P. Ferreira e Mello
O festejado Paulo Freire, após dirigir um programa de alfabetização no Brasil durante o período janguista, exilou-se no Chile depois de Março de 64, sendo no país andino encarregado pela administração democrata-cristã do Plano de Educação em Massa.
Dali passou-se à Europa, onde preside o INODEP (Instituto Ecumênico para o Desenvolvimento dos Povos), que tem sedes em Paris e Genebra, e é mantido pelo Conselho Ecumênico das Igrejas, organismo notoriamente esquerdista.
Sua notoriedade veio do método de alfabetização que idealizou pelos anos 1961-1962, e que foi largamente difundido por obra e graça das esquerdas ditas católicas.
Agora a Editora Paz e Terra, do Rio de Janeiro, acaba de reeditar suas obras principais: Educação como Prática da Liberdade, Pedagogia do Oprimido, Extensão e Comunicação (este último aparece com o prefácio da edição original chilena, escrito por Jacques Chonchol, então Ministro da Agricultura de Frei, e executor de sua reforma agrária socializante — como o havia sido da reforma agrária de Fidel Castro).
Paulo Freire pretende com seu método destruir a educação tradicional, que, segundo ele, "domestica", "aliena", fazendo do educando objeto e não sujeito da ação educativa.
Assim, ele procura "desalienar", "ativar" o alfabetizando, tornando-o uma pessoa crítica da sociedade. Considera que sem a "conscientização", a alfabetização é até prejudicial, por ligar ainda mais o indivíduo à "sociedade opressora".
E aqui chegamos à idéia-chave do método Paulo Freire: "conscientização"; palavra que de si pode não querer dizer nada, mas que também pode significar muita coisa. Será interessante conhecer o que P. Freire entende a respeito.
No livro El Mensaje de Paulo Freire —Teoria y Práctica de la Liberación (Editorial Marsiega, Madrid, 1973) — que reúne vários escritos do professor pernambucano — podemos ler: "Crê-se geralmente que sou o autor desse estranho vocábulo conscientização, pelo fato de ele ser o conceito central de minhas idéias sobre a educação. Na realidade ele foi criado por uma equipe de professores do Instituto Superior de Estudos do Brasil por volta de 64. [...] Ao ouvir pela primeira vez a palavra conscientização, dei-me conta imediatamente da profundidade de seu significado [...]. Desde então, esta palavra passou a formar parte de meu vocabulário. Mas foi Helder Camara quem se encarregou de difundi-la e de traduzi-la para o inglês e o francês" (pág. 35).
"A conscientização convida-nos a assumir uma posição utópica perante o mundo, posição que converte o conscientizado em "fator utópico". Para mim [...] a utopia [...] é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de DENUNCIAR A ESTRUTURA DESUMANIZANTE e ANUNCIAR A ESTRUTURA HUMANIZANTE.
Por esta razão a utopia é compromisso histórico [...]. Por esta razão somente os utópicos podem ser PROFÉTICOS e portadores de esperança. Somente podem ser proféticos os que anunciam e denunciam, COMPROMETIDOS PERMANENTEMENTE NUM PROCESSO RADICAL DE TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO para que os homens possam ser mais. Os homens reacionários, os homens opressores não podem ser utópicos. Não podem ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança" (pp. 37-38) (destaques nossos).
Para onde a "conscientização" nos levará? Evidentemente, para a denúncia da "estrutura desumanizante" e o anúncio da "estrutura humanizante". Qual será essa "estrutura humanizante"? Paulo Freire indica: "Com exceção da CUBA PÓS-REVOLUCIONÁRIA, essas sociedades [latino-americanas] são ainda fechadas; são sociedades dependentes" (p. 91) (destaques nossos). Ou seja, desumanizantes.
Vistas em seu Núcleo as idéias educacionais de Paulo Freire, passemos ao método. Temos à vista o livro Educação como Prática da Liberdade (Paz e Terra, 5.a ed., 1975) e um número de IDOC internacional (n.° 29, 15 de Agosto-1.o de Setembro 1970) — revista do organismo interconfessional de mesmo nome, promotor da subversão eclesiástica por toda parte. Uma vez que Paulo Freire utiliza uma "linguagem difícil em seus escritos" — como reconhecem seus discípulos do MIRJAC —Movimento Internacional da Juventude Agrícola e Rural Cristã (IDOC internacional, p. 32) — é preciso traduzi-la em termos mais simples.
No método Paulo Freire, não há professor, aluno, classe ou aula. O que existe é coordenador de debates, participante de grupo, círculo de cultura e diálogo (ou debate).
