A imprensa noticia o interesse pelo gregoriano, também na Austrália, na Nova Zelândia, no Japão e em alguns lugares da África.
Há um certo tom de surpresa no noticiário internacional sobre o ressurgimento do gregoriano. Mas nada há que justifique tal estranheza. O gregoriano nunca morreu; o interesse por ele não diminuiu espontaneamente. Sua ausência nas igrejas deve-se literalmente ao boicote progressista, a pretexto de atrair, com cânticos de sabor protestante ou com música de boite, as massas populares e a juventude. Mas o que se deu foi o inverso: o sublime canto oficial da Igreja renasceu nos meios artísticos de alto nível e está provocando grande interesse na juventude e no público em geral. Ao contrário, as músicas jovens vão contribuindo decisivamente para um esvaziamento das igrejas.
Mas para o progressismo suas ideias são dogmas, contra os quais não valem nem os fatos, nem os argumentos. Ante o fracasso das músicas irreverentes e de mau gosto que hoje se ouvem em tantas igrejas, ele procura qualquer saída, desde que não seja a volta à tradição católica. É o que se conclui, diante das recentes notícias de que algumas Autoridades eclesiásticas buscarão nos batuques da umbanda ou do candomblé um meio para povoar suas igrejas, esvaziadas pela degradação das funções sagradas.
Os arranha-céus estão acabando com Paris. Os monstros de cimento e vidro estão desfigurando a paisagem amena e repousante, em alguns lugares, e certamente gloriosa em outros, da cidade que foi o coração da cultura ocidental e cristã. Arranha-céus plantados no meio do Faubourg Saint Honoré chocam pelo contraste entre a relíquia histórica e a construção massificante.
Os protestos não deixaram de aparecer. Até mesmo o Presidente Giscard d'Estaing parece preocupado com o problema. Mas a Condessa Marthe de Rohan-Chabot, jovem senhora pertencente a uma das mais ilustres famílias francesas, tem sido a líder daqueles que não se conformam com a catástrofe. Ela é secretária geral de uma sociedade destinada a salvar os velhos edifícios ameaçados.
A popularidade da campanha de protestos é tamanha, que o Partido Comunista, sempre expedito em penetrar nos movimentos de opinião pública, resolveu organizar uma campanha particular sua, com a finalidade de... defender a tradição!
Walter Levy Jr., brilhante diretor do Instituto de Parapsicologia de Durham, Carolina do Norte, renunciou ao cargo depois de confessar que havia falsificado dados experimentais. O Dr. Joseph Rhine, fundador do Instituto, declarou que o caso constitui um severo golpe para toda a parapsicologia.
Mas certamente as consequências não serão tão graves, pois a parapsicologia, como o evolucionismo, é um dos dogmas do século contra os quais os argumentos não contam. E a velha história: se os argumentos provam o contrário, pior para eles.
contestação, e não tardou em desencadear uma terrível perseguição sobre aquela Cristandade nascente. Como reagiu ela? O Missal Romano nô-lo responde: no Suplemento que contém o próprio das festas da Companhia de Jesus figuram os nomes de inúmeros mártires japoneses beatificados e de outros que poderão vir a sê-lo no futuro.
O Shogum Hideyoshi, que de início tivera certa benevolência para com o Cristianismo, mudou radicalmente de posição, por instigação de conselheiros budistas e pela interferência de comerciantes europeus protestantes. Em 1587 expulsou todos os Sacerdotes e proibiu a prática da Religião em todo o país. Cartazes anunciando essas medidas foram afixados em todos os caminhos e os suspeitos de serem católicos eram submetidos a uma prova pública diante das autoridades: tinham que calcar aos pés as sagradas imagens de Jesus Crucificado e de Maria Santíssima, gravadas em chapas metálicas chamadas "fumi-ê". Os que se recusavam a pisar o "fumi-é" eram presos e cruelmente torturados até apostatarem, ou morrerem.
Em Shimabara, florescente missão, cerca de dez mil católicos foram mortos, depois de vários anos de heroica resistência. Em Nagasaki, foram crucificados sete missionários europeus e dezenove fiéis japoneses, que Pio IX elevou às honras dos altares em 1862. Muitos outros exemplos de heroísmo e de glória poderiam ser apontados.
