Pela força, o comunismo implantou-se e se mantém na Rússia

WILSON G. DA SILVA

O comunismo, em menos de 60 anos, escravizou uma quantidade de homens que nenhum império até hoje submeteu, cobrindo a maior extensão de terra que poder algum jamais conquistou.

O futuro grandioso reservado ao Brasil está em risco. O perigo vermelho não vem só de fora, mas se esgueira também por dentro.

Estarão os brasileiros conscientes do perigo?

A vigilância de nossas Forças Armadas, interpretando o sentimento religioso e anticomunista do povo brasileiro, salvou o País em 1964. Entretanto, ilustres autoridades militares e civis não cessam de advertir, em nossos dias, que o perigo não se afastou. As circunstâncias da moderna guerra psicológica tornam evidente que a colaboração vigilante dos setores civis constitui um fator importante para fazer frente às novas táticas de conquista dos vermelhos. Neste sentido, é imperioso ressaltar a importância da ação desenvolvida pela Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), a maior e a mais atuante entidade cívica anticomunista do País.

Na realidade, o tufão comunista não fustiga só com armas. Ele hoje atua sobretudo nas mentes. Diante da ameaça comunista, afirma Yves Cuau, da revista francesa L 'Express, "é mais difícil avaliar a vontade de lhe resistir do que o número de megatons que lhe serão opostos. Mas aquela vontade é o essencial. O protetorado soviético começa sempre na mente antes de se concretizar na prática".

O comunismo possui uma meta: implantar no mundo uma sociedade atéia, igualitária (sem classes) e materialista. Para alcançar esse objetivo ele não se deteve nem se deterá. Prova-o sua expansão durante aproximadamente os últimos 60 anos, à custa de massacres, perseguições e toda a sorte de meios imorais.

A resistência à investida vermelha impõe-se a todos nós como gravíssimo dever de consciência. Está em jogo a civilização cristã, sem a qual o Brasil não seria Brasil. Estão em jogo nossos princípios, nossas tradições, as sagradas instituições da família e da propriedade privada, principais alvos da sanha demolidora marxista.

Para resistir ao inimigo, é preciso conhecê-lo em seus princípios, seus métodos de ação e suas artimanhas táticas. Este é o objetivo do breve histórico da implantação do comunismo na Rússia, que apresentamos a seguir.

As fraquezas, conivências e traições da Revolução bolchevista se repetiram em todos os países onde, como na Rússia, os comunistas não encontraram pela frente resistência autêntica e decidida. Nossos leitores terão, assim, a ocasião de premunir-se contra erros que lançaram tantas nações nas garras da minoria marxista. Não vigiar, não combater é preparar o banho de sangue das perseguições que já cobre de luto mais de um terço da humanidade. Aceitar a bolchevização é viver numa "terra devastada e sem honra", sem família, sem pátria, sem Religião, sem Deus.

A 13 de julho de 1917, quando os bolchevistas ainda não haviam arrebatado o poder na terra dos Tsares, Nossa Senhora apareceu em Fátima, prevendo que, se os Seus pedidos de oração e penitência não fossem atendidos, a Rússia espalharia seus erros pelo mundo, várias nações seriam aniquiladas. Mas, aqueles que permanecerem fiéis e vinculados à Santíssima Virgem e atenderem a seus pedidos, já têm dEla a promessa certa da vitória: "Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!"

Nicolau II, o último Tsar

Durante três séculos, a dinastia dos Romanov dirigiu os destinos da Rússia, transformando-a no mais extenso império do mundo. Em 1894, subia ao trono o último Tsar: Nicolau, filho de Alexandre III. Casado com Alexandra Feodorovna, princesa alemã da Casa de Hesse-Darmstadt, neta da rainha Vitória da Inglaterra. Nicolau II era respeitado pela nobreza e pela burguesia, enquanto o povo o venerava. Os mujiks (camponeses) o chamavam de “nosso paizinho, o Imperador”:

A religião cismática, conhecida como "ortodoxa", era oficial; o Tsar, seu chefe supremo. O cisma em relação à verdadeira Igreja — a Católica Apostólica, Romana — consumado no ano 1054, (constituiu um dos principais fatores de deterioração de certos aspectos da sociedade russa na época tsarista. (O Patriarcado de Moscou só foi criado em 1589. Antes, o clero russo dependia de Constantinopla).

