Atlântico em apenas duas semanas. Os Estados Unidos seriam paralisados pelo terror da agressão atômica.
O mais provável é que, na iminência dessa invasão, a Europa Ocidental se deixe "finlandizar" sem qualquer resistência militar. Bem entendido, a Rússia aproveitaria esta situação privilegiada para impor gradualmente o comunismo aos países "finlandizados". E para isso já estarão a postos os PCs dos vários países (sobretudo os da Itália e da França).
Aliás, para o domínio dessa parte do mundo, talvez nem precise o Cremlin utilizar um método tão brutal. Cada vez mais, a Europa coloca-se voluntariamente debaixo do domínio russo. Na crise do petróleo, ela abaixou-se vergonhosamente às imposições dos emires, cheiks e ditadores populistas do deserto e do Golfo Pérsico.
É evidente que atrás desses régulos árabes está a mão imensamente mais poderosa dos soviéticos. O Velho Continente, em vez de reagir valentemente aos acintes que se lhe faziam, dobrou a cabeça. E — pasmem — aumentou suas compras de petróleo russo!
A crise do petróleo e suas consequências puseram aos olhos do mundo o seguinte: a Europa, por não resistir às chantagens do petróleo e da agitação sindical insufladas pelos soviéticos, colocou-se em regime de protetorado russo. E os soviéticos vão tirar proveito desse estado de coisas.
Outro fato grave no âmbito dos países europeus são suas rixas com os Estados Unidos. Não vamos entrar aqui nas razões que, eventualmente, possam ter os dois lados. Analisaremos o fenômeno sob o ângulo da ameaça russa.
A proteção norte-americana é a salvaguarda da soberania europeia. Seria natural que os homens públicos dos dois lados se aplicassem a consolidar e aumentar o poderio dessa aliança. Pois da sobrevivência de um depende o outro. Os norte-americanos não podem ter ilusões: conquistada a Europa, a próxima presa que os soviéticos desejarão serão os Estados Unidos.
À vista disso, todo o apoio deveria ser dado à NATO, fazendo-a cada vez mais um instrumento de contenção do avanço comunista.
Não é exatamente isso o que se observa. No Congresso "yankee", nos órgãos da imprensa escrita e falada do país, a NATO sofre um contínuo processo de erosão publicitária. Processo esse que levará, mais cedo ou mais tarde, à retirada das tropas norte-americanas da Europa, sob qualquer pretexto que vele, em medida maior ou menor, a entrega desta aos russos.
Nos países europeus observa-se o mesmo fenômeno. De Gaulle, ao retirar a França da NATO, prestou à "grandeur française" um dos maiores desserviços que se possa imaginar. Que "grandeur" há em ser protetorado dos neobárbaros do século XX, os comunistas? Ao propor a abertura para o Leste, o General atuou como precursor da Ostpolitik, que hoje mina as resistências e impede que a Europa esteja alerta em face do perigosíssimo envolvimento comunista — seja no campo político, militar ou psicológico — que se prepara para degluti-la.
A détente acelerou esse processo. Fosse outra a política norte-americana, e as propostas de Willy Brandt morreriam na sua garganta.
Devido às trincas na aliança ocidental, vários governos europeus mantêm com Moscou contatos de crescente boa vontade e subserviência. Favorecendo essa política, os Estados Unidos tiram de sua própria frente o último anteparo e se colocam face à face com o colosso vermelho. É bom acrescentar que não é por heroísmo que Washington procede assim, mas porque se cansou de proteger o anteparo e este se cansou de ser protegido. Com uma simples patada o urso moscovita poderá colocar o anteparo debaixo de suas garras.
• NO ORIENTE: TRANSFORMAÇÃO DE ALIADOS EM INIMIGOS: "CARTILAGENIZAÇÃO" DAS ANTIGAS RESISTÊNCIAS. Havia-se constituído na Ásia um bloco de nações anticomunistas cujas expressões maiores eram o Japão e a Austrália. Formavam uma cintura de proteção, um "cordão sanitário" entre as nações livres e o mundo comunista. O Japão, embora não sendo militarmente uma grande potência, poderia facilmente transformar-se em um país militarizado devido à pujança de seu parque industrial.