O decreto proibindo o Cristianismo obrigou Justo Ukon, destituído de seus direitos, a transferir-se para Kiushu, num como que exílio. Mais tarde foi confinado com a família em Kanasawa, onde permaneceu durante 26 anos como semiprisioneiro.
A grande perseguição de 1614 acabou por desterrá-lo do Japão, punição que na época era considerada, especialmente para um nobre, mais infamante do que a própria pena de morte.
Justo Ukon Takayama, já sexagenário e alquebrado pelo peso das lutas e perseguições, dirigiu-se para as Filipinas, domínio da Coroa espanhola, onde o Cristianismo florescia de modo admirável. A fama de suas virtudes havia-o precedido, e seu nome já era conhecido de todos. Recebeu em Manilha uma acolhida apoteótica, com a população toda indo esperá-lo no porto. A tropa formada prestou-lhe homenagem com uma salva de tiros, seguindo-se um solene Te Deum na Catedral. O Governador ofereceu-lhe uma recepção no palácio, onde todos queriam conhecer e cumprimentar o insigne confessor da Fé.
Às acomodações confortáveis que puseram à sua disposição, ele preferiu uma casa modesta junto ao Colégio dos Jesuítas, onde terminaria seus dias. Justo Ukon Takayama, o senhor feudal santo, entregou sua alma a Deus no ano seguinte, acabrunhado pelos sofrimentos e perseguições dos católicos no país do Sol nascente, que ele desejava todo para Cristo.
* * *
A História da Igreja no Oriente é, como vemos, rica em exemplos de heroísmo e santidade. Outros, porém, são os heróis cantados neste confuso e dramático fim de século, onde o chamado progressismo católico prefere inspirar-se não nos exemplos de São Francisco Xavier, ou de Justo Ukon Takayama, mas nos de Mao Tsé-tung, ou do Dalai Lama...
Estamos confiantes, entretanto, de que o Oriente, e de modo especial o Japão, regado pelo sangue de tantos mártires e ilustrado pelas virtudes de tantos confessores, hão de voltar-se para a Igreja de Cristo, passada a tormenta dos dias presentes e os castigos anunciados em Fátima, depois dos quais se dará também ali o triunfo do Imaculado Coração de Maria.
Apresentamos hoje nesta secção estas três orações recolhidas nos "Solilóquios" de Santo Agostinho, nas quais o Bispo de Hipona expande sua grande alma.
Ó Santo dos santos, ó Deus de incompreensível majestade, Deus dos deuses, e Senhor dos senhores, admirável, inefável, insondável, ante Quem tremem no Céu as Potestades angélicas e as Virtudes, a Quem adoram as Dominações e os Tronos; cuja sabedoria e poder não conhece limites; que do nada criastes um mundo, e encerrastes no abismo, como em um odre, a imensidade do oceano; Deus onipotente, santo e forte, Deus do espírito que anima toda a carne, a cuja visão eclipsa-se o Céu e a terra, a cujo aceno obedecem todos os elementos: adorem-Vos, ó Deus, e glorifiquem-Vos todas as vossas criaturas!
Socorrei-me, Senhor e vida minha, a fim de que não venha a morrer na minha maldade. Se não me criásseis, não existiria; criastes-me, passei a existir: se não me dirigirdes, cessarei de existir.
Não foram encantos ou méritos meus que Vos compeliram a dar-me o ser, senão a vossa infinita munificência.
Suplico-Vos, pois, que aquele mesmo amor que Vos compeliu à minha criação, possa igualmente compelir-Vos a reger-me; porquanto, que aproveita haver-Vos o vosso amor compelido a criar-me, se eu morrer na minha miséria, privado da direção dc vossa destra?
Obrigue-Vos, Senhor, a salvar-me essa mesma clemência que Vos levou a tirar do nada o que jazia no nada; vença-Vos em libertar-me a caridade que Vos venceu em criar-me, pois não é hoje menor este vosso atributo do que era então.
A caridade sois Vós mesmo, que sempre sois e não mudais. Não se Vos encurtou a mão, que não possais salvar-me; nem se Vos endureceu o ouvido, que não mais Vos seja dado ouvir-me.
