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Conclusão da pág. 4

A TFP inaugura seu novo auditório

passou depois pelo Estado e chegou a levar o Brasil, e o Brasil católico, à situação calamitosa que hoje conhecemos.

Para elogiar D. Antonio de Castro Mayer e celebrar nossa alegria de o termos entre nós, bastaria dizer: ele é um Bispo que não cede, que não se omite, que não recua. É um verdadeiro Pastor que na hora da luta se põe à frente dos seus fiéis. Honra dos católicos do Brasil que querem um Pastor que lhe aponte onde está o lobo e os dirija na luta contra ele".

Referindo-se à Polônia, ressaltou o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Neste nosso século em que a derrocada ineludível do Ocidente multiplica os estigmas de desagregação e de desonra no mundo contemporâneo, um grande valor moral permanece, diante do qual todos os homens se curvam com respeito e veneração. É a Polônia do silêncio, a Polônia mártir. Olha ela para o Ocidente com a face digna e altiva, de pé, na sua força e na sua deliberação de resistir. Essa Polônia, representada aqui pelo Coronel-Aviador Tomasz Rzyski, Ministro dos Assuntos Sociais do Governo Polonês no Exílio, um dos pilotos da RAF que constituíram a equipe da qual disse Churchill: "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos".

O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira se referiu ainda a "essa outra Polônia do Oriente", o Vietnã do Sul, ali representado por seu Encarregado de Negócios no Brasil, Sr. Nguyen Van Ngoc.

Perigos do comunismo

A seguir, tomou a palavra o Sr. Tomasz Rsyski, que se congratulou com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, com os membros do Conselho Nacional da TFP, sócios e militantes da entidade, pela abertura desse auditório que se transformará "em novo e importante baluarte anticomunista".

Desenvolvendo em seu discurso o tema "Os perigos do comunismo", o Sr. Rzyski denunciou a infiltração vermelha no Ocidente. Lembrou o covarde massacre de Katyn, onde 15 mil oficiais e intelectuais poloneses, a elite da nação, foram assassinados pelos soviéticos, um a um, com tiros na nuca.

"Este bárbaro genocídio constitui uma grave advertência aos que, por ignorância, ingenuidade ou oportunismo, julgam possível estabelecer um "modus vivendi" com aqueles assassinos frios".

Imposição da comenda

O Ministro Tomasz Rzyski impôs então ao General Humberto de Souza Mello a Grã-Cruz da Ordem da Polonia Restituta, que lhe fora outorgada pelo Presidente do Governo Polonês no Exílio, Conde Julius Sokolniki. Essa condecoração, a mais alta daquele Governo, foi instituída em 1921 para rememorar a vitória do Marechal Pilsudski, que, derrotando os exércitos soviéticos na guerra de 1918-1920, permitiu a restauração do Estado polonês. Após a implantação do regime marxista na Polônia ao término da segunda Guerra Mundial, os poloneses livres passaram a atribuí-la às personalidades do mundo ocidental que se destacam na luta contra o comunismo.

O General Souza Mello agradeceu as homenagens pronunciando o vibrante discurso que publicamos na íntegra em outro local desta edição.

Cocktail

Encerrada a solenidade inaugural, os convidados dirigiram-se para a sede do Conselho Nacional da TFP, à Rua Maranhão, onde teve lugar o cocktail em homenagem ao General Souza Mello, que se prolongou, em ambiente de grande cordialidade, até as 24h.

Numa das salas do edifício estava instalada uma exposição das atividades da TFP, a qual despertou vivo interesse dos visitantes.

