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PARA AS TIRANIAS COMUNISTAS, OTIMISMO E CONFIANÇA; PARA OS GOVERNOS ANTICOMUNISTAS, SUSPICÁCIA INQUISITORIAL E FEROZ

Atitude contraditória do Episcopado Norte-americano

A TFP norte-americana dirigiu uma incisiva mensagem ao órgão executivo da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, manifestando estranheza ante a política de dois pesos e duas medidas adotada por aquele alto organismo eclesiástico: ataque injusto ao Brasil e ao Chile, e apoio infundado à Cuba fidel-castrista.

Lembrando que todos os membros da TFP norte-americana são católicos em resistência à distensão do Vaticano com os regimes comunistas, o documento vê, na atitude "flagrantemente contraditória" da Conferência Episcopal, mais um lance da referida distensão.

A SNADTFP concita o Episcopado de seu país a dar maior objetividade à sua posição e a incluir em seu programa a denúncia dos semeadores do ateísmo e da miséria, como uma das mais louváveis tarefas a serem empreendidas em favor dos pobres.

O TEXTO DO DOCUMENTO

É o seguinte o texto integral do documento:

"Foi com profunda estranheza que a Sociedade Norte-americana de Defesa da Tradição, Família e Propriedade tomou conhecimento do documento n.° 9, de 13 de fevereiro do ano em curso, dado a público pela Conferência Católica dos Estados Unidos, um dos porta-vozes do Episcopado de nosso país.

A TFP, como sociedade cívica, destina-se a defender, no terreno temporal, a pátria e a civilização cristã ameaçadas pelo avanço aberto ou sub-reptício do comunismo internacional.

Para atingir seus fins, a TFP realça e defende os três valores básicos da ordem cristã: a tradição, a família e a propriedade. Ao mesmo tempo, denuncia e combate no terreno ideológico as correntes que querem destruir em nossa pátria todos os vestígios de civilização cristã.

As razões da perplexidade

O comunismo, onde quer que se tenha implantado, trouxe a supressão dos direitos, a intranqüilidade e a fome. Em nosso continente, os tristes exemplos de Cuba e do Chile falam por si próprios.

Fidel Castro declarou ao Congresso Nacional de Trabalhadores de Cuba, em 12 de janeiro último, que os engenhos de açúcar, quinze anos após a tomada do poder pelos comunistas, empregam mais mão-de-obra do que a utilizada antes de 1959 e são administrados com menos eficiência do que o eram pelos capitalistas ("The Daily Telegraph", 14-1-1974).

O perpétuo racionamento, os cárceres repletos de presos políticos — entre os quais muitos líderes católicos — a supressão de toda oposição fazem da Ilha um mini-Arquipélago Gulag.

Um fato brutal fala por si: há hoje, espalhados pelo mundo, 800 mil refugiados cubanos. Se os Estados Unidos tivessem a mesma proporção de exilados, viveriam fora do território norte-americano nada menos de 20 milhões de concidadãos nossos.

O Chile sofreu de 1970 a 1973 sorte análoga. Logo após a implantação do marxismo, a produção baixou, as filas para compra de alimentos e o racionamento surgiram, o mercado negro de produtos essenciais apareceu.

As marchas das caçarolas, nas quais as donas de casa expressavam seu protesto, que era antes o do estômago que o das ideias, tornaram-se famosas no mundo inteiro.

É de domínio público que a principal oposição ao governo marxista de Allende partiu das classes menos favorecidas.

O estopim que detonou a intervenção das Forças Armadas chilenas foi a marcha dos mineiros do cobre de "El Teniente" e a greve dos motoristas de caminhão.

A importação de víveres cresceu assustadoramente. O Chile teve que mendigar alimentos junto aos países ocidentais, pois já não havia divisas para pagá-los. O governo marxista ia paulatinamente reduzindo o país à condição de indigente.

Sem buscarmos exemplos em outras nações, o que alongaria por demais esta carta, vemos que, no Chile e em Cuba, o comunismo tornou os pobres mais pobres.

Antes de fazer-se patente para a opinião pública mundial que a implantação do marxismo traz a miséria de todos, ainda poder-se-ia nutrir a ilusão de que, embora o regime comunista acarretasse a diminuição da produção e o fim das liberdades, seu peculiar sistema de distribuição de bens faria os pobres menos necessitados.

Hoje, esse argumento deixou de ter validade. Está constatado que a aplicação do marxismo faz os pobres mais pobres...

E os partidários do comunismo vão aparecendo cada vez mais como mito-maníacos, fanáticos da mística igualitária.