Já vos confessei, ó Deus de minha salvação, que outrora esperei nas minhas forças próprias que não eram forças, e quando quis correr nos vossos caminhos, tanto mais escorregava e caía quanto mais julgava que permaneceria de pé, inabalável.
Retrocedi em vez de progredir, e perdi totalmente o que erradamente imaginava conseguir. É assim que me provais as forças. Iluminado por Vós, conheço agora que quando mais julgava poder sem Vós, menos podia.
Prossigamos nesta narrativa tão acabrunhadora para quem, como eu, ama o Vaticano até o mais fundo da alma.
Quis Paulo VI que o Cardeal Mindszenty, antes de seguir para Viena, concelebrasse com ele a Missa. Ao fim desta, deu-lhe, "como símbolo de amor e respeito", a capa cardinalícia que usava antes de ser Papa. Prometeu-lhe apoio, dizendo em latim: "És e continuas a ser Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria. Prossegue trabalhando, e se tens dificuldade volta-te sempre confiantemente para Nós". Depois...
Depois correu tudo em rumo oposto.
Em Viena, Mons. Mindszenty começou suas atividades normais, que o Purpurado assim resume: "Pastorear centenas de milhares de húngaros no exílio; advertir o público mundial sobre os perigos do bolchevismo, pela publicação de minhas memórias, e, sempre que possível, interessar-me pessoalmente pela trágica sorte da nação húngara". Começou então a perseguição:
1 — Mons. Mindszenty pediu que lhe fosse devolvida a faculdade de indicar Padres para as comunidades húngaras no estrangeiro. Amarga decepção: o pedido foi recusado pelo Vaticano — comenta o Cardeal — para não "incomodar o regime de Budapest".
2 — Com o mesmo fim de não "incomodar o regime de Budapest", a Santa Sé foi avante, e estatuiu que todas as declarações públicas do grande Prelado fossem submetidas a um conselheiro indicado por Roma. Mons. Mindszenty retrucou que as submeteria "só ao Santo Padre, quando ele explicitamente o pedisse".
3 — Facilitando o jogo de Roma, os Bispos magiares nomeados por Paulo VI, mas inteiramente sujeitos ao governo húngaro, começaram a multiplicar junto à Santa Sé protestos contra as atividades anticomunistas de Mons. Mindszenty. Estourou então uma surpresa-bomba.
Com efeito, a Nunciatura em Viena informou Mons. Mindszenty de que a Santa Sé dera garantias ao governo húngaro, durante as tratativas em 1971, de que, uma vez posto em liberdade, o Purpurado nada diria que pudesse contrariar as conveniências de Budapest.
Esta garantia, dada às ocultas do Cardeal, violava o mais essencial do acordo que estava sendo negociado entre este e o Vaticano.
Mediante tal concessão ao governo húngaro, Paulo VI empregou a autoridade conferida por Nosso Senhor Jesus Cristo a São Pero, a fim de forçar o Cardeal a não contrariar os planos do imperialismo comunista. As chaves de Pedro funcionando segundo os desejos de ateus perseguidores implacáveis da Religião: o que é isto senão uma bomba, provavelmente a maior bomba na História da Igreja, de Pentecostes até hoje?
4 — Logo depois, as diretrizes do governo húngaro começaram a se fazer sentir através do Vaticano. Estava sendo impresso em Portugal um discurso para o Cardeal ler em Fátima. Emissários da Nunciatura de Lisboa intervieram na tipografia para — a não sabendas do Purpurado — suprimir um trecho em que este alertava os católicos do mundo contra a política de sorrisos dos comunistas.
5 — O pior estava por vir. Algum tempo depois, Paulo VI escreveu a Mons. Mindszenty pedindo que renunciasse à Arquidiocese. O Cardeal recusou. Paulo VI destituiu-o, então. Travo particularmente amargo: a carta foi entregue ao Cardeal precisamente na data em que comemorava o 25.° aniversário de seu glorioso encarceramento pelos comunistas.
Estava terminado o drama. Ao longo dele, de começo a fim, a conduta do Vigário de Cristo foi a que desejava o imperialismo comunista, isto é, o Anticristo.
Comentário? — Para quê?
Apenas uma pergunta. Já que, em sua essência, é assim a "détente" de Paulo VI, obviamente há de ser a mesma nos outros países, no mundo inteiro, ... no Brasil.
