Plinio Corrêa de Oliveira
Proporciono hoje aos leitores mais alguns documentos próprios a conservá-los na posição de Resistência à distensão de Sua Santidade o Papa Paulo VI com os regimes comunistas.
Cito aqui um trecho de ilustre Arcebispo, já então com um passado intimamente ligado ao mais alto governo da Igreja Universal. Discorrendo sobre a oposição desenvolvida pelos católicos contra o comunismo atrás da cortina de ferro, teve ele as seguintes expressões:
"E se os opressores [comunistas] encontram na presença organizada da Igreja Católica, um obstáculo invencível à afirmação absoluta de suas ideias, não é porque a Igreja seja inimiga do homem e da sociedade e nociva ao verdadeiro progresso e ao bem comum, mas porque o são as ideias deles [isto é, dos opressores].
O drama parece tão ilógico e tão grande, que alguma outra misteriosa causa está em jogo: o "poder das trevas" [...].
Compete-nos recordar este drama [da perseguição religiosa atrás da cortina de ferro], que está tendo um terrível desenvolvimento. Nosso tempo apenas o vislumbra; não é propenso a participar de sua paixão, não gosta de pronunciar-se por demais abertamente em favor das vítimas, nem de fixar a opinião pública na tonificante recordação dele".
Quão verdadeiras, quão impressionantes, quão atuais são estas palavras!
Entretanto, datam elas de 1959. Seu autor é Mons. João Batista Montini, então Arcebispo de Milão ("La gloria del martirio", alocução na Igreja dos Santos Apóstolos e de São Nazário, Milão, em 29 de junho).
- Que modificação terá ocorrido atrás da cortina de ferro para que a linha de Paulo VI em relação aos regimes comunistas destoe tanto da de Mons. Montini?
- Não o sabemos. Ninguém o sabe. Enigma...
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Já tive ocasião de me referir, nesta coluna, a S. Excia. Mons. Boza Masvidal, o valoroso Bispo cubano expulso de seu país sob a ameaça de metralhadoras, e residente hoje na Venezuela.
O Prelado concedeu uma importante entrevista a "Catolicismo", publicada na edição de agosto último deste mensário de cultura.
Nessa entrevista, de uma atualidade flagrante, Mons. Boza Masvidal descreve de um modo impressionante todo o martírio que vai sofrendo a Igreja em sua pobre pátria.
Em dado momento, o representante de "Catolicismo" lhe perguntou como considera a política de conciliação com o regime comunista cubano, levada a efeito pelo Exmo. Mons. Cesare Zacchi, recentemente promovido de Encarregado de Negócios a Núncio pelo Papa Paulo VI.
O Prelado cubano respondeu nos seguintes termos: "Não compartilho a atitude de Mons. Cesare Zacchi, Encarregado da Nunciatura em Havana, por ser uma atitude de defesa do regime e de compromisso com o mesmo. Hoje que a Igreja quer em toda parte ter as mãos livres para cumprir a sua missão sem liames humanos, é inexplicável esse compromisso com um regime violador de todos os direitos e opressor da pessoa humana".
Se bem que as palavras de. S. Excia. se referissem exclusivamente à atitude do Núncio Apostólico, é impossível não ver que os conceitos nelas contidos se relacionam com o próprio Vaticano, de cujas diretrizes Mons. Zacchi é — pela natureza do seu cargo — um executor.
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Muito importante é uma carta enviada ao Santo Padre e publicada a 8 de maio passado pela agência noticiosa FCI de Londres. O autor da missiva é o Sacerdote Jesef Novotny, encarregado da Missão católica livre de Viena. Através de canais subterrâneos, recebeu ele um relatório sobre os fatos que conduziram ao falecimento repentino do Cardeal Trochta, Arcebispo de Praga.
O Purpurado se achava em delicadas condições de saúde. E disto sabia o Secretário para Assuntos Religiosos do governo comunista tchecoslovaco. Apesar disto, ou por isto, o funcionário se apresentou na residência cardinalícia e exigiu ser recebido imediatamente pelo ilustre enfermo. Entre este último e seu "visitante", que estava bêbado e falava aos gritos, engajou-se uma conversa que teve a duração de seis horas.
No decurso dela, o Secretário para Assuntos Religiosos sujeitou o Cardeal a severo interrogatório, e a processos de tortura psicológica. Na manhã seguinte, o Purpurado sofreu um ataque de apoplexia, e à tarde faleceu.