Dois pesos e duas medidas

Não nos era possível fundamentar convenientemente nossa estranheza sem as razões enunciadas acima.

O documento n.° 9, de 13 de fevereiro, é um violento ataque contra os atuais governos do Brasil e do Chile. Essas denúncias são injustas. Não vamos, entretanto, entrar no mérito delas, pois nossa perplexidade não está principalmente nesse ponto.

Coloca-se ela em outro aspecto. Conforme a revista francesa "Informations Catholiques Internationales", de 15 de julho de 1972, o Episcopado Norte-americano pediu que cessasse o bloqueio econômico contra Cuba. Ao propor essa medida não exigiu de Castro nenhuma modificação de suas atitudes totalitárias. Coisa alguma foi pedida em troca ao ditador comunista.

Nada nos faz supor que desde então o Episcopado Norte-Americano tenha reconsiderado essa atitude pró-castrista.

Pois bem, o documento n.° 9 propõe que se estabeleça um boicote econômico condicionado contra o Brasil e o Chile. Diz o documento:

"Nós nos juntamos a outros protestos enviados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, a respeito das violações dos direitos humanos no Brasil. Nós nos comprometemos a procurar vias cada vez mais efetivas de expressar nossa solidariedade à Igreja no Brasil.

Nosso governo precisa examinar com cuidado seus programas de assistência financeira e militar, para se certificar de que eles não estão sendo usados na supressão dos direitos humanos. Além disso, os Estados Unidos precisam examinar sua política de comércio e de tarifas, para se assegurarem de que ela não ajuda a repressão dos direitos humanos [...]. No setor privado, encorajamos os planejadores das corporações multinacionais e das instituições financeiras a pesarem bem a consequência de seus investimentos no Brasil".

Quanto ao Chile, diz o documento:

"Assim sendo, com exceção da ajuda humanitária, urgimos o governo dos Estados Unidos a condicionar sua ajuda financeira e sua assistência militar à demonstração de que os direitos humanos tenham sido restaurados naquele país".

Quem não entrevê, nos dois parágrafos citados, o desejo de que se institua um boicote econômico-financeiro contra os dois governos sul-americanos?

Por que dois pesos e duas medidas? Para os governos anticomunistas, suspicácia inquisitorial e feroz; para as tiranias comunistas, otimismo, confiança e vistas gordas.

Lamentamos dizê-lo, mas atitudes como essa favorecem os semeadores do ateísmo e da miséria, obcecados pelo fanatismo igualitário.

Pedimos piedade para as ovelhas

Todos os membros da TFP norte-americana são católicos.

Como católicos, desejaríamos que nossos Pastores tivessem, a par de um desejo mais ativo de combater os regimes ateus, uma efetiva piedade dos pobres, e que assim trabalhassem eficazmente para a melhoria das condições espirituais e materiais destes, em toda a medida do possível.

Sem dúvida, uma das mais louváveis tarefas a serem empreendidas em favor dos pobres seria a denúncia dos semeadores do ateísmo e da miséria.

Como fiéis da Santa Igreja Católica

Somos católicos em oficial resistência à política de distensão com os regimes comunistas, que está sendo desenvolvida atualmente pelo Vaticano. E vemos nessa atitude flagrantemente contraditória de nossa Veneranda Conferência Episcopal um lance a mais dessa política de distensão.

É com profunda dor que somos obrigados a tornar públicos nossa estranheza e nosso desacordo, mas a isso nos obriga nossa consciência de católicos, pois mais vale "obedecer a Deus do que aos homens" (At. 5, 29).

Certos de que a Conferência Episcopal dará paternal acolhida a esta carta, num momento em que se entabula no mundo inteiro um diálogo ameno até com os mais acérrimos inimigos da Igreja, encerramo-la desejosos de que o supremo órgão dos Bispos de nosso país emita a tal respeito uma declaração que não deixe nenhuma margem a dúvidas, retificando o triste caminho tomado.

Do contrário, milhões de cidadãos norte-americanos continuarão a ver na posição da Conferência Episcopal um critério baseado em dois pesos e duas medidas, o que lamentavelmente terá por efeito diminuir a confiança dos fiéis nesse alto organismo eclesiástico.

Na esperança de uma mudança de rumos de nossos Pastores, subscrevemo-nos afirmando nosso respeito e nossa obediência, em todos os termos preceituados pelo Direito Canônico, e pedimos filialmente a bênção, / In Jesu et Maria".

Seguem-se as assinaturas.


Comentando

Plinio Corrêa de Oliveira

Não conseguimos compreender

Sua Eminência o Cardeal D. Vicente Scherer proferiu no programa "A Voz do Pastor" uma clara e substanciosa alocução, transcrita no "Diário de Notícias" de Porto Alegre no dia 25 de junho p.p. sob o título altamente atual de "O Vaticano e o comunismo".

