Evandro Faustino
Na manhã do dia 18 de novembro de 1785, uma carruagem corria a toda brida pela magnífica alameda que, saindo de Paris e atravessando por duas vezes os meandros do Sena, passa ao lado dos castelos de Saint Cloud, Bellevue e Chaville, indo depois desembocar, larga e triunfante, na Praça das Armas, defronte das grades de ferro dourado que fecham a entrada do Palácio de Versalhes.
Atravessados os portões e percorrido o grande pátio, a carruagem se deteve em frente ao palácio. Dois lacaios acorreram pressurosos, para receber o Duque de Chartres, que vinha comunicar ao Rei Luís XVI a morte de seu velho pai, o Duque de Orléans. O Rei, segundo a etiqueta, respondeu-lhe: "Senhor Duque de Orléans, sinto-me extremamente penalizado pela morte do Príncipe, vosso Pai" (Castelot, p. 135).
O visitante inclinou-se e saiu. A guarda do palácio apresentou-lhe armas, pois a partir daquele instante ele deixava de ser o Duque de Chartres para se tornar Sua Alteza Sereníssima o Duque de Orléans, primeiro Príncipe do sangue de França. Luís XVI, através dos cristais de sua janela, contemplava preocupado a carruagem que se ia afastando, e que retomava o caminho de Paris.
Havia razões para a preocupação do Rei. O título de Duque de Orléans era reservado para o chefe dessa família que descendia do segundo filho de Luís XIII e dera um Regente à França, essa família que constituía uma das mais altas expressões da nobreza do país que era então o mais nobre, refinado e brilhante país do mundo.
Agora, o título de Duque de Orléans passava para esse Príncipe que ia na carruagem: um homem que ainda não tinha quarenta anos, mas que já estava consumido pelo vício, ao qual desde os vinte se entregara desenfreadamente; um homem em que "o espírito e a vaidade faziam as vezes de inteligência", em que "o amor das novidades dissimulava a ignorância", e em que "a gabolice escondia uma perigosa covardia" (Castelot, p. 135). Alto e um pouco gordo, rosto vermelho e carnudo com olhos azuis e uma boca ligeiramente sensual, assim era o novo Duque de Orléans, que iria se tornar tristemente famoso na História como símbolo do homem que, pela ordem natural das coisas, deveria ser contra-revolucionário, mas que, por ambição e por mau espírito, financia, ajuda e incrementa a revolução que depois o irá destruir. A atualidade de sua vida é muito grande, porque é muito grande a atualidade da Revolução Francesa, e é enorme a atualidade dos "sapos" e dos traidores, que, de alguma forma, são muito semelhantes a Luís Filipe José, Duque de Orléans.
A marcha pelas vias da iniquidade começou cedo para ele. Além de se entregar à sensualidade, foi também muito jovem que entrou na maçonaria, essa sociedade secreta que já então infestava a França, e à qual pertenceram praticamente todos os próceres da Revolução Francesa mencionados nos livros de História (Gaxotte, p. 60; Castelot, p. 150). Em suas lojas se tramou cada passo da Revolução inaugurada em 1789; foi lá que se decidiu a morte do Rei; foi lá que se planejou a destruição da Igreja Católica e a implantação do culto da "deusa" Razão; lá, cada profanação era estudada em todos os seus requintes; e foi nesse lugar que o jovem Príncipe ouviu pela primeira vez as palavras mágicas: liberdade, igualdade e fraternidade (Delassus, p. 112) ...
Depois de sua entrada na maçonaria, o Duque começou subitamente a ficar conhecido: em todos os lugares se falava de suas "virtudes", de sua "valentia". Suas obras de beneficência eram logo comentadas e proclamadas. Ele tornou-se uma pessoa "popular".
A família de Orléans possuía desde há muito um palácio no centro de Paris, a que davam o nome de Palais Royal. Para aumentar sua popularidade, o Duque foi aconselhado a alugar a parte térrea do edifício, formada de jardins e de grandes pátios, para a instalação de cafés, casas de jogo, pequenos teatros, etc. Ao que parece, essa "locação" era gratuita. Em pouco tempo, o Palais Royal tornou-se o centro de irradiação de todas as notícias e de todas as novidades. Em seus pátios se amontoava uma multidão de libelistas, conversadores, desocupados, desertores, exploradores de botequins, agiotas, jogadores, enfim toda essa escória de uma grande cidade, que forma o melhor caldo de cultura para qualquer boato ou difamação.
