Evandro Faustino
Os dois cavaleiros se detiveram um instante. Depois de terem percorrido quase toda a estrada que vai de Nantes a La Rochelle, haviam entrado à direita, penetrando nessa estranha planície coberta de árvores baixas e copadas, que em ligeiro declive se desenrola até o litoral.
Apesar de o tempo estar agradável, a estrada parecia estranhamente deserta. Era quase meio dia e desde a manhã cavalgavam, sem, no entanto, terem encontrado nenhum camponês. É verdade que os dois tinham a impressão de estarem sendo observados, e por duas vezes ao menos julgaram ouvir ruídos na floresta que os cercava, ruídos que cessavam repentinamente quando os cavalos chegavam perto. Os dois cavaleiros estavam ligeiramente inquietos. Era o ano de 1792, e eles estavam sozinhos no centro da Vendéia.
O motivo da parada foi uma ligeira surpresa: depois de uma curva da estrada, eles podiam ver por cima das árvores e recortado contra o céu azul, o campanário da pequena aldeia de Saint Michel du May, que era o seu destino. M. Thurbet, o novo juiz de paz nomeado pela Assembleia Legislativa, olhou de soslaio para o homem que tinha ao lado, o qual suava um pouco, e segurava nervoso as rédeas de seu cavalo. O seu companheiro de viagem era M. Payré, padre juramentado que, também em nome da Assembleia Legislativa, era o novo vigário da cidadezinha que tinham à frente. Naquele dia, ele deveria assumir suas novas funções.
Os dois continuaram cavalgando, e o padre Payré teve algum tempo para se recordar das estranhas transformações pelas quais vinha passando a Igreja Católica na França naqueles tempos.
A confusão já vinha de bem longe. No século anterior houvera o jansenismo. Essa seita, fundada por um Bispo, queria fazer estranhas reformas na Igreja. Segundo ela, o altar deveria ter forma de mesa. Não seria nunca dada a comunhão fora da Missa, e esta deveria sempre ser celebrada na língua do povo e não em latim. Era necessário que o cânon fosse rezado em voz alta. A liturgia seria despida de qualquer pompa; as imagens dos Santos deveriam ser retiradas de seus altares, etc. Ao mesmo tempo que se diziam antitradicionalistas, os jansenistas afirmavam também que pretendiam voltar às práticas primitivas da Igreja.
É verdade que esses e os demais erros jansenistas haviam sido condenados pelo Papa. Mas, apesar de tudo, eles tinham permanecido larvados, e aos poucos foram produzindo todas essas "singularidades" religiosas que recheiam o século XVIII: Padres ateus, como o Cura Guillaume e o Abbé Conet; ou comunistas, como o Padre Morely; ou igualitários, como o Padre Veri; ou apenas conciliadores do bem com o mal, como o Padre Yvon (Daniel Mornet — "Les origines intelectuelles de la Revolution Française", Librairie Armand Colin, pp. 242 e 403).
Nos sermões não se falava mais de moral, mas de economia e agricultura. No lugar da vida eterna pregava-se a ciência e o progresso. Estranha época em que os teólogos escreviam obras sobre as batatas e a doença das videiras, em que os pregadores falavam do "Ser Supremo" e não de Deus, e trocavam o Santíssimo Nome de Jesus pelo de "Legislador dos Cristãos" (Pierre de La Gorce — "Histoire religieuse de la Revolution Française", 1.° vol., p. 61)! Os protestantes não eram mais chamados de hereges, mas de "irmãos que é preciso amar", ou "irmãos errantes". Nem mesmo a maçonaria era condenada agora! Pois não era verdade que em Bethiene vários Padres faziam parte da loja? Não é certo que em Arras o oratoriano Padre Spitalier era um alto dignitário maçon? E o Arcebispo de Tours não havia defendido os maçons em carta que todos conheciam, dirigida ao Arcebispo de Sens?
Um coelho assustado atravessou a estrada, e ligeiro sobressalto tomou os viajantes. De novo o mesmo ruído no meio da floresta, seguido do mais completo silêncio. O sol estava a pino. Os cavaleiros prosseguiam, e o padre Payré voltou às suas reflexões.
Sim, a Igreja havia mudado bastante. Depois viera a Revolução, e com ela, a Constituição Civil do Clero, pela qual os "representantes do povo francês" se arvoravam em novos organizadores e dirigentes da Igreja. A França havia sido dividida em departamentos, e a cada uma dessas porções deveria caber um Bispo, com destituição pura e simples dos que sobrassem. Os membros da Hierarquia eclesiástica não seriam mais nomeados pelo Papa, mas eleitos pelo povo, podendo votar inclusive os hereges, os livre-pensadores e os judeus. Todos os Padres, Bispos e Arcebispos seriam funcionários pagos pelo Estado, e só a este deveriam obedecer. E em 27 de novembro de 1790 a Assembleia Nacional exigira que todos os clérigos jurassem obediência a essa Constituição, sob pena de perder os seus cargos. Qualquer resistência seria punida com a prisão.