A TFP é autora de recente Declaração sobre a matéria. Pela enorme divulgação que esse documento teve em toda a imprensa nacional e hispano-americana, parece-me impossível que o ilustre Purpurado não o tenha tido em vista quando elaborou este seu recente pronunciamento. Tanto mais quanto Sua Eminência menciona explicitamente — e comenta — o desmentido que, através do Sr. Federico Alessandrini, S. Excia. Mons. Casaroli quis dar à nossa Declaração.

Assim, sinto-me na contingência de, mais uma vez, tratar da Resistência católica à "Ostpolitik" de Sua Santidade o Papa Paulo VI.

Bem entendido, se o Antístite gaúcho teve em vista nossa Declaração, visou igualmente outras atitudes análogas, pois ele se refere explicitamente ao livro de Raffalt (citado em nossa Declaração) e a outras publicações alemãs sobre o assunto. Só comentarei as afirmações da alocução do Sr. D. Scherer opostas ao nosso pensamento.

* * *

Começo por dizer que concordo em alguns pontos com o Purpurado. Assim, parece-me estar ele com a razão quando sustenta que, em princípio, está na augusta missão do Vaticano entabular negociações diplomáticas com os regimes comunistas, no intuito de suavizar a situação dos católicos perseguidos. De minha parte, sempre sustentei a legitimidade dessa conduta. Não posso, porém, acompanhar Sua Eminência quando sustenta que a chamada "Ostpolitik" do Vaticano consiste simplesmente nisto, e que não têm senão este efeito as viagens de Mons. Casaroli, o Kissinger vaticano.

É patente que a "Ostpolitik" vaticana inclui dois aspectos. Um é o diplomático, de chancelaria a chancelaria, do qual Sua Eminência tratou. Mas há outro, do qual Sua Eminência se absteve de tratar. Ou seja, paralelamente com a "détente" diplomática do Vaticano com o Leste, houve, em larguíssimos meios católicos, uma sensível mudança de posição em relação aos partidos marxistas do Oeste. A atitude militantemente anticomunista, que caracterizava tais meios desde os primórdios do marxismo até a morte de Pio XII, se abrandou rapidamente com a eleição de João XXIII, e vem rareando a tal ponto no pontificado de Sua Santidade Paulo VI, que se tornou quase uma exceção à regra.

Não entendo afirmar, com essas palavras, que cessaram inteiramente as censuras de Autoridades Eclesiásticas ou organizações católicas contra o comunismo. Mas elas baixaram muitíssimo em número, e mais ainda em tom. De sorte que, não raras vezes, têm muito mais o aspecto de queixa de amigo a amigo, do que de crítica a um adversário irreconciliável. É absolutamente notório que, não raras vezes, Autoridades Eclesiásticas e organizações católicas têm chegado, nesta linha, até à franca colaboração com correntes comunistas. O caso talvez mais característico dessa conduta é o apoio dado por Sua Eminência o Cardeal Silva Henríquez para a ascensão e manutenção de Allende no poder (cf. Comunicado da TFP chilena, "Folha de São Paulo" de 2-3-73, "Catolicismo", n.o 267, de março de 1973, e Declaração da TFP brasileira, "Folha de São Paulo" de 10-4-74, "Catolicismo", n.° 280, de abril de 1974).

Esse afrouxamento católico simultâneo com a "Ostpolitik" vaticana se apresenta assim como um corolário lógico dela.

Ora, aqui está precisamente a causa da grande perplexidade de inúmeros católicos. Não conseguimos compreender por que forma a implantação e conservação do comunismo no Chile favorece a situação dos católicos detrás da cortina de ferro.

E, ainda que a favorecesse, não conseguimos ver como seja justo atear fogo ao Chile para que as chamas baixem alhures.

Estou certo de que milhões de católicos ficariam muito gratos a quem nos desse uma explicação para este ponto.

Resta analisar outro ponto de que trata Sua Eminência, isto é, as relações de chancelaria a chancelaria entre o Vaticano e os países comunistas.


1958-1974: que resultados ?