E difamações e boatos não faltavam. Nos últimos anos antes da Revolução, Paris foi inundada por uma avalanche de panfletos contendo as maiores infâmias contra o Rei e a Rainha. Eram poesias, eram contos, eram cantigas, eram "depoimentos". Qualquer coisa servia, qualquer mentira era aceita, qualquer história, por mais absurda e contraditória que fosse, era avidamente consumida e propagada. E a origem desses panfletos, desses pedaços de papel que fizeram mais mal à França do que todos os canhões de seus inimigos, a fonte de toda essa maledicência era o Palais Royal, e era o próprio Duque, pois é sabido que esses folhetos eram sempre financiados por ele, e distribuídos gratuitamente.
Não é certo que Filipe gostasse de ver diariamente toda essa turba a se acotovelar debaixo de suas janelas. Mas lhe haviam dito que isso o tornava popular, e sua vaidade fez o resto. Quanto a financiar os panfletos, ele mesmo afirmou que não o fazia em defesa de um povo "que desprezava", mas unicamente porque o Rei algumas vezes "o havia tratado com insolência" (Castelot, p. 144). E de novo a sua vaidade fez o resto. O Duque votava uma antipatia pessoal ao Rei, e não percebia, ou não queria perceber, que outras pessoas se aproveitavam disso para destruir na França a civilização cristã. Essa é bem uma característica do "sapo": não importa o que vai acontecer ao mundo, mas sim o que se passa com ele. Ele é o centro de tudo, e nada mais interessa. Não há homem de visão mais curta que o "sapo", e assim era o Duque de Orléans. Guiado por seus "amigos", foi das pessoas que mais insistiram para a convocação dos Estados Gerais. Alguns previram que aquilo desencadearia uma revolução. Para o Duque, era apenas uma maneira de "quebrar a monotonia da vida", e também de contestar um pouco a autoridade do Rei. Com um sorriso superior, negou que aquilo pudesse degenerar em algo mais sério. Chegou a apostar cem luíses em que os Estados Gerais não ousariam nem mesmo abolir as "lettres de cachet" ... E, firme nessa convicção, provocava a agitação popular, dando dinheiro para os assaltantes das carroças de trigo destinadas a Paris, e para financiar os "cadernos de queixas", que continham as mais absurdas ideias revolucionárias e que muito historiador moderno ainda afirma serem a mais pura expressão dos anseios do povo da época. É interessante lembrar que o modelo para esses cadernos foi escrito pelo então Padre Siéyès (depois apóstata), o qual era radicalmente contra a nobreza, e dizia: "Se retirarmos a classe privilegiada, a nação não será algo menos, mas algo mais" (Villat, vol. I, p. 11). Mas, para o Duque de Orléans, financiar o padre Siéyès era apenas "quebrar a monotonia da vida”...
A 5 de maio de 1789 teve lugar a cerimônia de abertura dos Estados Gerais, em Versalhes. Uma imensa procissão saiu da Igreja de Notre Dame em direção à Catedral de São Luís. À frente, iam os deputados do Terceiro Estado, vestidos de longos trajes de lã negra. Depois vinha a nobreza, deslumbrante em suas capas espanholas bordadas a ouro e com seus chapéus de plumas brancas. Seguiam-se os Bispos e os demais representantes do Clero, e o Santíssimo Sacramento, levado pelas mãos do Arcebispo de Paris, e acompanhado pelo Rei e a Rainha. E havia os Príncipes de sangue, havia os nobres da corte, havia os representantes das Ordens de cavalaria e das Ordens mendicantes, havia os músicos da capela real, havia os valets, os lacaios, os falcoeiros com seus falcões. E em, volta, nas janelas das casas, nas ruas, nas árvores, havia o povo que aplaudia, entusiasmado com a nobreza, a graça e a majestade da França que passava. Foi assim o início da Revolução.
