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A estratégia comunista das etapas e a lição do Vietnã


A "estratégia das etapas", que caracteriza o progresso comunista no mundo, foi o tema da conferência proferida em São Paulo no dia 16 de março pelo Sr. Nguyen Huu Chi, Embaixador do Vietnã do Sul na ONU, a convite da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade. O diplomata vietnamita veio ao Brasil como integrante da delegação de seu país à posse do Presidente Geisel.

Apresentando o conferencista, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira apontou duas tendências opostas no mundo moderno, em face do comunismo: uma condena a luta e prega a política do "ceder para não perder"; a outra quer lutar para não perder. O Vietnã do Sul escolheu a segunda via.

Visivelmente emocionado pelas palavras calorosas do Presidente do Conselho Nacional da TFP, cheias de fé no futuro do Vietnã livre e na vitória da luta universal contra o comunismo, o diplomata vietnamita deu início, em francês, à sua palestra, cujos trechos principais passamos a resumir:

Ainda longe o fim da guerra

Conheço vossos sentimentos e aprecio vosso desejo de ver a paz restabelecida numa região tão ferida e assolada por duas décadas de guerra contínua. Infelizmente, esta guerra não está próxima de seu fim, apesar dos Acordos de Paris. No momento, ninguém pode dizer com certeza quando e como ela terá fim. Bem longe disso, as perspectivas são pouco animadoras, pois não somos nós que temos a última palavra. A resposta pertence aos norte-vietnamitas, que desencadearam esta guerra de agressão e de expansão, não só contra o Vietnã do Sul, mas também contra o Laos e o Cambodge. De sua vontade de pôr fim a este holocausto, depende a restauração definitiva da paz. O que nos leva a auscultar suas intenções, freqüentemente bem camufladas, mas decididamente pouco pacíficas.

Fanatismo sectário

Se a tática dos líderes do Norte acomoda-se a recuos temporários, sua estratégia, no conjunto, permanece inalterada e repousa na infalibilidade da dialética marxista e na inelutabilidade de sua vitória final.

A estratégia dos norte-vietnamitas inspira-se num duplo objetivo: ideológico e econômico.

É um fato conhecido que os dirigentes do Vietnã do Norte, particularmente os membros do Politburo, são, na sua maioria, velhos, obstinados e sectários, ainda imbuídos do conceito e dos imperativos da guerra fria, para quem a explosão última das contradições internas do capitalismo e a vitória final do comunismo conservam todo seu atrativo dialético e dogmático, apesar da política de detente que se entabula entre os blocos antagônicos.

A Cuba do Mar da China

Os dirigentes de Hanói estão convencidos do caráter internacional e expansionista do comunismo. Para eles, como para Lenine, "a estrada para Londres passa por Calcutá e Pequim". Assim, os imperativos ideológicos passam adiante dos interesses nacionais; eles parecem parodiar Robespierre, exclamando: "Pereça antes uma nação que uma ideologia!"

Isso explica o fanatismo com o qual prosseguem sua política de agressão e de expansão. Eles consideram e glorificam o Vietnã do Norte como "o mais importante posto avançado do campo socialista". O que é confirmado pelo plano chinês para a expansão do comunismo no Sudeste Asiático, segundo o qual o Vietnã do Sul e a Indonésia são dois centros de irradiação e de infiltração, cuja rede deve cobrir toda a região. Guerrilheiros treinados e equipados por Pequim operam nas fronteiras birmanesas e malaias, enquanto norte-vietnamitas lutam nas fileiras do Pathet Lao e dos rebeldes cambodgeanos. Se Cuba constitui o foco da expansão comunista no Mar das Caraíbas e na América Latina, o Vietnã do Norte é a Cuba do Mar da China e do Extremo Oriente.

Unidade do movimento revolucionário em todo o mundo

Um outro dogma da propaganda de Hanói é a coesão monolítica do bloco comunista, que "Che" Guevara definia nestes termos em sua mensagem ao Congresso Tricontinental: "Precisamos desenvolver um verdadeiro internacionalismo proletário. Morrer sob a bandeira do Vietnã, da Venezuela, da Guatemala, do Laos, da Guiné, da Colômbia, da Bolívia, para não citar senão alguns dos teatros da luta armada, será igualmente glorioso e desejável para um americano, um asiático, um africano e mesmo um europeu".