— Para onde nos levará isso?
Fernando Furquim de Almeida
Se a totalidade dos historiadores está de acordo sobre a importância de Cluny na formação da Idade Média, o mesmo não acontece quando estudam a causa ou as causas do que poderíamos chamar o fenômeno cluniacense. Os monges de Cluny consagravam a vida à glorificação de Deus. Viviam retirados do mundo, reclusos em seus mosteiros, cumprindo rigorosamente um Ordo minuciosíssimo, que deles exigia cinco horas diárias dedicadas ao Ofício Divino. Eram contemplativos cuja principal obrigação era louvar a Deus perenemente. E seus mosteiros atingiram alto grau de santidade, louvado pelos próprios medievais, tão exigentes nessa matéria.
O cronista Raoul Glabre, aliás ele mesmo cluniacense, proclama: "Saibam todos que esse convento não é igualado por nenhum outro no mundo romano, principalmente para libertar as almas que caíram sob o senhorio do demônio" (apud G. Duby, "Adolescence de la Chrétienté Occidentale", p. 135). E Jacques de Voragine, corroborando Raoul Glabre, conta a célebre visão do Abade São Hugo, a quem na véspera do Natal a Ssma. Virgem apareceu, com seu Filho nos braços, dizendo: "Eis que virá o dia em que vão ser renovados os oráculos dos profetas. Onde está o inimigo que até agora prevalecia contra os homens?". Ao ouvir estas palavras, relativas aos monges de Cluny, o demônio saiu do fundo da terra para desmentir a afirmação de Nossa Senhora, mas sua iniquidade nada conseguiu, porque de nada lhe adiantou percorrer todo o mosteiro: nenhum monge se deixou enganar, nenhum se desviou dos seus deveres na capela, no refeitório, no dormitório ou na sala do capítulo.
Jacques de Voragine completa a visão citando a versão do monge Pedro de Cluny, segundo a qual o Menino teria perguntado à sua Mãe: "Onde está agora o poder do demônio?". Ao que o maligno teria respondido: "Não pude, com efeito, penetrar na capela, onde se cantam os teus louvores, mas o capítulo, o dormitório, o refeitório estão abertos!". Ora, eis que a porta do capítulo era demasiado estreita para ele entrar, a do dormitório demasiado baixa, a do refeitório obstruída por inúmeros obstáculos — tais eram a caridade dos monges, a atenção à leitura diária e a sobriedade no comer e no beber” (Jacques de Voragine, "La Legende Dorée", GarnierFlammarion, Paris, vol. I, p. 59).
* * *
Completaremos esses elogios com mais um documento medieval, citado por H.E.J. Cowdrey: “Cluny era a fonte a que todo o mundo praticamente recorria, como a um santuário da Religião, para o revigoramento espiritual de suas obras. Os cluniacenses sustentaram um combate espiritual constante para subjugarem a carne ao espírito; na verdade, como diz o Apóstolo, para viverem como Cristo e para morrerem a fim de vencerem. Mas vários deles foram chamados, e mesmo obrigados a contribuir para a construção, quer como Papas ou cardeais, quer como bispos, abades ou pastores. Quando o bálsamo de suas virtudes espirituais se difundiu amplamente, toda a terra, como se fosse uma só casa, ficou impregnada de seu perfume, e o fervor da religião monástica, que pouco a pouco aumentara, se inflamou com o zelo exemplar desses homens" ("Vita Sancti Morandi Confessoris", apud H.E.J. Cowdrey, "The Cluniacs and the Gregorian Reform", Oxford, 1970, p. 163).
Mas os cluniacenses influíram efetivamente em toda a vida medieval. Ora, como é que, vivendo entregues completamente à oração, esses mesmos homens, quando saíam do mosteiro, resolviam rápida e brilhantemente as questões mais delicadas, influíam poderosamente em toda a vida temporal, cobriam o mundo de obras de arte incomparáveis, e, como se nada tivessem feito, voltavam depois para suas celas e nelas retomavam a contemplação sem a menor dificuldade, conservandose sempre prontos a voltar a atividades prodigiosas, com a mesma paz de alma que mantinham no mosteiro? Como e quando se preparavam eles para essa atuação?
