Plinio Corrêa de Oliveira
Os leitores viram, naturalmente, a declaração da TFP sobre seu programa de resistência à política de aproximação da Santa Sé com os governos comunistas. Sobre os motivos e a natureza de nossa atitude, nada há que acrescentar. Igualmente me parece que ficou tudo dito quanto a um ponto capital da matéria, do qual somos supremamente ciosos, isto é, a constância de nossa inteira e amorosa união com o Santo Padre Paulo VI, em toda a medida preceituada pela doutrina católica. Entretanto, falta tratar da oportunidade de nossa atitude.
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Bem entendido, não presumo que o pronunciamento da TFP mude a orientação da diplomacia de Paulo VI. As razões que alegamos são por demais evidentes, para que já não as tenham ponderado, de há muito, o Sumo Pontífice e seus imediatos conselheiros.
Passando ao ponto de vista tático, não há comparação possível entre as vantagens que o Vaticano imagina capitalizar com o apoio do Moloch que é o mundo comunista, e os inconvenientes que lhe possam resultar da resistência de filhos espirituais que tem nas TFPs, disseminados por quase toda a América e em algumas nações da Europa, cheios de fé, é verdade, mas desprovidos do poderio que sobra do lado comunista. Nossa própria fé é um fator que, numa avaliação meramente política, ainda diminui, nas balanças da diplomacia, o alcance de nossa posição. Pois o Vaticano está certo, absolutamente certo, de que a Santa Igreja não tem que recear de nós qualquer forma de apostasia.
— Qual, então, a utilidade de nossa atitude?
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A distensão do Vaticano vem de longe. Nota-se desde o Concílio Vaticano II uma mudança gradual de atitude dos Episcopados de quase todo o mundo diante do perigo vermelho. De arredia, vigilante, e não raras vezes até combativa que era, tal atitude passou a ser, em boa medida, átona, silenciosa, e como que desatenta. Dir-se-ia que o problema comunista cessou de repente. Destacando-se sobre este fundo de quadro, um número não pequeno de Prelados passou a exprimir, com matizes novos, o glorioso e antigo anseio da Igreja no sentido de uma mudança das condições de vida das classes pobres. É só confrontar a linguagem de um São Pio X a esse respeito, com a de certas Conferências Episcopais e de certos Prelados, para medir quão sensível vem sendo essa mudança. A linguagem nova de muitas reivindicações sociais eclesiásticas, por vezes é tal que, sem ser definidamente marxista, parece inspirada no vocabulário e no estilo usados pelos comunistas. Como infelizmente é bem notório, há mais. Determinados Bispos, constituindo exceções rumorosas e impunes, apoiam decididamente as hostes comunistas. O exemplo mais frisante dentre eles é o Cardeal Silva Henríquez no Chile. Somem-se a essa imensa massa de fatos os contatos diretos do Santo Padre com chefes de Estado vermelhos, as viagens diplomáticas que Mons. Casaroli — o Kissinger vaticano — faz, a toda hora, aos países comunistas, etc., e pergunte-se qual o efeito conjunto de tudo isso sobre a vigilância e a pugnacidade face ao perigo comunista, dos católicos do Ocidente (para só falar deles). Obviamente, a distensão vaticana tem por efeito uma desmobilização psicológica dos quinhentos milhões de católicos em relação ao perigo comunista.
Estes são fatos absolutamente impossíveis de serem contestados.
Ora, precisamente a esta altura, o perigo comunista se vai tomando mais grave. Cresce a todo momento o poderio diplomático e militar da Rússia, e a propaganda comunista se vai tornando mais disfarçada, mais envolvente, mais aliciante. Os intelectuais ou os políticos explicitamente comunistas vão passando, hoje, para o folclore e a pré-história do comunismo. O político esquerdista com tendências comunistas, o intelectual que fala mal do comunismo, mas cria um clima pré-comunista, esses são os agentes mais eficientes e modernos da propaganda vermelha.
Em suma, o auge da desmobilização católica coincide com o auge da investida polimórfica do comunismo. O resultado: catástrofe a prazo médio, se não breve.
— E o antídoto que preserve os católicos? —Só pode ser uma ação anticomunista especializada, desenvolvida por católicos baseados na doutrina tradicional da Igreja, que falem aos seus irmãos na Fé de maneira a os alertar e levar à luta contra o perigo vermelho. Qualquer outra forma de antídoto seria vã ou contraproducente.
Nesta tarefa se empenha a TFP. Tarefa tão imprescindível enquanto durar a "Ostpolitik" do Vaticano. É a utilidade de nossa árdua, mas indispensável — e quão filial — resistência.
