Gustavo Antonio Solimeo
Profundamente consternados, os 560 habitantes da Ilha de Sark conduziram à sepultura, em julho último, Dame Sibyl Mary Collings Beaumont Hathaway, falecida aos noventa anos, que os havia governado durante quase meio século.
Conquanto não goze de soberania (e muito menos faça parte da ONU...); Sark — com seus doze quilômetros quadrados — goza de uma completa independência legislativa, sendo governada pelos seus seculares usos e costumes.
É que essa pequena ilha do arquipélago anglo-normando (as chamadas Ilhas do Canal) constitui, desde 1565, um feudo dependendo diretamente dos Reis da Inglaterra — considerados na sua qualidade de sucessores dos Duques da Normandia — numa relação de vassalo a suserano, "pour le vingtième d'un fiel d'haubert".
Existem no Reino Unido numerosos pequenos territórios que se beneficiam de estatutos particulares, como Jersey, Guernesey, Anglesey, Herm, etc., mas a Ilha de Sark é talvez o único lugar do mundo (salvo Andorra, em alguma medida) onde, neste crepúsculo do século XX, se exercem direitos senhoriais, no bom estilo do feudalismo medieval.
É curioso que o Senhor de Sark não tem outro título além desse — Seigneur ou Dame, em francês como no tempo dos Duques da Normandia. Apesar de seus poderes quase régios, não ostenta o título de Duque, Marquês ou Conde, nem mesmo o de Barão, e seu nome nem sequer figura no "Burke's Peerage", o famoso catálogo da nobreza britânica.
Sibyl Mary Collings Beaumont Hathaway, 21.° Seigneur of Sark, referia-se com ufania à sua ilha como "o último reduto do feudalismo no mundo moderno". E, nas cinco décadas em que exerceu o poder, lutou com todas as forças para preservar seus domínios das devastações do pseudoprogresso mecanicista. O modo de vida que "era bom e suficiente para Guilherme, o Conquistador, é bom e suficiente para nós" — era seu grito de desafio ao nosso século.
Graças aos esforços da grande Dame — como era chamada — os felizes habitantes da minúscula Sark vivem livres da poluição atmosférica e sonora dos automóveis, dos rádios transistorizados, das fábricas, e do fantasma que hoje aterroriza os demais súditos de Sua Majestade Britânica: o desemprego. Como também dos conflitos sindicais, das greves, do terrorismo e de outros tantos flagelos que castigam a velha Inglaterra.
Eles também estão isentos dos pesados impostos, taxas e tarifas que acabrunham o cidadão médio inglês. Os tributos que, como vassalos, pagam ao Senhor feudal de Sark são irrisórios, tendo alguns deles valor quase simbólico: o dízimo dos cereais e... um frango por chaminé de cozinha, por ano... Dame Sibyl queixava-se de vez em quando, com uma pontinha de rabugice, mas não talvez sem alguma razão: "Eles sempre me dão o frango mais velho e mais magro..."
Apesar disso as relações entre a boa Senhora e seus queridos vassalos sempre foram muito amenas e repassadas de respeito, de parte a parte.
Ela os conhecia pessoalmente e cumprimentava cada um pelo nome quando iam visitá-la ou quando se encontrava com eles nos frequentes passeios que fazia pelos seus domínios numa pitoresca viatura movida a bateria elétrica, que não fazia o menor ruído. Os vassalos, por seu lado, tinham para com a grande Dame um respeito e uma admiração que tocava na veneração.
Um dos raros conflitos de seu longo "reinado" (não desprovido de pitoresco) foi a apreensão por ordem sua — no exercício de um antigo privilégio senhorial — de todas as cadelas da ilha, para evitar que uma excessiva proliferação canina pusesse em risco as ovelhas ali criadas.
Chegou-se (ao que parece sem grandes dificuldades) a uma fórmula conciliatória: os vassalos podiam manter suas cadelas, desde que cuidassem para que não houvesse uma multiplicação excessiva da população canina.
A Senhora de Sark tinha plena consciência de que um dos principais deveres do suserano, no regime feudal, é a proteção de seus vassalos, sobretudo nas horas de maior perigo.
Demonstrou-o a Dame de modo heroico quando os nazistas ocuparam as Ilhas do Canal, durante a Segunda Guerra Mundial. Ela permaneceu ao lado de seus súditos "para manter o moral" e para "olhar por eles".
