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Centrismo faccioso e "distensão" agressiva

Quando o presente número de "Catolicismo" estiver circulando, já serão conhecidos os resultados das eleições italianas, e já estarão ao alcance do público os elementos para responder às perguntas suscitadas pela grande expectativa criada em torno do assunto.

Tal expectativa de sobejo se justifica: as circunstâncias presentes da política internacional conferem aos acontecimentos italianos um destaque a uma importância tais, que seus resultados podem pesar consideravelmente — e nosso povo inteligente e perspicaz tem disso clara noção — sobre o futuro de nossa civilização: no continente europeu, mais imediatamente, mas também em todo o mundo livre.

Em que sentido esses acontecimentos nos afetam? Como podem eles ser interpretados à vista dos antecedentes que os condicionam, dos fatos que os caracterizam e das perspectivas que começam a se abrir — por vezes de modo velado — ao longo do debate político e da campanha eleitoral? Como pode o observador desembaraçar-se dos aspectos propagandísticos e desnorteantes do noticiário para julgar em profundidade os acontecimentos? É do que pretendemos tratar neste artigo com o intuito de oferecer aos leitores algumas reflexões que lhes possam ser úteis para fazerem o próprio juízo sobre os fatos que presenciam.

A atenção do público ocidental dirige-se — com justa razão — para o resultado numérico do pleito. Ele tem, em si mesmo, enorme significado: uma eventual vitória do Partido Comunista italiano poderia trazer, a breve prazo, as mais trágicas consequências para a Itália e para a Europa. Entretanto, ainda que o PCI sofra um revés nas urnas, se forem permitidas à esquerda determinadas manobras políticas, o mesmo desastre poderia produzir-se em prazo um pouco maior.

Merecem também menção, neste panorâmico retrospecto da política internacional, o papel desempenhado pela política de "moderação" ou de centrismo faccioso aplicada em Portugal e na Espanha. E, finalmente, o conceito de "distensão", como ele é entendido pela mentalidade despótica dos chefes soviéticos.

Serão realmente comunistas os eleitores do PCI?

A análise do panorama pré-eleitoral italiano nos fornece interessantes elementos para uma reflexão sobre esse tema.

Aberta a campanha eleitoral, fomos surpreendidos por súbita, inesperada e, por muitos lados, ambígua rotação da DC italiana. Este partido, que de há muito vinha assumindo uma posição de centro-esquerda, cujos hábitos foram invariavelmente de buscar alianças com a esquerda, denuncia agora, sem renegar seu passado, a impossibilidade desse conluio

O secretário-geral do PCI propusera aos demais partidos a formação de uma coligação de emergência com a participação dos comunistas para governar a Itália, após o pleito eleitoral. A resposta da DC apresentada por seu secretário-geral Benigno Zaccagnini, assegurava que o partido nunca aceitará fazer parte de um governo de coligação, como o proposto pelos comunistas, qualquer que seja o resultado das eleições.

O que mais surpreende, porém, são as razões apresentadas: Zaccagnini reconhece como inconcebível, que o PC se desvie de um caminho traçado pelo marxismo-leninismo, o qual, continua a ser a base de sua ideologia. Esta atitude importa numa negação da trajetória histórica da Democracia Cristã, pois o pressuposto de sua política sempre foi, como bem mostra o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no artigo Não se converteram, avançaram, publicado nesta edição — de acreditar que por força de um trato amigável a esquerda se abrandaria, sendo possível estabelecer um acordo com ela. Se isto vale para a esquerda de matiz socialista, por que não valeria para a de matiz comunista? A famosa política de "abertura à esquerda" criada pela DC não se funda neste pressuposto? Então como pode esta agremiação política fazer tais afirmações sem romper com seu desastroso passado, ele próprio responsável pela situação que agora lamenta?

Há ainda outro aspecto da questão, de enorme importância, a considerar: bastou uma leve freiada da Democracia Cristã, discreta e confusa, para que o panorama político italiano apresente sinais de rotação desfavoráveis à esquerda. A vitória comunista admitida como probabilíssima — senão certa, segundo alguns observadores — corroborada por pesquisas de opinião, começou a ser desmentida. Novas "pesquisas" já apontam resultados desfavoráveis aos comunistas. e vozes autorizadas começam a soprar na mesma direção.