O Duque de Orléans, que como Príncipe de sangue deveria desfilar ao lado do Rei, preferia, no entanto, acompanhar os membros do Terceiro Estado. Quando Luís XVI mandou pedir-lhe que ocupasse o lugar que lhe cabia, Filipe apenas aceitou recuar até as fileiras dos deputados da pequena nobreza: é que, por demagogia, ele se havia feito eleger representante de Crepy-en-Valois, uma aldeola a 70 quilômetros de Paris, e era na qualidade de deputado desse lugarejo que o Príncipe desejava participar dos Estados Gerais... Era uma aberta contestação à autoridade real, e os revolucionários não perderam tempo para divulgá-la: no mesmo dia toda Paris sabia do fato e a "popularidade" do Duque aumentou ainda mais; ficou claro que sua fama cresceria na medida em que crescesse o seu ardor pela Revolução.
Nessa noite, tendo ainda nos ouvidos o eco dos aplausos do populacho, o Duque pôs-se a cismar: ele poderia ser ainda mais famoso, respeitado, querido... Quem sabe? Poderia talvez até chegar a se sentar no trono... Alguns dias antes, em companhia de um feiticeiro, Filipe havia invocado os demônios, e estes lhe haviam dito que, se sua dedicação revolucionária fosse completa, ele poderia esperar "o máximo"... (Weiss, vol. XV, p. 434). E qual poderia ser esse máximo, senão o trono? Segurando o amuleto que os espíritos lhe haviam dado, o Duque acabou por se decidir: sua dedicação seria total.
Seu palácio passou a ser o centro dos conciliábulos da Revolução. Nos Estados Gerais, foi o primeiro a abandonar a nobreza e passar para o Terceiro Estado; aprovou entusiasmado que os deputados se declarassem Assembleia Constituinte; votava sempre com a esquerda; na noite de 4 de agosto, foi o nobre que mais aplaudiu a abolição dos direitos feudais; entusiasmou-se com o ardor de seu filho Luís Filipe, o qual não prevendo que seria Rei um dia, pedia a forca para todos os nobres de direita; quando, em outubro, os revolucionários planejaram e organizaram a marcha "espontânea" do "povo" sobre Versalhes, não teve dúvidas em financiar tudo, e no Palácio não hesitou em apontar aos assassinos qual era o quarto da Rainha.
A Revolução crescia e ululava, e o Duque de Orléans a aplaudia. Abandonou o título de Duque, e passou a chamar-se Luís Filipe José de França; prestou na Assembleia o juramento cívico, "que há muito tempo já levava no coração antes que sua boca o pronunciasse" (Moniteur, vol. V, p. 103).
O senhor Luís Filipe José de França, bailio da aldeia de Crepy-en-Valois, tornava-se assim, para alegria de todos os que o dirigiam, um perfeito cidadão. Mas, apesar de tudo, ele ainda estava preocupado. Via o rumo que as coisas estavam tomando: a Revolução odiava a nobreza porque esta é, na ordem temporal, um reflexo de Deus, e ele ainda era um nobre. Para manter a popularidade, era preciso rebaixar-se ainda mais. Quando a Assembleia declarou que toda condecoração representava um privilégio odioso, foi o primeiro a renunciar Ordem de São Luís, que por direito possuía. Quando o nome do Palais Royal tornou-se demasiadamente chocante aos ouvidos revolucionários, imediatamente mudou-o para Palais Orléans. Quando, em sua tentativa de fuga, o Rei foi preso em Varennes, e falou-se em nomear Filipe Regente, ele se apressou a recusar, declarando que "preferia muito mais ficar como puro e simples cidadão" (Castelot, p. 204). O Club dos Jacobinos era então o mais radical, e o Duque empregava nele sua atividade e sua fortuna. Mas, coisa curiosa! Apesar de todo o seu ardor, o cidadão Luís Filipe José de França não podia deixar de perceber que sua popularidade aos poucos ia diminuindo, ia murchando, ia-se transformando em apatia por parte do povo, e até mesmo, em alguns pontos, num início de franca hostilidade... Ele não compreendia porque isso acontecia, mas resolveu ceder ainda mais. O antigo Duque, que antes se rebaixava para ser popular, agora continuava a se rebaixar apenas para sobreviver. No dizer de Talleyrand, "a corrente o arrastava", e ele, que de início a seguia esperando que ela o elevasse, agora a acompanhava para não se afogar.
A França entra em guerra com a Áustria, e, embora fosse Almirante, Filipe se alista como voluntário e parte no meio dos soldados, imitando-os até mesmo no estilo do bigode; quando se começa a falar em república, ele logo se declara republicano, para, segundo suas próprias palavras, "acompanhar a corrente" (Castelot, p. 212).