A SEATO (Organização do Tratado do Sudeste Asiático), entidade análoga à NATO, continha a ameaça militar comunista no Oriente.
Depois, veio a viagem de Nixon a Pequim.
Vamos analisar aqui alguns pontos da Declaração de Xangai — assinada no final da visita do Presidente norte-americano à China — para melhor avaliarmos o alcance dessa viagem.
"Ambas as partes estão de acordo em reconhecer que se aprofunde a compreensão entre os dois povos. Com esse fim, discutem assuntos específicos de campos como a ciência, a tecnologia, a cultura, o esporte e o jornalismo, nos quais os contatos e intercâmbios de povos seriam de recíproco benefício".
Nesse tópico está todo um programa de aproximação entre povos e não meramente entre governos, note-se bem.
O que a Declaração de Xangai entende por "povo chinês"? São as multidões delirantes de entusiasmo pelo comunismo? Até que ponto são autênticas essas multidões? Até que ponto se identificam com o próprio povo? Sabido é que os governos comunistas mentem quando se trata de afirmar a solidariedade do povo à ideologia do Partido.
Somos, assim, levados a suspeitar vivamente que o "povo chinês" com o qual os norte-americanos vão "aprofundar a compreensão", não é senão o PC. E que os contatos dos "yankees" se farão, não com a maioria autêntica dos chineses, mas com equipes de cientistas, técnicos, esportistas e jornalistas filiados ao partido oficial.
Se fosse sincera, a China comunista deveria abrir, de norte a sul, as suas fronteiras para os norte-americanos e lhes garantir toda a liberdade de ir e vir por onde quisessem. Mas isto os chineses evitam com cuidado. A Declaração de Xangai prevê tão somente contatos entre técnicos e especialistas, ou então de jornal a jornal, de revista a revista, etc. Tudo de longe, facilmente filtrável e controlável, com o propósito de mostrar apenas o que convém mostrar. E, sobretudo, de esconder quanto convém que no Ocidente ninguém saiba. Ora, só um tolo poderá crer que o PC chinês indique para esses contatos gente capaz de mudar de campo. Logo, tais contatos só serão promovidos pelo PC na medida em que tiver a esperança de "converter" os norte-americanos ou, pelo menos, de os "amolecer" em relação à doutrina comunista. Entrarão em tais relações com o único objetivo de aproveitar todas as oportunidades para fazer aceitar a sua ideologia pela outra parte.
Pelo contrário, os americanos irão para os encontros na persuasão de que se trata de uma mera informação recíproca. E julgarão faltar ao "fair play" se se entregarem ao proselitismo.
Logo após a Declaração de Xangai, a viagem de Nixon começou a produzir consequências.
No Japão era evidente que um governo conservador como o do Premier Eisaku Sato não poderia seguir os passos da dupla Nixon-Kissinger. Dentro do partido do governo, surgiu a ala esquerdista liderada por Kakuci Tanaka, que acabou por derrubar Sato. O novo governo tratou, desde logo, de aproximar-se da China. E daí resultou a visita de Tanaka a Pequim.
O programa da estadia do Premier nipônico na China, comparado com o programa preparado para Nixon, comportou diversos pormenores que deixaram ver, de modo subtil e insolente, que a China atribuía muito mais importância a Tanaka do que ao Presidente norte-americano. Tanaka não cessou de manifestar sua humildade ante os anfitriões chineses. Ao longo da visita, declarou seu país culpado pela agressão à China em 1937, elogiou rasgadamente Chu En-lai, a hospitalidade e até a comida chinesa. E — na volta — ainda compôs um poema sobre o reatamento de relações com Pequim...
A Austrália experimentou mudança semelhante. Um gabinete trabalhista subiu ao poder e foi logo diminuindo os vínculos que uniam o país ao mundo ocidental. Assim, desligamento da SEATO, ataques aos Estados Unidos, esfriamento da amizade com a Grã-Bretanha foram temas que passaram à ordem do dia. Ao mesmo tempo, assistiu-se ao estreitamento dos laços com a Rússia, ao reconhecimento da China comunista e a "flirts" com Pequim.