A serem objetivas tais informações, o fato é altamente significativo porque esclarece um traço obscuro do quadro político-ideológico da Itália. Muitos observadores consideram que o PCI conta com um eleitorado relativamente pequeno, mas que o número decisivo de votos lhes vem de católicos, cuja orientação democrata-cristã, bafejada pelo Clero progressista, os leva a votar no comunismo. Isso explicaria como, mesmo, através de advertências, parecia estar subtraindo eleitores ao PCI.

O papel da Hierarquia Católica italiana

Também inesperados foram os pronunciamentos eclesiásticos.

Por ocasião da XII Assembleia Geral da Conferência Episcopal Italiana, seu presidente, o Cardeal Antonio Pomma declarou: "Os católicos que disputarem as próximas eleições parlamentares italianas em chapas do PC correm o risco de serem excomungados".

Paulo VI, segundo notícias da imprensa, dirigindo-se em 21 de maio a 230 Bispos italianos, na sala do Sínodo, só indiretamente exortou: os católicos a não votar no comunismo, limitando-se a fazer uma referência a ele como "movimento com uma constante antirreligiosa que acaba por ser anti-humano".

Como observa, no artigo acima referido, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, parece não se encontrar em toda a história do comunismo "uma só atitude do Magistério eclesiástico tão pouco categórica e eficiente em relação a este supremo inimigo da Igreja".

E a afirmação de que "pecam mortalmente os católicos que votam em chapas do Partido Comunista" — a qual apenas constata um fato evidente — não consta de um ato do Magistério eclesiástico, mas figura apenas num jornal, que nem constitui órgão oficial do Vaticano, mas é apenas oficioso — o Osservatore della Domenica — em sua edição de 30 de maio. Por que tal atitude não foi tomada, mediante pronunciamento oficial da Hierarquia, ou melhor ainda, algum documento do Magistério eclesiástico?

Como se vê, não se depreende das atitudes assumidas pelas autoridades eclesiásticas a disposição de empreender uma campanha organizada, sistemática e eficaz contra o comunismo. Esta campanha se desenvolveria principalmente através da denúncia, clara e categórica, do verdadeiro mal — mais perigoso porque disfarçado — e enquanto tal impune: o progressismo católico e as correntes ditas centristas ou "moderadas" que, na realidade, fazem o jogo da esquerda.

Se isso não se fizer, mesmo que o PCI saia derrotado nas urnas, a política do colaboracionismo centrista ou do centrismo faccioso — que, de um modo sutil, conduz o carro político sempre mais à esquerda — poderá conduzir a Itália para o abismo.

A política da "moderação" serve à esquerda, em Portugal e Espanha

As reflexões que aqui vimos fazendo, tomam maior significado e atualidade tendo em vista que a política de moderação centrista vem obtendo bons resultados em favor da esquerda em outras nações europeias.

As eleições legislativas portuguesas, realizadas no dia 25 de abril, apresentaram resultado favorável ao Partido Socialista de Mário Soares. O PS obteve 34,97% dos votos, vindo em segundo lugar o Partido Popular (PPD) com 24,05%, o Centro Democrático Social (CDS) com 15,91%, o Partido Comunista Português (PCP) com 14,56% e a União Democrática Popular (UDP) com 1,69%. Os demais partidos não alcançaram 1%.

O partido de Mário Soares, para estas eleições não descurou de apresentar-se como anticomunista e centrar nisso sua propaganda, embora se confesse abertamente "de inspiração marxista".

Para concorrer às eleições presidenciais do próximo dia 27 de junho, o PPD, partido considerado antimarxista, apresentou seu candidato — o general Ramalho Eanes, chefe do Estado-Maior do Exército, que logo obteve o apoio do Partido Socialista, e do Centro Democrático Social (CDS).

Soares — que está sendo visto por muitos como um possível Salvador Allende português — apressou-se em declarar que o general Eanes, apesar de sua reputação de conservador, "interpreta, a nova Constituição do país, promovendo o socialismo e o poder operário [poder-se-ia ler ditadura do proletariado] de maneira progressiva". Por sua vez, o candidato do PPD exprimiu sua confiança em Mário Soares admitindo que, se eleito, o designará para o cargo de primeiro-ministro. Enquanto vai sendo montada assim, ao que parece, a encenação da 3a. força moderada para a marcha "progressiva" do comunismo em Portugal, vão se definindo as demais candidaturas e abre-se a campanha eleitoral. Mário Soares, por outro lado, adota o leit-motiv do comunismo italiano, tipo Berlinguer: defende uma linha independente para Portugal, assegura o "tradicional relacionamento com os Estados Unidos" e expõe-se às invectivas do descabelado líder comunista Álvaro Cunhal, o que vem reforçar sua falsa imagem de anticomunista.