Autoridades presentes

Dentre as numerosas autoridades e personalidades que compareceram à cerimônia de inauguração do novo auditório da TFP, destacamos o Prof. Miguel Colasuonno, Prefeito de São Paulo; Sr. Paulo Macedo de Souza, representante do Governador Laudo Natel; Desembargador Gentil do Carmo Pinto, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado; Deputado Januário Mantelli Neto, Vice-Presidente da Assembleia Legislativa, representando o Deputado Salvador Julianelli, Presidente do Legislativo paulista; Sr. Nguyen Van Ngoc, Encarregado de Negócios do Vietnã do Sul no Brasil (que viajou de Brasília especialmente para o ato) ; Sr. Gualter Godinho, Presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo; Sr. Homero Diniz Gonçalves, Presidente do Tribunal Regional do Trabalho; Juiz Ítalo Galli, do Tribunal de Alçada Criminal; Coronel Ivan da Costa Ramos, representante do Comandante do II Exército, General Ednardo D'Avila Mello; Coronel Enio Monteiro de Lima, representante do Secretário da Segurança Pública, Coronel Antonio Erasmo Dias; Sr. Luiz Mendonça de Freitas, Secretário Municipal dos Negócios Extraordinários; Deputada Dulce Salles Cunha Braga; Embaixador Roberto Antonio Arruda Botelho; Sr. Silvio Costa e Silva, Cônsul de Mônaco e Secretário Geral da Sociedade Consular; Sr. Ferdinand Saukas, Cônsul da Estônia livre; Sr. Geraldo Lobo, representante do Conselheiro Onadyr Marcondes, Presidente do Tribunal de Contas do Estado; Prof. Ernesto de Moraes Leme, Presidente da Academia Paulista de Letras; General João Franco Pontes; Tenente-Coronel Josué de Figueiredo Evangelista, Subcomandante do CPOR; Sr. Lisandro Bártolo, Delegado de Ordem Social do DEOPS; Sr. Durval Moura de Araújo, Procurador da Justiça Militar; o representante do Sr. Paulo Maluf, Secretário dos Transportes; o representante do Desembargador Tacito Morbach de Goes Nobre; Sr. Alvaro do Amaral, representando o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; Sr. Augusto Galvão Bueno, Presidente do Instituto Genealógico e Heráldico Brasileiro; Prof. Adib Casseb, representando a revista "Hora Presente"; Pe. Orlando Garcia da Silveira; Da. Arisia Teixeira, representante da Liga das Senhoras Católicas; Da. Maria José Rangel Salgado, Presidente das Damas de Caridade de São Vicente de Paulo da Cidade de São Paulo; Da. Ida Ognibene, representante da Liga do Professorado Católico; Sr. Sin Mo Cha, Presidente da Associação Brasileira de Coreanos; Sr. Károly Vöros, Presidente da Associação Cultural da Sociedade e Ordem de São Ladislau; Sr. Nicolas Iancu Paltinisanu, Presidente da Sociedade Romeno-Brasileira; delegações das colônias das seguintes nações sob o jugo comunista: China, Croácia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e Ucrânia.

Cartas, ofícios, telegramas

Chegaram ao Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade numerosas cartas, ofícios e telegramas de autoridades e personalidades que, não tendo podido comparecer à solenidade no Auditório São Miguel, agradeciam o convite e felicitavam a entidade pelo ato inaugural.

Dentre estas, destacamos o Vice-Governador do Estado, Sr. Antonio José Rodrigues Filho; o Vice-Governador eleito, Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho; D. Elias Coueter, Bispo Eparca dos Melquitas no Brasil, e seu Clero; D. Ernesto de Paula, Bispo titular de Gerocesaréa; Príncipe D. Pedro Henrique de Orleans e Bragança; os seguintes Secretários de Estado: Prof. Carlos Antonio Rocca, da Fazenda; Sr. Henri Couri Aidar, Chefe da Casa Civil; Sr. Getúlio Lima Júnior, da Saúde; Sr. Pedro de Magalhães Padilha, da Cultura, Esportes e Turismo; Sr. Paulo Salim Maluf, dos Transportes; Sr. Rubens Araújo Dias, da Agricultura, e Sr. José Meiches, dos Serviços e Obras Públicas; Major-Brigadeiro do Ar Roberto A. Carrão de Andrade, Comandante do IV Comando Aéreo Regional; General Ariel Pacca da Fonseca, Comandante da 2.a Região Militar; Coronel Décio Luiz Fleury Charmillot, Chefe da 5.a Circunscrição do Serviço Militar (Ribeirão Preto); Juiz J. R. Prestes Barra, Presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado; Prof. Lucas Nogueira Garcez; Deputado federal Sergio Cardoso de Almeida; Deputado esta dual Roberto Gebara; Vereador João Brasil Vita, Presidente da Câmara Municipal de São Paulo; Srs. Roberto Ferreira do Amaral e Henrique Gamba, Secretários de Educação e Cultura e do Bem Estar Social do Município; Sr. Rui Mazzei de Alencar, Coordenador das Administrações Regionais da Prefeitura de São Paulo; Sr. Rubens Cardozo de Mello Tucunduva, Delegado titular da Seccional de Polícia do ABCD; Pe. Benigno Brito Costa; Cônego José Luiz Villac; Sr. Mieciyslaw Iwanczak, de Pretória, África do Sul, Ministro do Governo Polonês no Exílio.