Formosa vê-se abandonada pelos norte-americanos e por quase todos os seus antigos amigos. Em torno da ilha vai-se fazendo o vácuo. Sua anexação pelo regime de Pequim já é considerada por muitos como um fato que ocorrerá mais dia, menos dia.
No futuro a História olhará com horror o grande número de governos que reconheceram a China vermelha, com o subsequente rompimento com Formosa, logo após a viagem de Nixon a Pequim e como consequência dela. Nesse reconhecimento, o direito e a honra foram espezinhados. Não se levou em conta que os detentores do poder em Pequim são usurpadores, são tiranos do povo chinês. Apenas, quando se davam razões, era dito ser a China continental um imenso mercado de 700 milhões de consumidores. O que, aliás, é hipotético, pois esse povo jaz na miséria. E mesmo que fosse real, não se pode, por razões do lucro, espezinhar os direitos e as esperanças do povo chinês, consolidando o usurpador e tirano.
Santo Agostinho diz que as nações são recompensadas e punidas nesta terra, pois para elas não há vida eterna. Que castigo Deus reservará para os povos que promoveram esta infâmia ou aderiram a ela?
No Vietnã, como consequência da détente, tivemos a "paz com honra", que não foi feita segundo a honra, nem foi paz. Foi, isto sim, a retirada disfarçada dos norte-americanos, abandonando seus antigos aliados à sanha comunista.
Moscou e Pequim continuam insuflando e armando o Vietnã do Norte e o Vietcong. Os vietnamitas do sul veem-se, cada vez mais, na iminência de ceder ante o impacto verme- lho. Dir-se-ia que, se os comunistas não tomaram ainda o poder, é apenas para não prejudicar a política de Nixon, mostrando-a aos olhos dos ocidentais em sua verdadeira face. O provável é que farão com o Vietnã do Sul como o gato que brinca com o rato durante algum tempo, para depois dar-lhe o golpe fatal.
No fundo, se Moscou e Pequim podem ajudar os seus aliados do Sudeste Asiático é porque os ocidentais lhes dão trigo, capitais e "know how". Os dois "colossos" vermelhos estariam premidos por dificuldades econômicas internas em escala muito maior, não fosse a ajuda do Ocidente.
A guerra do Vietnã pôs claro aos olhos do mundo que os Estados Unidos já não são fiéis aos seus compromissos no Exterior. Depois do Vietnã, o Laos e o Cambodge estão sujeitos à mesma sorte.
A revista "Time" dizia recentemente que os comunistas controlam 80 por cento do território do Laos e têm 50 por cento de representação no novo governo do país, como também fizeram enormes progressos no Vietnã do Sul.
Bem andou o representante deste último país — Tran Van Lam — quando, após a assinatura do tratado de paz de Paris, jogou sua caneta no chão, afastando-se dela como de um objeto de horror.
Não analisaremos o que se dá com outros países, mas o panorama é idêntico. Apenas uma palavra sobre a Índia. Cada vez mais Indira Gandhi vai afastando seu país da neutralidade — tão cara a Nehru — e o vai empurrando para os braços dos russos. Estes brevemente terão bases navais na Índia.
Uma breve análise do avanço russo. Sob este aspecto, a détente, diminuindo as barreiras contra os comunistas, permitiu-lhes entrar em várias áreas que estavam debaixo da influência do mundo livre. Embora o processo não seja recente, tomou extraordinária intensidade nos últimos anos.
O Mediterrâneo está coalhado de belonaves russas. Anteriormente, era dominado pelos ocidentais.
O Índico, outrora patrulhado pelos ingleses, vai sendo invadido pelos soviéticos. Estes estão instalando bases militares na Índia e no Golfo Pérsico (e já controlam o Canal de Moçambique).
Nessa região, a Índia vai entrando para a zona de influência soviética, o Iemen do Sul é comunista, e Omã está sujeito a guerrilhas vermelhas apoiadas pelo Iraque.