O Rei e sua Família são encarcerados no Templo: Filipe apoia. A república é proclamada: ele aplaude. Chegam os massacres de setembro: a horda revolucionária invade as prisões, matando e esquartejando. Cadáveres sem cabeça são arrastados pelas ruas; bebe-se sangue humano e come-se carne humana; a Princesa de Lambálle, concunhada do Duque, é morta a golpes de machado e horrivelmente esquartejada. Sua cabeça, espetada na ponta de uma lança, é levada em triunfo ao Palais Royal e colocada à frente da janela de Filipe. Pálido, ele vai à sacada e acena para a multidão...
Ele quer candidatar-se a deputado à Convenção, mas percebe que seu nome, Orléans, não é político. Assim, protestando o seu "amor à igualdade", pede à Comuna o "favor" de lhe dar outro nome. Passa, então a ser chamado de Filipe Igualdade, e seu palácio passa a ser o Jardim da Revolução. Imperturbável, agradece, afirmando que "não se poderia escolher nome mais conforme às suas opiniões", e proíbe que qualquer pessoa o chame de outra forma. O ex-Duque é eleito.
Na Convenção, senta-se na extrema esquerda, junto com os deputados da Montanha. Temendo que alguém ainda o julgue com qualquer pretensão aristocrática, ele, sem que ninguém o peça, escreve uma carta à Convenção em que "renuncia expressamente aos direitos de membro da dinastia". Declara ainda que seus filhos "estão dispostos a assinar essa mesma renúncia com seu sangue" (Castelot, p. 224; Moniteur, de 11-12-1792). Um desses filhos, como dissemos, era o futuro Rei Luís Filipe.
A torrente continua. Apesar de todas as suas renúncias, apesar de todas as suas provas de adesão aos novos tempos, Philippe Egalité não se sente seguro. É apresentada na Convenção uma propositura afirmando que todos os membros da antiga Família Real constituem um perigo para a nação. O projeto pede que todos eles — inclusive o outrora Duque de Orléans — sejam banidos para sempre do território francês.
O cidadão Egalité protesta. Renova suas juras de dedicação, reafirma sua repulsa à monarquia e à nobreza. Enfim, invoca sua condição de convencional. Os deputados hesitam, discutem, e o ex-Príncipe aguarda, apavorado com a idéia do exílio. Deixar Paris! Nada lhe parecia mais horroroso do que isso. Quando seu filho ponderou que talvez fosse mais prudente ir para a América, ele respondeu: "E viver com os negros? Oh não! A Ópera está aqui, em Paris!" (Castelot, p. 220).
Assim, é com temor crescente que ele acompanha o desenrolar dos debates na
Péricles Capanema
Em julho deste ano o governo de Lisboa concederá independência total às ilhas africanas de São Tomé e Príncipe, unidas a Portugal desde o século XV. As negociações foram conduzidas por funcionários lusos e representantes do Movimento de Libertação das Ilhas de São Tomé e Príncipe.
Nem se cogita de perguntar às populações desse território, por meio de um plebiscito, se desejam separar-se de Lisboa. Elas recebem de cima para baixo um "diktat". O mesmo sucedeu com a Guiné e com Moçambique. É de se prever que tal processo repetir-se-á em Angola.
A grande voga de descolonização já dura quase trinta anos. Após tanto tempo, constata-se o imenso prejuízo sofrido pelos povos africanos "libertados".
Entre outras razões, porque:
1 — Os beneficiários do novo status têm sido, em geral, camarilhas que se entre destroem de tempos em tempos na disputa das vantagens do poder;
2 — Surgiram numerosas ditaduras brutais;
3 — O continente, em vastas regiões, está reimergindo na barbárie. As lutas tribais, os morticínios pavorosos são parte do acontecer habitual de muitas populações. A guisa de exemplo, o "International Herald Tribune" de 6 de maio de 1974 noticia que os esbirros da ditadura vigente em Uganda já assassinaram 90 mil compatriotas;
4 — "Last but not least": o comunismo internacional, versão russa ou chinesa, obteve vantagens enormes, alastrando-se pela África como uma lepra.
* * *
Muitas e graves falhas podem ser imputadas à colonização europeia, frutos da Revolução que domina as metrópoles.