A essa pergunta nenhuma resposta satisfatória foi dada até hoje pelos historiadores. Nenhum deles consegue atinar com o segredo que animava esses monges tão ativos e ao mesmo tempo tão contemplativos, sempre serenos e sem nenhuma agitação, ativos na contemplação e contemplativos na ação.
D. Kassius Hallinger, autor da monumental história da reforma monástica na Alta Idade Média (Gorze–Kluny), tentou uma resposta num artigo importante publicado na "Deutsche Archiv fur Erforschung des Mittelalters", resumido e publicado em inglês com o título "The spiritual life of Cluny in the early days", na coleção de memórias sobre Cluny selecionadas por Noreen Hunt e reunidas no livro "Cluniac Monasticism In the Central Middle Age" (Mac Millan, 1970).
Antes de dar sua própria opinião, D. Kassius Hallinger classifica em cinco grandes grupos as várias explicações propostas. São elas: o espírito litúrgico da Abadia, a abertura para o mundo, a fuga do mundo, a organização feudal de Cluny, e as raízes monásticas especiais que caracterizavam o mosteiro. Pela simples enumeração se vê a oposição flagrante que há, por exemplo, entre a segunda e a terceira posições, ambas defendidas por grandes historiadores. O fato é que nenhuma delas satisfaz.
Essa divergência de opiniões é uma das maiores dificuldades para o bom conhecimento de Cluny, gerando mesmo confusões lamentáveis. Nesse mesmo artigo de D. Kassius Hallinger há uma amostra curiosa dessa confusão. Gorze é o mosteiro mais característico da reforma monástica iniciada na Lorena ao mesmo tempo que a de Cluny. Weigle viu no livro "GorzeKluny" uma certa oposição entre esses dois movimentos de reforma. Ora, D. Kassius afirma num artigo que os valores monásticos de Cluny "não só moldaram um grande número de monges dos séculos X e XI, como também estenderam a sua influência além dos mosteiros e se fizeram sentir no próprio mundo secular de sua época". Em uma nota, refuta F. Weigle: "O êxito do movimento de reforma de que Cluny teve a liderança só pode ser explicado pelos valores monásticos de Cluny. Esse fato foi mencionado várias vezes em "GorzeKluny". A despeito de tais afirmações, F. Weigle pôde falar de uma descrição contrastada com Gorze ("Deutsche Archiv", 9, 585); ele não entendeu absolutamente o ponto principal do livro".
Por tudo isso procuraremos, nesta série de artigos sobre Cluny, pôr um pouco de ordem em todas essas questões. De antemão pedimos desculpas aos nossos leitores pelo grande número de citações que seremos obrigados a fazer. É que Cluny foi tão grande, que sua história frequentemente parece inacreditável, se não é corroborada pela autoridade de especialistas, por vezes nem sequer católicos, mas que não deixam de se empolgar pelos feitos de seus monges.
* * *
Antes de terminar essa introdução, queremos reproduzir o maior dos elogios que Cluny recebeu em toda a sua história. É de São Gregório VII, ao abrir a 7 de março de 1080 o Concílio Romano que realizava anualmente. É bom notar que esse elogio foi pronunciado dois anos depois de o Imperador Henrique IV ter ido a Canossa pedir perdão ao Papa, episódio em que muitos procuram ver uma oposição séria entre o grande Papa e São Hugo, então Abade de Cluny:
"Sabei, meus irmãos no sacerdócio, todos que vos reunis nesta Santa Assembleia, que entre todos os nobres mosteiros fundados além dos montes para a glória de Deus onipotente e dos Bemaventurados Apóstolos Pedro e Paulo, existe um que é propriedade particular de São Pedro, unido à Igreja de Roma por um pacto especial. Esse mosteiro é Cluny. Votado, desde a fundação, principalmente à honra e defesa da Sé Apostólica, pela graça e clemência divina e sob a direção de santos abades, chegou a uma tal grandeza e a uma tal santidade, que ultrapassa todos os mosteiros de além dos montes no serviço de Deus e no fervor espiritual. Nenhum outro o iguala, tanto quanto se possa julgar, embora haja um grande número de mosteiros mais antigos do que ele. Não houve em Cluny um só abade que não fosse santo. Monges a abades nunca faltaram a esta Santa Igreja, Mãe de todos eles. Não dobraram o joelho diante de Baal nem diante dos ídolos de Jeroboão. Tomando por modelo a liberdade e a dignidade da Santa Sé de Roma, nobremente conservaram a autoridade conquistada por seus antepassados, e nunca se curvaram sob o domínio dos príncipes deste mundo, continuando a ser os defensores corajosos e submissos unicamente de São Pedro e de sua Igreja" (apud D. Usmer Berlière, "l’Ordre Monastique", p. 219).