Hoje, devido à sua influência diplomática nos países árabes e a seu poderio militar, a Rússia pode paralisar, quando quiser, o abastecimento do Ocidente por petróleo do Oriente Médio.
Ao mesmo tempo, partindo da Guiné, aviões soviéticos já estão patrulhando o Atlântico Sul, vigiando a "rota do Cabo", vital para o escoamento do petróleo do Golfo Pérsico.
A Rússia vai, assim, cercando a África, onde no norte já goza de vasta influência, e no sul comanda o ataque publicitário e armado contra os territórios portugueses, a África do Sul e a Rodésia. Do ponto de vista militar, a queda dos territórios portugueses em poder dos guerrilheiros comunistas significará que a Rússia disporá dos dois braços da tenaz para esmagar a África.
Para levar a cabo essa política, dois eixos se constituíram. O eixo Moscou-Washington (do qual depende hoje a Ostpolitik de Bonn) e o eixo Tóquio-Pequim, ainda incipiente. A política de Kissinger prestigia, enriquece e salva o regime comunista, precisamente como fez Chamberlain com o regime nazista. Os rios de dólares que Kissinger está canalizando para a Rússia podem prolongar a existência do capitalismo de Estado, minado pelo burocratismo, pela estagnação e pela miséria. Esse apoio norte-americano pode desalentar de vez a oposição que se vai tornando, dia a dia, mais ameaçadora na Rússia. E confere ao Cremlin os recursos necessários para reaglutinar os satélites que se vão desconjuntando.
Kissinger está "refazendo" o regime soviético e ipso facto impedindo que ele seja destruído. Sua política vai constituindo um eixo Washington-Moscou, destinado a regular as relações entre as duas superpotências e estabelecer um condomínio no mundo.
Na Ásia, a recepção tributada a Tanaka por Chu En-lai mostrou a importância que os chineses dão à aliança com o Japão. A retração americana nesse continente e o apoio discreto que os Estados Unidos estão dando ao reatamento de relações diplomáticas dos diversos países com a China tornaram praticamente inevitável o eixo Tóquio-Pequim.
Dizia Bismarck que numa aliança política as relações entre as partes são sempre as de cavaleiro e de cavalgadura. Ou seja, com o domínio do mundo pelos dois eixos, o parceiro mais feroz tudo fará para dominar e cavalgar o menos feroz. E isso será tanto mais viável quanto as concessões de Kissinger dotam o parceiro mais feroz de uma capacidade de agressão que ele até aqui não tinha.
No eixo Roma-Berlim, por ocasião da segunda Guerra Mundial, qual era o polo mole? No eixo Washington-Moscou, qual será o polo mole? E no eixo Tóquio-Pequim?
Tudo isso nos levará a uma situação trágica: os Estados Unidos terão de optar, dentro de algum tempo, entre o naufrágio final ou a guerra. Uma guerra que então será travada com possibilidades de vitória muitíssimo inferiores às atuais.
Uma pergunta cabe aqui: então a solução é a guerra mundial imediata?
O único modo de salvar a paz consiste em que os Estados Unidos mantenham a Rússia numa posição de inferioridade militar incontrastável e lhe neguem qualquer auxílio econômico. O regime comunista, deteriorado pela inércia do burocratismo e pela fome, ficará entregue às feras, ou seja, será presa do descontentamento popular que ruge cada vez mais forte atrás da Cortina de Ferro. Nessas condições, os dirigentes comunistas terão de se fazer pequenos, cordatos, tratáveis. E acabarão por minguar tanto, que o problema talvez se resolva por detrás da própria Cortina de Ferro, por meio de uma insurreição popular incontenível. Ou, senão, pela inteira desarticulação da máquina envelhecida e parkinsoniana do capitalismo de Estado.
E se os soviéticos, desesperados diante de tal ocaso, resolverem despejar suas bombas?
Seria realmente atroz. Mas que fazer para evitar tal perigo? Ceder? Foi o que fez Chamberlain. E esse caminho não levou à paz, mas precipitou a guerra.