Mas, feitas todas as contas e ponderados todos os fatores, ninguém, de boa fé, pode hoje negar que a África foi a grande perdedora do processo de descolonização.
Sujeitos à autoridade de regimes brutais e com aspectos de verdadeiro primarismo, empurrados de volta ao paganismo e à barbárie, os pobres africanos vivem em condições incomparavelmente piores em relação à época em que estavam unidos a países europeus.
Alguns fatos, tirados da avalanche deles que a imprensa diária relata, ilustram isso:
• A República Centro-Africana do Chade implantou oficialmente o paganismo. Assassina-se ali com requintes de crueldade aqueles que se recusam a mudar de religião. Inúmeros cristãos foram levados para o deserto, enterrados até o peito perto de formigueiros, e lá abandonados à inclemência do sol e à voragem dos terríveis insetos. Pelo menos 120 Padres, pastores protestantes e líderes muçulmanos já foram assassinados.
• Mobutu, ditador do Zaire, onde governa 23 milhões de súditos, faz-se chamar de "o Clarividente", "o Redentor", e ultimamente autodenominou-se "o todo-poderoso guerreiro que, por causa de sua resistência e vontade de vencer, irá de luta em luta deixando um rastro de fogo". Como parte de seu programa, proibiu os nomes cristãos, substituiu a salva tradicional de 21 tiros de canhão em homenagem a Chefes de Estado, pelo tam-tam dos tambores africanos, e declarou-se Presidente vitalício.
• Segundo a revista "Time" de 11 de novembro 10 mil pessoas estão morrendo de fome diariamente na África. Vastas regiões do continente encontram-se ameaçadas de falta crônica de alimentos.
• O ditador de Uganda, o ex-sargento-pugilista General Amin, pediu à Rainha Elizabeth a mão da Princesa Anne, degolou um Ministro numa reunião de Gabinete, propôs ao Secretário-Geral da ONU, Kurt Waldheim, a mudança da sede da organização para a capital de seu país.
• A edição de 9 de setembro de 1972 do "Centrafric-Press", órgão do Serviço de Informação da República Centro-Africana, trouxe a seguinte nota: "O Magistrado Supremo da Nação, General de Exército Jean-Bedel Boukassa, garantidor da segurança nacional, dirigiu uma operação de bastonadas. O encontro entre o Exército e os ladrões teve lugar na prisão de Ngaragba, na presença de muitas pessoas e de uma multidão de curiosos que assistiram ao espetáculo. Uma chuva de bastonadas e de pontapés desabou sobre o exército dos ladrões, que foi prontamente reduzido à impotência. Resultado: vários mortos no campo inimigo". Pormenor insignificante, que a gazeta oficial, naturalmente, não se sentiu na obrigação de mencionar, é que o "exército de ladrões" (um grupo de 46 detentos, condenados por roubo) havia sido previamente manietado, para facilitar a "operação" dirigida pelo Chefe de Estado, em pessoa...
• Além de Presidente-vitalício (autonomeado) da República Centro-Africana, esse exsargento das tropas coloniais francesas acumula seis das quinze pastas de seu Gabinete. Sua fortuna pessoal é incalculável, sabendo-se que em 1973 ele encomendou, de uma vez, cinco Rolls-Royce; já tinha, então, uma MercedesBenz 600, um avião ,DC-4 e um "Mystère 20", além de três residências na França: "El Pátio", mansão na Côte d'Azur, "Bel Air", perto de Romorantin, e o castelo de Villemorant, no Departamento de Loir-et-Cher.
• A revista "American Opinion", de julho-agosto de 1971 (vol. XIV, n.° 7), dá algumas cifras eleitorais: na Costa do Marfim, Houphouët-Boigny obteve no último pleito 99,97% dos votos; o Niger reelegeu Hamani Diori com 99,98%; mas o recorde ficou com o sargento-General Mobutu, eleito Presidente do Zaire (ex-Congo Belga), em 1970, com 101% dos votos válidos! Houve 158 votos além do número de eleitores registrados.
Continua a "détente", não mais no clima eufórico de 1972, mas num passo tardo e claudicante.
Na primeira fase da política de Kissinger, tínhamos a distensão despreocupada. Proclamava-se a plenos pulmões a superação da guerra fria. Anunciava-se o fim da paz armada. O itinerante professor de Harward havia substituído a paz armada pela paz obtida através de negociações, feitas no pressuposto de que o colosso vermelho havia desistido de todo expansionismo e nada mais desejava senão trigo, créditos e "know-how" tecnológico.