Péricles Capanema
O ex-ministro de Jango e "enfant gaté" da esquerda de salão, Celso Furtado, voltou à ribalta, lançando o livro "O Mito do Desenvolvimento Econômico" (Edit. Paz e Terra S.A., Rio, julho de 1974).
É interessante considerar o método utilizado pelos editores para impressionar o leitor. A contra-capa apresenta Celso Furtado da seguinte maneira: "[...] Depois de 1964 foi sucessivamente professor das Universidades de Yale e Harvard, nos Estados Unidos, Sorbonne, na França, e Cambridge, na Inglaterra, onde supervisionou e examinou dezenas de teses de doutoramento". Além do mais, é um dos maiores especialistas mundiais em problemas sócio-econômicos da América Latina, continua a apresentação. Portanto, o eventual leitor é colocado diante de um serafim do empíreo dos economistas. A contra-capa quase convida a uma atitude reverencial. De passagem, convém notar a especialidade do autor — assaz genérica: toda a economia e a sociedade de um dos continentes mais diversificados do planeta.
Curiosamente, Celso Furtado vai abandonar esses páramos mundiais para lecionar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Por idealismo, certamente.
A tese principal do livro, em resumidas contas, é a seguinte: — O desenvolvimento econômico é inviável, pois se for possível colocar todo o mundo capitalista no nível das nações ricas, haverá o desaparecimento de vários recursos naturais não renováveis, uma degradação insuportável do meio ambiente e tensões sociais que provocarão o estraçalhamento da sociedade.
Ademais, a própria estrutura interna do capitalismo atual impede o desenvolvimento de todos, porque provoca o aumento do fosso existente entre as nações industrializadas e as sub-desenvolvidas. Na economia interna das nações pobres ela induz à concentração crescente da renda nas mãos de uma minoria privilegiada.
O autor ocupa-se, em seguida, da ação das grandes empresas internacionais, afirmando que ameaçam a soberania das nações onde atuam e impõem padrões de consumo artificiais e nefastos à sociedade. Reserva, por fim, cerrada artilharia ao modelo brasileiro de desenvolvimento, e no último capítulo discorre sobre o que vê de irreal nos indicadores econômicos comumente utilizados.
Não é nosso objetivo entrar no mérito de cada proposição do livro. Isso exorbitaria enormemente dos limites de um artigo curto, que tem a pretensão de ser facilmente compreendido sem ter o leitor que franzir as sobrancelhas para entender a cabalística linguagem econômica hodierna, — a qual, para dizer que Pedro ficou pobre, afirma: "Pedro condicionou descensionalmente suas expectativas futuras de consumo".
O primeiro reparo, anterior à análise do conteúdo, é a estranheza que causa o livro ao tratar do mito do desenvolvimento econômico só no mundo capitalista. Pois, se é objetivo confessado tanto do capitalismo quanto do comunismo, promover o desenvolvimento, o natural seria que se enfocasse o problema nos dois mundos. Temos o ouvido cheio de declarações de potentados comunistas enaltecendo o progresso econômico das sociedades por eles dirigidas. Por que o Sr. Celso Furtado não trata do tema nos países de além cortina de ferro? Enigma.
Uma resposta despreocupada e truculenta diria que, como os comunistas falharam em promover o desenvolvimento, já que o comunismo historicamente trouxe só miséria onde foi implantado, isso seria, como diz o sertanejo, procurar chifre em cabeça de cavalo.