Conclusão da pág. 8

QUANDO AS OVELHAS SABIAM

os 3.600 habitantes do lugar: homens rudes, vestindo coletes de pele de cabra, e com longas foices na mão. Mulheres. empunhando vassouras. Velhos apoiados a grossas bengalas nodosas. Crianças de todas as idades e tamanhos, com as mãos cheias de pedras.

Ostentando o seu melhor sorriso, o cidadão Payré avançou para o meio de seus novos fiéis. Imediatamente, estes o cercaram. As crianças faziam um alarido tremendo, chamando-o de herege, intruso, ladrão de paróquias e de Sacramentos. As mulheres brandiam as vassouras, e os homens as foices.

Alegando um compromisso urgente, o juiz de paz se despediu apressado, e deixou o cidadão Payré sozinho no meio da multidão. Foi com dificuldade que ele chegou até a igreja e entrou. Todo o burgo ficou fora esperando. Quando ele saiu, persignando-se, duas mulheres pegaram a pia de água benta que ele tinha usado, deitaram fora seu conteúdo, lavaram-na e tornaram a pô-la em seu lugar. Os habitantes aprovaram silenciosamente essa purificação, acenando com a cabeça. O cidadão Payré encaminhou-se para a casa paroquial, vizinha à igreja, com a intenção de descansar e comer alguma coisa. Mal ele entrou, recomeçaram os brados das crianças. Uma pedra atravessou a vidraça, e logo se seguiram outras, vindo de todas as janelas, e do telhado. O cidadão Payré resolve bater em retirada, e saiu sob uma chuva de pedras. É ele próprio que conta isso, e conclui: "Uma pedra me pegou no ombro, outra na perna. Meu cavalo tropeçou e caiu comigo, depois de outra pedrada. Em me salvei fugindo a toda brida, perseguido por aquele bando de doidos" (G. Lenotre e A. Castelot op. cit., ibid.).

Depois disso, não temos mais nenhuma notícia sobre o que aconteceu ao cidadão Payré. Mas, baseados no que se deu com alguns de seus colegas, podemos formular várias hipóteses. Talvez ele tenha imitado o vigário de Fontevrault, superior de um "seminário constitucional", o qual anunciou que iria "tomar uma companhia", para "partilhar com ela seus dias de velhice, sob os auspícios da República". Ou talvez tenha feito como Hughes Pelletier, bispo de Angers, que apostatou definitivamente, declarando: "Eu me honro de, sobre o altar da Pátria, sacrificar à Razão todos os meus títulos de cônego regular, de padre, de cura e de bispo, para ter somente o de puro e simples cidadão". Ou, ainda, ele pode ter imitado os exemplos do cura de Nantes, ou dos padres-funcionários de Montoire e de Valet. O primeiro foi condenado a dois anos de prisão por trapaça, e dos dois últimos os livros de História nos contam que "amavam demasiadamente o vinho da região".

* * *

Que tortuosos caminhos terá tomado o cidadão Payré depois de sua fuga precipitada pelo caminho que vai de Nantes a La Rochelle, de batina rasgada e sangrando, encarapitado sobre um cavalo manco? Não sabemos.

Mas, naqueles bons tempos em que as ovelhas sabiam reconhecer, sob o disfarce de pastor, o lobo condenado pela Igreja, e sabiam contra ele reagir, estamos certos de que o cidadão Payré não voltou à Vendéia, "terra de camponeses rudes e ignorantes", terra habitada por "um bando de doidos", a quem a pregação de um certo Luís Grignion de Montfort havia dado mais bom senso e sabedoria do que possuíam todos os padres "jurões" da França inteira.


FRELIMO teme os africanos

"A FRELIMO será o braço executivo da vontade popular e orientará Moçambique para o socialismo, que se converterá em base revolucionária na África". Estas são palavras de Samora Machel, líder da FRELIMO, a organização guerrilheira que assumiu o poder no antigo território luso.

Pouco antes, Samora afirmava que a Alemanha Oriental, a Romênia, a China e Cuba são outros exemplos de governos socialistas populares...

O governo recém-empossado não esconde seus objetivos de encampar as empresas estrangeiras, acabar com a iniciativa privada e, numa terceira fase, abolir a propriedade particular.