Essa asserção é confirmada por Fidel Castro, que escreveu no prefácio ao "Diário" de "Che" Guevara, publicado pelo "Ramparts Magazine": "Che não concebia a luta na Bolívia como um fato isolado, mas como fazendo parte do movimento de libertação revolucionária que não tardaria a ganhar outros países da América do Sul".

Adaptação da estratégia

No novo contexto criado pela política de détente Este-Oeste, a estratégia expansionista de Hanói, se bem que intacta na sua essência, devia sofrer adaptações táticas, e a assinatura dos Acordos de Paris era um esforço de adaptação e acomodação por parte dos norte-vietnamitas.

Imperativo econômico

O segundo imperativo da estratégia dos norte-vietnamitas é, na minha opinião, a vulnerabilidade de uma economia asfixiada pelo sistema autárquico e tornada precária por uma forte pressão demográfica, pela investida periódica dos tufões e por inundações catastróficas como as de 1971. Apesar e talvez por causa da reforma agrária, cujo objetivo é mais político do que econômico, a produção de arroz jamais satisfez às necessidades de uma população prolífica e continuará a ser deficiente em vista da exiguidade da superfície cultivável, limitada ao delta do Rio Vermelho. A pressão demográfica, econômica e ideológica impulsionará os norte-vietnamitas a estenderem para o sul e para o oeste sua área de evolução e exploração. O Vietnã do Sul, conhecido como o celeiro da Indochina, constitui o objetivo principal da expansão comunista.

Guerra de guerrilhas

Tendo que fazer frente a um adversário superior em número e em poderio bélico, os comunistas não poderiam escapar ao extermínio senão por uma guerra de desgaste e de guerrilha.

Conquanto seja tão velha como o mundo, a guerrilha foi sistematizada e aperfeiçoada pelos comunistas vietnamitas no decurso de duas décadas de guerra de desgaste. A bem dizer, os norte-vietnamitas hauriram na técnica revolucionária de Lenine e de Mao Tsé-tung os elementos de sua planificação política e militar. Apesar da preponderância no Vietnã do Norte da influência da União Soviética, à qual Hanói deve uma ajuda militar maciça, Mao Tsé-tung, companheiro e amigo de Ho Chi-minh, conserva aos olhos dos líderes norte-vietnamitas todo o prestígio de sua vitória e de seu ensinamento.

Subversão e terrorismo

A guerrilha estando associada à persuasão política e sendo por essência o recurso à violência e à intimidação para promover progressivamente a conquista do poder, atividades subversivas e terroristas foram sistematicamente planejadas por Hanói e seus agentes do Sul, os vietcongs.

Infiltrações, assassinatos políticos, seqüestros de agentes comunais, bombardeio de praças públicas enchem diariamente os nossos boletins. Basta citar, a esse respeito, o massacre de Hué, onde 5.800 civis não armados foram mortos ou enterrados vivos em fossas comuns; e, mais trágicas ainda, as carnificinas selvagens na estrada de Quang-Tri, pela qual milhares de refugiados em pânico buscavam as localidades vizinhas.

Essa estratégia do terror foi, aliás, glorificada pelos doutrinadores de Hanói, notadamente em um artigo da revista oficial "Hoc Tâp" ("Educação"), de setembro de 1973, que passo a citar: "Os comunistas promoveram o papel histórico desempenhado pela violência, porque a violência é uma lei que governa o desenvolvimento da humanidade".

Quanto à persuasão política, os comunistas são mestres na arte de explorar as aspirações e o descontentamento populares, assim como os antagonismos entre as facções políticas e os grupos religiosos ou étnicos. Depois da retirada das tropas norte-americanas do Vietnã, a propaganda dos comunistas tem menos efeito sobre a população rural e até voltou-se contra eles, por estarem ainda presentes no espírito de todos as atrocidades cometidas nas ofensivas de 1968 e 1972.

Negociar continuando a guerra

A estratégia das etapas caracteriza o progresso do comunismo no mundo. No plano dessa estratégia inscreve-se, em toda a lógica, a tática das negociações de Hanói: negociar continuando a guerra, tática que Lê Duân, secretário geral do Partido Comunista, adotou à semelhança das negociações entre Chang Cai-chec e Mao Tsé-tung e das de Panmunjon. Isso explica o impasse das conversações em curso em Paris, onde o Vietcong rejeitou nossas propostas referentes a eleições gerais a serem organizadas em julho de 1974, como prevêem os Acordos de Paris.