O coordenador é o elemento adrede preparado para levar adiante o processo de alfabetização. Cabe a ele conscientizar, alfabetizando.
O método consta de duas etapas, uma de elaboração, outra de execução prática. Ambas comportam várias fases, que resumiremos:
1.a — LEVANTAMENTO DO UNIVERSO VOCABULAR: A equipe de coordenadores conversa informalmente com os moradores da área visada, para conhecer o vocabulário de uso comum, registrando as palavras mais empregadas.
2.a — ESCOLHA DAS "PALAVRAS GERADORAS"
("Palavras geradoras — explica Paulo Freire são aquelas que, decompostas em seus elementos silábicos, propiciam, pela combinação desses elementos, a criação de novas palavras" - ob. cit. p. 112, nota 13). Três critérios presidem a escolha dessas palavras:
"a) o da riqueza fonêmica;
b) o das dificuldades fonéticas; [...]
c) o de teor pragmático da palavra, que implica numa maior pluralidade de ENGAJAMENTO DA PALAVRA NUMA DADA REALIDADE SOCIAL, CULTURAL, POLÍTICA, etc." (id. pp. 113-114)
(destaques nossos).
3.a — DEBATE EM TORNO DA "PALAVRA GERADORA": Projeta-se numa tela um slide, ou se apresenta uma gravura relacionada com a palavra em discussão. As situações que tal palavra evoca são exaustivamente debatidas entre os coordenadores e os alfabetizandos.
4.a — DECOMPOSIÇÃO DA "PALAVRA GERADORA": A palavra geradora é decomposta em sílabas; formam-se novas sílabas, mudando-se as vogais.
5.a — FORMAÇÃO DE NOVAS PALAVRAS A PARTIR DA "PALAVRA GERADORA": A partir dos grupos silábicos já obtidos, formam-se novas palavras, juntando-se as diferentes sílabas.
Exaurida a primeira palavra geradora, passa-se à seguinte.
O método pode ser aplicado, indistintamente, a adultos, adolescentes e crianças.
Tomemos um exemplo do próprio Freire. Digamos que a palavra geradora escolhida seja FAVELA. Projeta-se um slide ou apresenta-se uma gravura representando aspecto de uma favela. Debate-se, então, a "situação existencial" que a favela apresenta, isto é, os seus problemas: habitação, alimentação, vestuário, saúde, educação, etc. Descoberta a favela como uma "situação problemática", passa-se à visualização da palavra pela projeção de um slide:
FAVELA
Depois outros, sucessivamente:
FA-VE-LA
FA-FE-FI-FO-FU
VA-VE-VI-VO-VU
LA-LE-LI-LO-LU
Nesta fase, o grupo aprendiz é auxiliado — ou o faz por conta própria — a formar palavras, tais como FILA, FIVELA, VELA, etc.
Com tal sistema, segundo Paulo Freire, é possível alfabetizar em 45 dias.
Apresentamos a seguir outras palavras geradoras, selecionadas para o Estado do Rio e Guanabara, e os respectivos temas de debate:
CHUVA Influência do meio-ambiente na vida humana. O fator climático na economia de subsistência. Desequilíbrios regionais do Brasil.
ARADO Valorização do trabalho humano. O homem e a técnica: processo de transformação da natureza. O trabalho e o capital. Reforma agrária.
TERRENO Dominação econômica.
Latifúndio. Irrigação. Riquezas naturais. Defesa do patrimônio nacional.
COMIDA Subnutrição. Fome — do plano local ao nacional. Mortalidade infantil e doenças derivadas.
BATUQUE Cultura do povo. Folclore. Cultura erudita. Alienação cultural.
PROFISSÃO Plano social. O problema da empresa. Classes sociais e mobilidade social. Sindicalismo. Greve.
ENGENHO Formação econômica do Brasil. Monocultura. Latifúndio. Reforma agrária.
RIQUEZA O Brasil e a dimensão universal. Confronto da situação de riqueza e pobreza. O homem rico x o homem pobre. Nações ricas x nações pobres. Países dominantes e dominados. Países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Emancipação nacional. Ajudas efetivas entre as nações e a Paz Mundial.
Conforme seus propugnadores, o método propicia uma "educação libertadora", pois destrói no educando as noções antigas e introduz aí a desalienação, libertando-o de preconceitos daninhos, como as noções de propriedade, hierarquia, concórdia de classes, etc.
A verdade é que o método Paulo Freire é adequado a levar os alunos a aceitar a idéia da luta de classes, ao desejo de destruir as estruturas tradicionais, à rejeição das legítimas desigualdades. Basta observar os temas propostos ao diálogo, para notar o quanto são susceptíveis de exploração comunista, desde que bem manipulados pelos coordenadores.