Denominando-se "popular e libertadora do povo", não obstante a FRELIMO não admitirá o funcionamento de nenhuma outra organização política.

Ao mesmo tempo, Samora Machel declara que teme a oposição das camadas mais simples da população africana, organizadas em tribos, contando com cerca de cinco milhões de negros.

Talvez pouca gente no Brasil saiba que grande parte da população moçambicana, especialmente a etnia dos Macuas, simpática aos portugueses, sempre mostrou acirrada oposição aos guerrilheiros da FRELIMO.

Que espécie de governo popular, então, acaba de tomar posse em Moçambique? Segundo o próprio Machel, é em tudo semelhante ao da Alemanha Oriental, atrás da cortina de ferro, ao da China, além da cortina de bambu, e ao de Cuba, com as masmorras de La Cabaña (ABIM — Agência Boa Imprensa).


Calicem Domini Biberunt.

SANTO ODON E AS ORIGENS DO MOSTEIRO DE CLUNY

Fernando Furquim de Almeida

Antes de prosseguirmos no estudo das causas do grande sucesso de Cluny, convém recordarmos rapidamente o histórico de sua fundação.

A legislação monástica promulgada para todo o Império por Carlos Magno e Luís o Piedoso exigia que todos os mosteiros adotassem a regra de São Bento. Assim sendo, a partir do século IX houve só mosteiros beneditinos no Ocidente. Mas, de acordo com a regra de São Bento, esses mosteiros eram autônomos, sem nenhuma vinculação jurídica entre si. Não houve propriamente uma Ordem religiosa. Percebendo os perigos dessa extrema descentralização, São Bento de Aniane, o conselheiro monástico de Carlos Magno e de Luís o Piedoso, tentou dar uma direção única às abadias do Império, mas sua obra não sobreviveu à sua morte.

Ora, as lutas entre os descendentes de Carlos Magno, tendo enfraquecido o Império, permitiram que novas invasões bárbaras – normandos, eslavos, etc. penetrassem a fundo no Ocidente. Essas invasões levaram a desordem e a destruição por onde passaram, e todas as grandes instituições carolíngias sofreram as consequências disso. De todas elas, foi talvez o monaquismo a mais atingida. Os mosteiros, desamparados, foram pilhados, outros viramse obrigados a permitir, em troca de uma proteção, a ingerência desmedida dos senhores temporais em seus assuntos internos, e todos caíram num relaxamento que conduziu à inobservância da Regra e à consequente dissolução dos costumes.

No início do século X esboçou-se uma reação contra esse estado de coisas. Alguns monges santos, como São Geraldo de Brogne na Lorena, tentaram reerguer suas abadias, levandoas novamente à fiel observância da Regra. E para que mais amplamente se estendesse a sua ação, costumavam reunir sob um abaciato único os mosteiros que, desejando reformarse, se entregavam à sua direção.

* * *

O Bem-aventurado Bernon foi um desses monges precursores da grande reforma monástica. Sobrinho do Rei da França, Luís o Gago, ele entrara no mosteiro de São Martinho de Autun. Depois de ali permanecer por algum tempo, percebeu que, por maiores que fossem os esforços de seu abade para a reforma, eles se perdiam devido à intromissão de outras autoridades na vida interna do mosteiro. Bernon resolveu então fundar um mosteiro numa das propriedades de sua família. Foi assim que nasceu o mosteiro de Gigny.

Os bons resultados obtidos em Gigny foram logo conhecidos nos arredores. O Rei da Borgonha, Rodolfo I, apreciando o trabalho de Bernon, entregou-lhe o mosteiro de Baume para ser reformado. E com base nesses dois mosteiros o Bem-aventurado pôde realizar a obra que projetara.

Nessa época, Santo Odon, que seria o primeiro dos quatro grandes abades santos de Cluny, era um jovem conselheiro que servia na corte do Conde Foulques de Anjou, vassalo do Duque de Aquitânia, Guilherme o Piedoso. Era filho único de uma nobre e rica família do Maine. Seu pai, Abon, o tinha doado a São Martinho de Tours logo após seu nascimento, mas o fizera às escondidas de sua mulher e de sua família, nada contando a ninguém. Vendo o menino crescer muito bem dotado, arrependeuse da doação que fizera. Mantendo o segredo, encaminhouo para o serviço do Conde de Anjou.