Essa pirueta do centrismo em Portugal parece entusiasmar os centristas espanhóis, que respiraram aliviados com o resultado do pleito português de 25 de abril: Tomaram-no como se ele os vacinasse contra a ameaça comunista, no momento em que se atiram no perigoso caminho das reformas, dentre as quais figura a concessão de ampla liberdade para a atuação das esquerdas.

Tais reformas foram anunciadas pelo primeiro-ministro Arias Navarro, cujo pronunciamento foi considerado "moderado" e tranquilizou muitos centristas, que viram na orquestrada indignação dos esquerdistas uma razão a mais para a confiança.

Na França, o Partido Comunista Francês (PCF) prepara-se para colher os frutos de sua política "independente", acentuando a propaganda no estilo Berlinguer. O secretário do PCF, George Marchais, passa agora a defender farisaicamente teses caras até aos tradicionalistas e anticomunistas, renovando as críticas ao PC russo.

Diante do quadro descrito, terá grande influência o rumo que tomarem os acontecimentos políticos italianos. Conforme o caso, a civilização ocidental poderá tremer, como tremeu a terra nas vésperas dessas eleições, através de sucessivos abalos sísmicos, cujo epicentro foi precisamente o território italiano. Há quem veja nisso um aviso da Providência ou um castigo de Deus. O fato reveste-se de especial significado, em vista do milagre do sangue de São Januário que, no último mês de maio, não se liquefez. O leitor encontrará preciosa matéria para reflexão sobre este tema no artigo Em maio último não ocorreu o milagre de São Januário. Por quê? apresentado neste número de Catolicismo.

A agressiva "distensão" soviética

Um outro aspecto da ofensiva comunista mundial merece nossa especial atenção:

Considere agora, o leitor, a notícia abaixo publicada num matutino paulista de larga difusão:

Podgorny incentiva lutas na África
"A luta armada pela libertação não é incompatível com a política de suavizar as tensões [...] Não ocultemos o fato de que vemos a distensão como uma forma de criar condições favoráveis para a construção pacífica do comunismo e do socialismo". Foi o que declarou ontem o presidente Nikolai Podgorny durante coquetel oferecido ao presidente Samora Machel de Moçambique [...] Podgorny disse ainda que o movimento de libertação nacional na África obteve vitórias, mas que a luta ainda não terminou. “A ajuda a essa luta é um dos princípios básicos da política externa da União Soviética”.
Associe o leitor esta notícia à declaração feita pouco depois pelo Secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger em Oslo, onde se reuniram representantes das nações-membros da NATO
: "O poderio militar soviético é muito superior às necessidades de defesa".
Kissinger admitiu ainda
o perigo de a Rússia sentir-se "tentada a fazer uso de seu poderio militar para dominar o mundo", mas reafirmou que a política de distensão entre os dois blocos deve ser mantida (sic) (destaque nosso).

Esta declaração deixa entrever o poder norte-americano vacilando ante uma Rússia sempre mais armada e agressiva e que não mais oculta seus desígnios. Esta situação, entretanto, já não encontra a inconformidade e a indignação que seriam de se esperar, ante a gravidade da ameaça que pesa sobre nossas cabeças.

É neste fundo de quadro que se inserem os acontecimentos que se desenrolam na Itália e nos demais países da Europa Ocidental.

Arias Navarro discursa perante as Cortes O 1º. Ministro espanhol é um dos homens-símbolo do centrismo faccioso

Fanfani e Zaccagnini Dois atores que desempenham seu papel dentro da DC italiana: o da "direita" e o da esquerda