A maior dificuldade para a distensão está na recusa da opinião pública no que toca à união entre os dois mundos. Porque, é bom lembrar, a détente é o instrumento para a convergência entre o sistema capitalista e o comunista, rumo à formação de um só regime semicapitalista, semicomunista, que conduziria a uma república universal marxista.
Os povos ocidentais não desejam o modo
Tática algumas vezes violenta e outras vezes pacífica, mas sempre revolucionária. A guerra de morte entre o comunismo e o capitalismo é inevitável. Hoje, evidentemente, não somos bastante fortes para atacar. Nossa hora chegará dentro de vinte ou trinta anos. Para vencer, necessitaremos de um elemento de surpresa. A burguesia deverá ser adormecida. Começaremos lançando o mais espetacular movimento de paz que jamais tenha existido. Haverá proposições eletrizantes e concessões extraordinárias. Os países capitalistas, estúpidos e decadentes, cooperarão com alegria para sua própria destruição. Precipitar-se-ão sobre a nova oportunidade de amizade. No mesmo instante em que baixarem sua guarda, achatá-los-emos com nosso punho cerrado. — Dimitri Z. Manuilsky, conferência feita em 1931 na Escola Lenine de Guerra Política (apud Jean Ousset, "El Marxismo-Leninismo", Editorial. Teflon, Buenós Aires, 2.a ed., 1963, p. 113).
Um dos partidos mais votados da coligação vencedora das eleições dinamarquesas de dezembro último foi o Partido Progressista de Mogens Gilstrup, o qual preconiza a abolição dos impostos, a extinção dos Ministérios do Exterior e da Defesa, e a instalação de um serviço telefônico para responder automaticamente em russo: "Rendemo-nos!"
Como é possível que uma parte ponderável de um povo dê seu voto ao partido que manifesta de maneira humilhante, como não há precedentes na História, a disposição de entregar sem luta a soberania do país?
Que grave enfermidade é essa que aflige o Ocidente e o faz tomar conhecimento de semelhante desígnio sem horrorizar-se, sem que se levante unânime a voz dos setores mais sadios da opinião pública para condenar essa deterioração do sentimento patriótico mais elementar?
Todo mundo sabe que a "paz com honra" para o Vietnã, assinada em Paris há um ano, nem foi feita com honra, pois violou as mais elementares exigências da verdade e da justiça, nem foi uma verdadeira paz, pois a retirada norte-americana serviu apenas para aumentar a agressividade dos norte-vietnamitas e dos russos, ali presentes com armas, assessores, técnicos, espiões, etc.
Entretanto, a realidade é mais terrível: se os russos ali continuam, é por causa do ouro, do trigo, da impunidade política com que Nixon e outros dirigentes do Ocidente beneficiam os soviéticos.
A generosidade de Nixon em favor destes foi tão grande, que para abastecer inteiramente a Rússia o trigo acabou faltando nos Estados Unidos, e os norte-americanos tiveram que pagar mais caro o pão, para que os russos tivessem fartura em suas mesas.
O que a Rússia sempre quis ocultar, os acordos assinados por Nixon em Moscou puseram em evidência: ela geme na miséria, e os hierarcas do Cremlin veem-se obrigados a estender a mão ao adversário, pedindo-lhe alimentos, capitais, técnicos, sob pena de sucumbirem debaixo da indignação de seu próprio povo.
Neste momento em que o fracasso russo, agravado pelo fracasso de Fidel Castro e pelo fracasso de Allende, deveria estar reduzindo a zero o prestígio internacional dos regimes comunistas, estes — paradoxalmente — vão-se aproximando, mais do que nunca, da dominação do mundo.
Perda do sentimento patriótico, cegueira e indiferença ante as mais aberrantes contradições nas relações com o inimigo comum. Para o Ocidente, o essencial vai-se reduzindo, cada vez mais, a vegetar sossegadamente, gozando do modesto prazer de respirar no momento presente, sentir a normalidade das pulsações cardíacas, da digestão, e deixar mansamente que as coisas sigam o seu rumo, por mais louco e vulgar que este seja, contanto que não se perturbe a quietude estritamente vegetativa do instante que passa.