Enquanto isso, novas divisões comunistas continuam a se dirigir para o sul, onde 300 mil regulares, reforçados por tropas auxiliares do Vietcong, prosseguem suas incursões fronteiriças e seus ataques contra nossos postos e cidades, em violação flagrante dos acordos assinados.

Esses ataques, associados às tentativas — aliás sem êxito — de bloqueio econômico, e à campanha de terror, que não diminuiu depois do armistício, anunciarão uma ofensiva geral comparável às de 1968 e 1972?

Ofensiva diplomática

No front diplomático, os norte-vietnamitas não permaneceram inativos. Seus esforços concentraram-se em uma estratégia que visa promover o reconhecimento internacional do assim chamado Governo Revolucionário Provisório do Vietnã do Sul, isto é, do Vietcong. Este último, apesar das mutações semânticas destinadas a enganar a opinião mundial, não reúne as condições requeridas pelo Direito Internacional para reivindicar um estatuto soberano. Não tendo nem território nitidamente delimitado, nem capital conhecida, ele não pode qualificar-se de governo, nem ser reconhecido como tal.

Note-se como o qualificativo de "provisório" é revelador das intenções de Hanói, que procura reservar seus direitos e salvaguardar seu domínio sobre sua criatura, domínio tornado total a partir da recente substituição dos quadros do Vietcong pelos do Vietnã do Norte.

Não é menos verdadeiro que esta ofensiva diplomática visa preparar, pela legitimação do Vietcong, a formação de um governo de coalizão em Saigon, governo esse que abriria o caminho para a anexação total do Vietnã do Sul. Essa eventualidade estaria no plano da estratégia comunista das etapas, e não seria senão a reedição do precedente de 1946 na Europa Oriental, depois da segunda Guerra Mundial. A questão é saber se uma solução militar será a última alternativa para Hanói no caso de todas as suas manobras subversivas fracassarem — e elas fracassarão, sem dúvida: disso estou certo!

Respeitar os acordos, mas resistir

"Quanto a nós — concluiu o Sr. Nguyen Huu Chi — nós nos atemos escrupulosamente à execução dos Acordos de Paris, na esperança de que as conversações em curso em La Celle Saint-Cloud permitam encontrar um terreno de entendimento, susceptível de promover gradualmente uma paz estável no Vietnã do Sul e em todo o Sudeste Asiático.

Mas nem por isso estamos menos dispostos a fazer face à confrontação militar final imposta por Hanói, e posso garantir-vos que resistiremos, como resistimos firmemente no passado. O desafio da luta pela nossa sobrevivência e nossa independência é por demais crucial para que nos seja permitido falhar à nossa missão histórica".

Terminada sua exposição, que foi vivamente aplaudida, o orador respondeu a numerosas perguntas do auditório.

LEGENDA:
- O Embaixador Nguyen Huu Chi pronuncia sua conferência, tendo ao lado o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e o Prof. Fernando Furquim de Almeida.


No centenário da prisão de D. Vital

"Gesta tua non laudantur"

D.A.C.

Quando, em 24 de maio de 1872, tomava solenemente posse da Sé Catedral de Olinda, D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, ninguém suspeitava fosse ele escrever uma das páginas mais gloriosas da nossa história religiosa. Moço, 28 anos, Religioso capuchinho, primo do Ministro do Império ao que se dizia, tudo parecia indicar teria ele um período episcopal sereno, sem grandes abalos na Igreja pernambucana. Bom pregador, haveria esplendor nas festas litúrgicas, bom Religioso, empenhar-se-ia nas santas missões para afervorar o povo. No mais, sua condição de parente do Ministro prognosticava uma colaboração íntima e pacífica com um Governo que, além do mais, dirigia um país católico.

O ambiente político-eclesiástico

Por outro lado, na atmosfera geral daqueles tempos, em que o espírito da Revolução Francesa se expandira um pouco por toda parte, não se pensava mais nos lances heroicos que outrora haviam marcado a História da Igreja. Até a odiosa espoliação que roubou ao Papado sua soberania temporal não despertara indignação de nenhum Chefe de Estado católico, se excetuarmos a pequena República sul-americana do Equador, no esplendor, aliás, de sua glória sob o governo de Gabriel Garcia Moreno.