São Petersburgo e Moscou eram os dois grandes centros urbanos. O primeiro, residência do Tsar, constituía uma cidade cosmopolita, de traçado planejado. Considerava-se Moscou a autêntica metrópole russa. Ambas se apresentavam como polos da vida religiosa, social, cultural e política do país.

Em 1904, o trono imperial começa a tremer. Os japoneses atacam navios russos em Port Arthur. É a guerra que eclode. A Rússia sofre derrotas fragorosas. O prestígio do Tsar cai. A hora é própria para a atuação dos agitadores.

Onde estão eles? Por toda parte. Nesse povo individualista e cheio de imaginação explosiva, os anarquistas nunca foram raros. Um de seus atentados tirou a vida de Alexandre II. Em 1905, porém, a agitação tomou um caráter bem diverso das ações isoladas de indivíduos ou de pequenos grupos. Tratava-se de um movimento organizado e dirigido com vistas a mover toda a opinião pública. Vejamos quem são os revolucionários russos do começo do século.

Um agitador de batina

Em 1903, reunia-se em Bruxelas e Londres o II Congresso do Partido Social Democrata dos Trabalhadores. Declaradamente marxista, a agremiação saiu desse congresso dividida em bolchevistas e menchevistas. Os primeiros exigiam um partido disciplinado e forte, capaz de tomar o poder e utilizar a força do Estado para a implantação do comunismo. Os segundos preferiam a revolução por etapas, que devia passar necessariamente pela fase de colaboração com a burguesia liberal. Os bolchevistas eram, portanto, o polo duro. Onde há um polo duro e outro mole, o mais radical acaba sempre vencendo. Entre os bolchevistas, um nome se destacava: Lenine. Vladimir Ilich Ulianov — era esse seu verdadeiro nome — vivia em Genebra, onde dirigia o jornal comunista Iskra, ao lado do fundador do movimento marxista russo, Plekhanov. Na Suíça, recebia os agitadores que viviam na Rússia. Entre eles, figurava o pope Gapone (padre da Igreja cismática russa).

O descontentamento gerado pela guerra russo-japonesa apresentava ocasião propícia aos revolucionários. A 9 de janeiro de 1905 (1), pope Gapone encontrava-se em São Petersburgo à frente de uma passeata de operários grevistas, rumo ao Palácio de Inverno, sede do governo. A guarda do palácio enfrenta os manifestantes. Estes não se dispersam, os soldados disparam, tombando na ocasião algumas centenas de mortos. Os revolucionários obtêm assim os seus "mártires".

As greves multiplicam-se, atingindo outras regiões. Em Odessa, amotinam-se os marinheiros do couraçado Potenkin (1º. de junho). Em outubro, o número de grevistas era calculado em um milhão, espalhados por todo o império. Nicolau II cede, prometendo liberdades cívicas e um parlamento eletivo, a Duma. Ao mesmo tempo, os menchevistas criavam em São Petersburgo o primeiro soviete (conselho) de operários. Entre os eleitos do primeiro soviete russo figurava um filho de israelitas chamado Lev Davidovitch Bronstein, cujo pseudônimo era Leon Trotsky. Partidário da internacionalização do marxismo, foi ele o criador do Exército Vermelho.

Lenine entra no país mas vê-se forçado a fugir em 1906. Em 1908, os bolchevistas instalavam seu centro de atividades em Paris.

Abundância indesejada

Os focos de agitação continuam atuando nos anos seguintes, mas com menor intensidade e reprimidos pelas tropas imperiais. A Duma é sucessivamente dissolvida e reeleita. O primeiro-ministro Stolypin executa uma política de incentivo aos pequenos proprietários, os Kulaks, nova classe surgida após a emancipação dos camponeses, em 1861. A produção aumenta, as greves diminuem, os anarquistas são contidos. Não obstante o sucesso de sua política (ou talvez por isso), Stolypin foi assassinado num teatro, na presença da família imperial, em 1911. No ano seguinte, elege-se a 4a. Duma. Os assassinatos políticos chegaram a duas centenas.