A continuação deste estado de coisas por um pouco mais de tempo não poderá deixar de levar a um grau inimaginável o declínio da capacidade de resistir, de lutar, de vencer, por parte do Ocidente. Seja no plano civil, seja no plano militar, como sob a influência de um vento pestífero, vão minguando todas as nossas energias vitais.
Como se chegou a esta espantosa derrocada? Neste artigo estudaremos como o grande fator do declínio do Ocidente não é o aumento do poderio russo, mas a transformação das condições internas dos países de aquém Cortina de Ferro, engajados em um processo de autodemolição.
Para compreendermos este processo, veremos primeiro qual era até há alguns anos a atitude dos blocos que dividem o mundo moderno. Depois veremos como o comunismo mudou de tática ante o fracasso do proselitismo ideológico da filosofia marxista. Analisaremos os principais instrumentos que servem à nova tática comunista e, por fim, quais são as perspectivas para o futuro.
Há vinte anos atrás, a Igreja e os Estados Unidos eram, nos respectivos planos, as duas maiores potências anticomunistas. Hoje, ambos estão engajados em um misterioso processo de autodemolição. E é porque ambos se autodemolem que o mundo comunista, se bem que desunido, faminto, esfarrapado, toma ares de vencedor. — Como se iniciaram ambos os processos de autodemolição? Que parte tem neles seu grande beneficiado, o comunismo internacional?
Consideremos o estado psicológico da opinião pública mundial de há vinte anos.
Encontrava-se o nosso globo nitidamente dividido em duas zonas. De um lado estava o bloco das nações subjugadas pelo comunismo internacional. Ou seja, por uma seita filosófica com implicações no campo da História, da economia, da sociologia e da política. Tal seita havia-se apoderado da Rússia em 1917, e, em consequência da segunda Guerra Mundial, havia estendido seu domínio sobre a Europa Central, a China, parte da Coréia e da Indochina. E preparava-se para conquistar, pouco depois, a Ilha de Cuba, em pleno continente americano.
Do outro lado, havia o bloco constituído pelas nações que rejeitavam a pregação da seita comunista. Essa rejeição, faziam-na levadas pelo horror instintivo que a doutrina e o regime comunistas despertavam no que restava de residualmente sensato e reto nos homens das mais variadas religiões, tradições históricas e raças. Mais especificamente, as nações que formam o mundo cristão sentiam-se chocadas pelo impacto do marxismo, posto que nenhuma doutrina constitui mais exatamente do que este o extremo oposto da Boa Nova pregada por Nosso Senhor Jesus Cristo. Entre as nações cristãs, a fidelidade integral ao Evangelho pertence aos católicos. De onde, dentro do mundo cristão, ser o mundo católico a ponta de lança na luta contra o comunismo.
Este horror pelo marxismo apresentava, ademais do conflito ideológico de fundo religioso, os seguintes elementos:
- rivalidades de natureza econômica, política e cultural, entre as duas superpotências -Estados Unidos e Rússia;
- vinculações da mesma natureza entre os países não comunistas;
- rejeição do comunismo pela grande maioria das massas eleitorais — constituídas majoritariamente por trabalhadores — pela percepção, ao mesmo tempo possante e implícita, de que um regime estabelecido na negação da religião, da família, da pátria, constituiria o auge da desordem e do infortúnio. Esta percepção levantava contra o comunismo uma barreira. Uma barreira de horror que constituía, mais do que todos os dólares e todas as defesas militares do Ocidente, um obstáculo à expansão do comunismo. Mesmo que os exércitos vermelhos dominassem um país anticomunista, estariam expostos ao risco de que contra eles se levantassem povos inteiros, como fez o movimento cristero mexicano contra Calles, e, mais tarde, o povo espanhol contra a tirania comunista que o Alzamiento liquidou.
Para derrubar na opinião pública dos povos livres este verdadeiro muro de horror, era insuficiente a propaganda habilmente feita entre eles pelo Cremlin.