Móvel de toda essa empresa para anestesiar o senso católico dos fiéis, e levá-los à mais larga tolerância, eram as seitas secretas. Contavam elas no Brasil com apoio de boa parte da imprensa e sobretudo com o estímulo do Governo imperial na pessoa de seu Chefe, o Senhor Visconde do Rio Branco, grão-mestre da Maçonaria.

As desilusões maçônicas

Em semelhante ambiente político-eclesiástico, causou sobressalto a medida do novo e jovem Bispo de Olinda, tomada em janeiro de 1873, com o fim de sanear as associações religiosas da infiltração maçônica. Depois de duas advertências, o Prelado interditou a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz de Santo Antônio do Recife, porque ela não se dispôs a eliminar seus membros maçons que recusavam abandonar a seita.

A pena cominada pelo Senhor D. Frei Vital era a mais suave possível. Não atingia os membros da Irmandade pessoalmente. Vedava-lhes apenas o uso da capa ou opa que os caracterizava como irmãos. Foi, no entanto, o início de uma série de incidentes, provocados pela pertinaz oposição da Irmandade maçonizada ao Pastor diocesano.

O Governo imperial sentiu-se envolvido na pessoa de seu Chefe, grão-mestre que era da seita visada pelo Bispo católico. Tanto mais que acabava de sair de uma refrega com o Prelado do Rio de Janeiro por ter este último suspendido de ordens ao Padre Almeida Martins, que discursara em uma loja maçônica numa homenagem a Rio Branco. O mal-estar do Governo agravou-se quando, a exemplo do jovem Prelado pernambucano, outros Bispos, um a um, foram publicando documentos análogos sobre a seita maçônica. Mais, Em 29 de maio de 1873, Pio IX, no Breve "Quamquam Dolores", aprovava o zelo do Senhor D. Frei Vital, e reafirmava inapelavelmente a condenação da maçonaria, cujo "satânico espírito revelaram as truculentas revoluções na França que abalaram o mundo inteiro". E, como o assunto de seu Breve interessava também as outras Dioceses do Brasil, mandava o Papa fosse ele comunicado a todos os Bispos do País. Conseqüência: todos os Bispos, cada um na sua Diocese, publicaram o Documento pontifício.

O recurso à Coroa

O mar se encapelara de modo perigoso. A seita estava em perigo e com ela o prestígio do Ministério chefiado pelo seu grão-mestre. Era preciso amainar a tempestade.

Discretamente o Governo sugeriu à Irmandade da Matriz de Santo Antônio do Recife interpusesse recurso à Coroa contra abuso de poder do Bispo Diocesano. Embora tivesse já passado o tempo legal para tais apelações (dez dias), o recurso foi aceito, e a 12 de junho de 1873 iniciou-se o processo contra o Senhor Bispo de Olinda, D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira.

Não contava o Imperador com a tenacidade do jovem Prelado na defesa dos direitos da Igreja. Com isso o "caso" passou a se tornar cada dia mais nocivo ao Governo. Um Bispo processado, condenado, cumprindo pena: nada mais odioso para o Imperador de uma nação oficialmente católica. A outra alternativa, a absolvição do acusado, depois dos pronunciamentos dos altos órgãos públicos, inclusive do próprio Conselho de Estado, seria por demais humilhante. Desprestigiaria o trono já objeto das estocadas republicanas. A solução que se esperava — submissão dócil do Bispo, por sobre as ruínas de sua consciência, ou colorida com a pretensa virtude do mal menor — essa não se deu.

O regalismo indígena

Não havia outro caminho: era preciso obter de Roma uma censura ao Bispo, que salvasse a honra do Governo imperial. Objetivo nada fácil. Sentiu-o o Ministro dos estrangeiros, Visconde de Caravelas, ao deslocar de Londres o experimentado Barão de Penedo, para a missão especial a Roma. Na carta, em que se louvava do bom êxito futuro da missão que lhe confiava, não deixou o Visconde de advertir ao Barão que ele iria tratar com a mais subtil diplomacia da Europa.