Os resultados da política rural de Stolypin foram dos melhores. Os anos de 1913-14 registraram recordes agrícolas que permaneceriam inigualados durante várias décadas. O país se enriquece, a população cresce, atingindo 160 milhões de habitantes. (Em 1903 era de 129 milhões). Quatro milhões de camponeses transpõem os Urais em busca de novas riquezas na Sibéria.

Apesar disso, os revolucionários continuam agindo, as greves aumentam bruscamente em 1912. Em 1914, atingem novamente as proporções de 1905.

O "acelerador da História"

A simplicidade, a cortesia e finura de Nicolau II eram notáveis e reconhecidas. Não se podia dizer o mesmo de sua sagacidade política ou militar e de sua energia na direção do Império. Acrescenta-se a isto o isolamento taciturno para o qual a família imperial foi sendo habilidosamente conduzida. A Revolução comunista encontrava, assim, condições propícias. A I Guerra. Mundial vinha preparar ainda mais intensamente tais condições. O conflito bélico — este incomparável "acelerador da História", no dizer do sinistro Lenine — foi desastroso para a Rússia imperial. Em 1915, os alemães penetraram pela Rússia Branca e países bálticos, ameaçando São Petersburgo, cujo nome os russos mudaram para Petrogrado, por sua consonância germânica. As condições do exército russo eram deploráveis: armamento obsoleto e insuficiente, falta de munição, equipamento inadequado, abastecimento extremamente moroso e falho. Os sovietes agiam, o exército se democratizava e as tropas se desmoralizavam. Nos três últimos meses de 1916, os desertores chegaram a atingir a cifra de um milhão.

Um "místico" charlatão

Enquanto os agitadores aliciavam os operários, um "monge" hipnotizava a família imperial e parte da corte com sua mística satânica. Seu nome indica quem era: Rasputin, que, no jargão camponês, significava "libertino", "devasso", "debochado". No entanto, era chamado também staretz: "venerável", "homem santo". Grigori Rasputin foi aproximado da corte a fim de curar o herdeiro do trono imperial, o Tsarevitch Alexis Nicolaievitch, portador de hemofilia. Á Tsarina Alexandra Feodorovna, levada pelo desejo de curar seu filho da doença que ela lhe transmitiu pela hereditariedade, deixou-se envolver pelas promessas de Rasputin. O aspecto amedrontador do staretz, sua vulgaridade e boemia, suas bebedeiras, sua corte de mulheres, contribuíam poderosamente para a demolição da autoridade imperial. O Príncipe Felix Yussupoff resolveu pôr termo a essa situação e planejou cuidadosamente a morte de Rasputin. O "venerável" resistiu espantosamente às doses de envenenamento e às balas. Por fim, Yussupoff conseguiu eliminar o "monge libertino":

O Príncipe e seus colaboradores foram aclamados pela morte de Rasputin, mas os beneficiários dela foram os inimigos do regime, com o qual o "monge" foi identificado durante longo tempo, por sua notória influência sobre a Corte e os políticos. Começava a agonia da Rússia tsarista. O inverno de 1916-17 viria dar-lhe o golpe de misericórdia.

A estrela se apaga

As agitações e greves recomeçaram com novo vigor, sempre acionadas pelos dispositivos revolucionários e soviétes instalados nas fábricas e quartéis. Nos meios políticos, começa a destacar-se um jovem advogado do Partido Socialista: Alexandre Kerenski. Em fevereiro de 1917, começam os rumores sobre a falta de abastecimento, seguindo-se o racionamento do pão. No dia 23, o "Dia Internacional das Mulheres" dá ocasião a novos tumultos, habitualmente dirigidos por líderes anônimos. No dia 25, a greve é geral. Rodzianko, presidente da Duma, assim descreve a situação:

"Anarquia na capital. O governo está paralisado. Cresce o descontentamento geral. Nas ruas, atira-se em desordem. Certas tropas se alvejam mutuamente com armas de fogo. É necessário confiar imediatamente a uma pessoa gozando da confiança do país a tarefa de formar um novo governo. É impossível contemporizar. Qualquer delonga será mortal" (2).