Santo Odon distinguiuse nessa corte e prometia ser um grande cavaleiro. Percebeu, no entanto, que não era essa a vida que Deus desejava que ele levasse. Recorreu a Nossa Senhora, pedindo que o esclarecesse e fizesse ver quais eram os desígnios de Deus sobre ele. Foi logo acometido por uma violenta dor de cabeça, que o impedia de se desincumbir direito de suas obrigações. Durante três anos essa dor de cabeça não o abandonou. A princípio tentou continuar na corte, cumprindo rigorosamente os seus deveres, mas logo teve de reconhecer que não poderia ali se manter. Voltou para a casa paterna, onde Abon usou de todos os recursos possíveis para curálo. Tudo foi inútil. O pai teve de se render à evidência: São Martinho de Tours cobrava a doação que ele fizera. Abon contou tudo a Odon. “Não tinha outra saída — dizia o Santo quando contava a sua vida aos Monges — senão refugiarme junto de São Martinho, receber a tonsura, e de bom grado votarme ao seu serviço, pois a ele fora doado sem o meu consentimento”.

A dor de cabeça cessou imediatamente. Santo Odon foi para o cabido da Igreja de São Martinho do Tours. Durante a sua permanência entre os cônegos, leu a Regra de São Bento e ficou encantado com a vida monástica, mas não via em nenhum mosteiro que conhecia a observância dessa Regra que tanto o atraía. Por outro lado, os cônegos de São Martinho de Tours viviam também em desordem, e não suportavam a presença de Odon, pois a vida virtuosa que este levava os incomodava. O Santo retirouse para uma casa próxima da igreja, e ali dividia o seu tempo entre o cumprimento de suas obrigações de cônego e a vida de eremita.

Um de seus amigos na corte do Conde de Anjou desejava entrar no estado religioso, e foi procurá-lo em Tours. Depois de viverem juntos durante algum tempo, saíram os dois em peregrinação, procurando um mosteiro verdadeiramente observante da Regra. Viajaram muito tempo e não o encontraram. Santo Odon voltou para Tours, e seu companheiro Santo Adgrim dirigiuse a Roma, a fim de pedir aos Apóstolos São Pedro e São Paulo as luzes necessárias para seguir a sua vocação. A caminho de Roma, passou pela abadia de Baume, e não pôde conter a sua surpresa encontrando um mosteiro observante. Avisou Santo Odon, que lhe foi ao encontro, e ambos pediram ao Bemaventurado Bernon que os recebesse entre os seus monges. Foram logo aceitos, e iniciaram em Baume a vida monástica que tanto desejavam. Santo Adgrim não chegou a fazer a profissão monástica. Retirouse para uma caverna próxima do mosteiro e foi eremita até o fim de sua vida, morando sempre em lugares próximos dos mosteiros onde estava Santo Odon. Este permaneceu algum tempo em Baume e depois em Gigny, apesar de violenta oposição que lhe movia o Monge Guy, sobrinho do Bemaventurado Bernon.

O Duque Guilherme da Aquitânia teve conhecimento da vida regular que havia em Baume e em Gigny. Havia muito tempo ele desejava fundar um mosteiro em suas terras, para reparar um crime que cometera na mocidade. Mandou chamar Bernon. Ambos se encontraram num local conhecido por Cluny, onde Guilherme treinava os seus cães de caça. Depois de expor os seus projetos, o Duque perguntou ao Abade se aceitava fundar esse mosteiro. Diante da resposta afirmativa, pediulhe que escolhesse, ele mesmo, as terras que desejava em seus imensos domínios.

— Escolho estas — respondeu o Abade.

— Mas estas não posso dar, pois nelas tenho o melhor tempo de treinamento de meus cães de caça.

— Senhor Duque, bem sabeis que as preces dos monges vos servirão mais, diante de Deus, do que os latidos dos cães. Expulsai os cães e recebei os monges.

E o Duque nada teve para responder.

Em 910, na cidade de Bourges, Guilherme o Piedoso entregou solenemente ao Bemaventurado Bernon as terras de Cluny, na presença da Duquesa e de toda sua família. Assistiram ao ato vários senhores feudais, muitos bispos e clérigos, e vários monges, entre os quais Santo Odon. Num documento assinado por todos os presentes, o Duque da Aquitânia isentou Cluny de qualquer ingerência sua, dando aos Apóstolos São Pedro e São Paulo as terras e o mosteiro que ali se construiria, e cobrindo de anátemas todos aqueles que, seus parentes ou não, no presente ou no futuro tentassem delas se apoderar ou interviessem, sob qualquer pretexto, na vida interna do mosteiro. O Papa, como Sucessor dos Apóstolos, deveria zelar pelo mosteiro, a ele incumbindo a defesa desse patrimônio entregue à guarda do Bemaventurado Bernon e da Santa Sé. O próprio Duque da Aquitânia foi a Roma para obter a ratificação do documento e pagar as primeiras doze peças de ouro para manutenção da luminária da Igreja dos Apóstolos, como Cluny deveria fazer todos os anos, de acordo com o direito feudal.