Mas, sendo Celso Furtado um professor, deveria discutir a questão pelo menos em tese. A inclusão do tema, na lógica do ensaio, é obrigatória. A questão a ser respondida é: será o comunismo também inviável, já que coloca a felicidade da sociedade no contínuo aumento de bens materiais? Ou seja, à medida que conseguisse elevar o nível de vida das populações postas sob seu domínio, ele deixaria de ser aplicável pelos mesmos motivos alegados no ataque ao capitalismo?
O autor, político esquerdista matreiro, passa em silêncio o problema, pois sabe que a difusão do seu livro, da maneira como está redigido, ajudará o marxismo. A complementação da tese principal seria de molde a prejudicá-lo.
Mas se o autor se esquece dos russos, não deixa de mencionar os chineses. Nas páginas 91-92 afirma que "três soluções principais (puras) têm sido tentadas no correr dos últimos anos". A primeira consiste no chamado "modelo brasileiro", que ele descarta ao longo de todo o livro, especialmente no capítulo III, que tem por título: "O modelo brasileiro de subdesenvolvimento". A segunda, o chamado "modelo de Hong-Kong", não pode ser aplicada senão nas condições muito especiais daquele enclave britânico. A terceira fórmula, o "modelo chinês", "consiste em recondicionar progressivamente os padrões de consumo" para conseguir um desenvolvimento realista (em lugar de dizer "acostumar o povo à miséria reinante na China", o professor usa o eufemismo jeitoso). Como Celso Furtado não faz nenhuma crítica ao modelo chinês e descarta todos os outros, o leitor fica com a impressão de que a única opção viável é a maoísta.
Desta maneira, para quem pense que tanto o capitalismo privado como o de Estado, versão soviética, levam a um beco sem saída, temos a alentadora fórmula "Mao à brasileira". Fome certamente haverá, mas poderemos esquecer as exigências do estômago lendo o livrinho vermelho. E, nessa época, Celso Furtado decerto nos dirá que não há fome, mas qualquer coisa como "uma provisória modificação de prioridades estratégicas alocando para a industrialização de áreas prioritárias recursos anteriormente destinados a manter a capacidade humana de trabalho em nível ótimo, conforme a diretrizes básicas do Plano Nacional Diretor Executivo (PNDE)". Imaginem a consolação de ouvir esse "charabia" quando tivermos vontade de ver pela frente um bife.
Encerrando o comentário, queremos deixar consignado nosso protesto contra a alusão irreverente do autor ao mistério da Santíssima Trindade. Na página 115, escreve Celso Furtado: "Passamos à outra vaca sagrada dos economistas: o Produto Interno Bruto (PIB). Esse conceito ambíguo, amálgama considerável de definições mais ou menos arbitrárias, transformou-se em algo tão real para o homem da rua como o foi o mistério da Santíssima Trindade para os camponeses da Idade Média na Europa".
Comprazemo-nos em acrescentar que, quando os economistas católicos tradicionais diziam que dever-se-ia tender para a formação de uma sociedade orgânica de base agrícola, onde a industrialização teria, tanto quanto possível, fundamento familiar e seria centrada na produção de bens duradouros e de boa qualidade, eram qualificados por muitos de visionários românticos. O desvario econômico atual está-se encarregando de lhes dar fulgurante razão.
Economistas do estilo Celso Furtado sustentavam ser necessário acabar com os "preconceitos medievais" para tornar possível entrar de cheio na era do desenvolvimento contínuo e rápido, que pressagiava futuro e paz. Agora, dão volta à casaca e afirmam, com toda a sem-cerimônia, que este processo levará a tensões insuportáveis e à miséria. O desenvolvimento deixou de ser nome para a paz, pelo menos segundo os economistas da ribalta.
Agora, apontam um novo mito: o comunismo chinês. São, no fundo, mitomaníacos obcecados pelo fanatismo igualitário gerador do caos, da miséria e do ateísmo. Vão pulando de mito em mito, mas nunca abandonam a árvore do igualitarismo revolucionário. Por isso o livro deveria ter por título: "O Desenvolvimento do Mito", ou "Mais um Mito". Enquanto os homens não se voltarem para Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida, serão tentados a dar atenção aos fabricantes de mitos, cada vez mais desumanos e despóticos. O desnorteamento e a mudança contínua da rota só terminarão quando a humanidade se fizer dócil à voz da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, Mestra da Verdade e Mãe compassiva.