Naquela conjuntura, deveria Penedo salientar a moderação do Governo imperial que porém não conseguira demover o impetuoso Prelado. Deveria ponderar a inocência da maçonaria, que não passava de uma instituição beneficente. Em conseqüência, ponderaria o embaixador especial que os elogios do Papa à ação do Prelado insubmisso só poderiam animar os Bispos a chegar aos maiores extremos. Por fim observa o Visconde de Caravelas: "O Governo Imperial não pede favor, reclama o que é justo e não entra em transação" (Instruções do Visconde de Caravelas ao Barão de Penedo, em 21 de agosto de 1873).

O Rei da Prússia protestante ou o Czar da Rússia cismática não teriam outra linguagem. O vírus maçônico penetrara também nas cortes católicas.

O fracasso do Barão de Penedo

Logo nas primeiras entrevistas com o Cardeal Secretário de Estado, convenceu-se o Barão de Penedo de que o Visconde de Caravelas não conhecia bem o homem do Vaticano. Sobre a maçonaria não se poderia pensar em demover a Santa Sé de sua opinião, manifestada em inúmeros documentos. O próprio Pio IX reiterou várias vezes as denúncias contra as seitas secretas. Penedo, ele mesmo, teve ocasião de ouvir Pio IX deblaterar contra a maçonaria. Quanto ao "placet" régio a que as cortes católicas submetiam a publicação dos atos de Roma, o Vaticano sempre julgou-o um abuso. E repetiu ao enviado especial do Brasil que jamais o catalogaria como um direito soberano. Semelhante resposta era uma confirmação do Breve "Quamquam Dolores", que assim era também ele eliminado da lista dos assuntos a serem ventilados.

De maneira que — observa Penedo ao Visconde do Rio Branco — não foi possível encaminhar a conversa sobre estes pontos. Limitou-se, pois, o embaixador extraordinário a discutir os fatos.

A carta do Secretário de Estado

Estes, soube o diplomata brasileiro pintá-los com cores tão negras, que convenceu o Secretário de Estado, Cardeal Antonelli, de que era preciso levar o Senhor Bispo de Olinda a reparar sua impetuosidade, levantando os interditos das irmandades e capelas.

Assim, com data de 18 de dezembro de 1873 enviou Antonelli uma carta reservada ao Prelado de Pernambuco, na qual, elogiando embora o zelo de D. Vital, lamentava sua precipitação, censurava-o porque não teria seguido os conselhos do Papa no Breve "Quamquam Dolores", e dava-lhe ordem de suspender os interditos e de procurar os mesmos efeitos com maior prudência. Terminava declarando:

"Estas são as coisas que era meu dever manifestar-lhe para satisfazer aos mandados de Sua Santidade".

A carta, diz o Barão de Penedo, começava com as palavras "Gesta tua non laudantur". Não parece exato, apesar de o seu teor estar todo ele no diapasão daquela frase.

Missão ingrata

O documento chegou em meados de janeiro de 1874. O Internúncio Monsenhor Sanguigni, com esperança de ver encerrada a questão, fez a imprudência de comunicar ao Governo imperial que recebera a esperada carta de Roma. Encontrou o Governo inabalável na sua intenção de processar o Bispo. Voltou o Internúncio para casa, e no dia seguinte dirigiu-se à Fortaleza São João, onde estava preso o Prelado católico de Olinda. Não teve coragem de desincumbir-se de sua missão. Voltou e confiou o encargo ingrato ao Senhor Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda.

Situação angustiosa; perigo para a Fé

Para D. Vital, foi este o ponto mais crucial em todo seu litígio com o Governo imperial. A censura que recebia do Papa através do Secretário de Estado certamente o feriu profundamente, porquanto de todo em todo imerecida. Mas, o que de longe mais o afligiu foi a situação dolorosa em que o colocava a ordem da Santa Sé de levantar os interditos, de si levíssimos e impostos para purificar as irmandades da infiltração maçônica.

Pois obedecer, naquele momento, era o mesmo que inocentar a maçonaria, nos seus princípios e nos seus fins. Ninguém entenderia de outra maneira a suspensão pura e simples dos interditos legitimamente lançados sobre as irmandades maçonizadas. E o governo imperial se incumbiria de espalhar que esse era o significado da censura que obrigara o Bispo de Olinda a voltar atrás de sua decisão no caso dos sodalícios rebeldes.