* * *

Santo Odon foi para Cluny com outros monges de Baume e Gigny. Ao que parece, o que levou o Bemaventurado Bernon a enviálo para o novo mosteiro foi a hostilidade de Guy. Ao morrer, em 926, Bernon deixou a este último, por testamento, alguns dos mosteiros que dirigia, entre eles Baume e Gigny, e outros a Santo Odon, entre os quais Cluny. Como Cluny era o mais pobre dos mosteiros e estava ainda em construção, o Bemaventurado Bernon tirou de Gigny o domínio de Alafracta e o entregou a Santo Odon, para com ele manter Cluny. Guy impugnou a doação, e à força se apoderou de Alafracta. Santo Odon recorreu à Santa Sé e o Papa lhe deu ganho de causa enquanto os monges de Gigny vivessem no mosteiro de Cluny.

Santo Odon pôde então entregarse livremente à formação de seus monges e empreender a reforma monástica que estes realizariam com tanto brilho na França, na Itália e até na Espanha. Os cluniacenses o consideravam o seu verdadeiro fundador, e foi realmente ele que introduziu no mosteiro esse espírito, essa alma que modelou a Idade Média.


NOVA ET VETERA

PORTUGAL: AS PERGUNTAS QUE FÁTIMA COLOCA

Péricles Capanema

Em 1917, Nossa Senhora apareceu a três pastorinhos na Cova da Iria. Durante mais de cinquenta anos o mundo ouviu falar das profecias de Fátima. Nesse meio século, a Igreja permitiu e incentivou a devoção a Nossa Senhora de Fátima. Imagens peregrinas, partindo do Santuário da Serra do Aire, percorreram e percorrem o mundo. Pode-se afirmar que nenhuma invocação de Nossa Senhora é mais conhecida do que essa na Cristandade.

Jacinta e Francisco já morreram. Os sinais da santidade de ambos são por todos conhecidos. Lúcia vive encerrada num Caramelo, em Coimbra, testemunha viva da autenticidade da mensagem, guardiã da terceira parte do segredo de Fátima; a própria Virgem lhe conferiu essa missão: "Tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para Me fazer conhecer e amar, Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração".

Nossa Senhora dissera aos videntes: "A Rússia espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja..."

Jacinta, já no hospital onde morreria a 20 de fevereiro de 1920, advertiu: "Nosso Senhor está profundamente indignado com os pecados e crimes que se cometem em Portugal. Por isso um terrível cataclisma de ordem social ameaça o nosso país e principalmente a cidade de Lisboa. Desencadear-se-á, segundo parece, uma guerra civil de caráter anarquista ou comunista, acompanhada de saques, morticínios, incêndios e devastações de toda espécie. A capital converter-se-á numa verdadeira imagem do inferno. Na ocasião em que a Divina Justiça infligir tão pavoroso castigo, aqueles que o puderem fujam dessa cidade. Esse castigo agora predito convém que seja anunciado pouco a pouco e com a devida discrição" (cf. De Marchi, p. 255, Walsh, pp. 160161).

Durante 48 anos o regime salazarista dirigiu os destinos lusos. Dir-se-ia que as profecias de Fátima valiam somente para fora das fronteiras portuguesas. Lá dentro, um governo anticomunista, que para alguns ia parecendo eterno, impedia o avanço marxista.

Repentinamente, estoura a revolução de 25 de abril e os comunistas logo se aboletam no gabinete. Cunhal, secretário-geral do PC, é por muitos considerado o Primeiro-Ministro de fato.

O tema Fátima, de um momento para outro, salta para o centro nevrálgico da política lusa.

Pois, se é verdade que Nossa Senhora na Cova da Iria apontou o comunismo como um flagelo que assolaria o mundo para castigo dos pecados que a humanidade cometia, e se Jacinta previu a revolução comunista em Portugal, o natural é perguntar se há relação entre o 25 de abril e as profecias de Fátima.