A "Folha de São Paulo" publicou um resumo da recente alocução do Santo Padre Paulo VI ao novo Embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava suas credenciais.
O Sumo Pontífice não ignora quanto desconcerto e apreensão vai causando aos católicos, pelo mundo afora, sua "détente" com os países sob regime comunista. A ocasião era propícia para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1 — espiritual, em virtude da inspiração ateia e marxista do Presidente Allende; 2 — material, em consequência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou seja, a livre iniciativa e a propriedade privada. Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo, dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista do Cardeal Silva Henríquez, Arcebispo de Santiago.
Entretanto, ao que parece, o discurso do Soberano Pontífice nada conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de um Papa. Da alocução pontifícia destaco, até, uma frase que soa de modo bem diverso. Nela, o Santo Padre augura para o povo andino "uma fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera".
À primeira leitura, essas aspirações podem agradar. Porém, se bem analisadas, causam estranheza. Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos, comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parece achar possível o despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas respectivas convicções, cessem as "animosidades", os "ressentimentos" e as "vinganças." Ora, está na essência da doutrina e da metodologia comunistas não ter com o adversário nenhuma "fraternidade" sincera, mover contra ele uma guerra contínua, animada pelo ódio e travada com todos os recursos da propaganda ou da violência, bem como fazer da vingança das "classes oprimidas" o leitmotiv de sua ação. Em face de tal adversário, os católicos podem e devem, sem dúvida, agir com uma elevação cristã, que não exclua, aliás, a firmeza. Mas é-lhes impossível conseguir dos comunistas uma "autêntica compreensão", e menos ainda uma "reconciliação efetiva e sincera".
Desde que haja católicos de um lado e comunistas de outro, estes últimos imporão necessariamente uma luta. E essa luta os católicos a terão que aceitar com destemor, em qualquer campo em que sejam agredidos.
Não é difícil ver que as mencionadas palavras do Papa Paulo VI tendem a reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vai tentando obter, no campo diplomático, com as nações comunistas. E que, na base de uma e de outra coisa, está o pressuposto de um comunismo sem ódio e sem vingança; de um comunismo irreal, que não poderia existir nem no mundo da utopia, pois seria um comunismo... não comunista.
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Essas palavras do Santo Padre indicam aos católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizam psicologicamente ante um adversário implacável, o qual de nenhum modo se desmobiliza. A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos.
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— Só para os chilenos? — O comunismo chileno não é senão uma parcela do comunismo internacional. Apresentando a psicologia dos comunistas chilenos sob luz tão otimista, essas palavras do Santo Padre produzirão, por toda parte em que forem publicadas, efeito análogo ao que terão produzido no Chile. E isto inclusive no Brasil, onde, se vão escasseando os terroristas, seria ingênuo imaginar que vão diminuindo — nos seus principais redutos, as sacristias e os salões — os comunistas "não-violentos".
Fazendo, pois, o presente comentário às palavras do Chefe Augusto da Cristandade, defendo meu País. Defendo a Cristandade. E assim procuro conservar para o próprio Pontífice, uma influência que sua estratégia lhe vai dia a dia roubando.
Nesse ato de resistência à política de Paulo VI não há outras componentes psicológicas senão o amor, a fidelidade e a dedicação. Dado que o Papa é o monarca da Santa Igreja, meu gesto importa em defender o reino em benefício do Rei, ainda quando, para tanto, deva incorrer no desagrado deste.
Mais longe, segundo me parece, não é dado ao homem levar sua dedicação.
Em 1938, Adolf Hitler colocava o mundo na contingência de optar entre uma guerra terrível e a aceitação da supremacia do III Reich. Daladier e Chamberlain — chefes dos governos francês e inglês — foram a Munique negociar a paz, mas acabaram por fazer concessões que só tiveram por efeito ensoberbecer e fortalecer o Führer enlouquecido, e assim precipitar a guerra.
Também em nossos dias o mundo foi posto num dilema: correr os riscos de uma guerra, ou ceder. Ceder, não mais diante de um homem que parecia desvairado por sonhos megalomaníacos, mas sim diante dos desígnios frios e implacáveis de uma seita filosófica atéia e igualitária, o comunismo internacional.
Com a tomada do poder pelo comunismo na Rússia em 1917 e sua posterior expansão pelos países da Europa e da Ásia, o mundo ficou dividido em duas áreas profundamente antagônicas. Mais que a Cortina de Ferro ou a Cortina de Bambu, dividia-as um muro de horror levantado pelos povos não subjugados pelo comunismo.