No dia 27, tropas de confiança do Tsar começam a passar para os revolucionários. O brasão imperial é queimado e a bandeira vermelha hasteada no Palácio de Inverno ao som da "Marselhesa", fatos significativos e que indicam como a revolução russa é filha da Revolução Francesa. Kerenski e outros deputados esquerdistas dirigem suas arengas á turba. Na Suíça, Lenine e outros marxistas não estão alheios aos acontecimentos, e negociam com os alemães o retorno à Rússia.

Em Petrogrado, formam-se comissões provisórias de governo e o soviete dita os primeiros decretos.

A 2 de março, os revolucionários cuidam da formação de um governo provisório e da abdicação do Tsar. Nicolau II já pensava na renúncia. Esperava-se que o fizesse em favor do Tsarevitch, sob a regência do grão-duque Miguel Alexandrovitch, irmão de Nicolau II. No entanto, o amor ao filho e as condições de saúde deste levaram o Tsar a abdicar diretamente em favor do irmão.

Contudo, o Príncipe Lvov e o deputado Rodzianko obtiveram igualmente do Grão-Duque sua abdicação, redigida pelo próprio Lvov, Kerenski e Chulguin.

Assim desaparecia a estrela dos Romanov, que durante três séculos guiara a Rússia.

"Uma revolução sem guilhotina..."

O primeiro governo provisório, chefiado pelo Príncipe Lvov, abriu as comportas das chamadas "liberdades cívicas e políticas". Foi decretada a anistia geral e iniciada a preparação de uma nova constituição. Alguns fatores, no entanto, reduziriam a existência desse governo a dois meses.

Os sovietes cresciam em poder. Com licença e apoio do alto-comando alemão, Lenine e outros bolchevistas, que viviam em Zurique, regressaram à Rússia num vagão lacrado. Os presos políticos chegavam de todos os lados, esvaziando os cárceres da Sibéria. Lenine difunde o slogan todo poder aos sovietes, despertando a oposição dos menchevistas, que viam na revolução "democrático-burguesa" de fevereiro uma etapa necessária. O V Congresso dos Bolchevistas russos (24 -29 de abril) adota as teses leninistas: república de sovietes, controle da produção, reconstituição do Komintern (Internacional Comunista), doutrinamento das massas. Os bolchevistas negam seu apoio ao primeiro governo provisório e combatem a participação russa na guerra.

O segundo governo provisório não é menos efêmero. Lvov continua seu chefe, Kerenski é o ministro da guerra. Os socialistas dos sovietes governam em coligação com os constitucionais democratas (chamados cadetes, de K. D.), menos avançados. Amplia-se o debate entre as várias facções. Um dos problemas mais candentes consiste na opção: a Rússia deve ou não continuar a guerra contra os alemães?

A 24 de julho, sobe o terceiro governo provisório, desta vez chefiado por Kerenski, que afirma desejar uma "revolução sem guilhotina" e impor-se como "árbitro nacional". Na verdade, o governo Kerenski é impotente e suicida. Em breve, os sovietes se transformam num poder paralelo, enquanto ponderáveis setores da nação começam a se aglutinar em torno do general cossaco Lavr Georgevitch Kornilov. Nesse clima, fracassa a Conferência de Estado promovida pelo governo em Moscou (11-15 de agosto).

O general Kornilov, que comandara até maio a região militar de Petrogrado, foi escolhido por Kerenski para dirigir a ofensiva do 8º. Exército na Galícia (Ucrânia). Repentinamente, a publicidade fez de Kornilov o "salvador da Pátria" como porta-voz da oficialidade do Exército e representante da antiga ordem. Kornilov denuncia as ligações de Lenine com os alemães. Os partidários do general desenvolvem uma verdadeira campanha em seu favor. A 21 de agosto, Kornilov tomou Riga, causando pânico ao governo de Petrogrado e alimentando as esperanças dos monarquistas. Mas, surpreendentemente, não comandou suas melhores tropas contra a capital, entregando a legião selvagem dos cossacos à chefia do General Krymov. Kerenski destituiu Kornilov; a tomada de Petrogrado não se deu. Uma semana depois, o general é preso, causando frustração e desânimo em todos os que nele esperavam. Mais uma vez, os maiores beneficiados da situação eram os bolchevistas.