O método utiliza o contacto entre professor e aluno como instrumento de vital importância para o rápido aprendizado. A motivação do aluno é provocada pela participação no diálogo e pelo desejo de formar novas palavras. O interesse despertado pela discussão propicia uma alfabetização fluida e rápida.
A idéia de interessar os alunos por meio de uma maior comunicação com o professor nada apresenta de novo, tendo sido largamente utilizada em épocas anteriores.
Entretanto, o ensino de épocas passadas conservava e cultivava as distinções entre mestre e discípulo. O mestre era cercado de respeito e procurava-se transpor para o campo educacional o tipo de relações existentes entre pai e filho. Almejava-se um ensino paternal.
Paulo Freire preconiza o igualitarismo, a camaradagem entre professores e alunos. Aliás, como vimos, os termos professor e aluno, que contêm a idéia de um que ensina e outro que aprende, são evitados.
O método explora o justo anelo do analfabeto de sair do seu estado, para introduzir idéias marxistas, através da análise orientada dos temas, habilmente lançados para discussão.
Aqui, pela conscientização o educando torna-se paciente de uma perigosíssima manobra de baldeação ideológica inadvertida.
Paulo Freire utiliza um linguajar pedante e complicado. Assim, atinge duplo objetivo. Primeiro, faz-se entender pelos leitores que têm as chaves da interpretação. Em segundo lugar, ele pode passar junto ao público até como teórico moderado, por não pregar abertamente a revolução comunista.
Sua doutrinação é criptográfica. Com um pouco de esforço, o sentido real salta inequívoco. E o que sai é a pura teoria marxista da ação.
Os lados positivos do método tornam-no mais nocivo, assim como um bom fuzil nas mãos de um mal intencionado fá-lo mais temível do que se ele tivesse apenas um trabuco enferrujado.
"Círculo de cultura funcionando", ilustração para a 5.a edição do livro "Educação como prática da Liberdade"
Patricio Amunátegui
Os acontecimentos em Portugal apresentam-se de tal forma conturbados que não permitem qualquer previsão segura. Entretanto, a linha geral do processo permanece inalterável. Por esta razão, consideramos que a presente análise, feita em meados de agosto, continua inteiramente válida, qualquer que seja o desfecho do drama português.
Portugal estava sendo governado até 25 de abril de 1974 por um sistema em deterioração que — com ou sem razão — era símbolo de regimes anticomunistas para uma boa parte da opinião pública mundial. Ao mesmo tempo, com seus territórios ultramarinos, a pequena e gloriosa nação ibérica constituía um dique difícil de transpor para o processo de comunização da África.
Sendo isso assim, o golpe sobre a resistência anticomunista em Portugal haveria de render copiosos frutos à seita comunista, tanto no que se refere ao desalento de muitos anticomunistas no mundo inteiro, como à desarticulação das nações ainda não comunizadas do continente africano e, desde logo, lhe abriria para a Europa Ocidental uma tribuna de grande importância...
Isto era parte do status questionis antes do golpe militar de 25 de abril. Não é nossa intenção aqui analisar o mérito ou demérito do governo Salazar e seu continuador Marcelo Caetano; somente nos interessa para a temática do presente comentário, assinalar de passagem o que era notório e evidente: o sistema estava desgastado e carcomido de modo suficiente para que uma revolução contra ele pudesse ser feita com êxito.
Outrora, quando a Rússia trabalhava pela esquerdização de um país não comunista seus agentes procuravam dar a impressão de que um levante popular, de claro conteúdo ideológico esquerdista, exigia, de modo incontenível, a marcha da nação pelas vias do marxismo. Chegaram até a tentar a subida ao poder por meio de eleições em que os comunistas se apresentavam dentro de uma coalizão de aparência democrática com partidos não-marxistas, em seu afã de se mostrar como uma força popular majoritária.
Para os dirigentes vermelhos era, na realidade, de uma importância vital desfazer ante a opinião pública a impressão de que o comunismo era apenas uma seita que dominava os povos pela violência e se manteria no poder somente graças ao aparato de perseguição, campos de concentração, fechamento de fronteiras etc.