O fato criminoso, próprio a suscitar a indignação universal, passou em surdina.
Uma apreciação imparcial da atitude do Governo brasileiro ante a suspensão das sanções contra Cuba leva a aplaudir alguns aspectos da atuação do Itamaraty realmente dignos de nota.
Foi prestigioso para nós que Kissinger tenha enviado o Secretário-Assistente H. Schaundeman em missão reservada, para tratar do assunto com o Chanceler Azeredo da Silveira.
Acresce notar que a modificação à proposta da Venezuela, Colômbia e Costa Rica, sugerida pelo Brasil, foi objeto de uma acolhida geral muito favorável. E isto constitui mais um marco de prestígio para o País.
Como todos sabem, o Chanceler Azeredo da Silveira propôs que, antes de ser suspenso o embargo contra Cuba, fosse elaborado um relatório sobre eventuais garantias a serem dadas por Fidel Castro, de que respeitará daqui por diante o princípio da não-intervenção, e cessará de disseminar a subversão na América Latina.
Era altamente estranhável a omissão desta cautela elementar, na proposta da Venezuela, Colômbia e Costa Rica. A sugestão brasileira veio remediar a lacuna.
E teve outra vantagem. Enquanto esse relatório se elaborar, ficará adiada a suspensão do embargo: primeiro passo, talvez, para sua definitiva rejeição.
— Tal efeito protelatório terá sido a meta capital do Itamaraty? — Espero-o. E comigo incontáveis outros brasileiros. Pois, a meu ver, acerca do congraçamento com Cuba cabem as mais graves objeções, quer do ponto de vista doutrinário, quer prático.
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Alegra-me conjecturar que tenha sido por motivos de mera estratégia diplomática que nossa Chancelaria tenha alegado contra a suspensão do embargo o mero princípio da não-intervenção. Quando as negociações estiverem mais adiantadas, o Itamaraty — assim espero — deixará ver que, em uníssono com todos os verdadeiros brasileiros, se move sob a inspiração de outros princípios também. Pois a não-intervenção, erigida como máxima única no caso cubano, redundaria num egoísmo "à outrance", no qual não reconheceria a própria face o povo brasileiro, cristão, bom e profundamente amigo dos irmãos latino-americanos. Procurarei explicar-me em poucas palavras.
Li na imprensa cotidiana o caso de um prisioneiro de La Cabaña que em virtude de explosão ocorrida quando desembarcava na Ilha, ficou cego e privado de um braço. Este infeliz recusa-se a sair da prisão enquanto lá reste Um só companheiro de infortúnio, ainda não libertado. O gesto inspira respeito e admiração. Revela um homem que não pensa só em si, porém também nos outros.
Sentimento bem diverso despertaria a política que, olvidada dos outros — do povo cubano empobrecido, torturado, martirizado — cogitasse tão só do interesse próprio, por mais legítimo que seja.
Exclusivismo nacionalista tão ferrenho seria, aliás, absolutamente anacrônico, numa época em que as atenções se voltam cada vez mais para o bem comum do gênero humano e — na linguagem laica da ONU e de documentos pontifícios pós-conciliares — para os direitos do homem.
Não posso crer que o Itamaraty venha a adotar conduta tão discrepante do que pensa, quer e espera o povo brasileiro.
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O ponto central de todo o tema está em que suspender o embargo contra Cuba importa em facilitar a sobrevivência do regime marxista na Ilha.
Pe. Miguel Poradowski
Com dor profunda e até com espanto observamos como atualmente as ideias errôneas e hostis ao Cristianismo penetram no ambiente católico e até são assimiladas pela Teologia. Parece que em nossos dias o marxismo é a mais bem sucedida dentre elas. Com surpresa, e quase de repente, constatamos que uma considerável porcentagem do Clero e do laicato pensa segundo as categorias do marxismo, e que essa ideologia introduziu-se na Igreja, envenenando seu pensamento, a Teologia, e seu sentir, a Liturgia.
No presente artigo vamo-nos ocupar, de modo muito sumário, unicamente da influência do marxismo sobre a Teologia contemporânea, limitando-nos tão só a apontar o fato mesmo, isto é, a constatar onde e como tal influência se manifesta, sem nenhuma pretensão de fazer uma análise teológica da mesma, pois isto já seria assunto para outro tipo de trabalho, que não cabe em um ensaio de caráter exclusivamente informativo.