De um lado estava o Ocidente, baseado em algumas verdades perenes e absolutas, herdadas do patrimônio espiritual cristão; do outro, os países comunistas, afirmando como um dogma a relatividade e a mutabilidade de todas as coisas... exceto a do relativismo.
A idéia de um mundo dividido em duas áreas que se afrontavam em luta ideológica, perdurou até as viagens de Nixon a Pequim e a Moscou e de Brezhnev a Washington.
Essas viagens inauguraram em grande estilo e com novo fôlego a política que outros haviam timidamente ensaiado, isto é, a política de distensão entre os países do mundo livre e o bloco socialista.
A nova política, a détente — que, no dizer do Presidente norte-americano, "mudou a face da terra" — é o instrumento da convergência, ou seja, da aproximação entre os dois blocos, pela superação das divergências ideológicas. Tal convergência é advogada não só por políticos do Ocidente, mas também por intelectuais soviéticos chamados dissidentes, como o físico atômico Sakarov.
A convergência — como a apresentam seus fautores — pode ser assim resumida:
a) se os Estados Unidos e a Rússia entrarem em guerra, a hecatombe atômica será inevitável;
b) em consequência, a única saída para o mundo está na implantação de um regime de coexistência pacífica que, de um lado, harmonize inteiramente as relações entre os dois "grandes" e, de outro, atenue os contrastes entre o mundo desenvolvido e o subdesenvolvido;
c) a fim de que tal coexistência conduza realmente a uma paz estável, cumpre que não seja simplesmente um modus vivendi entre potências hostis. É preciso que ela importe na eliminação definitiva das causas de dissídio entre os Estados Unidos e a Rússia. Obtido isso, os dois grandes se desarmarão e destinarão aos subdesenvolvidos as torrentes de dólares e rublos que invertem em material bélico. E, assim, o mundo unificado conhecerá, afinal, a paz;
d) haveria duas espécies de unificação. A primeira seria uma fusão do capitalismo com o comunismo, por meio da qual o Oeste e o Leste adotariam um mesmo estilo de pensamento e de vida, eliminando por essa forma mil causas de mútuas desinteligências. A segunda modalidade de unificação consistiria na fusão de todos os países em uma república universal. — Como se dariam estas duas fusões? Dizem os fautores da convergência: é preciso que tanto o capitalismo como o socialismo estejam na disposição de assimilar, cada um, os aspectos positivos do outro, operando assim uma mútua aproximação nos aspectos fundamentais. A sociedade capitalista deveria tomar uma feição socialista e a sociedade comunista deveria reconhecer um pluralismo político que a conduziria a uma democracia efetiva.
Em suma, liberdade política, igualdade social absoluta, dirigismo econômico total, eis a fórmula apresentada para se escapar do cataclisma atômico.
Na realidade, se o Ocidente deixar-se comunistizar parcialmente, tiver deformada a sua estrutura social, deteriorada a sua cultura, asfixiada a sua economia pelo dirigismo socialista, ficará muito mais exposto à sanha conquistadora dos russos do que agora. O auge da contradição está na quimera de reunir a liberdade política e a tirania econômica. Pois num país onde toda a economia depende do governo, a liberdade política é impossível.
— Mas, e se disto depende a paz? perguntarão muitos.
A paz é um bem, um altíssimo bem. Não porém o bem supremo. E se o preço dela são a inércia e as concessões ante a investida comunista, mais vale a pena lutar. A única maneira de preservar a paz é sermos argutos e firmes contra o monstro vermelho.
Do contrário, nada será tão atual como as palavras de Churchill a Chamberlain e seus sequazes, quando eles voltavam de Munique:
"Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra; preferistes a vergonha e tereis a guerra".
Talvez viesse então ao espírito do grande estadista britânico um pensamento como este de Claudel: "Há algo mais triste de perder do que a vida: é perder a razão de viver; mais triste do que perder seus bens é perder a esperança" ("L'Otage", Gallimard, Paris, 1951, p. 143).
A política de Willy Brandt é, no âmbito europeu, a mesma détente levada a cabo pela dupla Nixon-Kissinger no plano mundial.
A Ostpolitik propugna uma verdadeira e sempre mais ampla colaboração com os países de atrás da Cortina de Ferro. Tal colaboração não representaria, entretanto, uma ruptura de Bonn com o Ocidente. Conta ela até com o apoio caloroso de vários governos ocidentais. A Alemanha seria o elo de união entre Leste e Oeste na caminhada rumo à convergência final. Na fase atual, a Ostpolitik e a détente já conduziram ao reconhecimento pelos países ocidentais do domínio soviético sobre a Europa Oriental — que, de domínio de fato, passa a domínio de direito — e ao reconhecimento da Alemanha Oriental como Estado soberano.