Dir-se-ia que depois do estrondoso fracasso sofrido no Chile e da posterior derrota da Esquerda Unida nas eleições presidenciais francesas, as esperanças comunistas de se mostrarem como força ideológica que convence as maiorias ficaram muito minguadas. O modo pelo qual Portugal entrou no processo de comunização indica que, à falta de melhor, os comunistas decidiram empregar a estratégia muito audaz e brutal do fato consumado não-ideológico. Por que? Perderam realmente os comunistas as esperanças de se revestirem das aparências de força popular majoritária democrática e pacífica, tão necessárias para se fazerem aceitar pelo Ocidente?
É o que pretendemos analisar neste comentário.
Examinemos, ainda que sumariamente, o esquema dos acontecimentos portugueses em relação ao golpe de 25 de abril.
1. — Uma oposição vinha sendo elaborada contra o sistema autoritário vigente, pedindo liberdade, reformas e respeito aos direitos humanos, sendo amparada pela imprensa esquerdista mundial. Essa oposição reunia um conglomerado relativamente numeroso, mas pouco organizado, de centro-esquerda, ao qual se somava o apoio de uma minoria mais organizada de marxistas. Nessas circunstâncias, estala uma rebelião militar, que levanta a bandeira liberal-democrática contra um regime —como dissemos — já gasto, cujo timão pareceu não estar muito firmemente seguro pelas mãos do professor Caetano.
Começam então as surpresas e fatos consumados para Portugal e o mundo...
2. — Numa primeira etapa, a corrente marxista minoritária (sem demonstrar qualquer apoio popular ponderável e sem que ninguém lhe pedisse essa demonstração) consegue se instalar num governo provisório de coalizão, dentro do qual também, a princípio, constituía minoria. O general Spínola, antigo líder anticomunista — que lutara contra a guerrilha no Ultramar — é o Chefe do Governo, e o público, entre desconcertado e aturdido pela troca de sistema, vê-se tranqüilizado em seus eventuais temores por esse dirigente.
1. — Rapidamente, os marxistas minoritários transformam-se no elemento mais ativo e dinâmico da coalizão. São os únicos previamente organizados. Como se sabe, esta corrente se decompõe em dois partidos, que já estavam prontos para entrar em cena: um oficialmente comunista, liderado por Álvaro Cunhal, e outro socialista-marxista, liderado por Mário Soares, ambos com posições-chave no Ministério de Spínola. As reais diferenças ideológicas entre os dois partidos, não se sabe bem claramente quais são no fundo, mas consta, mais ou menos difusamente, que o socialismo-marxista é mais lento e moderado que o comunismo oficial na aplicação do sistema coletivista.
2. — A partir desse dispositivo, os, marxistas, até então unidos, começam a atemorizar e pôr de lado a maioria inerte democrático-liberal desorganizada e com líderes sempre dispostos a utilizar frente à esquerda, a fórmula de todas as capitulações: ceder para não perder... De outro lado, a minoria marxista tem a seu favor o sopro dos foles da propaganda, cujo controle lhes é deixado pelo governo provisório. Não falta nesta etapa — na qual se via claro o papel principal dos marxistas — a omissão ou apoio de industriais de vanguarda, que aplaudem estranhamente sua própria demolição, confundindo assim mais ainda o português comum da rua. Tampouco está ausente a solidariedade de certas figuras representativas da Hierarquia eclesiástica com o processo de libertação de Portugal e suas colônias...
Vem depois o terceiro ato do drama: Spínola e seus liberalizantes, excluídos do poder sem maior resistência em 28 de setembro — como era previsível que aconteceria — tomaram finalmente o caminho do exílio, depois da estranha e mal organizada intentona de 11 de março de 1975. Até agora não foi bem esclarecida a origem desse episódio.
O processo continua sua marcha:
1. — O misterioso Movimento das Forças Armadas — MFA — que não inclui todos os oficiais portugueses (cerca de quatro mil), mas apenas 240, é o encarregado de garantir os fatos consumados; isto é, de impedir que o povo se manifeste com autêntica liberdade. Começa-se a saber a esta altura que há comunistas de partido entre esses duzentos oficiais. Há também sintomas evidentes de descontentamento popular generalizado, especialmente no Norte do país.
2. — Os dirigentes do processo revolucionário português, sentindo talvez o artificial da situação, pois os partidos no governo são meros rótulos de manobra, sem nenhuma raiz popular verdadeira, decidem — depois de muitas vacilações — permitir que se realizem as eleições para uma Assembléia Constituinte, que haviam sido prometidas no começo da revolução.
Naturalmente, são tomadas medidas de precaução para evitar a votação majoritariamente antimarxista do povo português:
• Havia sido aprovada uma lei eleitoral que deixava à margem centenas de milhares de portugueses (os jornais falaram em 800 mil) que poderiam presumivelmente votar contra a esquerda.