Essa influência, coisa curiosa, manifesta-se quase exclusivamente nos países livres, ainda não dominados pelos marxistas, com exceção da Tchecoslováquia, onde ela também é muito forte, especialmente entre os teólogos protestantes, dos quais passa aos católicos. Mas para as ideias, teorias, doutrinas e pensamentos não existem fronteiras nem cortinas de ferro, e o que hoje pulula nos países livres pode amanhã com facilidade penetrar também nos países escravizados pelo marxismo, tanto mais se as autoridades políticas desses países assim o desejarem. É algo incrível que uma influência dessas possa existir, mas, lamentavelmente, os fatos o confirmam.
A influência do marxismo sobre o pensamento cristão é dupla, teórica e prática, sobre a Teologia (1) e sobre a Pastoral, pois esta última se funda na primeira. Trata-se de uma influência muito forte (talvez, porém, de pouca duração); não se trata de um fenômeno marginal, mas, ao contrário, de um fenômeno típico. Em toda a América Latina é um fenômeno dominante; nos Estados Unidos e no Canadá é bastante forte; na Europa, varia segundo o país: na França é muito dinâmico, mas pouco evidente, pois perde-se no caos geral que hoje caracteriza ali o pensamento cristão; na Espanha (2) é muito perigoso, mas já provocou uma vigorosa e saudável reação (a qual não se nota em outros países); na Itália é muito débil e quase marginal; na Alemanha manifesta-se em várias publicações e tem muitos partidários entre os professores das Faculdades de Teologia, mas passa para um segundo plano diante de outros problemas de maior interesse para os alemães (dos quais se ocupa o Cardeal Joseph Höffner em seu folheto "Der Priester in der permissiven Gesellschaft" ["Os Padres na sociedade permissivista"], Colônia, 1971).
Em quase todos os trabalhos dessa corrente nota-se o mesmo método: procura-se identificar o "socialismo" com o "Reino de Deus na terra". Põe-se empenho em convencer os cristãos de que eles e os marxistas buscam a mesma coisa, pois uns e outros têm a mesma finalidade: construir uma nova sociedade ideal do futuro, uma sociedade fundada na igualdade, na justiça, na fraternidade e na solidariedade. Os primeiros, os cristãos, chamam-na o "Reino de Deus na terra", enquanto os outros, os marxistas, chamam-na de "sociedade socialista". E se cristãos e marxistas têm o mesmo fim, devem trabalhar juntos para alcançá-lo. Ademais, os marxistas procuram convencer os cristãos de que o único caminho que leva a este fim é a revolução marxista. De onde vem a conclusão de que os cristãos devem comprometer-se com essa revolução.
Que a "sociedade socialista" é a única solução para todos os problemas humanos, os marxistas o sustentam há muito tempo, e sobre esse tema existe uma abundante literatura. A novidade está em que agora se procura convencer os cristãos de que o Cristianismo tem como único fim a construção do "Reino de Deus sobre a terra", e de que esse "Reino de Deus" é quase o mesmo que a futura "sociedade ideal socialista". E este é o conteúdo principal da teologia marxista elaborada pelos teólogos-marxistas de nossos dias (3).
Mas como se pôde chegar a esta posição? De que modo se pôde impor a uma porcentagem tão grande de teólogos uma posição tão materialista e mesmo ateia? Como se explica que até a maioria (em muitos casos) dos professores de Teologia nas Universidades Católicas na América Latina, e parte considerável deles nas da Europa, sejam marxistas por convicção, e às vezes até fanáticos?
A resposta é bastante simples: os marxistas aplicaram um método profundamente psicológico (e muito eficaz), o método da graduação. Primeiro, por uma propaganda adequada (durante os retiros espirituais, "jornadas", "encontros", "congressos", etc., e em artigos de publicações teológicas) efetuou-se uma "lavagem cerebral": desta maneira foi "lavada" da mentalidade de uma parte do Clero a formação e a educação recebidas nos Seminários e nas Universidades Católicas; depois, pôde-se, com toda a facilidade, inocular em pequenas doses a cosmovisão marxista, e especialmente o conceito marxista do Cristianismo.