O padre Payré não queria ser preso, e prestara o juramento, acompanhando quase metade do Clero francês. Depois, ele soubera do Breve do Papa condenando a Constituição, e ordenando que todo Sacerdote que houvesse jurado se retratasse dentro de quarenta dias, sob pena de excomunhão. O padre Payré hesitara: Roma lhe exigia a fidelidade, e lhe prometia a honra, Paris queria que ele se vendesse, e ameaçava com a prisão. Era preciso escolher entre a honra ou a pensão de 1200 libras oferecida pela Assembleia Legislativa, que garantia uma vidinha em pecado mortal é verdade, mas bem arrumadinha. O padre Payré escolhera de acordo com seu coração: enviara à Assembleia um requerimento renovando sua fidelidade à nova Constituição, e solicitando uma paróquia e a respectiva pensão. A resposta, num papel timbrado com o barrete frígio, viera logo: o cidadão Payré era nomeado vigário do burgo de Saint Michel du May, agora simplesmente burgo du May, e deveria assumir imediatamente as suas funções. Nenhuma palavra a respeito da pensão.
Não se pode dizer que a leitura desse papel tivesse agradado o cidadão Payré. Além do lapso relativo à pensão, havia o problema do lugar: a cidade ficava na zona mais atrasada da França, numa região muito influenciada por um certo Luís de Montfort, Padre missionário que a havia percorrido cem anos antes. Era incrível a ignorância daqueles camponeses, dos quais se comentava que nunca tinham ouvido falar de Voltaire ou de Rousseau! Esses atrasadões ainda rezavam o terço, usavam o escapulário da Virgem, e praticavam a anacrônica devoção ao Coração de Jesus! Como eram possíveis tais infantilidades, em pleno século das luzes!
Mas não eram esses os boatos que mais inquietavam o cidadão Payré, e sim aqueles que diziam respeito à recepção que outros padres juramentados haviam tido na região. O novo sacerdote de Sables havia sido chamado de "grande porco" pelos camponeses, o de Maisdon-la-Rivière, de "cão raivoso e celerado", e ambos haviam sido corridos de suas paróquias (G. Lenotre e A. Castelot — "Les grandes heures de la Revolution Française", tomo III, p. 23). Ao que parece, havia outras notícias ainda mais inquietantes, mas ninguém gostava de as comentar.
Assim, não se pode negar que havia motivos de sobra para o cidadão Payré estar preocupado quando, acompanhado pelo novo juiz de paz, ele chegou às primeiras casas daquele pequeno burgo da Vendéia.
Entraram na rua principal em meio de um grande silêncio. Apesar disso, puderam verificar que ao longo dela, formando alas, estavam
A TFP inaugurou seu novo Auditório em São Paulo, com a presença do General Humberto de Souza Mello e de altas autoridades eclesiásticas, civis e militares. Na ocasião, o General foi condecorado pelo Ministro dos Assuntos Sociais do Governo Polonês no Exílio. — Nas fotos: Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, o Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer, Da. Marília Souza Mello e General Humberto de Souza Mello. Em baixo: o momento da condecoração; compunham a mesa o Desembargador Gentil do Carmo Pinto, Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo; Ministro Tomasz Rzyski; General Souza Mello; Prof. Plinio Corrêa de Oliveira; D. Antonio de Castro Mayer; Prof. Miguel Colasuonno, Prefeito de São Paulo; Sr. Paulo Macedo de Souza, representante do Governador Laudo Natel (páginas 4-5).
PIO PP. XI
Da Constituição Apostólica "Umbratilem", de aprovação dos Estatutos da Ordem dos Cartuxos, revistos segundo as prescrições do Código de Direito Canônico:
Aqueles que, afastados do bulício e das loucuras do mundo, de tal modo professam a vida contemplativa, que não só se aplicam a considerar com toda a atenção (como sua própria profissão o pede) os divinos mistérios e as verdades eternas, e a suplicar contínua e instantemente a Deus que prospere e dilate cada dia mais seu Reino, senão que, ademais disso, purgam e expiam com penitências corporais, sejam voluntárias ou impostas pela Regra, não tanto as próprias culpas, como as alheias, — os que tal vida professam, com justa razão deve-se dizer deles que escolheram, à imitação de Maria de Betânia, a melhor parte. [...].
Quiçá alguns imaginem que as virtudes injustamente chamadas passivas tenham caído já em desuso há muito tempo, e que se deva substituir a antiga disciplina dos claustros pelo exercício mais amplo e liberal das virtudes ativas. Semelhante opinião, refutada e condenada por Nosso Antecessor Leão XIII na sua Carta "Testem Benevolentiae", de 22 de janeiro de 1899, bem se nota quanto é injuriosa à doutrina católica e à prática da perfeição cristã. Por outra parte, facilmente se compreende que contribuem muito mais para o incremento da Igreja e a salvação do gênero humano os que assiduamente cumprem com seu ofício de orar e mortificar-se, do que aqueles que com seus suores e fadigas cultivam o campo do Senhor; pois se os primeiros não atraíssem do Céu a abundância das graças divinas para regar o campo, mais escasso, certamente, seria o fruto do labor dos operários evangélicos. — [Constituição Apostólica "Umbratilem", de 8 de julho de 1924, apud Antonio Ortiz Muñoz, "Los Caballeros Encerrados / Monjes Jerónimos", Ediciones Studium, Madrid, 1961, pp. 64-65].