• Desenvolve-se uma campanha — por parte de grupos exaltados — de violência física e moral contra personalidades e organizações não comunistas.
• Membros do Governo declaram publicamente que não respeitariam o resultado das eleições, se este viesse a Ser antiesquerdista.
• Entre a maioria anticomunista do país corre, habilmente, a palavra de ordem de que a única maneira eficaz de se opor a Cunhal, era votar nos socialistas-marxistas de Mário Soares... o qual, para esse efeito, havia afetado distanciamento em relação ao chefe comunista.
• Um grande número de candidatos do Centro Democrático Social — CDS — de linha liberal-centrista renuncia a sua candidatura, por terem sido ameaçados de morte; o próprio presidente desse partido declara que estudava a retirada de sua agremiação do pleito eleitoral, por falta de condições mínimas para desenvolver livremente sua propaganda.
• Finalmente, acontece o fato insólito e inexplicado de que o número de eleitores registrados dificilmente pode corresponder à proporção real de portugueses em idade eleitoral: 6 milhões para uma população de pouco mais de 9,5 milhões! a este respeito houve denúncias no sentido de que comunistas e socialistas — mais bem organizados e controlando o sistema de alistamento eleitoral — tinham recorrido ao sistema de inscreverem seus partidários duas ou mais vezes, em distritos diferentes. Manobra que, pela lei eleitoral aprovada, era muito fácil de ser efetuada pelos partidos que dispusessem de organização ágil e disciplinada, como eram no caso os marxistas.
3. — O resultado obtido com tanto esforço veio indicar, apesar de tudo, que o comunismo, quando se apresenta sem disfarce, é repudiado pelas maiorias. Por sua vez o partido de Mário Soares, ainda que marxista, capitaliza para si, uma boa parte do anticomunismo, dadas as condições eleitorais montadas previamente, conseguindo 37% dos votos. Isto, naturalmente, começa a ser utilizado imediata e loquazmente pela propaganda esquerdista em Portugal e no mundo para sustentar a afirmação de que os portugueses — se repudiam o comunismo — desejam o socialismo-marxista... Em todo caso, não é demais recordar aqui que o Partido Popular Democrático — PPD — o único não-marxista da coligação — e o CDS obtêm em conjunto, somados seus votos, 35% dos sufrágios nas condições adversas já descritas. O Partido Comunista de Cunhal consegue apenas uns minguados 15%. Outros grupúsculos que não mencionamos obtiveram percentagens insignificantes.
Adornado assim, o regime com esse verniz eleitoral, Cunhal e seus amigos radicais do MFA mostraram-se, contudo, dispostos a continuar o processo de comunização em marcha forçada, ignorando ostensivamente o resultado do pleito. Praticaram inclusive curiosos atos provocadores, como a encampação da Rádio católica Renascença e fizeram declarações de teor totalitário e ameaçador, no típico estilo estalinista.
O descontentamento popular anticomunista começou a responder às provocações, primeiramente nas pequenas cidades do Norte, descendo depois em ritmo crescente em direção ao Sul, alcançando os grandes centros urbanos como Coimbra e Lisboa. Certos Padres e representantes de Hierarquia passaram a criticar duramente o caráter ditatorial que Cunhal queria impor ao governo, apesar de seu fracasso eleitoral. Mas — dado significativo — o socialismo-marxista de Mário Soares foi poupado pela quase totalidade dessas críticas eclesiásticas. Por sua vez, Soares passou também a organizar ruidosas manifestações contra o comunismo extremado de Cunhal; ao mesmo tempo, uma versão da linha marxista moderada de Soares tomava força no âmbito militar, com o famoso manifesto Melo Antunes (ele mesmo outrora um radical...).
A esta altura dos acontecimentos os Bispos decidem reunir em Fátima (uma das expressões mais ricas de simbolismo católico anticomunista) os fiéis para uma demonstração de força. De todos os cantos de Portugal, com enorme sacrifício e no meio da violenta tensão reinante, mais de 500 mil pessoas se reúnem, no dia 13 de agosto último, no lugar em que Nossa Senhora apareceu aos três pastorinhos e se operaram os grandes milagres de 1917. Todos os observadores — mesmo esquerdistas — o reconheceram: o catolicismo é a maior força de Portugal. Força enorme, decisiva, absolutamente majoritária — dizemos nós — que está sendo preterida, enganada e desviada de seu pensamento autenticamente católico (isto é, contrário ao comunismo, seja
É preciso fugir à falsa alternativa: comunismo brando à Soares ou façanhudo à Cunhal e seus amigos do MFA.