Chegaram-me às mãos, recentemente, novas declarações de altas personalidades eclesiásticas sobre o tema — até há pouco raras vezes tratado no Brasil — das relações do Vaticano com os regimes comunistas. Os Emmos. Cardeais D. Agnelo Rossi e D. Eugenio Salles incluíram o assunto em entrevistas concedidas à imprensa sobre questões diversas. Consta-me que o Emmo. Cardeal D. Avelar Brandão também se pronunciou sobre a matéria. "O São Paulo", órgão da nossa Arquidiocese, transcreveu vistosamente a alocução do Sr. D. Vicente Scherer sobre o assunto. E da cidade de Quito me chegou um extenso arrazoado, também versando a mesma questão, dado a lume pelo Emmo. Cardeal Pablo Muñoz Vega. Os novos pronunciamentos fariam jus a comentários meus, tanto mais quanto, ou pelo seu conteúdo ou por sua sincronia, parecem relacionar-se de perto com a Declaração de Resistência da TFP.

Contudo, não julgo necessário fazê-lo, pois, sem nenhum favor, o trabalho do Emmo. Cardeal Scherer engloba e supera, de tal maneira, pelo valor do conteúdo, como pela amplitude da exposição, os de seus ilustres Colegas, que, estudado este, o estão, ipso facto, os demais.

Assim, restrinjo-me a encerrar os comentários sobre a alocução do Purpurado gaúcho.

* * *

E entro na matéria.

Segundo o Emmo. Cardeal Scherer, "parece curioso" que as críticas surgidas de cá e de lá à iniciativa do Papa, de negociar com os regimes comunistas, "tenham origem em grupos situados em geral dentro da própria Igreja e que a Ela professam amor e fidelidade".

— "Curioso" por quê? — O ilustre Prelado se explica: "Em nosso tempo, praticamente todos os países, de modo especial as nações chamadas capitalistas, celebram toda espécie de acordos [...] com a Rússia e os demais Estados marxistas". —

Em certo sentido, seríamos assim mais realistas do que o Rei. Ou mais capitalistas do que os governos capitalistas.

Já mostrei que não somos contra as negociações propriamente ditas, mas contra o preço exorbitante — e sem compensações — que o Vaticano paga para levar a termo sua "Ostpolitik". A "détente" católica vai por todo o mundo abatendo barreiras que outrora se opunham à expansão do credo vermelho. — O que pagam em troca os governos comunistas? — Nada...

Precisamente análoga é a queixa que se levantou na Alemanha contra Willy Brandt, e agora se encapela nos Estados Unidos contra Nixon e Kissinger. No momento em que a "détente" alemã e norte-americana é tão vitoriosamente contestada, seu exemplo não pode ser alegado como prova decisiva em favor da "détente" vaticana.

Quanto a sermos mais capitalistas do que o capitalismo, a acusação é singular, pelo menos se considerarmos o capitalismo em seu aspecto mais requintado e censurável. Isto é, no supercapitalismo. Este último costuma manejar na sombra. Mas o que de sua atuação vem aparecendo ao público, importa em apoio caloroso à "détente". Haja vista a galáxia de astros do supercapitalismo que acompanhou Nixon em Moscou. E esta conduta está na lógica do supercapitalismo. — Como, então, divergindo dessa lógica, somos mais realistas do que o Rei?

Seja dito de passagem que não compreendemos como pode o respeitável Arcebispo de Porto Alegre sentir-se à vontade ao escudar a "détente" vaticana na "détente" alemã e americana, quando ele mesmo reconhece que "o mundo livre e, destacadamente, a Europa ocidental" foi "quem amoleceu na resistência à propagação do perigo comunista"? Então a "détente" vaticana não é, ela também, um "amolecimento"?

* * *

Mais um argumento de Sua Eminência nos resta para analisar. Afirma o Purpurado que o objetivo essencial da "Ostpolitik" vaticana é a suavização das condições de vida dos católicos detrás da cortina de ferro. Não vejo que tenha sido obtida até agora tal suavização. Em extensa Alocução feita por ocasião de seu onomástico (cf. "Osservatore Romano" de 23-6-74), Sua Santidade Paulo VI tem uma aliás rápida passagem sobre as condições dos católicos detrás da cortina de ferro. Que mundo de horrores nela transparece! Afirma literalmente o Pontífice que em seu ânimo "se abre uma ferida" sempre que pensa nos "sofrimentos, limitações e pressões" que ali sofre a Igreja. Refere-se depois às "opressões e silêncios" que pesam sobre Ela e "às trevas que A circundam". Esta é a situação, como a vê Sua Santidade no ano de 1974. Faz pensar no que têm dito Solzhenitsyn e outros dissidentes. Ora, a "détente" começou com João XXIII em 1958...

— No que então serviu tal "détente" aos católicos de além cortina de ferro, àquela meritória Igreja do Silêncio, sobre a qual, segundo o melancólico gracejo de um jornalista italiano, "baixou o silêncio da Igreja"?

É o que, com veneração, afeto e tristeza, me cabia ponderar...