Não se converteram, avançaram

Plinio Corrêa de Oliveira

I - INTRODUÇÃO
1) Próximas eleições na Itália: grave risco de os comunistas ascenderem ao poder.
2) Como pôde a gloriosa península chegar a tal situação?
3) Causa mais atuante e profunda: a Democracia-Cristã.
II — PRESSUPOSTOS DA DC
1) O nazi-fascismo excedeu-se na repressão ao comunismo. Vencido o Eixo, surge a solução "sagaz" da DC.
2) Os comunistas eram agressivos só por autodefesa.
III — A TÁTICA DA DC
1) Desmobilizar psicologicamente os comunistas, com sorrisos e concessões, tanto no campo internacional, como internamente, nas nações capitalistas.
2) A "politique de la main tendue":
- liberdade legal para os PCs;
- eliminação do anticomunismo militante;
- polêmica, não; diálogo, sim.
3) A prosperidade econômica faria o resto...
4) O pessimismo a serviço do comunismo: irritar os comunistas, resistindo-lhes, seria provocar a guerra termonuclear.
IV — OS RESULTADOS
Após 30 anos de concessões demo-cristãs, feitas para comover os comunistas, estes responderam com ameaças, agressões, avanços e conquistas:
a) na Ásia, o Eixo Moscou-Pequim domina; b) a Oceania periga; c) na Europa, Portugal, França e Itália correm sério risco; d) a África quase toda já caiu; e) na América Latina, tentativas de dominação por toda a parte; f) na Igreja Católica, infiltração generalizada; nas outras igrejas, nem se fala.
V — JUIZO A RESPEITO DA DC
A maior tolice da História? ou a maior traição?

No próximo mês de junho, a Itália terá eleições gerais, nas quais serão contendores, com perspectivas de êxito talvez iguais ou quase iguais, a Democracia-Cristã e o Partido Comunista.

Isto importa em dizer que, não obstante os pronunciamentos do Cardeal Pomma, Presidente da Conferência Episcopal Italiana, da própria CEI, e até mesmo de Paulo VI; possivelmente terá acesso ao governo italiano uma equipe política da qual os comunistas participem. E como é sumamente difícil e arriscado desalojar do poder governantes comunistas, sem o emprego da força — o recente exemplo de Portugal que o diga — a consequência é que se a Itália não aceitar de sucumbir definitivamente no comunismo, poderá se encontrar, dentro de algum tempo, diante da eventualidade de uma guerra civil de fundo ideológico: comunistas de um lado, anticomunistas de outro.

Das duas perspectivas, não é esta a pior. Pois mais terrível ainda será os comunistas se apoderarem de uma vez por todas do governo italiano, sem que nem sequer a força consiga extirpá-los.

Nesta última hipótese, teremos o ocaso da Itália, com tudo quanto isto representa aos olhos dos homens para os quais Fé, cultura e civilização não são palavras vãs.

Antes de entrar na análise do quadro que assim se abre aos nossos olhos, não posso deixar de acrescentar uma palavra sobre os pronunciamentos das altas autoridades eclesiásticas a que me referi pouco acima.

Creio não haver em toda a história do comunismo uma só atitude do Magistério eclesiástico tão pouco categórica e eficiente em relação a este supremo inimigo da Igreja. De sorte que, se o comunismo for derrotado nas próximas eleições italianas, será uma prova do prestígio da Igreja. Mas, neste caso, se deverá dizer que a derrota só não terá sido muito maior em razão do uso desconcertantemente parcimonioso que o Vaticano e o Episcopado italiano terão feito desse prestígio. E se o comunismo sair vitorioso, poder-se-á apontar nessa mesma parcimônia a desconcertante causa da vitória dos vermelhos.

* * *

— Como pôde chegar a tal situação a gloriosa península?

A pergunta não tem um mero interesse histórico. Para todos os países que se encontrem em tal contingência, ela importa nesta outra: o que fazer, e o que evitar para não nos acharmos em tão trágica situação?

O tema é vasto. E sobretudo é complexo. Tentarei traçar-lhe as linhas gerais.

* * *

A causa mais atuante e profunda desse mal está na Democracia-Cristã, considerada enquanto foco de certo espírito, defensora de certo programa e preconizadora de certas técnicas, face a seu adversário.

Esse adversário é precisamente o comunismo. Contra ele, a Alemanha nazista e a Itália fascista haviam organizado repressões que, especialmente a primeira, tinha levado a um auge verdadeiramente condenável. Vencidas as potências do Eixo, punha-se para a Europa Ocidental um problema: sem cair em tais excessos, como combater os Partidos Comunistas, tornados mais audaciosos do que nunca com o imenso avanço obtido pela Rússia na Europa Oriental?

Dividiram-se as opiniões. E enquanto alguns consideravam que era preciso opor ameaça a ameaça, e eventualmente força a força, outros tendiam para uma solução que apregoavam como original, sagaz e humana. Nascia assim a Democracia-Cristã.

O pressuposto mais fundamental do espírito demo-cristão é que só os nazistas e os fascistas foram concebidos no pecado original. Portanto, só contra eles se justifica o emprego de todas as severidades, quando não de todas as violências.

O restante da humanidade lhes parece concebido sem pecado original. Inclusive os comunistas.