Significativamente, o novo governo português, pela primeira vez em muitos anos, não participou das comemorações do último 13 de maio. Seria, conforme diz o adágio popular, "falar de corda em casa de enforcado".

Durante 57 anos Portugal deu assentimento a Fátima. As manifestações populares no Santuário várias vezes chegaram à casa de um milhão de pessoas. É raríssimo um português que não tenha ouvido falar de Fátima, de suas promessas e de suas profecias. Sendo assim, não é cabível que o povo português não esteja pensando nestas questões:

1.°) Será essa a revolução prevista por Jacinta? Os cravos, símbolo do 25 de abril, serão urtigas?

2.°) Se é o cumprimento da profecia, então provavelmente chegou a hora de a Irmã Lúcia falar a Portugal e ao mundo. Essa palavra — tão abalizada e destinada a produzir tantas repercussões, por vir de uma representante da própria Rainha dos Anjos — não podendo ser senão de censura e advertência, que efeitos terá? Que pressões estará sofrendo essa Irmã carmelita para que não fale?

3.a) Se é assim, visto que Fátima já teve várias profecias cumpridas ("A Rússia espalhará seus erros pelo mundo", a segunda Guerra Mundial, etc.), não terá chegado o tempo dos cataclismas de várias ordens? Não estará chegando o tempo do cumprimento da profecia: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará"?

Essas perguntas seriam naturais numa situação dessas. Entretanto, não nos chega nenhum eco de que estejam sendo feitas.

Que estará acontecendo na nação lusa?

Pois se é chegado o momento em que a Irmã Lúcia vai falar, as repercussões possíveis disso são tão profundas, que o resto da situação interna portuguesa passa a segundo plano. A política internacional provavelmente girará em torno desse acontecimento, pelas consequências de natureza ideológica que produzirá no mundo católico, ainda hoje a porção mais influente do Ocidente.

Então, por que não se sente que as perguntas estejam sendo feitas?

Será que o governo de Lisboa, sentindo o prejuízo que elas lhe trarão, está impedindo, por meios não dados a público, que elas apareçam no tabuleiro sócio-político luso?

Será que estamos assistindo a fenômeno análogo ao trágico e majestoso silêncio da natureza, que precede as grandes tempestades?

O drama português é um dos mais simbólicos e poéticos de todo o século XX. Com efeito, que país teve três pastores de ovelhas, vivendo uma despreocupada vida campestre numa pitoresca aldeiazinha, lançados às primeiras páginas da grande imprensa e ao centro dos fatos do Catolicismo contemporâneo?

Três pastorezinhos, falando uma linguagem cheia de autoridade, doçura e severidade, advertiram o mundo. Foi tal o interesse e entusiasmo despertados, que mesmo povos não católicos tiveram sua atenção atraída. A guisa de exemplo, lembremos que a Imagem peregrina, quando percorreu os países árabes e a índia, teve apoteótica recepção.

Duas dessas crianças previram a própria morte (Jacinta e Francisco), ocorrida ainda na infância, e da última foi anunciado que ficaria na terra como testemunha da mensagem. Hoje, vive encerrada no Carmelo de Coimbra a Irmã Maria Lúcia do Coração Imaculado, com quase setenta anos de idade, a última e principal vidente de Fátima.

De uma humilde Freira talvez dependa a sorte de Portugal e mesmo do mundo. Ela pode ter sobre os acontecimentos uma influência muito mais decisiva do que Kissinger, Ford ou Brezhnev.

Nesse momento em que o interesse pelas aparições de Fátima deveria estar no clímax devido à revolução de 25 de abril, parece que quase ninguém faz conjecturas sobre o que elas desvendaram do futuro da nação lusa e do mundo. Enigmaticamente, até em Portugal uma modorra pesada paira sobre as revelações e sobre a Irmã Lúcia.

Só se sabe que vários líderes comunistas portugueses já manifestaram o desejo de destruir tudo o que se relacione com Fátima. Nada mais lógico. Sentem nesses episódios um brado permanente de acusação.

A Irmã Lúcia, por razões desconhecidas, permanece calada.

E a nação portuguesa choca-se contra uma dilacerante perspectiva: aceitar efetivamente Fátima, redimir-se e salvar-se, ou esquecê-la e talvez desaparecer, tragada pelos furacões da História, desencadeados pela Justiça Divina.