"Todo o poder aos sovietes"

No auge da ameaça de Kornilov, o gabinete havia pedido demissão. Kerenski organiza então o último governo provisório e a repressão dos kornilovistas. O novo governo não durará mais de um mês e não fará outra coisa senão assistir aos preparativos para a revolução bolchevista. Com efeito, o pequeno grupo de agitadores de Lenine passa a dominar os sovietes, tradicionalmente menchevistas. Lenine conclama à insurreição: "Detendo a maioria... nos sovietes das duas capitais, os bolchevistas podem e devem tomar em suas mãos o poder do Estado" (3). No dia 11 de outubro, a insurreição está decidida, o Comitê Militar Revolucionário formado, a Guarda Vermelha reconstituída. Trotsky é delegado para obter a adesão da fortaleza de São Pedro e São Paulo, posição militar decisiva. A 19 de outubro, o forte passa para os bolchevistas e distribui armas aos guardas vermelhos. No dia 22, o cruzador Aurora navega pelo rio Neva e aponta seus canhões para o Palácio de Inverno. Todas as ações do governo provisório haviam conduzido o curso dos acontecimentos para esse desfecho. Só restava entregar todo o poder aos sovietes, conforme o slogan lançado por Lenine.

De fato, Kerenski não dispunha, para defender seu governo fantasma, senão de 1.300 junkers — alunos da escola de oficiais — e um batalhão feminino. O Aurora deu alguns tiros, a resistência do Palácio de Inverno não durou. Kerenski fugiu pelos fundos. O assalto começou no dia 25. Na madrugada do dia 26 de outubro, o poder era assumido pelos bolchevistas (a denominação comunistas só seria adotada em março de 1918). Em algumas horas, um punhado de agitadores profissionais, apoiados por alguns milhares de marinheiros e de guardas vermelhos, puseram fim ao governo provisório.

No mesmo dia 25 de outubro, o II Congresso dos Sovietes iniciava suas sessões e baixava decretos, num tempo recorde de 33 horas. Lenine é nomeado presidente do "Conselho de Comissários do Povo". Trotsky torna-se o encarregado das relações exteriores.

No "Apelo aos operários, soldados e camponeses da Rússia", lemos a ratificação da insurreição pelo Congresso, que fazia seus os objetivos bolchevistas:

"... O governo provisório está deposto; a maior parte de seus membros estão presos. O poder soviético proporá uma paz democrática imediata a todas as nações. Procederá a devolução aos comitês camponeses dos bens dos proprietários rurais, da coroa e da Igreja... Estabelecerá o controle operário da produção, assegurará a todas as nacionalidades que vivem na Rússia o direito absoluto de disporem de si mesmas" (4).

"Paz democrática", confisco das propriedades, controle da produção, poder soviético, exército revolucionário, direito dos povos de disporem de si mesmos... Os anos vindouros iriam mostrar como os bolchevistas entendiam esse programa.

Fica abolida a grande propriedade agrícola

Os novos senhores da situação tomaram o cuidado de não esclarecer alguns pontos delicados. Um dos decretos, por exemplo, dizia: "A grande propriedade agrícola fica abolida imediatamente, sem nenhuma indenização...." Abolida em favor de quem? Do Estado? Dos camponeses? A ambiguidade parece ter sido proposital, pois os bolchevistas não controlavam ainda as massas rurais, que constituíam 80 por cento da população russa e estava habituada ao regime patriarcal dos Tsares.

