natureza humana.
Também o movimento de Cursilhos, na palavra de órgãos seus autorizados, não recua diante da consequência implícita na sua concepção da dignidade humana. Eles também invectivam contra as estruturas sociais que "destroçam a igualdade essencial entre os homens e a plena realização de seus direitos" ("Encontro Mundial..., Temas do 3.° Dia", p. 34). E propugnam, como ideal, uma sociedade nivelada, onde não haja nenhuma desigualdade, nem sequer a que existe quando um tem mais do que outro ("Trípode", maio de 1970, p. 19).
Subversão no Sociedade e no Estado
São Pio X qualifica o princípio sillonista da dignidade humana e sua consequente igualdade de todos os homens como "gerador de inveja e de injustiça, subversivo de toda a ordem social" (n.° 22), bem como injurioso à Igreja que "decorridos dezenove séculos ainda não teria conseguido no mundo instituir a sociedade sobre suas verdadeiras bases" (n.° 26). Tanto mais quanto, em matéria de regeneração das classes operárias, "os princípios da