Essa atitude incluía uma altiva recusa de acatar as ordens dos invasores (alguns dos quais, aliás, não tardaram em ser cativados por seu "charme" irresistível).
A guerra não deixou, contudo, de trazer vicissitudes à Senhora de Sark e a seus fiéis vassalos. "Estivemos perto da miséria", Comentou ela mais tarde ao referir-se à ocupação nazista. "Era o isolamento completo, salvo alguma mensagem ocasional da Cruz Vermelha, ou as emissões da BBC, de resto bastante deprimentes. Contudo, jamais duvidei de que venceríamos!"
Se a grande Dame lutou obstinadamente para manter suas prerrogativas senhoriais e as tradições, usos e costumes seculares de seu minúsculo feudo, bem como para impedir que os inconvenientes da técnica viessem roubar a paz e á tranquilidade dos habitantes de Sark, ela soube aproveitar o que o progresso podia oferecer-lhes em utilidade e conforto.
Assim, telefone, eletricidade e tratores foram admitidos na ilha. Não porém automóveis e caminhões, considerados desnecessários pela diminuta extensão do território, e por serem agentes de poluição, com seus motores, buzinas e escapamentos. Para a locomoção e o transporte bastavam os coches e carroças, alguns dos quais com mais de cem anos de uso... É verdade que se tornava cada vez mais difícil obter bons cavalos, mas valia a pena.
"Sark não é uma espécie de encenação feudal para entreter os visitantes", escreveu em sua autobiografia Dame Sibyl. Para ela (como também para seus vassalos) a manutenção do feudalismo na ilha não era a manifestação de um imobilismo histórico ou do apego a um passado já morto, conservado à maneira de cadáver embalsamado.
Pelo contrário, o regime feudal era realidade viva, era uma mentalidade, um modo de ser e de conceber as relações humanas, inteiramente válido para nossa época, como o fora para os dias de Guilherme, o Conquistador, que o transportara do continente para as Ilhas Britânicas.
Sark "é uma comunidade viva, de pessoas felizes de manterem sua antiga forma de governo, e que têm uma profunda noção da própria dignidade, nascida de muitos anos de independência, trabalho honrado e velhice satisfeita", escreveu a Senhora. "Enquanto viver, prossegue, lutarei com todas as forças para manter este pequeno paraíso feudal, com suas tradições, leis e costumes, como um oásis de tranquilidade e de repouso".
Esse oásis de tranquilidade e repouso, com tradições, leis e costumes, era procurado anualmente por cerca de 50 mil turistas, ávidos de conhecer e viver um pouco do ambiente medieval, longe do ruído e da poluição dos veículos e das fábricas.
Mas não era, nem de longe, como vimos, o desejo de atrair turistas que levava Dame Sibyl a manter o feudalismo vivo em sua ilha. Tampouco o mero diletantismo: era a convicção profunda de que essa era a melhor forma de vida para ela e para seus quinhentos e poucos vassalos. E essa é a pesada herança que ela deixou a seu neto e sucessor, Michael Beaumont (ela era viúva duas vezes e seu filho primogênito morrera na Segunda Guerra Mundial).
Michael Beaumont — um engenheiro aeronáutico de 46 anos — parece disposto a recolher a herança de sua grande avó e seguir — como 22.o Seigneur of Sark — o programa por ela traçado: "Procurarei manter a Ilha em sua paz, e tranquilidade", declarou. Quanto a deixar seu emprego de projetista de mísseis dirigíveis, Michael não tem a menor dúvida: "Considero infinitamente mais compensadora a vida de "Seigneur" que a de produtor de engenhos bélicos".
Ainda quando não fosse senão para desfrutar da paz e tranquilidade de sua ilha, ou para receber o dízimo dos cereais e um frango magro por ano, e ter o direito de apreender as cadelas existentes em seu minúsculo domínio, sempre que elas venham a constituir uma ameaça para os pacíficos cordeiros de seus não menos pacíficos, tranquilos e felizes vassalos...
E sobretudo se for para continuar a lançar ao mundo de hoje o altaneiro desafio de Sibyl Mary Collings Beaumont Hathaway: o feudalismo "que era bom para Guilherme, o Conquistador, é bom para Sark", porque nascido sob o influxo dos princípios imutáveis da Santa Igreja, que modelaram a civilização cristã, como a Europa a conheceu na Idade Média, a "doce Primavera da Fé".