O radicalismo da revolução de outubro deixou atônitos o funcionalismo, a administração, os técnicos, o Exército. Todos recusam obediência ao novo regime. A "contra-revolução" começa a levantar a cabeça em Moscou. Kerenski tenta salvar o defunto governo provisório, e consegue reunir um corpo de cavalaria. Os bolchevistas se organizam e vencem as forças opositoras em Pulkovo. Esta vitória foi para os soviéticos o que a batalha decisiva de Valmy representou para os revolucionários franceses do século XVIII. As manobras de opinião pública ganharam a população de Petrogrado. A 2 de novembro, a resistência de Moscou também está liquidada, os sovietes locais agem com rapidez e, em pouco tempo, as principais cidades reconhecem o poder soviético. Em quase todos os lugares, apenas algumas unidades radicais do Exército apoiavam os revolucionários. A maioria limitava-se a uma neutralidade indolente, á espera da paz que a guerra lhes tirara, há três anos.

Logo nos primeiros dias de governo, os bolchevistas começaram a manifestar suas contradições. A greve paralisou a capital. O novo governo lançou mão de um decreto, baixado em 7 de novembro, proibindo a greve — qualificada de "crime contra o povo" — e toda oposição às medidas tomadas pelo Estado. A 16 de novembro, a Duma de Petrogrado era dissolvida e o pão, racionado.

Na ocasião, foram tomadas outras iniciativas pela revolução bolchevista: supressão dos graus e insígnias nas forças armadas e criação da terrível polícia política, conhecida como a Tcheka. Dzerjinski, seu organizador, frio e sanguinário, afirma que "o terror vermelho não é outra coisa que a expressão da vontade inflexível da classe camponesa mais pobre e do proletariado, de aniquilar a menor tentativa de sublevação Contra nós". À Tcheka de Moscou ela ordena: ''Fuzilar, conforme as listas todos o cadetes, gendarmes, representantes do antigo regime e não importa que príncipes e condes que se encontrem em todas as casas de detenção de Moscou, em todas as prisões e campos" (5).

Brest-Litovsk: o "diktat" do Kaiser e o "diktat" de Lenine

Restava o problema da guerra. Lenine desejava a paz com os alemães a qualquer preço, considerando que era mais importante consolidar a revolução bolchevista. Bukharin, ao contrário, desejava o levante das massas para mover uma guerra revolucionária. Trotsky também não se conformava em acatar o ultimatum germânico. A lentidão com a qual os russos desenvolviam as negociações irritava os alemães. Por fim, eles perderam a paciência e iniciaram a invasão, ocupando parte da Rússia Branca e os países bálticos. Lenine argumenta:

"Convidam-nos a fazer poses e belos gestos. Olhemos antes o que somos, em que estado nos encontramos. O Alemão [O Kaiser Guilherme II] nos agarra pela garganta, coloca o joelho sobre nosso peito e tem seu revólver apontado para a nossa têmpora. Onde está a mão do proletariado internacional que nos deve livrar? Eu não a vejo. Deem-me um exército de 100 mil homens, forte, disciplinado, que não tremerei diante do inimigo e não assinarei a paz. Sim, é uma paz salgada, uma paz infame, mas deveis assiná-la em nome da revolução. Ah! Pensais que o caminho da revolução é semeado de rosas?" (6).

Mais uma vez, Lenine se impõe. Os alemães exigem independência da Ucrânia, Finlândia, Estônia, Letônia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão e o Transcáucaso. Além disso, a Polônia, a Lituânia e parte da Rússia Branca ficariam sob controle alemão.

O diktat do Kaiser apressa a formação do Exército Vermelho. É Trotsky quem o organiza. A 15 de janeiro de 1918, sua constituição é decretada. A 3 de março, os soviéticos assinam o tratado de paz com os alemães em Brest-Litovsk. Desse modo, os comunistas afastam o inimigo externo, para dedicar-se à implantação cabal da ditadura do proletariado que, na realidade, é a do Partido.

A 7 de março de 1918, no VII Congresso do Partido, os bolchevistas adotam o nome comunistas e ratificam o tratado de Brest-Litovsk. A 14 de março, o governo instala-se em Moscou. Em julho., cria-se a República Soviética Federativa Socialista da Rússia, cuja Constituição baseia-se no sistema dos sovietes e na ditadura do proletariado. A terra e a indústria são estatizadas.

Muitos generais, nenhuma vitória.