O mal que semelhante reviravolta imposta pela Santa Sé acarretaria para as almas não seria fácil calcular. Depois de tão severas e contínuas condenações e advertências contra a seita maçônica, da parte de todos os Papas que desde Clemente XII ocuparam o trono de São Pedro, isto é, por mais de um século ininterrupto, dar razão aos partidários da seita contra um Prelado obediente às normas do Direito, extenuaria nos fiéis a confiança com que se acostumaram a ser seguramente guiados nas coisas de Fé e costumes pelo Supremo Pastor da Santa Igreja. Em consciência, o Bispo de Olinda não podia permitir tão desastrosa consequência.

A atitude de D. Vital

A fidelidade à Igreja ditou a D. Vital outro caminho. Encontrando-se em condições análogas, seguiu o exemplo de Santo Agostinho e dos Bispos da África a propósito de uma decisão do Papa, São Zózimo, na questão pelagiana. Como o Santo Doutor de Hipona, defendeu ele também a integridade da Fé do seu povo. Respondeu que obedeceria, mas precisava dar explicações. E no momento tomou apenas a precaução de guardar bem guardada a carta que acabava de receber do Senhor Cardeal Secretário de Estado. Entretanto, enviava emissário de confiança a Roma, que, de sua parte, desse ao Papa os pormenores da situação.

A derrota das manobras maçônicas

O Governo imperial não contava com a solução que D. Vital deu à obediência às ordens da Santa Sé. Cuidou que o caso estava encerrado com retumbante vitória da Corte. Repreendido pelo seu Superior legítimo, cuja obediência revestia-se de urgência maior à vista do caráter sagrado de Vigário de Jesus Cristo reconhecido no Superior, só tinha o Prelado um caminho: obedecer prontamente.

Firmado neste raciocínio, o Governo tornou pública a existência da carta e seu conteúdo. Não pôde, porém, provar suas afirmações, porque não pôde exibir o documento em que se baseava. A carta era reservada, e a Secretaria de Estado recusou-se a fornecer cópia ao enviado especial do Governo imperial. Também os fatos desabonavam a Corte, pois as irmandades continuavam sob o interdito do Bispo Diocesano.

Os benefícios de uma vitória

Com isso o episódio da famosa carta "Gesta tua non laudantur" terminou num fracasso completo do Governo maçônico do Visconde do Rio Branco, e numa vitória ímpar do Senhor D. Frei Vital.

Os benefícios, aliás, não foram só pessoais. A atitude de D. Frei Vital pôs fim a uma situação ambígua que só poderia vir em detrimento da Fé. Sua inabalável firmeza na defesa dos princípios católicos face à maçonaria tornou claro o que D. Duarte Leopoldo sublinha em seu livro "O Clero e a Independência", isto é, que o "mação não pode ser católico, como o católico não pode ser mação" (p. 69, nota).

A sequência da Questão Religiosa é conhecida. Ela terminou no ano seguinte, 1875, quando o Ministério Caxias, que sucedeu ao de Rio Branco, exigiu do Paço a anistia aos Bispos (em 1874, por motivo idêntico, fora encarcerado na Ilha das Cobras D. Antônio de Macedo Costa, Bispo do Pará).

Quisemos, neste centenário da condenação de D. Vital, sublinhar apenas o episódio do pífio resultado da Missão do Barão de Penedo, porque a carta da Secretaria de Estado marcou o ponto culminante da Questão Religiosa, pois dele emerge de modo singular a heroicidade da fé e a fidelidade à Igreja do egrégio Bispo de Olinda, D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira.

A carta de Pio IX a D. Vital

Com fecho deste artigo reproduzimos a resposta do Santo Padre Pio IX a D. Frei Vital, após ter recebido o emissário do Prelado de Olinda. As expressões de Pio IX são de um carinho singular, que desfaz a angustiosa impressão deixada na alma de D. Vital pela carta do Cardeal Secretário de Estado.

A tradução é extraída da nova edição da obra do Bel. Antonio Manuel dos Reis (II tomo, p. 291 s.), feita por Frei Felix de Olívola, Capuchinho:

"Venerável Irmão. / Saudação e Bênção Apostólica. / Por tua atenciosíssima carta de 24 de janeiro último Nos professas tua fiel e sincera obediência, e com amplíssima declaração atestas que nada mais do que ela tens a peito.

(continua na página 6)

Legenda:
- Matriz de Sto. Antônio, Recife, cuja Irmandade do Santíssimo deu início ao processo contra D. Vital