Diante desse fundo de quadro surgia, logo no após-guerra, uma questão. — Como podiam estes últimos ser tão despóticos, tão cruéis, tão agressivos?

Para esta pergunta, saltava, rápida e desinibida, a resposta da Democracia-Cristã nascente. É que os comunistas haviam sido maltratados pelas nações do Ocidente. Ressentidos, sobressaltados, eles se preparavam para a vindita

Para manter a paz do mundo, a condição primordial sem a qual nenhuma outra seria verdadeiramente eficaz, era a desmobilização psicológica de russos e chineses, por meio de provas de cordura, generosidade e até confiança.

Essa máxima se desdobrava em consequências, tanto no campo da política internacional, como no das relações com os partidos comunistas, legal ou clandestinamente existentes nas nações capitalistas.

Como se vê, o estado de espírito democrata-cristão era fundamentalmente pacifista, seu programa era conquistar o adversário por meio de concessões. Sua política habitual consistia em acumular umas concessões sobre as outras, até que chegasse um momento em que os comunistas, emocionados, contritos, enternecidos, se atirassem aos braços dos não-comunistas, num grande amplexo de paz.

Na política interna das nações não-comunistas, era preciso eliminar inteiramente o anticomunismo militante. Comunistas e não-comunistas passariam a viver então em regime de coexistência pacífica, sob o signo da "politique de la main tendue". As diferenças de doutrina entre uns e outros já não seriam tratadas em termos de polêmica, mas de diálogo. A fim de não endurecer os comunistas em suas velhas posições combativas, cumpria dar-lhes toda a liberdade legal. O ímpeto comunista, tomado menos furioso por esse tratamento cordial, morreria aos poucos sob o influxo da prosperidade econômica obtida no após-guerra. Pois ao otimismo demo-cristão parecia indiscutível que o comunismo era mero fruto da pobreza. Eliminada esta, ele expiraria por falta de ambiente propício.

* * *

É digno de nota como o otimismo domina todas essas concepções.

Porém, não era só de otimismo que consistia a mentalidade demo-cristã. Tinha ela também, e paradoxalmente, um aspecto profundamente pessimista, que se revelava no tocante ao perigo da guerra termonuclear.

Os democrata-cristãos só viam o perigo atômico nas suas cores mais sinistras, quando não novelescas. A tragédia atômica se lhes afigurava iminente a todo momento. E qualquer resistência aos comunistas, causa direta de guerra mundial.

* * *

Como se vê, nada de mais vantajoso para os comunistas. Pois nenhuma barreira mais se lhes antepunha, postos os demo-cristãos no poder. Todas as vantagens lhes eram oferecidas com um amável sorriso. E, por fim, todos os instrumentos de progresso eram deixados absolutamente ao seu alcance.

— À vista da estratégia demo-cristã, o que fariam os comunistas? Converter-se-iam emocionados, ou avançariam cinicamente rumo ao poder?

Após trinta anos de provas de confiança, gentilezas e concessões demo-cristãs, aí estão os comunistas italianos prontos a iniciar o assalto direto para a conquista de postos no governo.

Em outros termos, eles não se converteram. Avançaram.

* * *

Também no campo internacional, foi o que eles fizeram. Hoje são eles, na Ásia, a grande força dominante. Dizemos "a grande força", e não "as grandes forças", porque nos recusamos categoricamente a crer na autenticidade da contenda Moscou-Pequim. A Oceania estremece inteira diante da ameaça comunista, longínqua em 1945, e tão próxima em 1976. A África está quase toda dominada pelos comunistas. E, no momento presente, disputam acirradamente o poder em Portugal, na França e na Itália. A vez das demais nações poderá chegar logo.

Na América Latina, tentaram os comunistas implantar-se quase por toda a parte, alcançando resultados impressionantes no Chile, na Bolívia e no Peru.

Na Igreja Católica, infiltraram-se os comunistas de modo generalizado. Nas outras igrejas, nem se fala.

Em última análise, ao programa demo-cristão de concessões para comover, os comunistas responderam com ameaças, agressões, avanços e conquistas em escala mundial.

A esta altura, que juízo fazer da Democracia-Cristã? Alguns se perguntam se ela constituiu a maior tolice ou a maior traição da História. Abstenho-me de entrar no assunto.

Resposta a pergunta tão grave excederia às dimensões de um artigo. O leitor que decida.

Dissensão durante o congresso demo-cristão de Roma, em março último O PDC italiano aparenta estar dividido em várias alas