Em maio de 1918, começam os levantes dos brancos, isto é, de forças anticomunistas. É o começo da guerra civil. O almirante Koltchak coloca-se à frente de soldados tchecos entre os Urais e o Volga. Os generais Denikin, Krasnov e Wrangel atacam pelo sul; o general Yudenitch, a partir da Estônia; e o general Miller pelo norte. Para salvaguardar seus interesses (dívidas contraídas pelo governo tsarista) e impedir a fixação dos bolchevistas no poder, tropas inglesas, francesas, norte-americanas e japonesas desembarcam em Vladivostok, Murmansk,. Arkhangelsk, Odessa, Sebastopol e Novosibirsk.

O ataque simultâneo dos brancos e dos Aliados parecia estar prestes a destroçar os soviéticos. No entanto, não foi o que se deu. O Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Winson, propôs uma conferência com a participação de todos os partidos russos. Os brancos rejeitam. Seria o reconhecimento da legitimidade dos marxistas. O marechal Foch, que acabava de levar os Aliados à vitória contra os alemães, propõe uma cruzada anticomunista para salvar a Rússia. Seu plano é inexplicavelmente rejeitado pelo Grande Conselho dos Aliados. Pelo contrário, em seguida são emitidas ordens para a retirada das forças francesas, inglesas, norte-americanas e japonesas do território russo, assim definitivamente entregue aos comunistas.

Causa perplexidade a atitude das potências ocidentais e do Japão. É estranha também a completa falta de coordenação entre os vários generais brancos, que dirigiam a ofensiva contra o novo regime de Moscou. Em consequência, o recém-organizado Exército Vermelho não teve dificuldades de iniciar uma contraofensiva vitoriosa, reconquistando paulatinamente o território perdido, inclusive a maior parte dos países que haviam adquirido sua independência pelo tratado de Brest-Litovsk.

Massacre da família imperial

No começo da guerra civil, a família imperial estava presa em Ekaterinburg, onde o Tsar, a Tsarina e suas filhas recebiam o tratamento mais humilhante possível. No dia 16 de julho de 1918, o Tsar e sua família são acordados à meia-noite. Uma hora depois, a família imperial é chacinada e jaz atirada ao chão numa poça de sangue. O Tsarevitch ainda geme. Dois tiros de misericórdia o liquidam.

Lenine não quer deixar a seus adversários uma bandeira viva, nem o que poderia significar como que uma relíquia para o povo. Trotsky explica a razão da chacina, encarada sob o prisma brutal e facinoroso dos bolchevistas:

"A execução da família imperial era necessária não somente para assustar, golpear de estupor, privar de esperança o inimigo, mas também para sacudir os nossos, mostrar-lhes que não há recuo possível, que o que os esperava era a vitória total ou a derrota total. Nos meios intelectuais do Partido, é verossímil que houvesse dúvidas e menear de cabeças. Mas as massas de trabalhadores e de soldados não tiveram um minuto de dúvida: elas não teriam cumprido e admitido nenhuma outra decisão. É isso que Lenine sentia bem: era-lhe própria, no mais alto grau, a faculdade de pensar e de sentir pela massa e com a massa, sobretudo nas grandes viradas políticas..." (7).

Fome, miséria e sangue

A socialização dos meios de produção e a planificação centralizada do regime soviético levou, em pouco tempo, o país à miséria mais negra. A desordem penetrou no campo e na indústria. A produção de 1920 não chegava a 18% da de 1913. Em fevereiro

Conclui na pág. 6

Tsar Nicolau II e Tsarina Alexandra Feodorovna.

Pope Gapone, o agitador de 1905, com o prefeito de São Petersburgo.

Camponeses russos (mujiks) no tempo do último Tsar.

Tsarevitch Alexis.

25 de outubro de 1917 Soldados instigados por bolchevistas tomam de assalto o Palácio de Inverno e o poder. O povo está ausente.

Lenine, fundador do Estado totalitário soviético.

Grigori Rasputin, o mistificados satânico — Fator de demolição da autoridade imperial.

Alexandre Kerenski Sua "moderação" entreguista preparou a ascensão dos bolchevistas.