Entretanto, a fumaça que velava mal as intenções soviéticas foi-se dissipando. O apoio de Moscou à chantage do petróleo e sua escalada armamentista em ritmo nunca visto colocaram interrogações mesmo na mente dos mais furibundos pacifistas. Dias atrás, os conhecidos Senadores Bird e Buckley, em carta a Ford, afirmaram que o Congresso norte-americano fora enganado sobre o poderio militar da Rússia. Os soviéticos, afirmam os dois parlamentares, estão fazendo tábula rasa dos acordos SALT e querem atingir rapidamente a supremacia nuclear. Nas entrelinhas da carta, vinha a ameaça de processar Kissinger por
Henry Kissinger, ameaçado de processo pelos Senadores Bird e Buckley.
Há um século, no dia 30 de novembro de 1874, no palácio dos Duques de Marlborough nascia Winston Leonard Spencer Churchill, filho de Sir Randolph e de Lady Jenny Jerome.
Extraordinariamente dotado, foi esse menino que setenta anos depois abateu a fúria nazista e afirmou-se perante seus contemporâneos como o maior inglês de seu século.
Já há dez anos tal estrela afastou-se do horizonte da vida pública inglesa. Curiosamente, no entanto, sua luz ainda brilha. Enquanto a lembrança dos outros personagens que ocuparam junto com ele a primeira plana da política de seu tempo, se dilui em corredores mal iluminados da História, a legenda de Churchill continua viva na memória dos povos.
Às vezes, tem-se a impressão de que as emissoras de rádio inglesas ainda transmitem orações como estas:
- "A Batalha da França está terminada. A Batalha da Inglaterra está prestes a começar. Dela depende o nosso modo de vida... Reunamos coragem para cumprir nosso dever e comportemo-nos de modo que, se o Império Britânico e a "Commonwealth" durarem mil anos, os homens ainda assim possam dizer: "Este foi seu momento de glória".
- "Nunca, na história dos conflitos humanos, tantos deveram tanto a tão poucos".
- "Lutaremos nos mares e nos oceanos, lutaremos com crescente confiança e força crescente no ar, defenderemos nossa Ilha a qualquer custo, lutaremos nas praias, lutaremos nas áreas de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas — jamais nos renderemos".
O tonitroar de sua voz, o "charme" de sua personalidade galvanizaram os britânicos e levaram-nos a derrotar as hordas nazistas.
Nos anos que precederam a Segunda Guerra Mundial, Churchill foi a voz previdente e profética que pressagiava a hecatombe e tentava despertar a adormecida consciência mundial. Acolheu o triunfante Chamberlain, que chegava de Munique, após a assinatura do tratado que — diziam os otimistas — ia estabelecer a paz permanente na Europa, com estas palavras: "Tínheis a escolher entre a vergonha e a guerra. Escolhestes a vergonha e tereis a guerra".
Estadista, político, escritor, historiador, pintor e até pedreiro nas horas de lazer, foi um renascentista perdido no século XX.
Entretanto, mais que essa superabundância de potencialidades, o que verdadeiramente contribuiu para a persistência de sua fama foi sua capacidade de transformar-se em legenda. Os homens não "legendizáveis" cedo desaparecem da memória dos povos.
O estadista pode ser objeto de graves reservas por várias de suas ideias e atitudes. Mas sua nomeada não nasceu dos aspectos censuráveis de sua vida. Provém de algo difuso, mas muito relevante nele, por onde se inseria no espírito da cavalaria medieval. Provém de um conjunto ordenado de atributos, em que se salientavam a grandeza afável e paternal, a combatividade levada aos extremos do heroísmo, o desinteresse no serviço de um ideal, a conservação dos melhores aspectos do espírito infantil dentro da seriedade e gravidade próprias a um estadista batalhador. Foi isso que impressionou a imaginação das multidões. Nesse particular ele foi o contrário de Stalin e Hitler, que entraram na História por encarnarem o despotismo antinatural, o orgulho brutal e satânico.
Churchill é passível de inspirar um personagem de literatura infantil. E quem não chega a esse extremo de perfeição não pode pertencer à galeria mais nobre da História. Aí só ficam os heróis e os Santos.