Há muitos anticomunistas que se aferram a uma noção antiquada do adversário. Concebem eles a conquista do poder pelo comunismo segundo esquemas vigentes desde 1917 até há aproximadamente vinte anos atrás, os quais consistiam em um processo com as seguintes etapas:
1.° — forma-se um núcleo inicial de adeptos, habitualmente intelectuais, estudantes ou operários;
2.° — este núcleo recruta novos elementos entre os setores mais deteriorados da sociedade, por meio da difusão da ideologia de Marx, Engels e Lenine;
3.° — constituída assim uma corrente marxista ponderável e organizada, inicia-se a conquista das massas por meio da propaganda maciça e da agitação (greves, sabotagens, atentados, etc.). A propaganda procura atrair as massas e a agitação procura paralisar as elites pelo medo;
4.° — por fim, vem a conquista do poder pela violência revolucionária.
Foi mais ou menos o que ocorreu na Rússia, e ainda hoje é a causa dos pesadelos de muitos anticomunistas, que por isso veem apenas na força e na violência defensiva a verdadeira barreira contra o comunismo e consideram: inofensivo o chamado comunismo invisível.
Se bem que este quadro não tenha caducado inteiramente, sofreu ele uma mudança fundamental que não se pode ignorar.
O comunismo, por causa da barreira de horror que a opinião pública levantava contra ele, entrou em franca decadência em seu poder eleitoral em todos os países que não estavam sob seu jugo. A esse respeito, a conhecida revista "Est-Ouest" — órgão da Association d'Etudes et d'Informations Politiques Internationales, de Paris — publicou em seu número 475, de 16 de outubro de 1971, um artigo de Frédéric Raven, intitulado "Evolução comparada das forças eleitorais e dos efetivos do Partido Comunista dos países da Europa Ocidental depois de 1945". Os dados utilizados pelo autor provêm de diferentes publicações comunistas oficiais, ou, quando se trata de estimativas, elas foram baseadas na "Branko Lazitch" e na revista anual do Departamento de Estado, "World Strength of the Communist Organizations", de Washington.
No quadro que a seguir reproduzimos desse artigo vemos que, apesar de dispendiosos e requintados meios de propaganda, o comunismo estancou ou entrou em decadência na Europa:
EVOLUÇÃO DAS FORÇAS ELEITORAIS DOS PCs DA EUROPA OCIDENTAL |
|||||
---|---|---|---|---|---|
País | Auge da votação | Eleições mais recentes | |||
Ano | % | Ano | Votos | % | |
Alemanha Ocid. | 1949 | 5,7 | 1969 | 195.570 | 0,6 |
Áustria | 1945 | 5,4 | 1971 | 60.756 | 1,3 |
Bélgica | 1946 | 12,7 | 1946 | 172.686 | 3,3 |
Dinamarca | 1945 | 12,5 | 1945 | 39.326 | 1,4 |
França | 1946 | 28,6 | 1968 | 4.435.357 | 20,0 |
Holanda | 1946 | 10,5 | 1971 | 246.569 | 3,9 |
Inglaterra | 1945 | 0,4 | 1970 | 37.996 | 0,1 |
Itália | 1948 | 31,0 | 1968 | 8.550.000 | 27,0 |
Noruega | 1945 | 11,9 | 1969 | 22.520 | 1,0 |
Suécia | 1944 | 10,3 | 1970 | 236.653 | 4,8 |
Diante deste fracasso insofismável da propaganda aberta, impossibilitado de dar à ação violenta o indispensável apoio das massas, por sua incapacidade de conquistá-las pelo proselitismo direto, o comunismo procura torná-las receptivas por meio da ação difusa. Esta ação é desenvolvida através do progressismo, da contestação, da agressão sexual, do demo-cristianismo, do socialismo, instrumentos eficazes do processo de demolição das estruturas básicas da civilização ocidental.
Faremos uma análise breve de cada um destes fatores, para depois estudarmos os estados de espírito que eles provocam no homem ocidental.
Dissemos acima que a Igreja Católica é uma "superpotência" espiritual que, por sua doutrina, suas estruturas e suas leis, constitui — onde Ela Se encontra viva e idêntica a Si mesma — uma barreira intransponível ao comunismo. O progressismo é uma corrente que, originada no assim chamado liberalismo católico da França do século passado, e passando pelo modernismo, chega hoje ao auge de sua capacidade destruidora, debilitando dentro da Igreja os elementos que A tornam um polo de atração para aqueles que, respeitosos da lei divina e natural, veem no comunismo o mais monstruoso inimigo da sociedade.