O processo de marxistização da Teologia caminhava a princípio muito lenta e gradualmente, mas nos últimos anos acelerou-se bastante, penetrando não só o pensamento teológico, mas também a mentalidade de grande parte do Clero.
Adiante vamos apontar alguns "graus" ou "etapas" que se podem detectar neste processo de marxistização do pensamento cristão, que vão desde o que poderíamos chamar de "saduceísmo", até o "ateísmo cristão", isto é, o Cristianismo concebido de maneira marxista.
O fato de que as correntes do pensamento teológico mencionadas a seguir têm o caráter de "graus" ou "etapas" do processo de marxistização da Teologia não exclui a possibilidade da existência de correntes simultâneas e paralelas que não tenham nada que ver com esse processo. Por exemplo, há hoje muitos teólogos (sobretudo protestantes) partidários de um Cristianismo concebido exclusivamente como fé (sem religião) e os abundantes estudos deles não contêm nada de marxismo, mas tal maneira de conceber o Cristianismo coincide com o ponto de vista marxista e, em consequência, tais opiniões e opções facilitam a difusão e a aceitação da posição marxista. Ademais, ao lado dessa corrente independente de qualquer influência do marxismo (pode-se apontar como exemplo muitas opiniões teológicas protestantes antigas, isto é, apresentadas nos séculos anteriores a Marx) , existem outras que são de uma evidente inspiração marxista.
É sabido que nos tempos de Cristo uma das seitas de maior importância entre os judeus era a dos saduceus. Os partidários dessa seita não acreditavam na ressurreição (o que não implica necessariamente na falta de fé na vida depois da morte e na imortalidade da alma). A vida religiosa dos saduceus limitava-se quase que exclusivamente a implorar a Deus sua bênção e proteção para assegurar a felicidade na vida terrena, deste mundo visível, temporal.
Pois bem, atualmente constatamos a presença entre os cristãos de uma corrente muito semelhante à da seita dos saduceus, de uma evidente e detectável influência marxista. Não se nega nenhum dos dogmas da Fé, nenhuma das práticas da Religião cristã, mas põe-se a tônica exclusivamente sobre o temporal, sobre os assuntos deste mundo, silenciando tudo o que se refere à vida eterna.
Mais ainda, existe também uma corrente já claramente "saducéia", isto é, uma corrente que nega abertamente a existência da vida eterna, depois da morte. Não nega a existência de Deus; pelo contrário, reconhece-O como Criador e Senhor do universo e do homem. Reconhece que o homem deveria adorar o seu Criador e implorar sua proteção e sua bênção para garantir uma vida feliz na terra; mas concebe a vida humana como a vida dos animais, para os quais tudo termina com a morte. Esta corrente é muito antiga entre os cristãos e é provavelmente de inspiração judaica, pois entre os judeus sempre foi muito influente (os saduceus) e persiste até hoje.
Os cristãos marxistas introduzem oficialmente essa corrente na Igreja, tanto na Teologia, como na Pastoral e na Liturgia, pois esta maneira de conceber a vida religiosa constitui uma excelente preparação para as etapas posteriores da marxistização do Cristianismo. Procura-se acostumar os cristãos a concentrarem toda a sua vida exclusivamente sobre o temporal, sobre os assuntos deste mundo, sobre os problemas concretos da vida diária, e desta maneira aproximar os cristãos dos marxistas.
É sabido que o marxismo dá muita importância ao que ele chama de caráter alienante da religião, especialmente no que toca ao papel da fé na existência do Céu, do Além, da vida depois da morte, da fé na felicidade eterna. O marxismo considera (4) que os homens preocupados com o assunto de sua salvação eterna — uma salvação concebida como uma felicidade perfeita depois da morte, e que consiste na gloriosa convivência eterna com Deus — estão "alienados", e que esta alienação debilita a sua preocupação pelos assuntos deste mundo, o qual para os marxistas é o único mundo real.
O Pe. Dr. Miguel Poradowski nasceu na Polônia em 1913. Doutourou-se em Teologia, Sociologia e Direito em Varsóvia e em Roma. Desde 1950 é professor de Sociologia e Domina Social Católica, primeiramente na Universidade Católica de Santiago (1950-1953) e depois na de Valparaiso. De 1953 a 1965 foi diretor da prestigiosa publicação "Estudios sobre el comunismo". Vive atualmente em Santiago.