O ponto terminal da Ostpolitik não é apenas o bom entendimento entre as duas Europas, mas a formação de uma pan-Europa, que vá dos Urais até os Pirineus, ou mesmo até o litoral português. Esta pan-Europa é o termo lógico do pan-europeísmo — doutrina que advoga a fusão das nações do Velho Mundo — concebido num clima de reconciliação do bloco soviético com o ocidental.
Ora, o processo mais fácil para a formação dessa pan-Europa não é a realização de uma série infinda de negociações entre cada um dos países da Europa Ocidental e a Rússia. O mais simples é a construção de uma Federação europeia, dirigida por utopistas simpáticos ao comunismo e impregnados de espírito socialista, que negociariam diretamente com os soviéticos.
Estas consequências são de várias ordens. Temos as mudanças psicológicas da opinião pública, as consequências de ordem política, diplomática, econômica, etc. As mais importantes são, de longe, as devastações que as viagens de Nixon a Pequim e a Moscou e de Brezhnev a Washington produziram na opinião pública do Ocidente.
• DERRUBADA DO "MURO DE HORROR". Até há algum tempo, os anticomunistas tinham ao comunismo um horror como o que o fiel tem ao demônio. Havia, como dissemos, um muro psicológico de horror, produzido pela doutrina, táticas, métodos e história comunistas. A détente provocou a derrubada desse muro, primeiramente nos meios empresariais. Se os governos podem, por razões políticas, passar por cima das diferenças ideológicas, por que não o poderiam fazer os empresários, por razões econômicas? Dizia-se: "Devemos negociar com os países comunistas com a mesma naturalidade com que negociamos com os não comunistas. No comércio de país a país, já não têm razão de ser as barreiras ideológicas. Logo, não há mais motivo para dividir o mundo em dois blocos antagônicos. A posição verdadeira é a do comerciante pragmático, que transaciona com aquele que lhe dá mais lucro".
Daí, a afirmação de que a política internacional já não gira em torno de ideias, mas de economias. O muro de horror estava fundamentado na ideia de que as ideologias valem mais do que o dinheiro.
A opinião pública, vendo a naturalidade com que seus políticos e seus homens de negócio, conhecidos como anticomunistas, convivem com os comunistas, perde as prevenções que tinha em relação a estes. A derrubada dessa barreira torna muito mais fácil a penetração marxista. O mundo comunista não perde a sua coesão, mas o não comunista se racha.
• DESMOBILIZAÇÃO IDEOLÓGICA, E ASFIXIA DO ANTICOMUNISMO. O anticomunismo passou a ser apresentado como velheira própria a outros tempos. A tomada de posição ideológica passou a ser vista como coisa retrógrada e carcomida. Não se é nem comunista, nem anticomunista. A ideologia, no lado ocidental, perde a sua razão de ser. Condena-se o anticomunismo, mas não o comunismo, achando-se natural que haja países onde ele domina. Com isso, o comunismo tem a partida ganha.
• INCENTIVO PARA AS ESQUERDAS, DESÂNIMO PARA AS DIREITAS. A détente incentivou os esquerdistas de todos os matizes nos países livres e desanimou ali os mais fervorosos partidários da aliança ocidental. Esse fenômeno foi particularmente observado em Formosa, no Japão, na Coréia do Sul, nas Filipinas, em Singapura e na Austrália. Em outros termos, na cadeia de nações anticomunistas do Extremo-Oriente.
• PARALISAÇÃO DOS ELEMENTOS MENOS COMBATIVOS. É inevitável que milhões de pessoas com uma mentalidade não propensa para o heroísmo, tenham feito o seguinte raciocínio: "Depois das viagens de Nixon a Pequim e a Moscou, do abandono dos antigos aliados, da virtual "finlandização" da Europa, da campanha contra a NATO, da desintegração da SEATO, da imprevidência dos líderes ocidentais, o comunismo tem a partida potencialmente ganha. Logo, o melhor é acomodar-me, não destacar-me na luta anticomunista, adotar ideias socialistas, para que, quando vier o comunismo, eu seja poupado". Fica assim derrubado mais um bastião da cidadela, pela paralisação de incontáveis pessoas que, de outro modo, seriam anticomunistas.