Baseia-se o progressismo no erro segundo o qual o mundo evolui continuamente para uma forma mais perfeita da organização social, e o comunismo, sendo um fruto dessa evolução, leva irrefreavelmente para tal forma de organização toda a sociedade. Dizem os progressistas que a Igreja deve acompanhar a evolução da sociedade, em uma posição vanguardeira, sob pena de ver-Se rejeitada pelas massas que caminham junto com a História. Daí promoverem no plano jurídico uma "democratização" das estruturas eclesiásticas e, no plano político-social, uma aproximação com o comunismo, que é para eles a vanguarda da justiça social.
O progressismo encontra sua expressão mais audaz nos chamados Grupos Proféticos, cuja existência foi denunciada pela revista "Ecclesia" de Madrid, n.° 1423, de 11 de janeiro de 1965. Esta denúncia (ver "Catolicismo", n.° 220-221, de abril-maio de 1969) foi amplamente difundida em toda a América pelas TFPs.
O movimento "profético", enquistado na Santa Igreja Católica para metamorfoseá-La em uma hedionda "Igreja Nova", panteísta, amoral e comunistizante, é uma seita poderosa. Infiltrados nos meios católicos do mundo inteiro, seus sequazes vão mudando a mentalidade dos fiéis por meio de um como que processo de lavagem cerebral, para levá-los a aceitar a filosofia comunista.
Afirmam eles que, desde a época de Constantino, a Igreja Se afastou de seu fim e — favorecida pelos governantes — transformou-Se em uma Igreja "triunfalista" e "paternalista". A maior violência das censuras que os "Grupos Proféticos" dirigem à Igreja dita Constantiniana está contida na acusação que Lhe fazem de ser "alienante". "Alienante" (o termo é tomado ao léxico marxista) é quem domina a alguém; e "alienado" é quem é dominado. Segundo esta concepção, toda autoridade importa em uma alienação, em uma exploração. Também toda superioridade.
Por isto, o objetivo fundamental dos "Grupos Proféticos" é acabar com todas as "explorações", derrubando toda autoridade, conduzindo assim a um mundo perfeitamente igualitário, segundo o "espírito de nossa época".
Para tal, a luta de classes é o instrumento mais eficaz, e o comunismo o aliado mais esclarecido. Assim, afirmam os progressistas ser necessário entrar em luta aberta com os regimes ocidentais e colaborar com os regimes comunistas.
A estrutura do mundo ocidental está baseada numa concepção do homem e da sociedade que vem, em seus grandes traços, da filosofia do Evangelho.
Com efeito, sob o Império Romano decadente, os missionários enviados pela Igreja, como uma gota de azeite, expandiram-se pelo mundo que caía em ruínas, preservando a estrutura familiar, única que o furacão que se abatia sobre os homens não poderia destruir.
Pouco a pouco, começou a formar-se uma nova sociedade, a qual constituiu a Cristandade, de que hoje ainda sobrevivem restos sob o nome de civilização ocidental. Cinco séculos de Revolução anticristã não conseguiram aniquilar a solidez de valores que, é bem verdade, estão hoje profundamente debilitados.
A contestação procura destruir o que resta deles: a família, a tradição, a propriedade privada, os regionalismos, o sentimento de pátria e de soberania nacional, a organização hierárquica da sociedade, enfim tudo o que resta de sadio em nosso mundo profundamente convulsionado.
Essa contestação tem como ponta-de-lança uma minoria de "inconformistas": hippies, intelectuais de "ideias avançadas", ricos burgueses comunistizantes, Clero aggiornato, etc., que rejeitam a sociedade de hoje. A repulsa destes incide mais especialmente sobre os que têm em suas mãos alguma parcela de liderança e do responsabilidade pelos valores que eles querem destruir.
A acusação dos "inconformistas" contra