Realizou-se em São Paulo a XXIII Semana Especializada para a Formação Anticomunista, que reuniu nas sedes da TFP, de 14 a 17 de novembro, 220 jovens procedentes de 15 Unidades da Federação : Amazonas, Pará, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Na sessão solene de encerramento, realizada no Auditório São Miguel da TFP (recentemente inaugurado), o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira desenvolveu o tema "A juventude moderna à procura de um ideal". O Presidente do Conselho Nacional da TFP exortou os semanistas a servirem em seus respectivos ambientes os sagrados princípios da tradição, família e propriedade, fatores básicos da civilização cristã.
O Exmo. Revmo. Sr. Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer — que ocupou a presidência de honra da sessão — estimulou os jovens a perseverarem na fidelidade aos ideais conhecidos e admirados na SEFAC, e alertou-os contra os perigos do progressismo, que se infiltrou nos ambientes católicos em nossos dias.
Foram distribuídos aos semanistas, como lembrança da XXIII SEFAC, exemplares da 10.a edição do ensaio "Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição?", do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Essa obra foi objeto de uma carta de louvor da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, subscrita pelo Emmo. Cardeal Pizzardo, e pelo hoje Cardeal Dino Staffa. Publicada originariamente sob o título "A liberdade da Igreja no Estado comunista", constitui ela verdadeiro "best-seller", pois já tem impressos 160 mil exemplares, em oito línguas: português, francês, inglês, italiano, espanhol, polonês, alemão e húngaro. Encontra-se no prelo uma edição em ucraniano.
O Auditório São Miguel repleto no encerramento da SEFAC
SÃO GREGÓRIO MAGNO
Da Carta ao Clero:
“Há muitos pastores que se manifestam santos diante dos homens, e, contudo, em seu interior não se ruborizam de parecer manchados ante o juiz interno. Chegará, logo chegará aquele dia em que aparecerá o Pastor dos Pastores, e tornará públicas as ações de cada um; e Aquele que agora castiga por meio dos Prelados as culpas dos súditos, castigará então por Si mesmo as culpas dos Prelados. O Senhor, ao entrar no Templo, fez, por Si mesmo, um açoite com cordas, e, lançando fora da Casa de Deus os maus mercadores, pôs por terra as bancas dos que vendiam pombas (Jo. 14, 16); porque o Senhor castiga os pecados dos súditos por meio dos Pastores, mas castiga por Si mesmo os pecados dos Pastores. Na vida presente pode-se ocultar aos homens aquilo que se faz interiormente; mas virá certamente o Juiz a quem nada se poderá ocultar, silenciando, nem enganar, negando.
Há outra coisa na vida dos Pastores, Irmãos caríssimos, que contrista minha alma; mas, para que talvez não pareça a alguns que o que digo é injurioso, eu também me acuso a mim mesmo [...]. Abandonamos o ministério da pregação; e nos intitulamos Bispos para castigo nosso, segundo vejo, já que possuímos o nome dessa dignidade, mas não praticamos as funções próprias dela. Aqueles que nos foram confiados abandonam a Deus, e, contudo, calamo-nos. Prosseguem nas suas más ações, e não lhes damos a menor ajuda para se emendarem. Vemos continuamente que perecem por suas próprias maldades, e os olhamos com indiferença a caminharem para o inferno. Como vamos corrigir a vida aos demais, quando não nos importamos de corrigir a nossa? Ocupados nos assuntos temporais, fazemo-nos mais insensíveis no interior, quanto maior é nosso afã pelas coisas exteriores. Pelo trato frequente das coisas da terra a alma se faz surda ao desejo do Céu; e à medida que se vai endurecendo com suas ações, custa mais a abrandar-se para as coisas que tocam ao amor de Deus. Por isso diz bem a Santa Igreja de seus membros enfermos: "Puseram-me como guarda na vinha, mas não guardei a minha vinha" (Cant. 1, 5). — [Sigfrido Huber; "Los Santos Padres / Sinopsis desde los tiempos apostólicos hasta el siglo sexto", Ediciones Desclée, de Brouwer, Buenos Aires, 1946, tomo II, pp. 373-374].