Qual a repercussão de tudo isso sobre a opinião pública dos países do Leste? Nas populações descontentes de atrás da Cortina de Ferro, as notícias dessas viagens provocaram um grande desânimo. Os anticomunistas — que os há ali numerosos — vendo que os líderes do Ocidente entram em regime de colaboração franca com o comunismo carrasco, sentem-se fraudados na legítima ajuda que deles tinham direito de esperar.
• NO MUNDO: RETRAÇÃO DA INFLUÊNCIA NORTE-AMERICANA. A principal consequência política da détente é a retração da influência norte-americana no mundo. Nixon, no eufórico discurso que dirigiu ao Congresso ao voltar de Moscou, disse que os Estados Unidos conservavam poderio suficiente para se defenderem a si próprios contra uma agressão russa. Nenhuma palavra acrescentou quanto à defesa do resto do mundo livre. Em outros termos, Washington se dessolidarizava de outros países não comunistas, expostos assim à sanha de Moscou.
A política de Nixon seria acertada apenas na hipótese de os soviéticos estarem de completa boa-fé, terem renunciado aos intuitos de conquista ideológica, política e militar, e não desejarem senão levar os filhos a passear, nas manhãs de domingo, em um carro norte-americano, nos arredores de sua casa, idilicamente encantados com a "american way of life". Caso contrário, Nixon e outros líderes ocidentais, pela estrada das concessões paulatinas, levarão o mundo livre ao suicídio. Como o inimigo é insaciável, cada concessão exigirá nova concessão. A Sagrada Escritura diz que "um abismo atrai outro abismo" (51. 41, 8). Cada passo neste caminho torna mais precária a posição norte-americana e fortalece a soviética. Dirá alguém: mas os povos do Ocidente podem escolher o caminho do heroísmo e resistir ao comunismo, como o velho Matatias, de quem o Livro dos Macabeus registra que preferia morrer a viver numa terra devastada e sem honra (2 Mac. 2, 16 ss.). Infelizmente, são poucos, no mundo de hoje, os que escolhem o heroísmo.
• NA EUROPA: "FINLANDIZAÇÃO". A Rússia — como já dissemos — deseja formar uma Federação pan-européia, dos Urais a Lisboa. O corolário dessa meta é a retirada das tropas norte-americanas do Velho Continente. Quem terá a palavra decisiva, quando a uma mesa de conferências se sentarem o embaixador russo, o francês, o dinamarquês e o belga?...
Na situação atual, a Europa tem dois calcanhares de Aquiles. Um é a situação militar. O outro: desde que corte o abastecimento do petróleo proveniente do Oriente Médio, a Rússia pode paralisar, de um momento para outro, quase todas as indústrias e transportes da Europa Ocidental.
Sem petróleo, o esforço de guerra desta última fica reduzido a quase nada. Além de a Rússia ter o laço no pescoço da Europa, pelo quase completo controle do petróleo árabe, o poderio militar soviético vai atingindo no continente índices alarmantes. Os russos superam os europeus em poder aéreo na proporção de sete para um. E o poderio naval soviético está para o dos europeus ocidentais na proporção de quatro para um. Assim, pelo norte e pelo sul, os soviéticos vão cercando a Europa livre. O argumento de que está sendo negociada a redução equilibrada das forças não vale, pois as negociações visam, até o momento, reduzi-las no centro da Europa e não no norte nem no sul. E, mesmo ali, os russos não querem aceitar a redução realmente proporcional.
Assim, facilmente se compreende que os soviéticos — como noticiou a imprensa internacional — tenham já pronto um plano de invasão da Europa Ocidental, consistente. em ocupar o continente e todo o litoral do
"PREPARARÃO ARDUAMENTE SEU PRÓPRIO SUICÍDIO"
Memorando de Lenine a Georgy Chicherin, então Comissário para Assuntos Estrangeiros:
Dizer a verdade é um conceito desprezível e burguês. Uma mentira, por outro lado, é muitas vezes justificável pelos "fins". Os capitalistas do mundo inteiro fecharão os olhos para os tipos de atividade nossa a que me referi e dessa maneira se tornarão não só surdos-mudos, mas também cegos. Eles nos abrirão créditos que nos servirão para apoiar os partidos comunistas em seus países. Eles nos suprirão com os materiais e a tecnologia que nos faltam para a restauração de nossa indústria militar, da qual necessitamos para nossos futuros e vitoriosos ataques contra nossos próprios provedores. Em outras palavras, eles trabalharão arduamente para preparar seu próprio suicídio. (apud Relatório Especial do "Institute for the Study of the Confliet", de Londres, fevereiro-março de 1973).